Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

domingo, 28 de maio de 2017

POR QUÊ DEUS PERMITE OS MALES E OS MAUS?



Santo Agostinho explica-nos porque permite Deus os males e os maus: para dar-lhes o tempo de se converterem e aos bons de se purificarem mais:

Lembra-se dos homens maus que tem de sofrer e este sofrimento, que lhe causam os homens maus, ele o chama seu exercício. Não julgueis que sem motivo existam os maus neste mundo e que não tire Deus algum bem deles. Todo aquele que é mau, ou vive para que se corrija, ou vive para que por ele se exercite quem é bom… Oxalá, pois, os que agora nos exercitam (a paciência) se convertam e, por sua vez, sejam exercitados conosco. Contudo, enquanto permanecem tais que nos molestam, não os odiaremos, porque, por ser mau alguns deles, não sabemos se continuará assim até o fim. E quase sempre, quando te parece odiar a um inimigo, tens ódio a um irmão, sem o saberes’ (“Tratado Sobre os Salmos”, Salmo 54, 6)”.


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Fonte: Rev. Pe. Alcionílio Brüzzi Alves da Silva, Salesiano, “Manual da Semana Santa”, Quinta-feira Santa – Ofício de Trevas, Matinas (II Noturno – Lição IV-V), pp. 215-217; 2ª Edição, Livraria Salesiana Editora, São Paulo, 1945.

sábado, 20 de maio de 2017

A VIRGINDADE PERPÉTUA DE MARIA SANTÍSSIMA, E OS DITOS “IRMÃOS” DE JESUS CRISTO.



O que pensavam os Santos Padres.

Maria Santíssima, a Mãe de Jesus, foi perpetuamente Virgem ou não foi? Maria terá tido outros filhos além de Jesus?

Teremos naturalmente que examinar todos os textos da Bíblia que giram em torno desta questão. Antes disto, porém, temos uma pergunta a fazer: Quem está mais autorizado a nos dar uma segura informação a este respeito, a nos dizer o que se deve pensar sobre a Virgindade de Maria: a Igreja Católica, que vem dos tempos de Cristo, que recebeu, portanto, na sua fonte, o ensino dos Apóstolos, ou os Protestantes que só vieram a aparecer no século XVI? A Igreja Católica, que jamais teve a mínima dúvida sobre este assunto ou o Protestantismo em cujo seio, têm aparecido sobre esta própria matéria, como sobre tantas outras, opiniões bastante desencontradas?

O único fundamento em que se baseiam os adversários para duvidar da Virgindade de Maria Santíssima, é a interpretação que dão a certas passagens do Evangelho. Mas este mesmo Evangelho que os protestantes hoje leem e comentam, não era também lido, manuseado, estudado cuidadosamente pelos Santos Padres? Se os protestantes veem tão claro nos Evangelhos que Maria perdeu um dia a sua Virgindade, seriam os Santos Padres tão cegos, tão loucos e ignorantes que não o tivessem visto?

Quando aparece no século 5º um tal Helvídio, “homem rústico e mal conhecedor das primeiras letras”, como diz São Jerônimo, querendo negar que Maria Santíssima tivesse sido Virgem depois do parto, São Jerônimo, além do exame que faz dos textos alegados, apresenta como argumento a unanimidade dos Santos Padres a respeito da Virgindade perpétua de Maria. E quando lhe alegam Tertuliano, que teria escrito alguma coisa neste sentido, admitindo que Maria não foi Virgem depois do parto, São Jerônimo observa muito bem que, contra o testemunho dos Santos Padres, o de Tertuliano nada vale, porque ele não foi um “homem da Igreja”. De fato, Tertuliano era cristão, era um grande escritor, mas afastou-se da Igreja, abraçando a doutrina do Montanismo.

Mais ainda: hoje, quando um pastor protestante tem a ousadia de falar de público atacando a Virgindade de Maria Santíssima, o povo católico se toma de indignação e o obriga a calar-se. Os protestantes veem nisto apenas um sinal de ignorância, de pieguice e de sentimentalismo.

Pois bem, esta mesma indignação aparece igualmente bem clara nos escritos dos Santos Padres e de grandes escritores dos primeiros tempos da Igreja, o que é sinal de que não se trata de ignorância, mas de bom senso.

Santo Ambrósio diz assim: “Houve quem negasse que Ela (Maria) tivesse permanecido Virgem. Desde muito tempo temos preferido não falar sobre este tão grande sacrilégio. Maria não broma (brinca); não broma aquela que é Mestra da Virgindade; nem podia acontecer que aquela que em Si tinha trazido Deus resolvesse andar às voltas com um homem. Nem José, varão justo, cairia nesta loucura de querer misturar-se com a Mãe do Senhor em relação carnal”.1

Santo Hilário não só afirma que Maria permaneceu sempre Virgem, mas também observa que os que pensam de maneira diversa são “irreligiosos e alheios à doutrina espiritual”.2

Santo Epifânio exclama: “Donde é que surgiu esta perversidade? Donde é que irrompeu tamanha audácia? Porventura o próprio nome não é suficiente atestado? Quem houve jamais em tempo algum que ousasse proferir o nome de Maria e espontaneamente não acrescentasse a palavra Virgem?… O nome de Virgem foi dado a Santa Maria, nem se mudará nunca, Ela sempre permaneceu ilibada”.3

Genádio diz o seguinte: “Com fé íntegra se deve crer que a Bem-aventurada Maria, Mãe de Cristo Deus, não só gerou como Virgem, mas permaneceu Virgem depois do parto e não se há de concordar com a blasfêmia de Helvídio que disse: Virgem antes do parto, mas não virgem depois do parto”.4

E é com veemência que São Jerônimo se lança contra este Helvídio que, embora admitindo a Virgindade de Maria antes do parto e no parto, afirmava que Ela tivera outros filhos depois. Após citar os vários textos em que se baseia a sua argumentação para provar que aqueles “irmãos” de Jesus não são filhos de Maria, São Jerônimo acrescenta: “Ó o mais imperito dos homens, não tinhas lido estas coisas; e lançaste no pélago das Escrituras a tua raiva para injúria da Virgem, a exemplo daquele que, segundo contam, sendo desconhecido do povo e nada de bom podendo fazer, imaginou um crime para se tornar famoso: incendiou o templo de Diana. E não tendo dado resultado o sacrilégio, ele próprio saiu a público, afirmando aos gritos que fora ele o autor do incêndio. E perguntando os magistrados de Éfeso por que motivo teria querido fazer isto, respondeu: para que, se não por bem, ao menos por mal me tornasse de todos conhecido. É, pelo menos, o que nos narra a história grega. Tu incendiaste o Templo do Corpo do Senhor; contaminaste o Santuário do Espírito Santo, do qual pretendes ter saído uma quadra de irmãos e um montão de irmãs. Argumentas com o que dizem os judeus: Porventura, não é este o filho do oficial? Não se chamava sua mãe Maria e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E suas irmãs, não vivem elas todas entre nós?5 Todos, só se diz de uma multidão. Pergunto: quem te ensinou semelhante Blasfêmia? Quem é que te levava em conta? Mas agora conseguiste o que querias; tu te tornaste famoso no crime”.6

Por aí se vê, que o fato de indignar-se o povo cristão e católico, quando alguém nega ou põe em dúvida a Virgindade da Mãe de Deus, não é sinal de ignorância das Sagradas Letras, pois gente muito bem entendida nelas também mostrou a mesma indignação e revolta contra tão ousada blasfêmia. E a Virgindade perpétua de Maria é doutrina comum e unânime dos Santos Padres.

Para não falarmos mais nos já citados:

Assim diz Santo Efrém: “Ó Virgem Senhora, imaculada deípara, Senhora minha gloriosíssima, mais sublime que os Céus, muito mais pura que os esplendores, raios e fulgores solares… vara de Arão que germina, apareceste como verdadeira vara e a flor foi o teu Filho verdadeiro, nosso Cristo Deus e Criador meu; Tu segundo a carne geraste Aquele que é Deus e Verbo, conservando a Virgindade antes do parto, Virgem depois do parto, e fomos reconciliados com Deus, teu Filho”.7

Referindo-se a Maria, diz Santo Agostinho: “Virgem que concebe, Virgem que dá a luz, Virgem grávida, Virgem que traz o feto, Virgem perpétua”.8

Virgem concebeu, Virgem deu a luz, Virgem permaneceu” – é uma fórmula usual referente a Maria Santíssima, empregada, não só nos escritos de Santo Agostinho,9 mas também nos de outros Santos Padres, como São Pedro Crisólogo,10 São Leão Magno,11 por exemplo.

Esta sempre foi desde o começo a doutrina firme e universal da Igreja. Nem se venha dizer que esta opinião dos Santos Padres é motivada pelo fato de ser a Virgindade perpétua de Maria definida pela Igreja como dogma de fé, pois esta definição só veio a dar-se no século 7º, no Concílio de Latrão e todas estas citações aqui apresentadas não ultrapassam o século V.12

Portanto, está o leitor diante de 2 fatos: 1º) Há muitos protestantes que leem a Bíblia e querem apresentar como certo, certíssimo, que Maria Santíssima não conservou a sua Virgindade. 2º) Os Santos Padres tinham também à mão a mesma Bíblia e a seguiam fielmente e achavam que ela era infalível e já desde o princípio vem afirmando como certo, certíssimo, muito antes que isto fosse definido pela Igreja, que Maria Santíssima concebeu como Virgem, deu à luz como Virgem e como Virgem permaneceu até o fim de sua vida.

É o caso de dizer o leitor: Deve haver qualquer engano nesta afirmativa dos protestantes, tanto mais que eles próprios já não estão de acordo entre si. Seria interessante examinar atentamente se têm valor ou não as alegações protestantes, comentando os textos bíblicos que eles nos apresentam.

É o que vamos fazer, leitor amigo. E veremos se esses protestantes que se mostram tão anchos (orgulhosos) com seu conhecimento superficial da Bíblia e que por isso mesmo tacham de ignorantes os que afirmam a Virgindade perpétua de Maria Santíssima, veremos se eles conseguem realmente passar aos Santos Padres da Igreja este atestado de burrice e ignorância.


Noiva ou Casada?

A Bíblia não nos diz com estas mesmas palavras, que Maria Santíssima foi Virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Mas nos dá um sinal bem claro, bem evidente da Virgindade perpétua de Maria Santíssima. É na cena da Anunciação do Anjo, narrada por São Lucas.

Mas, antes de comentarmos esta cena e as palavras da Virgem nela proferidas, temos que fazer o leitor ficar ao par de uma pequena controvérsia, que existe entre os intérpretes da Bíblia.

Narra-nos São Lucas, descrevendo a Anunciação, que foi enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma Virgem desposada com um varão, que se chamava José, da casa de Davi; e o nome da Virgem era Maria.13

Que significa esta palavra desposada?

O termo correspondente no texto grego é o particípio passado passivo do verbo Mnestéuo, que tem 2 sentidos:

Mnestéuo = casar, adquirir para si uma esposa.

Mnestéuo = dar em casamento, prometer em casamento.

Assim o particípio Emnesteuméne, aí empregado em referência a Maria, pode ter dois 2 sentidos.

Emnesteuméne = que já se casou, que já está casada;

Emnesteuméne = que já noivou, que já foi dada ou prometida em casamento.

Não se sabe pelo texto se Maria, ao receber a Anunciação do Anjo estava já casada com São José, habitando com ele na mesma casa ou se era apenas uma noiva, prometida em casamento e aguardando o dia em que iria com ele habitar em conjunto. Mais adiante, ao relatar o Nascimento, São Lucas, dizendo que José foi à cidade de Davi, para se alistar com a sua esposa Maria,14 emprega a mesma palavra (Emnesteuméne) e aí evidentemente já estão casados, morando na mesma casa. Mas disto não se conclui que na hora da Anunciação, esta palavra tenha o mesmo sentido, uma vez que servia para designar uma coisa ou outra: ou noiva ou casada.

Os melhores intérpretes se dividem nesta questão: S. Hilário, S. Basílio, Orígenes são de opinião que Maria era, então, simplesmente noiva; S. Ambrósio, S. João Crisóstomo, S. Pedro Crisólogo, S. Bernardo, Suarez são de opinião que Ela já era casada, quando recebeu a visita do Anjo.

Os modernos também se dividem neste particular.

Não nos compete emitir parecer numa questão em que os grandes mestres discutem. Apenas queremos fazer menção de uma dúvida que logo ocorre ao espírito do leitor: Como podia Maria ser apenas uma simples noiva no momento da Anunciação, se desde esse momento Ela vai conceber e depois vai mostrar sinais de gravidez? Os partidários da opinião de que se tratava apenas de simples noivado, apelam para a diferença entre os nossos costumes, os dos tempos de hoje e os costumes dos judeus de outrora, em que o noivado era já um contrato firmado dando aos noivos plenos direitos matrimoniais, tendo menor importância a cerimônia da realização do casamento, em que a noiva era introduzida na casa do noivo. Demos a palavra ao Pe. Denis Buzy: “Todo o mundo reconhece hoje que os noivos judeus gozavam dos mesmos direitos matrimoniais que os esposos propriamente ditos. As provas se tornaram clássicas: a noiva infiel era punida com o apedrejamento, do mesmo modo que a esposa culpada; a noiva que perdia seu noivo era assemelhada a uma viúva; a noiva, como a esposa, não podia ser desprezada senão por uma carta de divórcio; o filho concebido no tempo do noivado era olhado legítimo. Segundo a palavra de Calmet, o noivado, quase igualmente como o casamento, era uma cobertura suficiente para a reputação da mãe e do filho. Além disto, não precisamos que nos venham persuadir que Deus não podia prejudicar a honra daquela que Ele dava por Mãe a seu Filho”.

Mencionamos esta questão, porque ela vai influir na compreensão de certos textos.

Vejamos agora.


A Cena da Anunciação.

Aparecendo a esta Virgem desposada com um varão que se chamava José,15 a esta Virgem chamada Maria, o Anjo a saúda: Deus te salve, cheia de graça: o Senhor é contigo16.17

Diante da saudação do Anjo, a Virgem se perturba; na sua humildade profunda não pode compreender tão alto elogio, tão honrosa saudação feita por um Anjo, admira-se como o Senhor podia assim pôr os olhos na baixeza de sua escrava;18 em vez de envaidecer-se, confunde-se ante a mensagem que vem do Céu, tão longe está de se julgar em tão privilegiada situação perante Deus: Ela, como o ouviu, turbou-se do seu falar e discorria pensativa que saudação seria esta.19

O Anjo então a tranquiliza e aproveita a ocasião para lhe dar a grande notícia: Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis conceberás no teu ventre e darás à luz um filho e por-Lhe-ás o nome de Jesus. Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.20

O grande ideal das filhas de Israel era ser mãe; que se dirá então deste ideal mil vezes mais elevado de ser mãe do Messias Prometido, daquele que iria reinar eternamente na casa de Jacó? Qual a moça judia que pensaria em opor dificuldades a esta perspectiva de se tornar mãe de uma maneira tão gloriosa?

Maria Santíssima, entretanto, vê uma grande dificuldade diante de si: Como se fará isso, pois Eu não conheço varão?21

Ora, estas palavras revelam claramente uma resolução decidida de conservar perpetuamente a sua Virgindade.

Maria Santíssima que já está casada ou, no mínimo, que já é noiva de S. José, fica sem compreender como pode ter um filho, se não conhece varão. É evidente que Ela não se refere ao fato de não ter conhecido varão até a data presente, pois isto de maneira alguma representaria um empecilho ou uma impossibilidade. Pois não estava Ela já casada com José? Ou, na hipótese de um simples noivado, não estava Ela de contrato firmado com José para se casar dentro de pouco tempo? O Anjo não diz que Ela já concebeu, nem que Ela vai conceber naquele mesmo dia ou naquela mesma semana, apenas fala, sem determinação de tempo, numa coisa que irá acontecer para o futuro: Conceberás. Para uma noiva, esta revelação é o que há de mais natural; nenhuma noiva, em circunstâncias normais, acharia impossível este acontecimento. Como bem observa Cornélio A Lápide, Ela diz: Não conheço varão assim como dizem os abstêmios Não bebo vinho, querendo significar com isto, não só que não bebem vinho presentemente, mas que não pretendem bebê-lo. Está Maria não diante de uma impossibilidade física, mas sim de uma impotência moral; se Ela vê aí que é um problema tão difícil o nascimento de um filho, é porque está ligada a Deus pelo voto de virgindade. E se existe este voto de virgindade nela que está comprometida com S. José, é sinal de que houve entre ambos um pacto de perfeita continência.

E a prova de que a dificuldade que vê Maria Santíssima para ser a Mãe do Messias é a sua inabalável resolução de conservar-se Virgem, está na resposta dada pelo Anjo. Maria deve tranquilizar-se a este respeito, porque o Filho nascerá por um prodígio, sem quebra absolutamente de sua Virgindade: O Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te cobrirá da sua sombra. E por isso mesmo o Santo que a há de nascer de ti será chamado Filho de Deus. Que aí tens tu a Isabel, tua parenta, que até concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se diz estéril, porque a Deus nada é impossível.22

Resolvida a dificuldade, explicado pelo Anjo como se podem conciliar as 2 coisas, a virgindade e a maternidade (Deus, a quem nada é impossível, e que se encarregará de conciliá-las), só então é que Maria Santíssima dá o seu sim: Eis aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.23

Uma pergunta naturalmente nos há de fazer o leitor: Tendo Maria Santíssima esta inabalável resolução de conservar resolução de conservar a sua Virgindade, como se explica que a vemos esposa ou, pelo menos, noiva de S. José? Se Ela queria permanecer Virgem, não pareceria, humanamente falando, mais seguro ficar em casa sem ser noiva ou sem casar-se, do que procurar um casamento com pacto de continência?

Nas circunstâncias em que estava Maria, dados os costumes e a mentalidade do povo judaico, o mais seguro para Ela era casar-se com pacto de continência, tanto mais que na sua intuição tinha bem compreendido a castidade admirável de S. José. E explicaremos por quê.

Entre os judeus daquele tempo não se concebia que uma moça ficasse solteira. Quando a mulher chegava à idade de casar-se, os pais, os parentes lhe arranjavam um casamento e a moça tinha que submeter-se. O povo judeu, pequeno povo no mundo, mas povo eleito do Senhor, que cultuava o Deus Verdadeiro, sentia-se na necessidade absoluta de propagar-se.

Pelo seu casamento com S. José, Maria Santíssima não só satisfazia à imposição de seus parentes, como também ficava livre das possíveis importunações dos pretendentes à sua mão, ao mesmo tempo que realizava o seu ideal de Virgindade.

E Deus que inspirara em ambos, em Maria e José este alto ideal de castidade, preparava admiravelmente a realização de seus desígnios. Queria que o Messias Prometido nascesse de uma Virgem, mas era preciso que fosse uma Virgem casada, para que se salvaguardasse perante o público o bom nome, a reputação da mãe e do filho. E no meio de tantas filhas de Israel que ambicionavam a glória de ser Mãe do Messias, foi premiar justamente aquela que em tal preço punha a sua Virgindade que renunciaria de bom grado a pretensão de ser a Mãe do Salvador. Nem Maria nem José podiam ter a mínima ideia de que do seu lar abençoado e casto haveria de sair o Redentor do mundo; o seu desprendimento, a sua renúncia haviam conquistado o Coração de Deus.

Voltemos, porém, à nossa argumentação.

Pelo colóquio entre Maria e o Anjo Gabriel se vê claramente que Maria conservava uma resolução inabalável de conservar a sua Virgindade; tão firma era esta resolução que Maria, ao receber a comunicação do Anjo, se lembra logo do seu voto feito a Deus, prestando mais atenção a este seu compromisso do que à mensagem do Anjo, por mais tentadora que esta seja. Daí se conclui com toda lógica, que Maria foi Virgem antes do parto, no parto e depois do parto.

1º – Virgem Antes do Parto. Isto não necessita de grandes demonstrações. Nem os protestantes entram em discussão sobre este ponto. Tanto as palavras do Anjo ditas a Maria na Anunciação, como a declaração explícita do Evangelista S. Mateus, segundo veremos daqui a pouco, são claras em afirmar, que Jesus nasceu sem intervenção humana e que Maria estava intacta por ocasião de seu Nascimento.

2º – Virgem no Parto. Uma vez manifestado o desejo de Maria de conservar a sua Virgindade, não seria o seu próprio Filho, Ele que nos ensina a honrar pai e mãe, que haveria de destruir no Nascimento esta Virgindade, da qual Ela fazia tanta questão.

Além disto, o Evangelista S. Mateus apresenta o Nascimento de Jesus, como a realização da profecia de Isaías: Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que falou o Senhor pelo profeta que diz: Eis, uma virgem conceberá e dará à luz um filho e apelidá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus conosco.24

Ora, essa profecia anunciava um grande prodígio, pois Isaías tinha dito a Acaz: Pede para ti, ao Senhor teu Deus, algum sinal que chegue ao profundo do inferno ou ao mais alto do Ceu,25 e Acaz se recusara a pedi-lo: Não pedirei tal, nem tentarei ao Senhor.26 Deus vai anunciar o grande prodígio, prodígio que Acaz não entenderá, como bem o merece a sua incredulidade; mas que S. Mateus mostra cumprido no Nascimento de Jesus: Eis, que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e será chamado o seu nome Emanuel.27É claro que este grande prodígio ficaria incompleto, se Maria pudesse conceber, permanecendo Virgem e não pudesse dar à luz sem perda de sua integridade. E o texto afirma uma coisa e outra; diz: Eis que uma virgem conceberá e acrescenta: E dará à luz.

Ir perguntar aos médicos, como isto pode acontecer, quais são as suas explicações sobre o caso, seria muito fora de propósito: seria o caso também de perguntar aos sábios, como pode Jesus entrar numa casa estando as portas fechadas,28 ou como pode um morto ressuscitar no terceiro dia.

3º – Virgem Depois do Parto. Se Maria Santíssima manifestou diante do Anjo aque firmíssimo propósito de conservar-se Virgem, não se pode conceber que aquela que S. Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, chamou bendita entre as mulheres,29 tivesse a fraqueza de quebrar o seu voto. Se diante da própria perspectiva de ser a Mãe do Messias, se diante da própria mensagem do Céu Ela vê, no seu empenho de permanecer Virgem, um obstáculo muito grande para aceitar a grande missão, que lhe era confiada e só dá o seu consentimento quando o Anjo a tranquiliza a respeito, como é que depois do Nascimento de Jesus Ela não se contentaria com um Filho tão nobre e tão sublime e procuraria ter outros? O mesmo se diga de S. José, que a Escritura abertamente chama um homem justo.30 Não se concebe que, após o Nascimento do Redentor, quisesse forçar ou induzir a sua esposa a quebrar a sua inabalável resolução, quando a segurança com que Maria declara que não conhece varão Ela que demonstra assim conhecer as leis do matrimônio), mostra claramente que S. José estava de pleno acordo com o seu propósito, e voto de Virgindade. Bem, como seria grande presunção de sua parte, querer violar o Corpo virginal de Maria, que servira de Templo ao Redentor.

Para quem sabe tirar logicamente as conclusões de um fato, para quem lê os Evangelhos com o desejo sincero de conhecer a verdade, e não com a ideia preconcebida de contradizer a Igreja, para quem considera a Mãe de Deus como Ela o era realmente, uma criatura Santa e fiel aos seus compromissos assumidos para com Deus, o diálogo entre Maria e o Arcanjo S. Gabriel, é uma prova cabal de sua perpétua Virgindade.


Antes de Coabitarem.

Vejamos agora os textos do Evangelho, sobre os quais se enganam redondamente os protestantes, julgando ver neles uma prova de que Maria não foi Virgem depois do parto.

Um deles é o seguinte: Estando já Maria, sua mãe, despojada com José, antes de coabitarem, se achou ter ela concebido por obra do Espírito Santo.31

Tanto a palavra portuguesa coabitar, como a palavra grega a ela correspondente no texto, isto é, o verbo synérchomai, têm 2 sentidos, um inocente e outro não.

Synérchomai = reunir-se em um mesmo lugar, habitar junto.

Synérchomai = ter relações carnais.

Se modernamente no português o verbo coabitar já começa a ser empregado mais neste 2º sentido, isto nada tem que ver com a questão. Não deixa de haver em português o 1º sentido; consulte-se para isto qualquer dicionário. Além disto a Bíblia não foi escrita em português; o texto do Pe. Pereira que aí damos não é mais que a tradução da Vulgata, que por sua vez traduz o texto grego, e no grego há os dois sentidos.

Fica, portanto, a questão: Antes de coabitarem aí no caso quer dizer: Antes de morarem juntos ou quer dizer antes de terem relações carnais?

Para se resolver esta questão, seria preciso, porém, resolver a outra, a qual não ficou devidamente elucidada: Desposada no texto da Anunciação quer dizer casada ou quer dizer apenas noiva, dada em casamento?

Se desposada quer dizer simplesmente noiva, como opinam muitos bons intérpretes, então antes de coabitarem significa simplesmente: antes que o noivo José tivesse levado Maria para a sua casa e começassem a morar juntos sob o mesmo teto. Não há, portanto, nenhuma prova contra a Virgindade de Maria Santíssima.

Mas, dirão os protestantes: O Sr. mesmo disse que também são muitos os bons intérpretes que afirmam que quando o Anjo anunciou a Maria, Ela já estava casada, morando com José na mesma casa. Nesta hipótese então antes de coabitarem quer dizer evidentemente antes de terem relações sexuais. Ora, dizendo isto, o Evangelista mostra que de fato tiveram estas relações depois.

Quer dizer então que a objeção de Vocês vale somente sob condição. Está de pé a objeção somente no caso em que desposada queira dizer casada e morando na mesma casa.

Mas vamos supor mesmo como certo o que é discutido. Vamos supor como assentado de pedra e cal, que Maria recebeu a mensagem do Anjo, quando já estava morando com S. José na mesma casa e que, portanto, antes de coabitarem quer dizer antes de terem relações carnais.

Mesmo assim, é inteiramente falha a argumentação de Vocês.

Daí não se segue forçosamente que houve tais relações depois. O fito do Evangelista é apenas frisar que não houve intervenção humana no Nascimento de Jesus; e ele podia muito bem ter dito isto, mesmo sem cogitar de maneira alguma no que sucedeu ou podia ter sucedido depois. Nem sempre quando se diz: Antes de fazer uma coisa, se segue que a coisa depois foi feita.

Podemos citar inúmeros exemplos.

Já S. Jerônimo, argumentando contra Helvídio, apresentava as seguintes frases:

Antes de almoçar naquele porto, embarquei para a África.
Paulo Apóstolo, antes de chegar à Espanha, foi preso.
Helvídio, antes de fazer penitência, morreu.

Daí não se segue que depois voltei àquele porto para almoçar. Não se segue que Paulo tivesse chegado à Espanha, nem que Helvídio, depois de morto, tivesse feito penitência.

Cornélio A Lápide lembra as seguintes frases:

Ele, antes de envelhecer, estava cheio de cabelos brancos.
Este menino, antes de atingir a idade viril, já é um sábio.

Daí não se conclui que ele tenha envelhecido, pode até ter morrido antes disto, mas o fato é que teve cabelos brancos antes de envelhecer. Nem se conclui que o menino tenha que atingir a idade viril para a frase ser verdadeira: a frase exprime apenas o que o menino é de inteligência precoce, pode muito bem morrer antes de tornar-se homem, como muitas vezes acontece com os precoces.

Observa Calmet:

“Diz-se todos os dias que:
Um homem morreu antes de executar seus projetos.
Segue-se daí que os tenha executado depois da morte?
Que: Um juiz condenou o réu, antes de ouvi-lo.
Segue-se que o tenha ouvido, depois de condená-lo?”

Realmente, caros amigos, nós dizemos:

Os alunos, antes de prestarem o exame, foram aprovados e diplomados;

O trem espatifou-se, antes de chegar à estação de tal cidade.

Quando é claro que, depois de diplomados, os alunos não prestarão mais exames e que o trem espatifado não chegou ao seu destino.

E quando dizemos: Os protestantes, antes de estudarem a fundo as questões bíblicas, se põem a doutrinar; não cogitamos se no caso eles irão depois estudar a fundo ou não estas questões bíblicas.

Em todos estes casos antes de fazer equivale apenas a sem fazer:

Embarquei para a África sem almoçar; Paulo foi preso sem ter chegado à Espanha, Helvídio morreu sem fazer penitência; ele, sem envelhecer, estava com cabelos brancos; o menino, sem ser homem feito, já é um sábio; o homem morreu sem executar os seus projetos; o juiz condenou o réu sem ouvi-lo; os alunos foram diplomados sem prestarem exame; o trem espatifou-se sem chegar àquela estação e os protestantes se põem a doutrinar sem estudarem a fundo as questões bíblicas.

A frase do Evangelho quer dizer apenas: Estando já Maria, sua Mãe, desposada com José, sem coabitarem, se achou ter Ela concebido do Espírito Santo. Seja qual for o sentido que se queira dar à palavra coabitar, isto em nada atinge no caso a Virgindade de Maria Santíssima.


Não Temas Receber Maria, Tua Mulher.

Uma vez averiguado por S. José o estado de gravidez de Maria Santíssima, isto não deixou de ser um caso doloroso para ele. Não tinha nenhuma dúvida sobre a virtude de Maria e por outro lado aparecia aquele fenômeno tão estranho. Observa Calmet: “Ele creu que, o que via nela, provinha antes de alguma violência que Ela teria sofrido ou de alguma outra causa que lhe era desconhecida”. Maria, por sua vez, guardava o segredo da revelação do Anjo, entregando-se confiantemente à Divina Providência que tudo solucionaria.

Nesta situação angustiosa, resolve José deixá-la secretamente. Foi a atitude que se lhe afigurou mais prudente e acertada. Um Anjo, então, em sonhos lhe explica o ocorrido. É a melhor solução e a que não podia faltar; o papel de José como preservador da reputação de Maria é indispensável; e por outro lado a revelação feita pelo Céu torna-se mais honrosa para a Santíssima Virgem.

O Anjo diz a José: Não temas receber a Maria, tua mulher, porque o que nela se gerou é obra do Espírito Santo.32 E diz o Evangelho que despertando José do sono, fez como o Anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu a sua mulher.33

Que significa este verbo receber aí expresso duas vezes?

Corresponde ao verbo grego:

Paralambáno – receber ao pé de si ou consigo (como mulher ou companheira, como filho adotivo ou como auxiliar ou aliado); acolher, dar hospitalidade; tomar a seu cargo; aceitar, admitir.

Na hipótese de que S. José, ao receber o aviso em sonhos, estivesse simplesmente noivo, a palavra do Anjo quer dizer: Não temas realizar com Maria a cerimônia do casamento e levá-la para tua casa.

Na hipótese de que já estivessem casados, quer dizer: Não temas aceitá-la como tua mulher, não a abandones.

Talvez o protestante queira tirar desta palavra Tua Mulher, uma conclusão contra a Virgindade de Maria Santíssima. Tudo é possível na cabeça de um leitor malicioso. Mas chamando-a Tua Mulher, o Evangelista quer referir-se apenas ao que Ela é legalmente, ou melhor, perante a lei, perante o público, sem cogitar daquilo que se passa na intimidade conjugal. E é assim que sempre procedem os Evangelhos. O próprio S. Mateus, neste mesmo capítulo, começa o seu Evangelho fazendo a genealogia de Jesus Cristo pelo lado de S. José, embora sabendo perfeitamente que ele não é o pai de Jesus. Quando o Menino é apresentado no templo, José e Maria ficam encantados com as palavras de Simeão, e o Evangelista os chama de Pai e Mãe do Menino: E seu Pai e Mãe estavam admirados daquelas coisas que dEle se diziam34.35 E a própria Maria Santíssima chamou a José de Pai do Menino, quando Ele se perdeu, com doze anos e foi achado no templo de Jerusalém: Sabe que teu Pai e eu te andávamos buscando cheios de aflição.36 Alguns querem tirar daí argumento para dizer que José foi pai verdadeiro (biológico) de Jesus, e não pai adotivo. Mas os próprios protestantes não concordam com isto, porque está evidente nos Evangelhos que a concepção de Cristo foi virginal. Faz-se a genealogia de José, chama-se a José de Pai, porque perante a lei ele é o pai do Menino.

Assim também, perante a lei Maria é a mulher de José; se há entre eles um pacto de continência, se ambos espontaneamente renunciam na intimidade os seus direitos matrimoniais, não é por isto que Maria deixa de ser realmente a mulher de José.


O Primogênito.

Outro argumento que os adversários da Virgindade perpétua de Maria acham fortíssimo, mas que na realidade não prova coisa alguma, é o fato de Jesus ser chamado Primogênito.

Isto acontece 2 vezes no texto da Vulgata: em S. Mateus e em S. Lucas.

E ele não na conheceu enquanto ela não deu à luz ao seu Primogênito; e Lhe pôs por nome Jesus.37

E deu à luz o seu filho Primogênito e O enfaixou e O reclinou em uma manjedoura.38

Queremos notar, não para nos descartarmos desta palavra Primogênito, o que não é possível, pois aparece em S. Lucas (nem há necessidade disto, como veremos), mas por simples informação ao leitor, que a palavra Primogênito não aparece no texto greco de S. Mateus.

Ouk (não)
egínosken autén (a conhecia)
heós (até que)
éteken (deu à luz)
hyión (um filho)
kai (e)
ekálesen (chamou)
tó ónoma autóu (o nome dEle)
iesóun (Jesus).

A palavra deve ter sido acrescentada por distração de algum copista influenciado pelo fato de aparecer a mesma em S. Lucas. Como testemunho insuspeito, temos a tradução da Sociedade Bíblica do Brasil, a qual não traz aí no texto de S. Mateus esta palavra: E não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus.39

O fato, porém, é que no Evangelho de S. Lucas se diz que Maria deu à luz seu Filho Primogênito.

Ora, dizem os protestantes, Primogênito quer dizer o primeiro que foi gerado; logo, nasceram outros. Além disto, S. Lucas escreveu o seu Evangelho não no tempo em que o Menino nasceu, porém, muitos anos depois da Morte de Cristo; se o Evangelho diz Primogênito e não Unigênito, isto é sinal de que o Evangelista sabia da existência de outros filhos. Logo, Maria não foi Virgem depois do parto.

Toda esta argumentação se baseia num falso fundamento: o protestante, no caso, não tem uma ideia exata do que quer dizer Primogênito.

E a questão não está em saber qual a impressão que vai produzir esta palavra no espírito de um herege, que está ansioso por encontrar argumentos, a fim de provar que Maria Santíssima perdeu um dia a sua Virgindade. A questão está em saber qual o significado que davam os hebreus à palavra Primogênito, pois é neste sentido que a empregam os Evangelhos.

Primogênito era simplesmente isto: aquele antes do qual não tinha nascido outro. Nascessem outros depois ou não, isto não importava no caso; o primeiro que nascia era Primogênito sempre e, como tal, tinha uma especialidade, era consagrado a Deus: Falou mais o Senhor a Moisés e lhe disse: Consagra-Me todos os Primogênitos que abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de homens como de animais, porque todos eles são Meus.40 Todo o macho que abre o útero de sua mãe será Meu; os de todos os animais, assim de vacas como de ovelhas, serão Meus.41

E é precisamente porque vai descrever depois a apresentação do Menino no templo, na sua qualidade de Primogênito, ao relatar o Nascimento de Jesus, O 42chama deste modo: E depois que foram concluídos os dias da purificação de Maria, segundo a lei de Moisés, O levaram a Jerusalém para O apresentarem ao Senhor, segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o filho macho que for Primogênito será consagrado ao Senhor.

Quanto a S. Mateus, como vimos, o texto grego não traz esta palavra, mas ainda mesmo que a trouxesse, isto em nada afetaria o caso. Se primogênito é o Primeiro que é gerado, como a própria palavra está dizendo, se primogênito era uma classe especial de homens consagrados a Deus, pouco importa que depois dele tenham nascido outros ou não, aquele que antes de si não teve nenhum irmão é eternamente e para todos os efeitos o primogênito. Quando Deus, como se conta no Êxodo43 fez morrer no Egito todos os Primogênitos, é claro que mesmo aqueles que já eram homens feitos e não tinham tido mais nenhum irmão ou irmã, e mesmo que os não pudessem ter mais, por haverem morrido seus pais, ainda assim estravam no rol: e eram os primeiros filhos, se antes deles não tinham nascido nenhum, era o quanto bastava para serem irrevogavelmente primogênitos e, como tais, condenados ao extermínio.

Esta era a significação da palavra Bekor ou primogênito entre os hebreus: o primeiro que nasce, independentemente da consideração se depois dele nascem outros ou não. Uma antiga inscrição judia encontrada em Tell-el-Yedouhieh, fala-nos de uma jovem mulher chamada Arsinoé que morreu entre as dores do parto do seu filho Primogênito”. Aliás, o mesmo se podia dizer em nossa língua, sem que nisto houvesse nenhuma falta de lógica, uma vez que não repugna que haja Primeiro sem Segundo, porque alguém pode dizer, por exemplo: Este foi o meu primeiro discurso, aliás Primeiro e Último, porque não falarei mais em público. Como se vê, a noção de Primeiro e a noção de Último não implicam necessariamente uma contradição.

E fazendo ressaltar em Jesus a sua qualidade de Primogênito, o Evangelista quer relembrar apenas que, pela lei mosaica, Ele era, como todos os primogênitos, consagrado a Deus.


O Uso de Enquanto e Até Que entre os Hebreus.

Mas onde se mostra bem claramente um modo bem diverso de expressar-se, entre o nosso idioma e a linguagem usada antigamente entre os hebreus, é na frase empregada por S. Mateus, referindo-se a S. José:

E ele não na conhecia Enquanto ela não deu à luz o seu primogênito; e Lhe pôs por nome Jesus.44

Ferreira de Almeida e Pe. Matos Soares apresenta a conjunção subordinativa de um modo ainda mais conforme ao texto grego e ao latim da Vulgata:

Ferreira de Almeida: E não a conheceu Até que deu à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus.45

Pe. Matos Soares: E não a conhecia Até que deu à luz seu filho primogênito; e pôs-Lhe o nome de Jesus.46

Não há dúvida que isto dito assim em nossa língua, parece dar a entender que José a conheceu depois; mas a questão está em saber se no modo de falar dos hebreus daquele tempo, se no modo de falar da Bíblia se tira esta conclusão. E aí se vê o perigo de pôr-se a Bíblia, um livro escrito há tantos séculos e apresentando uma linguagem bem diversa da nossa, nas mãos de qualquer pessoa, com o direito de interpretá-la como lhe vem à cabeça, sem ter o conhecimento da índole das línguas antigas.

Segundo o modo de falar dos hebreus (e S. Mateus é um hebreu da gema, e aliás escreveu o Evangelho na sua própria língua, sendo o texto grego uma tradução e quem traduz a Escritura, o faz palavra por palavra, para respeitar o texto sagrado, além disto é certo que o grego do Novo Testamento está repleto de hebraísmo), segundo o modo de falar das línguas semíticas:

não a conheceu Enquanto ela não deu à luz;

não a conheceu Até Que ela deu à luz;

quer dizer simplesmente isto: sem que a tivesse conhecido, ela deu à luz – sem nenhuma preocupação com o que aconteceu ou não aconteceu depois.

O leitor naturalmente exige provas, quer que se apresentem frases semelhantes nas Escrituras.

Pois bem, não será difícil apresentá-las.

Vejamos o Gênesis.

Houve o dilúvio em que caiu a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites.47 As águas cresceram e engrossaram prodigiosamente por cima da terra, e todos os mais elevados montes que há debaixo do Céu ficaram cobertos; tendo a água chegado ao cume dos montes, elevou-se ainda por cima deles quinze côvados.48 E as águas tiveram a terra coberta cento e cinquenta dias.49

Noé e os seus estão na arca. Depois dos 150 dias começam as águas a diminuir: E as águas… começaram a diminuir-se depois de cento e cinquenta dias.50 É natural agora, portanto, a curiosidade de Noé em saber a marcha em que se vai processando esta diminuição das águas e quanto tempo mais ou menos irá durar aquela moradia dentro da arca, que por certo não deve ser lá muito cômoda.

Solta então um corvo que não volta mais51;

solta depois uma pomba que, não achando onde pousar, volta bem depressa para a arca52;

sete dias depois, solta outra pomba e esta volta para Noé sobre a tarde, trazendo no seu bico um ramo de oliveira com as folhas verdes.53 É já um bom sinal;

espera Noé mais sete dias e solta outra pomba que não torna mais a ele.54

O corvo não se mostrou bom mensageiro; enrascou-se no meio das águas e não acertou o caminho para voltar. Daí o ditado entre os hebreus de se chamar corvo mensageiro ao portador que não dá conta de seu recado.

Pois bem, em lugar de dizer, como nós diríamos, que a arca pousou em terra, sem que o corvo tivesse voltado, a Escritura diz da seguinte maneira: abriu Noé a janela que tinha feito na arca e soltou um corvo, o qual saiu e não tornou mais, Até Que as águas que estavam sobre a terra se secaram55.56

Ora, é evidente que o corvo não voltou mais à arca, depois que ela pousou em terra; nem isto interessa mais ao narrador, que quis mostrar apenas a marcha dos acontecimentos enquanto estavam na arca. Mas é o modo de falar deles naquele tempo. Assim também, em vez de dizer: Maria deu à luz, sem que José a tivesse conhecido, S. Mateus diz que José não a conheceu, Até Que ela deu à luz. O que interessa ao narrador no caso é simplesmente mostrar que a concepção de Jesus foi virginal.

Mas vamos a outros exemplos.

Em vez de dizer: Reduzirás a pó os reis, sem que ninguém te possa resistir, a Bíblia diz: Entregar-te-á nas tuas mãos os seus reis, e fará que não fique memória de seus nomes debaixo do Céu; ninguém te poderá resistir, Até Que os tenhas feito em pó.57 É claro que, depois de reduzidos a pó os reis, com maioria de razão ninguém poderá resistir. Mas este é o modo de falar dos antigos: ninguém resistirá Até Que os tenhas feito em pó.

Em vez de dizer: Micol, filha de Saul, morreu Sem Ter tido filhos, a Bíblia diz: Micol, filha de Saul, não teve filhos Até o dia da sua morte.58

Em vez de dizer: Morrereis, sem que esta iniquidade vos seja perdoada, Isaías diz: Não se vos perdoará por certo esta iniquidade Até Que morrais, diz o Senhor Deus dos exércitos.59 Vê-se muito bem que Deus não quer dizer aí que, depois de mortos, vai dar-lhes o perdão; mas sim, que morrerão sem alcançá-lo. E no mesmo profeta Isaías, em vez de se dizer: Estabelecerá a justiça sobre a terra, Sem Precisar ser triste nem turbulento, se diz assim: Não será triste nem turbulento, Até Que estabeleça na terra a justiça.60 É evidente que, se o libertador de Isaías não foi triste nem turbulento antes do estabelecimento da justiça, muito menos o será depois de estabelecê-la. Mas este é o estilo da Bíblia. O Até Que, e o Enquanto Não, não têm na Bíblia o mesmo sentido que têm na nossa linguagem comum, não exprimem absolutamente uma restrição. Não há, portanto, restrição à Virgindade de Maria naquela frase de S. Mateus.

Outros exemplos em que o Até Que não exprime nenhuma restrição, temos nos Salmos:

Como os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim os nossos olhos estão fitos no Senhor nosso Deus, Até Que tenha misericórdia de nós.61 Quer dizer então que, depois que Deus tiver misericórdia, não olharemos mais para Ele e nEle não teremos mais os olhos fitos? Não é este absolutamente o sentido do Salmista.

Diz o Salmo 109: Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha mão direita, Até Que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés.62 Quer dizer que depois de ter os inimigos debaixo de seus pés, aquele Triunfador não estará mais sentado à direita do Senhor? Absolutamente não; porque aí é que vai começar a época melhor de reinar, de sentar-se glorioso, com os inimigos vencidos e subjugados a seus pés.

Mas é este o estilo da Bíblia.

Não podemos, portanto, tomar uma frase bíblica e querer à fina força interpretá-la de acordo com o nosso modo de falar de hoje, dentro da nossa língua; ela tem que ser vista como realmente é, uma palavra da Escritura que tem o seu estilo próprio, a sua linguagem peculiar.

E argumentar, muito entusiasmado, com estas frases que enganam à primeira vista, é mostrar apenas falta de conhecimento do que é a Bíblia.

José não conheceu a Maria, até que ela deu à luz o seu filho, quer dizer simplesmente, segundo o modo de falar das Escrituras, a afirmação de que Maria era Virgem por ocasião de seu abençoado parto; esta afirmação absolutamente não é destruída por esta outra que também é verdadeira: Maria continuou Virgem a sua vida inteira, Até Que morreu, o que por sua vez também não quer dizer que ela tenha perdido a Virgindade depois da morte.


Os Irmãos de Jesus.

Diante da frase de S. Mateus vista no número anterior, o leitor ainda poderá compreender como se tenham equivocado os protestantes, iludindo-se com as aparências.

Mas, agora vai pasmar ao ver a malícia, a precipitação com que esses enfatuados intérpretes da Bíblia, que a leem continuamente e procuram aprendê-la de cor, ainda vão tirar da expressão Irmãos de Jesus, uma conclusão contra a Virgindade perpétua de Maria Santíssima, vejamos.

Sabemos que a Escritura não somente designa com o nome de Irmãos aqueles que são filhos do mesmo pai ou da mesma mãe, como eram Caim e Abel, Esaú e Jacó, S. Tiago Maior e S. João Evangelista (que eram filhos de Zebedeu), etc.; mas também, aqueles que são parentes próximos, como tios e primos.

A Escritura está cheia destes exemplos.

Abrão chama de irmão a Lot: Peço-te que não haja rixas entre mim e ti, nem entre os meus pastores e os teus, porque somos irmãos.63 Mais adiante a própria Bíblia o chama assim: Abraão, tendo ouvido que Lot, seu irmão, ficara prisioneiro...64 Pois bem, Lot era apenas sobrinho de Abraão, pois já antes disto se lê no Gênesis: Tinha Abraão setenta e cinco anos quando saiu de Harã. E ele levou consigo a Sarai, sua mulher, a Lot, filho de seu irmão, e todos os bens que possuíam.65

Labão diz a Jacó: Acaso, porque tu és meu irmão, deves tu servir-me de graça?66 E no entanto, Jacó era sobrinho de Labão: Isaque chamou a Jacó e o abençoou e lhe pôs por preceito dizendo: Não tomes mulher da geração de Canaã; mas vai e parte para a Mesopotâmia… e desposa-te com uma das filhas de Labão, teu tio.67 Realmente, Jacó era filho de Isaque com Rebeca68 e Rebeca era irmã de Labão: Rebeca, porém, tinha um irmão chamado Labão.69 E, no entanto, não só, como vimos acima, seu tio o chama Irmão, mas também quando Jacó se encontra com Raquel, que é filha de Labão,70 diz à moça que é Irmão de Labão: E lhe manifestou que era Irmão de seu pai e filho de Rebeca.71

Lê-se no Levítico, que Nadab e Abiu, Filhos de Arão72 são mortos por castigo, por terem oferecido um fogo estranho nos seus turíbulos. Moisés chama os primos dos que faleceram: Misael e Elisafã, Filhos de Oziel, Tio de Arão73 e lhes diz: Ide, tirai vossos Irmãos de diante do santuário e levai-os para fora do campo.74

Lê-se no livro de Paralipômenos, que Eleazar e Cis são filhos de Moholi: Filhos de Moholi: Eleazar e Cis,75 portanto, irmãos no verdadeiro sentido da palavra. Eleazar só teve filhas e não filhos; as filhas dele se casaram com os filhos de Cis. Espera-se que a Escritura diga: casaram-se com os filhos de Cis, que eram seus primos; mas ela diz: com os filhos de Cis, seus Irmãos. E Eleazar morreu e não teve filhos, senão filhas; e casaram com os filhos de Cis, seus Irmãos.76

É dentro deste costume hebreu de designar com o nome de Irmãos, não só os que têm os mesmos pais, senão também os parentes próximos como tios, primos e sobrinhos, pois o hebraico não possuía palavras próprias para designar esses parentescos, que o Novo Testamento fala em Irmãos de Jesus; daí nada se conclui contra a perpétua Virgindade de Maria Santíssima, pois jamais a Bíblia em parte alguma afirma que estes irmãos de Jesus sejam filhos de Maria.

Os protestantes objetam que o Novo Testamento foi escrito em grego; no grego Adelphós significa Irmãos exatamente como em português, e quando o grego quer dizer primos ou tios, não é como o hebraico, tem palavras própria para isto, como p. ex.: Saúda-nos Aristarco, que é meu companheiro na prisão e Marcos, Primo de Barnabé.77 Aí o texto grego tem o cuidado de dizer não Adelphós = irmão, mas Anepsiós = primo. Logo, se aqueles irmãos de Jesus fossem primos ou tios, o Novo Testamento escrito em grego yeria meios para dizer isto com toda a clareza; se diz Irmãos, é porque eram irmãos mesmo, no sentido rigoroso do texto.

Os protestantes falam como se o grego do Novo Testamento não estivesse cheio de hebraísmos, ou seja, perfeitas imitações do modo de falar hebreu. A expressão Irmãos do Senhor, é uma frase feita, uma expressão com que se costumava designar um certo grupo de pessoas: assim como os outros Apóstolos e os Irmãos do Senhor e Cefas.78 Sendo usada esta expressão num meio aramaico, em que o povo costumava chamar irmãos todos os parentes próximos, era muito natural que os escritores do Novo Testamento a traduzissem ao pé da letra, assim como também os autores da Versão dos Setenta escrevem em grego, é verdade, mas usam a palavra Adelphós = irmão em todos aqueles trechos do Antigo Testamento em que Irmão significa tio ou primo ou qualquer outro parente próximo.

Ter sido esta também a sua norma, é o que o próprio Novo Testamento se encarrega de demonstrar.

Querem ter a prova os nossos amigos protestantes?

Dá alguma vez o Evangelho os nomes desses irmãos de Jesus, para que possamos identificá-los?

Sim, dá. Sabe-se dos nomes, pelo menos de 4: Tiago, José, Judas e Simão: Não é este o oficial, filho de Maria, irmão de Tiago e de José e de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós também suas irmãs?79 Porventura, não é este o filho do oficial? Não se chamava sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago e José e Simão e Judas? E suas irmãs não vivem elas todas entre nós?80

Pois bem, este Tiago que encabeça a lista é um Apóstolo, pois diz S. Paulo na Epístola aos Gálatas: E dos outros Apóstolos não vi a nenhum, sendo a Tiago, Irmão do Senhor81.82

Quer dizer então que, segundo a opinião desses protestantes, este Tiago Apóstolo era filho de Maria, Mãe de Jesus; e de Maria e de José, porque, como os próprios protestantes reconhecem, Maria nunca teve filhos antes de seu casamento com José. E não se casou com outro depois da morte de José, pois na hora da morte de Cristo, Ela está sozinha, sem marido e Cristo a entrega a S. João Evangelista; além disto se Maria tivesse casado outra vez, seus filhos estariam pequenos, não estariam em idade de ser Apóstolos.

Temos 2 Apóstolos com o nome de Tiago: Tiago Maior e Tiago Menor. Vamos ver se algum deles era filho de José com Maria.

S. Tiago Maior, era irmão de S. João Evangelista, e ambos Filhos de Zebedeu: Da mesma sorte havia deixado atônitos a Tiago e a João, Filhos de Zebedeu.83

S. Tiago Menor, que era irmão de Judas, era filho de Alfeu. Entre os Apóstolos, que são enumerados por S. Mateus, estão: Tiago, Filho de Zebedeu e Tiago Filho de Alfeu.84 Que tem que ver Maria Santíssima com este Alfeu ou com este Zebedeu? Logo, este Tiago, Irmão do Senhor, não é seu filho.

Além disso, comparando-se os Evangelhos, se vê claramente que este Tiago e este José que encabeçam a lista são Primos de Jesus, e o Tiago, é o Apóstolo Tiago Menor. Enumerando as mulheres que estavam, juntamente, com Maria ao pé da Cruz, S. Mateus, S. Marcos e S. João as identificam da seguinte maneira:

S. Mateus: Maria, mãe de Tiago e de José, Maria Madalena; a mãe dos filhos de Zebedeu.85

S. Marcos: Maria, mãe de Tiago Menor e de José; Maria Madalena; Salomé.86

S. João: A irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas; Maria Madalena.87

Por aí se vê que a mesma Maria que é apresentada por S. João como tia de Jesus (irmã de sua mãe), é apresentada por S. Mateus e S. Marcos como mãe de Tiago Menor e de José. E é claro que, não se trata de Maria Salomé, que é a mãe dos filhos de Zebedeu e, portanto, é mãe de Tiago Maior.88

Tiago Menor e José são, portanto, Primos de Jesus, e são os primeiros que encabeçam aquela lista.


Tiago, José, Judas e Simão.

E de fato, o Apóstolo S. Judas Tadeu era irmão de S. Tiago Menor, pois ele diz no começo de sua Epístola: Judas, servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago.89 Tanto o Evangelho de S. Lucas90 como os Atos dos Apóstolos91 para diferenciarem Judas Tadeu de Judas Iscariotes, chamam a Judas Tadeu: Judas, irmão de Tiago.

E assim, cai por terra fragorosamente a alegação dos protestantes de que Maria teve outros filhos além do Divino Salvador, alegação baseada em que o Evangelho fala em Irmãos de Jesus. Não só provamos que entre os hebreus se chamavam Irmãos os parentes próximos, mas também, mostramos que a lista dos nomes apresentados como sendo destes Irmãos, é logo encabeçada por Dois Primos, filhos da irmã da Mãe de Jesus. Logo, não tem nenhum valor a alegação.

A única dificuldade, esta agora já sem importância, que pode fazer o protestante, é que Tiago Menor é filho de Alfeu, e sua mãe é apresentada como Mulher de Cléofas.

Sem precisar recorrer a nenhum argumento de tradição (porque talvez os protestantes não gostem disto) temos que observar o seguinte:

O texto original não diz Mulher de Cléofas, mas diz simplesmente: a irmã de sua mãe, Maria, a do Cléofas;92 podia chamar-se Maria, a do Cléofas, por causa do pai ou por outro qualquer motivo;

– não repugna que a mesma Maria se tenha casado com Alfeu e dele tenha tido S. Tiago Menor e depois se tenha casado com Cléofas e tido outros filhos ou mesmo deixado de ter. Tiago é o único que é apontado nos Evangelhos como filho deste Alfeu, pois o Alfeu, pai de S. Mateus93 já deve ser outro;

– não repugna que o próprio Alfeu seja o mesmo Cléofas. É muito comum nas Escrituras uma pessoa ser conhecida por 2 nomes diversos: O sogro de Moisés é chamado Raguel94 e logo depois é chamado Jetro.95 Gedeão, depois de ter derrubado o altar de Baal é chamado também Jerobaal.96 Osias, rei de Judá é chamado também Azarias.97 E no Novo Testamento o mesmo Mateus é chamado Levi: Viu um homem, que estava assentado no telônio, chamado Mateus98; viu a Levi, filho de Alfeu, assentado no telônio.99 O mesmo que é chamado José é chamado Barsabas.100

Ainda hoje mesmo, entre nós, nas nossas localidades do interior, principalmente, é muito comum esta duplicidade de nomes.

Seja Alfeu o mesmo Cléofas ou não seja, isto pouco importa. O que é fato, é que Maria de Cléofas é irmã de Maria, Mãe de Jesus, e é ao mesmo tempo mãe de Tiago e de José, que são chamados Irmãos do Senhor.

Queremos ainda chamar a atenção do leitor para o seguinte: esses hereges que negam a Virgindade perpétua de Maria Santíssima, e que dizem que Irmãos de Jesus quer dizer Filhos de Maria, atribuem à Santíssima Virgem uma filharada enorme.

Além de Tiago, José, Judas e Simão, estão as Irmãs de Jesus, sobre as quais S. Mateus apresenta os judeus dizendo: E suas irmãs não vivem elas todas entre nós?101 Ora, para se dizer assim Todas, é preciso que sejam de 3 para cima.

Além disso Tiago e Judas eram Apóstolos. Mas S. João no seu Evangelho já fala em Irmãos que são hostis a Jesus e Lhe dizem: Sai daqui e vai para a Judeia, para que também teus discípulos vejam as obras que tu fazes.102 Ali na Galileia o ambiente não estava de todo favorável ao Divino Mestre, porque nem ainda seus Irmãos criam nEle.103 É, portanto, mais outra tropa de irmãos a engrossar a fileira dos filhos de Maria…104

E no entanto, o Evangelho, descrevendo a vida de família em Nazaré, relatando a ida de Jesus ao templo de Jerusalém, quando o Menino Deus já tinha doze anos,105 não faz a mínima referência a irmão nenhum que Jesus tivesse. Se Maria teve assim tantos filhos, nessa ocasião já deveria ter alguns.

Os Evangelhos só vêm a falar em Irmãos de Jesus, quando Ele aparece na sua vida pública.

Mais ainda: na hora de sua Morte, é a S. João Evangelista, filho de Zebedeu e de Salomé, que Ele encarrega de ficar tomando conta de sua Mãe Santíssima: Jesus, pois, tendo visto sua Mãe e ao discípulo que Ele amava, o qual estava presente, disse a sua Mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois disse ao discípulo: Eis aí tua Mãe. E desta hora em diante a tomou o discípulo para sua casa.106

Se Maria teve tantos filhos e filhas, como se explica que Ela tenha sido entregue aos cuidados de S. João Evangelista e que este a tenha levado para sua casa? Dizer que esses irmãos do Senhor tenham morrido dentro daqueles três anos da vida pública do Mestre, não é possível, pois, S. Paulo continua a falar em irmãos do Senhor, que ainda estão vivos depois da Morte de Jesus.107

É inqualificável esta audácia, esta temeridade, com que um protestante lê a sua Bíblia, assim tão às pressas, tão descuidadamente e sai depois, sem o menor escrúpulo, a blasfemar daquilo que ignora.

E é assim que se faz a interpretação protestante.

Uma interpretação superficial, que não aprofunda o sentido dos textos, que se ilude facilmente com as aparências, que não é baseada em nenhum princípio de lógica, que não se dá ao trabalho de confrontar e harmonizar uma passagem com outra, e que usa frequentemente de truques, de estéril jogo de palavras. Não estamos falando sem provas; o leitor já teve ocasião de sobra para apreciar tudo isto no decurso deste livro: já vimos quanto valem os seus argumentos, quando querem estabelecer a tese de que a Fé Salva Sem as Obras, quando querem derrubar as teses do Primado de Pedro, do Poder e Autoridade da Igreja, dos Efeitos do Batismo, do Sacramento da Penitência, da Presença de Jesus na Eucaristia, ou quando querem apresentar a Igreja como idólatra, por causa de suas Imagens etc., etc.

É com esta interpretação superficial que eles se armam para procurar atingir o seu objetivo, que é combater a Igreja Católica, fundada por Jesus Cristo para ser a Coluna e Firmamento da Verdade,108 e que tem a seu favor as divinas promessas de que jamais falhará, por mais encarniçadas que sejam as guerras desencadeadas contra ela pelas potestades infernais.

Nesta ânsia de combater a Igreja, pouco lhes importa o valor ou a qualidade das objeções; a quantidade, sim, é o que lhes interessa. Acumular objeções sempre mais e mais; se forem bem resolvidas, eles não cessarão a luta, terão sempre novas objeções a apresentar; estas nunca lhes faltarão, pois se a Bíblia apresenta dúvidas e dificuldades mesmo para os verdadeiros, sinceros e preparados intérpretes, quanto mais para quem vai manuseá-la sem a necessária sinceridade ou sem a devida competência.

E enquanto a razão humana se mostra assim tão fraca diante da Bíblia – mais fraca ainda, é claro, quando é perturbada pelo ódio sectário e pela ânsia de querer forçar os textos sagrados, para amoldá-los aos interesses de religiões inventadas pelos homens – a Igreja continua firme e serena no seu posto; só ela é que recebeu a missão divina de ensinar a todos os povos e, por isto, só ela é que possui a chave da legítima interpretação da Bíblia.


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Fonte: Lúcio Navarro, “Legítima Interpretação da Bíblia”, 4ª Parte, Cap. 17, pp. 573-596; 2ª Edição, Campanha de Instrução Religiosa, Brasil-Portugal, Recife, 1959.

1.  De inst. virgin. c. 5, 6.

2.  Commentaria in Math. I, 3.

3.  Adversus haereses Panarium.

4.  Liber ecclesiasticorum dogmatum 35.

5.  Mateus XIII, 55-56.

6.  Adversus Helvidium.

7.  Opera graeca. Apud Journel 745.

8.  Sermones 186, 1, 1.

9.  Sermones LI, 8; CXC, 2; CXCVI, 1.

10.  Sermones 117.

11.  Sermones 2, 2.

12.  Isto vem confirmar o que dissemos há pouco (nº 367). Quando a Igreja define um dogma, não está, como pensam os protestantes, inventando uma doutrina nova e impondo-a aos fiéis, mas tornando oficialmente obrigatória uma doutrina que dentro da Igreja já está firme e consolidada pelo modo de sentir comum dos pastores e dos fiéis, o que já é sinal de que aquilo é verdade, pois a Igreja em peso não pode cair em erro. Se a Igreja se vê na necessidade de torná-la oficialmente obrigatória, é porque os hereges a estão negando e combatendo, e é preciso delimitar bem os dois campos diversos: o da fé legítima e o da heresia. Ou porque estão surgindo entre os próprios teólogos católicos alguns que, por sua opinião pessoal, não estão exprimindo a doutrina católica no seu verdadeiro sentido, e, é preciso então que bem se esclareça o que é doutrina da Igreja e o que é mera opinião pessoal condenável e sem fundamento.

13.  Lucas I, 26-27.

14.  Lucas II, 5.

15.  Lucas I, 27.

16.  Lucas I, 28.

17.  O texto grego de Nestle não traz as palavras: Bendita és tu entre as mulheres, mas as mesmas competem sem dúvida alguma a Maria Santíssima, porque foram proferidas por Santa Isabel, que as disse, inspirada pelo Espírito Santo, e isto consta não só da Vulgata, mas também do texto grego: Benta és tu entre as mulheres, e bento é o fruto do teu ventre (Lucas I, 42).

18.  Lucas I, 48.

19.  Lucas I, 29.

20.  Lucas I, 30-33.

21.  Lucas I, 34.

22.  Lucas I, 35-37.

23.  Lucas I, 38.

24.  Mateus I, 22-23.

25.  Isaías VII, 11.

26.  Isaías VII, 12.

27.  Isaías VII, 14.

28.  João XX, 19.

29.  Lucas I, 42.

30.  Mateus I, 19.

31.  Mateus I, 18.

32.  Mateus I, 20.

33.  Mateus I, 24.

34.  Lucas II, 33.

35.  Ferreira de Almeida traz: José e sua mãe se maravilharam das coisas que d'Ele se diziam (Lucas II, 33). Mas não está de acordo com o texto grego que diz: O seu Pai e a Mãe. Podem-se conferir todos os outros tradutores, inclusive a Sociedade Bíblica do Brasil.

36.  Lucas II, 48.

37.  Mateus I, 25.

38.  Lucas II, 7.

39.  Mateus I, 25.

40.  Êxod. XIII, 1-2.

41.  Êxod. XXXIV, 19.

42.  Lucas II, 22-23.

43.  XII, 29-30.

44.  Mateus I, 25.

45.  Mateus I, 25.

46.  Mateus I, 25.

47.  Gênesis VII, 12.

48.  Gênesis VII, 19-20.

49.  Gênesis VII, 24.

50.  Gênesis VIII, 3.

51.  Gênesis VIII, 7.

52.  Gênesis VIII, 9.

53.  Gênesis VIII, 11.

54.  Gênesis VIII, 12.

55.  Gênesis VIII, 6-7.

56.  Este texto que é o da Vulgata está de acordo também com a versão dos Setenta, e portanto, de qualquer maneira reflete o modo de falar dos antigos. E se assim verteram os Setenta e S. Jerônimo, quem pode garantir qual é o texto hebraico original exato, se é o que temos hoje ou o que os Setenta e S. Jerônimo tiveram em mãos?

57.  Deuteronômio VII, 24.

58.  2º Reis VI, 23.

59.  Isaías XXII, 14.

60.  Isaías XLII, 4.

61.  Salmos CXXII, 2.

62.  Salmos CIX, 1.

63.  Gênesis XIII, 8.

64.  Gênesis XIV, 14.

65.  Gênesis XII, 4-5.

66.  Gênesis XXIX, 15.

67.  Gênesis XXVIII,1-2.

68.  Gênesis XXV, 21-25.

69.  Gênesis XXIV, 29.

70.  Gênesis XXIX, 5-6.

71.  Gênesis XXIX, 12.

72.  Levítico X, 1.

73.  Levítico X, 4.

74.  Levítico X, 4.

75.  1º Paralipômenos XXIII, 21.

76.  1º Paralipômenos XXIII, 22.

77.  Colossenses IV, 10.

78.  1º Coríntios IX, 5.

79.  Marcos VI, 3.

80.  Mateus XIII, 55-56.

81.  Gálatas I, 19.

82.  Há alguns exegetas que querem interpretar assim a frase: Não vi a nenhum outro dos Apóstolos, porém, vi a Tiago, irmão do Senhor – para favorecer com isto à sua opinião, de que este Tiago não seria um Apóstolo. Não há dúvida nenhuma de que EI MÉ do grego, assim como o nosso SENÃO, pode ser explicado de 2 formas: EI MÉ (SENÃO) = A NÃO SER. EI MÉ (SENÃO) = PORÉM. Mas aí se vê evidentemente pelo contexto que tem o sentido de A NÃO SER. Com efeito, diz S. Paulo: Nem vim a Jerusalém Aos Que Eram Apóstolos Antes De Mim; mas parti para a Arábia e voltei outra vez a Damasco; dali, no fim de três anos, vim a Jerusalém Por Ver a Pedro e fiquei com ele quinze dias; e Dos Outros Apóstolos não vi a nenhum, SENÃO a Tiago, irmão do Senhor (Gálatas I, 17-19). Por onde claramente se conclui que Tiago, irmão do Senhor, era Apóstolo; pois homens que não eram Apóstolos, S. Paulo viu muitos. O texto grego absolutamente não se presta àquela violenta interpretação que lhe querem dar: HÉTERON (outro) (porém) TÓN APOSTÓLON (dos Apóstolos) OUK ÉIDON (não vi) EI MÉ (senão) IÁKOBON (Tiago) TÓN ADELPHÓN TÓU KYRIOU (o irmão do Senhor).

83.  Lucas V, 10.

84.  Mateus X, 3.

85.  Mateus XXVII, 56.

86.  Marcos XV, 40.

87.  João XIX, 25.

88.  Há protestantes que, quando se prova assim que é uma irmã de Maria Santíssima a mãe de Tiago e José, apontados estes como irmãos de Jesus, observam que Tiago e José eram nomes muito comuns entre os judeus, não repugnando, portanto, que Maria Santíssima fosse mãe de um Tiago e um José, e a sua irmã fosse mãe também de outro Tiago e outro José. A quanto chega a teimosia protestante! Vê-se aí um propósito muito firme de dar de qualquer forma outros filhos a Maria Santíssima. Mas a alegação não tem razão de ser, porque se o Evangelista identifica uma mulher, distingue-a das outras, inclusive de Maria Santíssima, pelo fato de ser ela mãe de Tiago e de José, é porque não havia ali outra que tivesse 2 filhos com tais nomes. Logo, Maria Santíssima não foi mãe de Tiago e de José que, entretanto, aparecem (Mateus XIII, 55) como Irmãos de Jesus.

89.  Judas vers. 1º.

90.  Lucas VI, 16.

91.  Atos dos Apóstolos I, 13.

92.  Texto grego de João XIX, 25.

93.  Marcos II, 14.

94.  Êxodo II, 18-21.

95.  Êxodo III, 1.

96.  Juízes VI, 32.

97.  4º Reis XV, 32; 1º Paralipômenos III, 12.

98.  Mateus IX, 9.

99.  Marcos II, 14.

100.  Atos dos Apóstolos I, 23.

101.  Mateus XIII, 56.

102.  João VII, 3.

103.  João VII, 5.

104.  O fato de dizer o Evangelho de S. João, que os Irmãos de Jesus não criam n'Ele não exclui o fato de que Tiago Menor, o Apóstolo e Judas Tadeu estejam incluídos entre os irmãos de Jesus. Costumamos fazer classificações de acordo com a maioria. Assim é que dizemos que os brasileiros são católicos e os ingleses são protestantes, sem que isto seja argumento para negar a existência de protestantes no Brasil ou de católicos na Inglaterra. S. João não diz que Todos os irmãos de Jesus eram descrentes. O que é fato, portanto, é que os irmãos de Jesus eram tantos, que uma ou duas exceções pouco influíam no caso.

105.  Lucas II, 42.

106.  João XIX, 26-27.

107.  1º Coríntios IX, 5; Gálatas I, 19.

108.  1º Timóteo III, 15.

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