1ª
Meditação
No
Cenáculo; os preparativos da Páscoa,
verdadeira
figura da Eucaristia;
o
que ela significa. Deixemos o exílio,
e
voltemos à casa paterna.
No
primeiro dia dos ázimos, no fim do qual havia que imolar o cordeiro
pascal, os Discípulos vieram a Jesus; e como sabiam o quanto Ele era
exato em todas as observâncias da lei, perguntaram-lhe onde queria
que lhe preparassem a Páscoa.
E
Jesus lhes disse: Ide à cidade, a um certo homem. Os Evangelistas
não o nomeiam; e o próprio Jesus, sem nomeá-lo aos Discípulos,
deu-lhes apenas sinais certos para o acharem. – “Ide,
diz Ele, à cidade. Entrando nela, encontrareis um
homem carregando um cântaro d’água: segui-lo-eis e, entrando na
casa aonde ele vai, direis ao dono: Onde é o lugar onde devo
comer com meus Discípulos? E ele vos mostrará uma grande sala
atapetada; preparai-me aí tudo o que for preciso”.
São
Marcos diz-nos que, Ele deu essa ordem a dois dos Discípulos; e São
Lucas nomeia São Pedro e São João.
Eis
aqui alguma coisa grande que se prepara, e alguma coisa de maior do
que a Páscoa comum, já que Ele envia os dois mais consideráveis
dos Seus Apóstolos, São Pedro, que Ele pusera à testa deles, e São
João, a quem honrava com Sua amizade particular. Os Evangelistas não
assinalam que fosse costume Dele assim fazer nas outras Páscoas, nem
tão pouco que costumasse escolher um lugar onde houvesse uma grande
sala atapetada. Por isto os Santos Padres notaram que esse aparato se
relacionava à Instituição da Eucaristia. Jesus Cristo queria
mostrar-nos com que cuidado deviam ser decorados os lugares
consagrados à celebração desse Mistério. Só
nessa circunstância se afigura que Ele não quis parecer pobre.
Os
cristãos aprenderam, por esse exemplo, todo o aparato que se vê
aparecer, desde os primeiros tempos, para celebrar com honra a
Eucaristia, segundo as faculdades das igrejas. Mas o que eles devem
aprender principalmente, é a se prepararem eles próprios para bem
recebê-lO, isto é, a preparar-Lhe, como uma grande sala, um coração
dilatado pelo amor de Deus, e capaz das maiores coisas, com todos os
ornatos da graça e das virtudes, que são representados por aquela
tapeçaria de que a sala estava ornada. Preparemos tudo a Jesus que
vem a nós; seja tudo digno de recebê-lO.
Eis,
portanto, tudo disposto. O grande Cenáculo tapetado
está pronto: esperam ali o Salvador. Vejamos agora os grandes
espetáculos que Ele vai dar aos Seus fiéis. Contemplemos, creiamos,
aproveitemos; abramos o coração antes que os olhos.
“Antes
do dia de Páscoa, Jesus, sabendo que era chegada a Sua hora de
passar deste mundo a Seu Pai, como tinha amado os Seus que estavam no
mundo, amou-os até o fim”.
Sabe-se
que a palavra Páscoa significa passagem. Uma das razões desse nome,
que é também a que S. João considera nesse lugar, é que a festa
de Páscoa foi instituída quando o antigo povo devia sair do Egito,
para passar à terra prometida a seus pais; o que era a figura da
passagem que devia fazer o povo novo, da terra à celeste pátria.
Toda a vida cristã consiste em fazer bem essa passagem; e é a isso
que Nosso Senhor vai dirigir mais do que nunca a Sua conduta, tal
como S. João parece aqui advertir-nos.
A
primeira coisa que devemos notar, é que devemos fazer essa Páscoa,
ou essa passagem, com Jesus Cristo. E é por isto que esse
Evangelista começa o relato dessa Páscoa de Nosso Senhor por estas
palavras: Antes do dia de Páscoa, Jesus, sabendo que devia passar
deste mundo a Seu Pai…
Ó
Jesus! Apresento-me a Vós, para fazer minha páscoa na Vossa
companhia; quero passar Convosco do mundo a Vosso Pai, que quisestes
fosse o meu. O mundo passa, diz o Vosso Apóstolo; a figura desse
mundo passa; mas eu não quero passar com o mundo, quero passar a
Vosso Pai. E a viagem que tenho de fazer, quero fazê-la Convosco. Na
antiga Páscoa, os Judeus que deviam sair do Egito para passar à
terra prometida, deviam aparecer em traje de viajantes, de bordão na
mão, de cinturão nos rins para arregaçar-lhes as vestes, de
sapatos nos pés, sempre prontos a ir e a partir; e deviam aviar-se
em comer a Páscoa, a fim de que nada os retivesse, e eles se
mantivessem prontos para marchar a cada momento. É a figura do
estado em que se deve pôr o cristão para fazer sua Páscoa com
Jesus Cristo, para passar ao Pai com Ele. Ó meu Salvador; recebei o
Vosso viajante, eis-me pronto, não estou preso a nada; quero
passar Convosco deste mundo a Vosso Pai.
Donde
me vem este pesar de passar? Como! Ainda estou apegado a esta vida?
Que erro me retem neste lugar de exílio? Ides passar, meu Salvador!
E, resolvido que eu estava a passar Convosco, quando me dizem que é
deveras que cumpre passar, perturbo-me, não posso suportar nem ouvir
essa palavra. Covarde viajante! Que temes? A passagem que vais fazer
é a que o Salvador também vai fazer no nosso evangelho: recearás
porventura passar com Ele? Mas escuta: Jesus, sabendo que Sua hora
era chegada de passar deste mundo. Que haverá de tão amável neste
mundo, que não queiras deixá-lo com o Salvador Jesus? Deixa-lo-ia
Ele se fosse bom ficar nele? Mas escuta, ainda uma vez, cristão:
Jesus passa deste mundo para ir ao Pai. Se houvesse somente que sair
do mundo, sem ir para alguma coisa de melhor, posto que este mundo
seja pouca coisa e não se perdesse muito perdendo-o, poder-se-ia ter
pesar disso, porque afinal não se teria nada de melhor. Porém,
cristão, não é assim que deves pensar. Jesus
passa deste mundo, mas para ir a Seu Pai. Cristão, que deves ir com
Ele, tu passas a um Pai; o lugar donde sais é um desterro; voltarás
à Casa Paterna.
Passemos,
pois, deste mundo com alegria, mas não esperemos pelo último
momento para começarmos a nossa passagem. Quando os Israelitas
saíram do Egito, não deviam chegar logo à terra prometida; tinham
quarenta anos a viajar no deserto; celebraram, não obstante, a sua
Páscoa, porque saíam do Egito e iam começar a viagem. Aprendamos a
celebrar a nossa Páscoa desde o primeiro passo; seja perpétua a
nossa passagem; nunca paremos; não demoremos, mas acampemos em toda
parte, a exemplo dos Israelitas; que tudo nos seja um deserto, assim
como para eles; estejamos, pois, como eles, sempre debaixo das
tendas; a nossa casa é em outro lugar; andemos, andemos; passemos
com Jesus Cristo; morramos para o mundo, morramos-lhe todos os dias;
digamos com o Apóstolo: Morro todos os dias; não sou do mundo;
passo, não me apego a nada.
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Fonte:
Jacques-Bénigne
Bossuet, Bispo de Meaux, “Meditações
sobre o Evangelho” – Opúsculo
“Eucaristia”,
Cap.
I,
pp.
9-14. Coleção
Boa Imprensa,
Livraria Boa Imprensa, Rio de Janeiro/RJ, 1942.