Morte da morte.1
Ser Cristo a morte da morte, admitindo em Si a mesma morte, foi conselho enfim procedido do entendimento Divino. Era a morte pena do pecado, e só pelo pecado entrara no mundo. E como em Cristo não havia do pecado mais que a semelhança, ou figura. In similitudinem carnis peccati;2 enganou-se enormemente a morte, atrevendo-se à suma Inocência em uma Pessoa, que era por essência a mesma vida. E assim, pela injustiça, com que pretendeu, e possuiu o que não lhe era devido, perdeu o direito sobre todos os demais homens que se lhe deviam. Devorasti, et devorata es (disse gravemente Jerônimo) dumque assumpti corporis Christi solicitaris illecebrá, et avidis faucibus proedam putas, interiora tua unco confossa sunt.3 Esta gloriosíssima vitória do Senhor começou já a lograr seus efeitos, ou triunfos na ressurreição de muitos Santos, que com Ele reinam em corpo e alma na excelsa região da Eternidade; e se consumará plenamente, quando no Dia do Juízo (cláusula dos séculos que passam) toda a carne humana, tragada já irrevogavelmente das gargantas da morte tornará por virtude da morte de Cristo, à possessão da vida.
Ó tu, que estas verdades lês, ou ouves ler, lembrete, que o haveres de ressuscitar é certo; mas é muito incerto o haveres de ressuscitar bem. Porém, um dos bons sinais de que ressuscitarás para a vida eterna e gloriosa, é, se à imitação de Cristo matares agora a morte com a tua morte, isto é, os pecados com a mortificação. Por isso, disse o mesmo Senhor por São João,4 que quem aborrece a sua alma neste mundo, esse a guarda para a vida eterna; e por São Mateus,5 que o Reino dos Céus padecia força, e os violentos o arrebatavam; e o Apóstolo das Gentes:6 Que se vivêssemos conforme as inclinações da carne, morreríamos; e se as mortificássemos com a força do espírito, teríamos vida; e que os que são de Cristo, crucificaram a sua carne, vícios e concupiscências.7
Ó meu dulcíssimo JESUS: já que Vossa morte foi para Vós tão gloriosa, para os filhos de Adão tão necessária, para o Inferno tão terrível, e destruidora da morte e do pecado; rogo-Vos humildemente, que não só mateis com ela a minha morte do corpo, senão também a da alma, que é o pecado; para que mereça por Vós ressuscitar Convosco, e aumentar o triunfo de Vossa vitória naquele grande dia em que haveis de consumá-la. Amém.
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Fonte: Ven. Pe. Manoel Bernardez, “Luz e Calor” - Obra Espiritual para os que Tratam do Exercício de Virtudes e Caminho de Perfeição, 2ª, Opúsculo III, Meditação XXVII, Ponto II, p. 388. Nova Edição, Lisboa, 1871.
1. Oséias 13, 14.
2. Romanos 8, 3.
3. D. Hieronym. In epitaphio Nepotiani ad Heliodorum.
4. João 12, 25.
5. Mateus 11, 12.
6. Romanos 8, 13.
7. Gálatas 5, 24.