(Para
o dia 15 de Agosto)
“Maria
optimam partem elegit,
quae
non auferetur ab ea”.
Maria
escolheu a melhor parte,
que
jamais lhe será roubada.
Grandes
elogios rendeu Jesus Cristo à Madalena ainda na sua vida. Quando Ele
é hospedado em sua casa, enquanto Marta cuida de preparar a ceia
para tão digno hospede, sua irmã Madalena se chega para o Divino
Salvador, gozando de sua santa conversação. Se porém, Marta
amorosamente se queixa para o Senhor, de que sua irmã a deixou só
no serviço da casa, o mesmo Senhor rende este louvor a Madalena,
dizendo: “Maria escolheu a melhor parte, que jamais lhe
será roubada – Maria optimam partem elegit, quae non auferetur ab
ea”. Ah! E quem não vê aqui
retratado o mais completo elogio a outra melhor Maria, à própria
Mãe de Deus? A Santa Igreja celebrando hoje a sua Assunção ao Céu,
alegrando-se em considerar que a Senhora foi neste dia colocar-se na
Divina Presença do seu amado Filho, gozar para sempre da sua amorosa
companhia e da sua doce conversação, rende o maior louvor à mesma
Senhora, dizendo-nos: “Maria Santíssima escolheu pelas
suas virtudes a melhor parte, que jamais lhe será roubada – Maria
optimam partem elegit, quae non auferetur ab ea”.
E
com razão, irmãos meus, Maria Santíssima tendo vivido neste vale
de lágrimas sempre cheia de trabalhos, mortificações e dores por
amor do seu Deus, e tendo ainda mesmo vivido na sua doce companhia,
contemplando as suas perfeições, hoje elevada em Corpo e Alma ao
Céu, gozando ainda melhor da sua Presença, e contemplando a sua
Essência Divina, alcançou assim uma glória incomparável, que
jamais há de perder. Santíssima desde a sua Conceição até a sua
morte, perfeitíssima em toda a sua vida, neste dia em que Ela foi
conduzida pelos Anjos ao Céu, ficou sendo para sempre beatíssima e
gloriosíssima. Tanta virtude e santidade não podia deixar de ser
premiada por Deus com a maior glória, nem podia deixar de merecer o
mais completo elogio. Se a Madalena, por que se entregou à doce
conversação com o Divino Salvador, contemplando a sua Divindade,
foi por isso tão louvada, sendo antes tão pecadora, quanto mais
merece uma Virgem, que sempre Virgem reuniu em Si mesma todas as mais
virtudes? E qual o prêmio devido a tanta santidade? A parte, pois,
que Ela foi tomar neste dia, a sua Assunção ao Céu para gozar
eternamente da visão de Deus, é para Maria gloriosa, e para nós
muito proveitosa; eis aqui o que tenho a mostrar. – Eu principio.
A
morte sendo pena do pecado, parece que a Mãe de Deus, sendo
Santíssima desde a sua Conceição, não devia ser a ela sujeita,
não devia experimentar a mesma morte que os filhos de Adão,
infectados do veneno da culpa. Mas Deus, querendo mostrar a Maria
semelhante a Jesus, seu Filho, convinha que depois de morrer o Filho,
morresse também sua Mãe; mas a morte para a Mãe não foi mais do
que um doce sono, um breve e suave passamento desta vida para a
outra, e uma ligeira passagem do desterro para a ditosa Pátria da
Bem-aventurança. Apenas, porém, Maria pagou este tributo decretado
por Deus a toda a humanidade, não devia contudo seu Corpo estar
entregue à corrupção, nem a terra era digna de conservar em seu
seio uma tão estimável prenda. Por isso, logo depois da morte, Deus
se apressou a chamá-La à sua Presença em Corpo e Alma, para
premiá-La de tantas virtudes; por isso, Ela subiu neste dia
transportada pelos Anjos ao Céu no maior triunfo. Seu amado Filho,
para mais honrar sua Mãe, vem do Paraíso Celeste a sair-lhe ao
encontro para acompanhá-La, diz São Bernardino de Sena; e apenas
com Ela se encontra lhe dirige estas palavras: “Andai,
minha cara Mãe, minha amada, minha formosa pomba, deixai esse vale
de lágrimas, onde tanto tendes sofrido por amor de Mim; vinde,
vinde em Corpo e Alma gozar a recompensa que vossa vida tem
merecido”.
Num
instante Maria deixa a terra, Jesus Cristo lhe dá a mão; e esta
Bem-aventurada Senhora se eleva aos ares, atravessa as nuvens, e
chega as portas do Céu. Estas num momento se abrem, Ela entra
triunfante nessa Celestial Jerusalém; todas as Hierarquias Angélicas
e todos os Santos a saúdam a uma voz, como diz Orígenes – Una
omnium in caelo erat laetantium non.
Quem é esta Criatura, que vem da terra, lugar de espinhos,
tribulações e tentações, tão pura, tão formosa e brilhante, e
tão acompanhada e protegida do seu amado? É a Mãe do nosso Rei,
nossa Rainha, a mulher mais feliz entre todas as mulheres, a mais
bela de todas as criaturas. Vós sois, Senhora, lhe dizem eles, Vós
sois a glória de Jerusalém, a alegria de Israel, e a honra do nosso
povo.
Oh!
Até toda a Trindade Santíssima a louva e abençoa; o Pai Eterno a
recebe e estima como sua Filha, o Filho como sua Mãe, e o Espírito
Santo como sua Esposa. O Pai Eterno a coroa, fazendo-a participar de
seu poder, o Filho reparte com Ela da sua sabedoria, e o Espírito
Santo do seu amor. Todas as três Pessoas Divinas a colocam sobre o
seu trono a direita de Jesus Cristo, e a declaram Rainha dos Céus e
da terra, e mandam que os Anjos e os Santos, tudo lhe obedeçam,
respeite e louve a Maria.
Ah!
Quanta glória não começou Maria Santíssima a gozar desde este
dia, subindo e tomando posse do Céu! Se ninguém pode compreender a
glória, que Deus reparte no Paraíso com aquelas almas que neste
mundo O serviram e amaram, qual será aquela que Ele concedeu a sua
Mãe, a qual neste mundo O serviu e amou mais que nenhuma outra
criatura? Se Ela chegou a amá-Lo mais do que os mesmos Anjos, por
isso é elevada, glorificada ainda mais do que os Anjos, como canta
neste dia a Igreja Santa. Enfim,
basta dizer que Ela está colocada a direita de Deus, como diz Santo
Atanásio com outros – Collocatur Maria a dexteris Dei.
É verdade que todos os Bem-aventurados gozam no Céu de uma perfeita
paz e de um pleno contentamento; mas ainda podiam gozar mais, se mais
tivessem servido e amado a Deus. Maria porém, tendo feito neste
mundo quanto pode pela honra e glória de Deus, não pode ter nem
gozar mais glória no Céu.
Qual
o Santo, diz o grande Agostinho, qual o Santo do Paraíso, que possa
dizer que nunca cometeu algum pecado? Nenhum certamente; todos esses
que povoam o Céu ou mais ou menos ofenderam
a Deus. Ainda que neste mundo fizeram verdadeira penitência, se
emendaram e amaram a Deus, nem por isso deixaram de ser em alguma
coisa defeituosos e culpados. Maria, porém, em tempo algum cometeu
culpa alguma, nem ainda o mais leve defeito, como testificam os
Padres de Trento. Ela não fez ação alguma que não fosse
meritória, não disse nem uma palavra, nem teve um pensamento, nem
deu um suspiro sem referir tudo a Deus; não perdeu nem um momento de
tempo, não desperdiçou nem uma graça; enfim, Ela pode dizer, como
ensina Santo Afonso: “Senhor, se eu não Vos amei como
mereceis, ao menos amei-Vos tanto quanto pude”.
Mas
se Ela amou a Deus mais do que todos os Santos, quanto maior será a
sua glória no Céu! Oh! Assim como o resplendor do sol excede muito
ao resplendor de todas as estrelas, do mesmo modo, diz São Basílio,
a glória de Maria excede a de todos os Bem-aventurados do Céu.
Bem
podia, diz São Tomás, bem podia Deus criar um firmamento mais belo;
bem podia criar mais estrelas, e ainda mais brilhantes, bem podia
criar um mar mais largo e uma terra mais fecunda; mas não podia
fazer mais gloriosa sua Mãe no Céu. A sua glória e alegria é
tamanha, que chega para Ela, e se comunica ainda aos demais Santos.
Assim como o sol, diz São Bernardino, comunica as suas luzes a
outros planetas, também Maria, de tanta glória que goza no Céu, a
reparte pelos demais Santos;
estes se alegram imenso só em ver a Maria; donde, diz São Pedro
Damião, que os Santos do Céu, depois da visão de Deus, não têm
maior glória do que ver a esta bela Rainha.
Ó
Virgem Santíssima, Mãe de Deus e Mãe nossa, quão grande é a
vossa alegria no Céu, quão incomparável a vossa glória! E se Vós
sois beatíssima e gloriosíssima, e se fazeis parte ainda mesmo da
glória dos demais Bem-aventurados, não promovereis também a nossa
felicidade? Não nos ajudareis neste mundo a merecer ao menos uma
pequena parte dessa glória? Por ventura, digo eu com São Pedro
Damião, por ventura, por que fostes por Deus tão exaltada,
esquecer-Vos-eis de nós neste vale de lágrimas? – Nunquid,
quia ita sublimata es, ideo nostrae mortalitatis oblita?
Oh! Não de certo; os amigos do mundo, quando se veem elevados à
grandeza, esquecem-se dos seus antigos afeiçoados que ficaram ainda
na miséria. Mas Vós não sois assim, em tão alta elevação como
existis, não Vos esqueceis de nós; antes, estando Vós mais perto
de Deus, e tendo aí maior poder para pedir graças e favores, Vos
empenhais por aquelas almas que neste mundo Vos servem; não deixais
de valer com mais cuidado aos vossos verdadeiros devotos: na vida
lhes alcançais graça e perdão das culpas, e na morte lhes assistis
para que não pereçam eternamente.
Na
verdade, irmãos meus, assim como Ela é nosso alívio no tempo do
desterro, também é nossa consolação na hora da morte, se nós a
temos servido e a Deus, como devemos; Ela, diz Santo Afonso, depois
que assistiu à morte do seu Jesus conseguiu o poder de assistir à
morte dos seus verdadeiros devotos. Na hora da morte são às vezes
grandes as agonias dos moribundos; os remorsos dos pecados passados,
ainda que fossem confessados e emendados, o medo ao juízo de Deus e
a incerteza da salvação, tudo isto inquieta mais ou menos, ainda
mesmo algumas almas que tem servido a Deus e a Maria. Então o
Inferno se arma todo contra o moribundo, emprega todas as forças
para ganhar essa alma que está próxima a partir à eternidade. O
Demônio sabe que já há pouco tempo para ganhá-la, que se a perde
então nunca mais a poderá fazer sua; por isso, se ele costuma
tentar-nos durante a vida, nos tenta muito mais durante a agonia da
morte. Ele não se contenta, então, em vir sozinho, mas chama
companheiros para o ajudar. Quando alguém está próximo a morrer,
sua casa se enche de espíritos infernais, que se reúnem contra essa
alma, diz Santo Afonso.
Conta-se
de Santo André Avelino, que na ocasião da sua morte, dez mil
Demônios vieram para o tentar: lê-se na sua Vida, que no momento da
sua agonia sustentou contra o Inferno um combate tão terrível, que
fez tremer todos os religiosos, que lhe assistiam; eles viram o rosto
do Santo tão inflamado pela agonia que sentia, que até se chegou a
fazer negro; viram seus membros tremerem, seus olhos derramarem
torrentes de lágrimas, sua testa destilar suores violentos, tudo
isto sinais do horrível assalto que lhe fazia o Inferno. Todos os
religiosos choravam de compaixão, redobravam as suas orações, e ao
mesmo tempo tremiam de susto, vendo assim morrer um Santo; eles se
consolavam não obstante, vendo que o mesmo Santo voltava muitas
vezes os olhos para a imagem de Maria, e se lembravam do que ele
tinha dito na sua vida: que na hora da morte Maria Santíssima havia
de ser o seu refúgio. Permitiu Deus, porém, por fim, de lhe
conceder a graça de terminar o combate por uma gloriosa vitória. Os
movimentos convulsivos do corpo cessaram, o rosto se desinflamou, e
viu-se que o Santo, tendo os olhos abertos, os pôs na imagem da
Senhora, e lhe fez uma devota inclinação, como para agradecer-lhe o
favor que lhe tinha feito em ajudá-lo a vencer tão cruel guerra do
Inferno; e julga-se que a mesma Senhora lhe apareceu então em visão,
e deu assim sua bendita alma sossegadamente nos braços de Maria,
subindo por esse fim com Ela para o Céu.
Mas
atendei, que para haver boa morte, assistida de Maria, é necessário
haver boa vida; atendei, que para subir ao Céu, é preciso viver com
Deus e Maria; é preciso emendar os vícios, fugir ao pecado como ao
Demônio; se assim o fizermos, quanto seremos felizes! Subiremos
também num dia ao Céu a ver e a gozar a Deus e a Maria. Oh! Que
alegria não será então a nossa! Só por vermos a Mãe de Deus,
deveremos sofrer todos os trabalhos, tentações e tribulações
deste mundo, até deveremos sofrer tormentos e o martírio, se
necessário for. Que gosto não teremos em ver aquela Senhora, que
neste dia foi levada pelos Anjos ao Céu, e que lá está toda bela,
toda formosa, toda cheia de glória! Que gosto não teremos em ver a
Maria coroada de estrelas, vestida de brilhantes, mais formosa que a
lua, mais resplandecente que o sol, enfim, mais gloriosa que nenhuma
outra criatura!
Ó
irmãos meus, se vós tendes tanto prazer em viver na companhia de
vossas mães, que vos geraram e criaram, que prazer não tereis em
viver na companhia daquela boa Mãe, que Vos adotou por filhos do seu
amor no alto do Calvário! Se vós algumas vezes tendes chorado de
saudade por vossas mães, ao menos quando meninos, desejando tanto ir
para os seus braços gozar dos seus carinhos e amores, qual não deve
ser a vossa saudade em ir para aquela melhor Mãe do Céu a gozar das
suas delícias e da sua doce e amorosa companhia! Como não suspirais
por tão rica Mãe? Porque não a servis com devoção agora mesmo?
Porque não A procurais muitas vezes? Porque não fugis para os seus
braços? E porque não imitais as suas virtudes da pureza, da
humildade, da paciência, da caridade, e de todas as demais para
depois a gozardes?
Vamos
pois, ouvintes meus, vamos todos ver nossa boa Mãe. Mas para isto
imitemos primeiro as suas virtude e bons exemplos que nos deixou,
invoquemo-lA muitas vezes com a oração da Ave Maria, com a sua
coroa ou rosário, e agora mesmo prostremo-nos aos seus pés, e
digamos-lhe com todo o coração: Ó grande Mãe e Senhora, Vós já
estais no Céu, e nós ainda estamos na terra; Vós já estais na
ditosa Pátria, e nós ainda estamos no desterro; Vós já estais
alegre, gozando à vista de Deus, e nós ainda gememos e choramos
neste triste vale de lágrimas; Vós já não podeis ser tentada nem
perder a Deus; mas nós ainda sofremos terríveis tentações do
mundo, do Demônio e da carne, e ainda estamos no perigo de nos
perdermos; mas com o vosso compadecido socorro tudo venceremos.
Desse
trono, pois, onde estais e reinais, lançai vistas amorosas para nós.
Olhai que somos vossos filhos, e pobres filhos, que precisamos muito
que Vós, nossa Mãe, nos deis o pão da graça de Deus, para
vivermos e morrermos santamente. Somos vossos filhos, e filhos que
queremos e desejamos muito ver tão boa Mãe; já que neste mundo não
temos esta fortuna, tenhamo-la no Céu. Ai! Quantos meninos choram
por sua mãe, quando ela lhes falta! Que amargura não sofrem na
ausência de quem lhes deu o ser! Que amargura não é também a
nossa de estarmos ausentes e tão longe de Vós, que sois a melhor de
todas as Mães! E se chegarmos a estar eternamente separados de Vós,
fechados nas cadeias infernais, que maior amargura, que maior
saudade, que maior desgraça será ainda a nossa! Ó Senhora e Mãe
nossa, não permitais que tal nos aconteça; choraremos então por
Vós, mas nossas lágrimas já não serão capazes de Vos comover o
Coração. Agora, Senhora, agora, que ainda é tempo; agora, que
ainda nossos pecados têm remédio, ouvi nossas súplicas, escutai os
nossos suspiros e gemidos, atendei as nossas lágrimas; ajudai-nos a
emendar as nossas culpas, fazei de pecadores, como somos, uns Santos;
valei-nos na vida e na morte, e dai-nos então a vossa mão;
conduzi-nos ao Céu para viver convosco e com o vosso Jesus, e para
Vos louvar e agradecermos eternamente tantos favores. Amém.
__________________________
Fonte:
Pe.
Fr. Manoel da Madre de Deus, O.C.D., Práticas
Mandamentais ou Reflexões Morais Sobre os Mandamentos da Lei de Deus
e os Abusos que lhes são Opostos, Outras
Práticas e Missões – Prática 11ª,
pp. 568-575.
3ª Edição, Em Casa de Cruz Coutinho – Editor, Porto, 1871.
. Luc.,
10, 38-42.