Subida
ao Monte da Mirra, ou,
Contemplação
das Penas de Jesus.
Subamos,
alma minha, ao outeiro do incenso, e monte da mirra; que temos ali
muito que admirar, muito que aprender. Vamos, digo, ao Calvário com
os passos da consideração, e afeto. Este, verdadeiramente, é o
outeiro do incenso; pois ali sobre vivas brasas do amor, no altar da
Cruz ardeu, e se consumiu a vida de meu Senhor Jesus Cristo, para
exalar ao Céu a fragrância do Sacrifício, que aplacou a ira
Divina. Este, verdadeiramente, é também o monte da mirra; porque se
esta significa o amargoso da mortificação, e o penoso da morte: ali
provou estas amarguras, e passou por estas penas, O que é a nossa
consolação e a nossa vida.
Oh,
que estranho espetáculo é este, que a meus olhos se oferece! O
Filho de Deus Humanado, o Rei da Glória, o que é a Cabeça de todos
os Anjos e homens, e absoluto Senhor de todo o criado, crucificado e
morto em um lenho infame, entre dois insignes malfeitores. Vê, e
repara bem, como tem a Cabeça coroada de espinhos, os cabelos feitos
pastas de sangue, os olhos fechados com o pesado sono da morte, as
faces tumorosas com os golpes e bofetadas, e cobertas de sangue e
salivas; a língua está seca, os lábios denegridos, a boca meio
aberta, como que acaba de espirar, o peito levantado, o ventre
exausto e consumido, o lado rasgado às violências de uma cruel
lança, os nervos estendidos com quanto força pode a malícia e
crueldade dos algozes, os ossos deslocados, que se podiam contar, as
mãos e os pés desgarrados e fixos com duros cravos, todos os seus
membros ignominiosamente despidos e expostos, à vista de inumerável
povo, e de seus êmulos mofadores: e, finalmente, ao pé da Cruz a
lastimada MÃE MARIA, inocentíssima, feita um mar imenso de
amarguras, e um epílogo de todas as penas e tormentos de Seu amado
Filho.
Que
figura sem figura é esta, tão nova e prodigiosa? Não sabes, alma
minha? É a figura do Amor Divino. Quis Deus formar uma estátua, ou
retrato perfeito do Seu Amor: e deste modo o formou. Contempla
atentamente e verás, como não há espaço, ou parte mínima em toda
esta figura, que não esteja cheia de Mistérios e perfeições do
Amor. O Amor é dadivoso e magnífico. Que maior dádiva, que dar-me
Deus a Seu Filho Unigênito, e com Ele dar-me o Seu Corpo e Alma, Sua
Honra e Vida, Seus Merecimentos e Exemplos, Sua Graça e Glória? O
Amor iguala e assemelha os extremos por desiguais, e mui distantes
que sejam. Aqui o Filho de Deus se abateu a parecer pecador, para
levantar os pecadores a ser filhos de Deus. O Amor despreza penas e
tormentos, por remediar e fazer bem ao amado. Que tormentos e penas
não tomou sobre Si nosso Salvador, para nos livrar da morte do
pecado, e comunicarmos a vida de Sua graça?
Mais.
O Amor é sumamente ativo, como o fogo: faz muito em breve tempo. Em
poucas horas de Sua Paixão sagrada, concluiu o Filho de Deus, o
Mistério da Redenção do mundo, e alcançou aquelas três
gloriosíssimas vitórias, do pecado, da morte e do Inferno, e
franqueou o Reino dos Céus a todos os filhos de Adão, que quisessem
aproveitar-se de Seu Sangue: e consumou tudo o que d'Ele estava
profetizado nas Escrituras. O Amor tem grandes seios, onde cabem até
os ingratos; dilatado bojo onde se digerem gravíssimas ofensas.
Cristo na Cruz tem os braços estendidos quanto pode, para recolher e
abraçar a todo o Gênero Humano: ora, pelos mesmos que O
crucificaram, acha desculpa ao seu pecado: Pater dimitte illis,
non enim sciunt quid faciunt.
O Amor dá bem por mal, em
competência do ódio, ira e ingratidão, que costumam dar mal por
bem. Do lado de JESUS lanceado saíram os Sacramentos de nossa
Religião Cristã, e a luz, que na alma e no corpo iluminou
ao mesmo ímpio soldado que O ferira. O Amor é constante no que
empreende. JESUS uma vez
elevado no altar da Cruz, para nela ser sacrificado, não quis
descer, ainda que pudesse, por mais que seus inimigos com suas
línguas mordazes O irritaram. O Amor faz estimação dos opróbrios
padecidos pelo amado. JESUS teceu de nossos espinhos a Sua coroa; e a
Cruz, que era o opróbrio das gentes, tomou por cetro do Seu Reino. O
Amor não é interesseiro. JESUS, o que de nós pretende em nos amar,
é livrar-nos da perdição eterna, e conduzir-nos à eterna
felicidade. O Amor permanece, e aumenta com as mesmas tribulações.
JESUS havendo-nos amado desde o princípio, para o fim, nos amou mais
e nos ama sem fim: Cum dilexisset suos, qui erant in mundo,
in finem dilexit eos.
Ó
figura viva do Amor Divino
estampada no Filho de Deus morto! Quem Te imprimirá profundamente na
minha alma! Ó meu JESUS amorosíssimo! Quem saberia conhecer,
estimar e corresponder a tanto amor! Ó meu Salvador Crucificado!
Quem teria a glória de ser crucificado também Convosco! Ó Soberano
Rei da Glória, por meus pecados expostos à maior confusão; por
minha causa reputado, não por Deus, nem ainda por homem, mas por
bichinho vilíssimo da terra: Ego vermis, et non homo;
por réprobo e malvado, e feito irrisão do povo e opróbrio das
gentes? Verdadeiramente, Vossa caridade é incompreensível:
verdadeiramente, Vossas misericórdias não tem número. Amor, que
entrega o Filho à morte, para dar vida ao servo: Amor, que condena a
inocência, para perdoar à maldade, não tem em todos os
entendimentos criados, regra por onde se meça, nem razão por onde
se defina.
Que
graças e louvores não Vos daremos; pois tanto a Vossa custa nos
livrastes da morte eterna? Como, Senhor, serei ainda tão ingrato;
que me esqueça de Vosso Amor, que Vos ofenda, que despreze Vosso
Sangue, que torne com meus pecados a Vos crucificar? Muito me
amastes, meu JESUS! Quem me dirá agora, a razão de amar eu tão
pouco, ou totalmente não amar a quem tanto me amou? Ninguém pode
dar razão alguma do que é suma sem-razão. Senhor: nenhuma razão
tenho, de não Vos amar mais que tudo, e de não deixar de amar tudo,
só para amar a Vós unicamente. Oh, meu dulcíssimo Salvador!
Nenhuma razão tenho de não Vos amar de todo coração: e mais,
quando este mesmo amor, que Vos devo, e me pedis, Vós mesmo mo dais,
se eu o quiser receber; e para que mo pudésseis
dar, e eu o quisesse receber, morrestes nessa Cruz. Quando eu me via
tão pobre do Vosso Amor, costumava recorrer a pedir-Vos que mo
desses. Já agora, nem de vo-lo pedir, me fica muito lugar; pois quem
rejeita o que lhe dão, claro
é que não deseja muito o que pede. Dai-me, que saiba eu pedir o que
desejo, e aceitar o que peço. Ame-Vos eu, Senhor, senão como Vós
mereceis ser de mim amado (que isso é impossível), ao menos como,
com a Vossa graça posso amar-Vos. Ame eu, Senhor, as Vossas penas,
dores, desprezos e desamparos: e nunca, jamais, me glorie em coisa
alguma fora de Vossa Cruz. Fazei-me, ó meu JESUS Crucificado,
fazei-me, Vos peço, semelhante a Vós: imitador das excelentíssimas
virtudes, que dessa cadeira da Cruz me estais ensinando. Quero,
Senhor, por Vosso Amor e glória, ser pobre, ser desprezado, ser
obediente até a morte; ser benigno com meus adversários, ser
perseguido e caluniado pelos mesmos, a quem fizerdes bem por meio de
mim. Quero morrer por Vosso Amor; pois Vós por meu amor morrestes.
Pesa-me
dentro da alma, Vos haver
ofendido, sendo Vós a mesma bondade infinita. Confesso diante do Céu
e da terra, que fiz o mal: confesso minha culpa. Mas, confiado em
Vossa misericórdia e na virtude e eficácia de Vosso Sangue, assento
e proponho firmemente, de emendar a vida e tomar daqui por diante,
por regra dela, Vossa santíssima vontade. Ponde, Senhor, nesta minha
determinação o selo de Vossa graça, para que fique confirmada: e
fazei em mim, não como minhas ingratidões merecem, senão conforme
Vossa grande misericórdia. Amém.
Desejo a Todos os Irmãos,
uma Santa e Frutuosa Semana Santa,
Finalizada por uma Santa e Feliz Páscoa.
Ave Carmelo! Ave Maria!
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