Para o Dia 8 de Dezembro
De qua natus est Jesus.
Maria, de quem nasceu Jesus.
(S. Mat., 1, 16).
Ser Maria
aquela, que abrangeu em Seu ventre o que é Imenso; ser Ela a que deu ao mundo
um Redentor Divino; ser Ela Filha, Esposa e Mãe do Seu mesmo Deus, ser Ela de
quem nasceu Jesus – De qua natus est Jesus; eis aqui o mais alto grau a
que podia ser elevada uma filha de Adão; eis aqui uma qualidade altíssima, que
não podia unir-se em Maria com a Culpa Original. Não, irmãos meus, a
Primogênita do Eterno não podia ser em tempo algum o objeto do Seu ódio; a Mãe
de um Deus Santíssimo não devia contrair alguma culpa; a Esposa de um Deus
Santificador devia ser santificada em todo o tempo; a Libertadora da nossa
escravidão não devia arrastar as nossas tristes cadeias; a Vencedora da
Serpente não convinha ser ferida de suas setas; Maria, finalmente, não devia contrair
a Culpa Original.
Como não podemos
negar a glória de ser Mãe de Deus, devemos por isso mesmo acreditar, que Ela
foi concebida em Graça, e que desde o primeiro momento da sua Conceição Ela foi
pura, imaculada, isto é, isenta do Pecado Original. Os Santos Padres assim o
tem acreditado e ensinado; e a Santa Igreja finalmente assim o definiu há pouco
como Ponto de Fé, a que não podemos faltar. Não espereis pois, que eu hoje
venha provar-vos um Dogma ultimamente definido; falando o Oráculo da Verdade,
nada mais é preciso; a vossa mesma piedade e devoção para com Maria,
invocando-A e festejando-A como pura e imaculada desde a sua Conceição, me
escusa disto mesmo. Eu me contento somente de mostrar-vos a singularidade da
Graça Original em Maria, ou, o grande privilégio com que o Criador a enriqueceu
na sua Conceição. Quanto Ela foi feliz desde sua origem, e quanto nós somos
infelizes, eis o que mostrarei. – Eu principio.
Para formarmos
alguma ideia da singularidade da graça, que santificou a Maria na sua Conceição
milagrosa, é necessário conhecermos a desgraça do Pecado Original, de que todos
nascemos réus, e de que o Senhor excetuou esta feliz Criatura. Ah! Que
horroroso espetáculo exporia eu aos vossos olhos, se pudesse descrever com
clareza a deformidade enormíssima deste monstro detestável! Ele é um dragão
venenoso, que nutrindo-se conosco desde o ventre de nossas mães, nos despedaça
as entranhas com mordeduras mortais; é uma maldição inevitável, a qual,
contraído logo desde o princípio da nossa existência, nos faz objetos odiosos
do nosso Deus, indignos das suas graças, e excluídos do Reino do Céu; é um
contágio universal, que infeccionando toda a humanidade, chama sobre ela as
enfermidades, as paixões, as desgraças, e finalmente, a morte; em poucas palavras,
é aquele primeiro pecado de desobediência, que Adão e Eva cometeram, e que
todos nós deles herdamos como filhos ou descendentes, e que desgraçou a eles e
a toda a sua descendência.
Fatal herança,
quem poderá escapar-te? Virgem Santa, quem senão Vós, que fostes criada para
ser Mãe do vosso mesmo Criador, e que não tendes semelhante na vossa origem, e
que sois Bendita entre todas as mulheres, quem senão Vós poderá ficar isenta de
tão perniciosa lei?
Mas, com efeito,
ainda que no princípio da nossa origem, logo que somos concebidos no ventre de
nossas mães, ficamos todos sendo réus do pecado, escravos do Demônio, marcados
com o seu selo; Maria sem exemplo é concebida em Graça, e entra no mundo cheia
de inocência e santidade; o seu mesmo Criador por um raro privilégio a susteve
nos Seus braços para não cair na massa da perdição; no mundo apareceu uma nova
Criatura dotada desde a sua Conceição, das melhores perfeições por um raro
privilégio. Infernal Serpente, enganadora de uma incauta Eva, confunde-te com a
existência desta nova Criatura, foge, foge envergonhada para esses abismos de
tormentos; tuas forças e teu poder não tiveram parte em Maria; tuas duras
cadeias não prenderam esta Virgem; se procuraste com uma só lança ferir toda a
humanidade, se pensavas ganhar num só combate todas as vitórias, aterra-te,
ainda digo, pois, é Maria quem alcançou sobre ti uma completa derrota; é Maria
a quem não prenderam teus laços; é Maria, finalmente, que te esmagou a cabeça,
e abateu tua soberba – Ipsa conteret caput tuum.
Maria é sim essa
valorosa Judite, que confundiu e derrotou o soberbo Holofernes do Inferno;
Maria é a única que não arrastou seus ferros. E que glória esta para Maria! Que
glória para Ela, alcançar uma completa derrota de tamanho Adversário! Que
glória para esta Virgem, confundir logo no princípio da Sua existência um
Inimigo, que tinha zombado do mundo todo! Ah! O Demônio tinha subjugado ao seu
império toda a descendência de Adão, mas só esta Virgem pode escapar-se à
tirania de seus ferros; tudo havia sucumbido às leis deste soberbo vencedor,
mas só esta forte Torre de Davi despreza as suas bandeiras. O soberbo Assuero
tinha condenado à morte todo o povo hebreu, mas uma formosa Ester é excetuada
deste decreto; todos somos concebidos em pecado, réus e escravos do Demônio;
Maria tão somente é excetuada desta lei. Que privilégio, que glória para Maria!
Ah! Todos os
demais privilégios, todas as demais graças que o Senhor lhe concedeu, por muito
grandes que sejam, não excedem, nem chegam a este dom da sua Conceição
Imaculada; é esta uma graça onde não tem chegado alguma criatura humana: Ela,
ainda que procedida de um princípio imundo, de uma carne corrupta, como nós
outros, é concebida e criada por Deus toda bela como a brilhante aurora; saindo
do meio das trevas da obscura noite da culpa, apareceu toda luminosa: começando
a existir entre os espinhos do pecado, é uma Rosa sempre cheirosa, agradável e
imarcescível; entre a nossa natureza toda estragada por causa de Adão e Eva,
veio esta Flor toda bela, toda formosa e graciosa.
Virgem Santa,
criatura imaculada, formosa Filha de Jerusalém, a quem Vos compararei? Ai! Se a
fé não me ensinasse que há Um só Deus na essência, e Trino em Pessoas, eu diria
com São Dionísio, que Maria era uma segunda Divindade – Nizi unam tantummodo
Divinitatem esse crederem, hanc mulierem Divinum esse dicerem. Mas, não
larguemos os voos do nosso pensamento mais acima do que deve ser; basta dizer
que Maria pela sua Conceição Imaculada excede a tudo quanto é criado, e que
assim como o sol brilha entre todos os demais astros, também Ela resplandece e
sobressai a tudo quanto é grande diante de Deus: Ela é um Castelo fortíssimo,
uma Torre inexpugnável, que nunca pagou algum tributo ao Demônio, diz S. Tomás
de Vilanova, isto é, nunca cometeu pecado, nem houve momento desde a sua
Conceição em que estivesse no poder do Demônio – Ecce castellum fortissimum,
ecce turrim inexpugnabitem, quae nunquam diabolo praestitit tributum.
Oh! Quanto pois
Maria é feliz desde o primeiro instante da sua existência! E quanto nós todos
somos infelizes, desgraçados desde o primeiro momento em que fomos concebidos
no ventre de nossas mães! Maria é concebida em graça, e nós em pecado mortal;
Maria apenas começa a existir, é livre do poder do Demônio, e nós desde o primeiro
momento da nossa existência começamos a ser escravos do seu infame poder; Maria
desde então Santíssima, perfeitíssima, sumamente agradável a Deus, e nós desde
o primeiro instante da nossa criação, pecadores, miseráveis, feios e
desagradáveis aos olhos de Nosso Senhor: que diferentes sortes! Que desgraçada
condição humana! Mas desta infeliz sorte, fomos por Deus resgatados nas
sagradas águas do Batismo; então o nosso Divino Criador por meio desse Santo
Sacramento, nos livrou da escravidão do Demônio, e lavou nossas almas dessa
mancha do pecado; então ficamos cheios de graça e inocência, amados de Deus,
agradáveis aos seus olhos, e herdeiros do Seu Reino do Céu; enfim, pela sua
infinita misericórdia ficamos sendo seus filhos, e inteiramente felizes pela Graça
da Regeneração. Mas esta graça e felicidade tornamos a perder por nossa culpa,
se cairmos em pecado mortal, e ficamos depois, ainda mais infelizes e
desgraçados do que da primeira vez, porque fomos infiéis às nossas promessas, e
ingratos ao nosso bom Deus.
Sim, irmãos
meus, o pecado é Original e Pessoal; o Original, é aquele com que somos
concebidos no ventre de nossas mães, e que nos vem de nossos primeiros Pais,
Adão e Eva como origem, e de que só Maria Santíssima ficou livre por um raro
privilégio; o pecado Pessoal, é aquele que comete a própria pessoa, ou o que
nós praticamos depois do uso da razão. Do Original somos livres pelo Batismo,
como já vos disse; e se morrermos sem sermos batizados não poderemos ir para o
Céu, nem também sofreremos as penas do Inferno, porque o Pecado Original não é
cometido por vontade própria. Mas, se depois do Batismo e do uso da razão nós
cometemos algum pecado mortal, ao qual não damos remédio pela Confissão e
Penitência, não poderemos também ir ao Céu gozar a Deus, iremos sem remédio
algum ao Inferno padecer tormentos eternos; porque este pecado jé cometido por
nós, por vontade própria, por malícia pessoal, de que não há desculpa diante de
Deus.
Assim pois, se
desgraçados éramos pelo Pecado Original antes de sermos batizados, muito mais
desgraçados somos depois do Batismo, se cairmos em pecado mortal, que não
remediemos. Estes pecados pessoais nos fazem muito mais aborrecidos de Deus, e
merecedores de tremendos castigos pela nossa infidelidade e ingratidão. Sim, o
sagrado Batismo além de ser um Sacramento de Regeneração, pelo qual somos
lavados do Pecado Original, como já vos disse, é também, como dizem os Santos,
um contrato que Deus faz conosco e nós com Ele. Deus promete, e nós prometemos;
Deus obriga-se, e nós obrigamo-nos também; damos palavra pela boca de nossos
Padrinhos como fiadores, estando presentes os Ministros da Igreja, testemunhas
os Anjos e os homens; faz-se disto escritura, a qual se guarda no arquivo da
Igreja e nos registros de Deus. O Senhor te colheu a palavra que tu deste no
Batismo, diz por isso Santo Ambrósio, escrita está não no livro dos mortos, mas
sim, no livro dos vivos; diante dos Anjos pronunciaste a tua obrigação, não a
podes negar.
E que nos
prometeu Deus no Batismo? Prometeu-nos o Céu, e obrigou-se a dar-no-lo, se O
servirmos e amarmos, e se morrermos na Sua graça. Eis a promessa da parte de
Deus, e que de certo há de cumprir. E da
nossa parte, que prometemos, e a que ficamos obrigados? Chegando a porta da
Igreja, logo nos saiu ao encontro o Ministro do Senhor, o qual nos perguntou,
ou aos nossos Padrinhos em nosso lugar:
– Que pedis à
Igreja? – E logo responderam por nós: A fé.
– E a fé, que te
dá? – A vida eterna, responderam mais.
– Se pois queres
entrar na vida eterna, guarda os Mandamentos, disse o mesmo Ministro do Senhor
– Si vis ad vitam ingredi, serva mandata. Logo o mesmo Sacerdote mandou
ao espírito imundo ou ao Demônio sair fora da nossa alma; logo nos marcou com o
Sinal da Cruz na testa, para que sempre nos lembremos da Cruz, e não nos
envergonhemos de ser cristão; no coração, para que vivamos sempre com amor e
afeto a mesma Cruz e Mortificação.
Tomando depois o
Sacerdote um pouco de sal bento, o meteu na nossa boca, e nos disse, que
recebêssemos o sal da sabedoria, isto é, que deveríamos saber as nossas
obrigações e guardá-las, livrando-nos sempre da corrupção dos costumes e
pecados, e que nunca tivéssemos fastio das coisas de Deus, e de O servir. Expeliu
outra vez com o sal o Demônio para fora da nossa alma, e lhe mandou que nunca
mais tomasse posse dela. Entrando nós na igreja, o mesmo Sacerdote nos fez duas
cruzes nos nossos ouvidos para os abrirmos depois à Palavra de Deus, para A
ouvirmos com atenção e aproveitamento, e no nariz o mesmo, para percebermos o
cheiro da celestial suavidade. Apenas chegamos à Pia Batismal, logo aí nos
perguntou o Ministro Sagrado:
– Renuncias a
Satanás?
– E nós
respondemos por boca de nossos Padrinhos: Renuncio.
– Renuncias
também as suas obras?
– Cada um de nós
respondeu: Renuncio.
– Renuncias as
suas pompas?
– Do mesmo modo
respondeu qualquer de nós: Renuncio.
– E logo depois
se seguiu o Batismo, a ação mais solene e proveitosa para nós, pela qual a
nossa alma foi lavada da Mancha Original em que fomos concebidos e nascidos,
ficando logo filhos de Deus e com direito ao Céu.
Eis aqui, irmãos
meus, a grande felicidade que nos veio pelo Batismo, onde começamos a viver
para Deus, onde Ele nos concedeu tanta graça; nos prometeu tantos bens, e onde
nós mesmos lhe fizemos tantas promessas, e contraímos tantas e tão santas
obrigações. E dizei-me: vós tendes por ventura cumprido estas obrigações? Ah!
De certo não. Deus não falta, nem faltará ao que vos prometeu; mas desgraçadamente
tendes vós faltado, e faltais imensas vezes. E se não, dizei-me: que pedistes
vós, e que prometestes quando chegastes às portas do templo para receberdes o
Batismo? A fé; e prometestes guardá-la. E que tendes vós feito? Talvez a
tenhais perdido de todo ou em parte, não acreditando quantos Dogmas a Santa
Igreja vos manda; e se os acreditais, desacreditai-los pelo vosso péssimo
procedimento.
Diz-me, cristão,
pergunta São João Crisóstomo, em que poderei eu conhecer que tu és cristão e
tens fé? Pelo lugar em que vives? Pelas tuas roupas? Pelas tuas palavras? Pelo
teu sustento? Pelos teus negócios? Oh! Por nenhuma destas coisas se pode
conhecer que és um verdadeiro cristão, ou que tens verdadeira fé, como pediste
e prometestes; mas tudo pelo contrário. O lugar que buscas é o teatro, o baile,
a casa da assembleia, a do jogo, a da prostituta ou concubina, a da mancebia, a
taberna, o lugar do divertimento profano e da desmoralização. A roupa de que
usas é uma roupa desnecessária, vestido de luxo, de vaidade, e além do mais, de
indecência e sinal de desonestidade. As palavras de que te serves, são muita
vezes pragas, juras, nomes injuriosos ao próximo, murmurações e palavras
impuras. A comida e bebida de que usas é mais do que a necessária para viver,
trabalhar e servir a Deus, um sustento demasiado e brutal, perdendo por isso a
sobriedade, e até as vezes a saúde e o juízo. Os negócios em que te empregas
são unicamente, ou mais que tudo, os negócios domésticos ou da tua família e do
teu interesse temporal; e pouco ou nada no negócio da glória de Deus e da tua
salvação.
Se queres gozar
a vida eterna, guarda os Mandamentos, te disse mais o Sacerdote quando te
batizou. E como os tens tu guardado? Muito mal. Não há talvez Mandamento que
tenhas cumprido, nem algum que não tenhas profanado uma e muitas vezes com
pecados, e até mortais; a Lei de Deus tem sido para ti coisa do menor preço e
valor; a tua vida tem sido uma comprida cadeia de culpas, que chega daqui ao
Inferno. Tens desmentido milhares de vezes as tuas promessas do Batismo. O
Ministro do Senhor te lançou então fora da alma o Demônio; mas tu O deixaste
entrar outra vez, pecando mortalmente, e talvez O tenhas deixado andar sempre
contigo sem fazeres uma boa Confissão, nem te emendares. Marcou-te o mesmo
Sacerdote com o Sinal da Cruz para viveres debaixo das bandeiras de Jesus
Cristo, e passares uma vida mortificada, uma vida de Cruz, como discípulo de tão
Santo Mestre.
Mas que vida é a
tua, cristão? Não é vida de Cruz, é vida de delícias, porque em lugar de
buscares mortificação para o teu corpo, só buscas gostos e prazeres, e só
aborreces a Cruz ou a Penitência; tu até te envergonhas talvez de ser cristão,
ou ao menos te envergonhas algumas vezes de fazer boas obras, obras de cristão,
de fazer o Sinal da Cruz, de trazer o Escapulário de Maria ao pescoço, de pegar
num Rosário ou numas contas, de fazer oração, confessar, comungar, de fazer
estas e outras obras de cristão. Toda a vida de um cristão, se vive conforme o
Evangelho, é uma vida de Cruz, diz Santo Agostinho. Porém, a tua vida é uma
vida laxa, uma vida conforme as tuas paixões, e cheia de preguiça e vergonha
para seguir as lições de Jesus Cristo, e só diligente e de pouca vergonha para
seguir as coisas do mundo, do Demônio, da carne. Lançou-te o Sacerdote do
Senhor o sal bento na boca para gostares da verdadeira sabedoria, para depois
procurares saber as tuas obrigações que contraias, para te livrares da
corrupção dos maus costumes, e para não te enfastiares das coisas de Deus. Mas
tu nem sabes, nem procuras saber o que te convém para a salvação; nem buscas um
bom Diretor ou Mestre que ensine; antes buscas Confessores passageiros, que te
deixem na ignorância, que não te mostrem o que deves fazer, que por tudo te
passem e te deixem viver conforme as tuas paixões; e assim, em lugar de te
livrares da corrupção do pecado, vives cada vez mais empestado, enfermo na
alma, cada vez pior. Se aparece, porém, ou encontras algum Confessor que te
expõe a verdade, e te quer livrar do pecado e do Inferno, apertando mais
algumas coisas contigo, demorando-te a santa absolvição, fazendo-te entrar em
Confissão Geral, ou mandando-te fugir da ocasião, restituir o alheio e fazer,
finalmente, o que deves, logo te aborreces, foges dele, e não tornas a
buscá-lo.
Se aparece algum
pregador, que com eficácia te expões a gravidade das tuas culpas, e te quer
conduzir ao Céu, não o queres ouvir, ou ao menos te enfastias de o escutar; nem
uma Prática, nem um Catecismo queres ouvir, ficando muitas vezes fora da
igreja; tudo, tudo quanto é Palavra de Deus e para tua salvação te aborreces,
te causa fastio, e por isso nunca saras dessa peste dos teus vícios, e nunca
gostarás das delícias da vida eterna. Este soberano sal nada te aproveita,
porque tens fastio de ouvir a Palavra de Deus, e pouco ou nenhum apetite da
doutrina do Céu. Tardes e noites inteiras em uma comédia, assembleia ou baile e
na casa do jogo ou da taberna, horas e horas a conversar, tudo isto te causa
gosto e te faz parecer pouco tempo; e uma hora ou meia numa Prática ou Sermão,
já te enfada, cansa e enfastia: ó gravíssima enfermidade, e execranda miséria!
Tens na verdade o gosto estragado; não há sal que te cure; assim viverás e
morrerás, e assim te condenarás ao Inferno.
Perguntou-te
mais o Sacerdote, quando te batizou: “Renuncias a Satanás, às suas obras, e às
suas pompas?” E tu pela boca dos teus Padrinhos, como fiadores às tuas
promessas, respondeste, que a tudo isso renunciavas. Mas que tens tu feito?
Tudo pelo contrário. Em lugar de renunciares o Demônio, tens seguido as suas
tentações ou enganos, e tens feito quanto ele quer; em lugar de aborreceres as
suas pompas, tens vivido com luxo e mais luxo, tens andado à moda, e com a
maior vaidade. Estas pompas de Satanás, diz Santo Agostinho, São Jerônimo e
outros Padres, são pompas do mundo, a ambição, a soberba, a vaidade, a
superfluidade, a vanglória, em preciosas alfaias, em coches, em criados, em
galas, em banquetes, em teatros e em jogos; são estas as pompas do Demônio, que
tu renunciaste; mas são estas as que tens seguido, e segues desgraçadamente
contra as tuas promessas.
A tudo
renunciaste, e a tudo faltaste, fazendo o contrário. Ungiu-te depois o
Sacerdote com o óleo, que era o símbolo da graça de Deus, que entrava na tua
alma para sará-la da enfermidade do pecado, para moderar as tuas paixões, e
fortalecer-te nas batalhas contra a tua salvação; mas nem isto te aproveitou;
porque com a maior fraqueza te deixaste depois arrastar dos teus apetites, e
tens caído em imensas misérias. Em seguida, foste logo batizado, lavada a tua
alma nessas águas puras da tua regeneração, e ficaste logo filho de Deus, e com
direito ao Céu; mas tudo isto perdeste pelo pecado mortal que depois cometeste;
pela tua infidelidade a tantas promessas que fizeste, ficaste privado de tantos
e tão grandes bens; ó miséria das misérias, ó grande infelicidade! A tua alma
depois do Batismo ficou toda pura, mais branca do que a neve, mais formosa do que
o sol; mas tu depois do uso da razão a manchaste com pecados mortais em que
caíste por tua malícia, e a fizeste mais feia e horrorosa do que um Demônio,
ficaste mil vezes pior do que antes do Batismo; Deus te aborreceu muito mais
por causa da tua ingratidão ao benefício que te fez; e assim te tirará
rigorosas contas das tuas infidelidades, da falta de observância das tuas
promessas no Batismo, e te castigará com muito maior rigor.
Ele te dirá no
dia do Juízo: “Tu no Batismo tomaste o nome de tal Santo ou Santa para imitar
as suas virtudes; mas seguiste uma vida contrária: tu foste marcado com a Minha
Cruz para levá-la com vontade e paciência, e seguir a mortificação; mas tu
quiseste antes passar uma vida de delícias, e aborrecias tudo quanto era pena,
dor e penitência, e te declaraste inimigo da mesma Cruz: tu recebeste o sal
bento na boca para gostar da Palavra de Deus e te livrar da corrupção do
pecado; mas tu te aborrecias de ouvir a sã doutrina, e te deixaste corromper
dos vícios: tu renunciaste as obras e pompas de Satanás; mas seguiste depois
tudo quanto ele te ensinou, as vaidades e modas infames: tu foste ungido com o
óleo para te fortalecer contra as criminosas paixões, e tu cada vez te fizeste
mais fraco: enfim, tu foste então batizado para ganhares o Céu, e tu mereces o
Inferno”.
E que
responderás ao Senhor? Como te desculparás de tantas infidelidades às tuas
promessas no Batismo? Maria foi concebida em graça sem a menor mancha de
pecado, por um raro privilégio, e foi sempre fiel a Deus; mas tu, se foste
concebido em pecado, e nascido em pecado, Deus pela sua grande bondade te
livrou no Batismo, e te fez seu filho e cristão, e a tua alma pura; mas tu como
tens correspondido a tão bom Senhor? Por que tens faltado tantas vezes às
promessas que Lhe fizeste, e desgraçado a tua alma? Oh! Envergonha-te, pecador,
e muda de vida: até quando hás de abusar da bondade de Deus, que te resgatou no
Batismo do poder do Demônio? Até quando hás de ser infiel ao que então Lhe
prometeste? Olha que se antes de batizado eras desgraçado e infeliz pelo Pecado
Original, agora mais desgraçado e infeliz estás pelos Pecados Mortais que tens
cometido; olha que agora mereces de mais a mais o Inferno, se não lhes dás
remédio. Este remédio, que agora te resta, é o Arrependimento com uma boa
Confissão e com a Emenda.
Anda pois à
Presença do Senhor chorar teus pecados pessoais, e diz assim: Ó meu Deus, eu
vejo-me carregado de crimes, de que não tenho desculpa; eu tenho-Vos sido
infiel e ingrato milhares de vezes; mas eu me arrependo agora e me pesa muito
de tantas maldades. Tenho profanado o meu Batismo, tenho desgraçado a minha
alma; mas agora proponho viver como cristão, e nunca mais pecar. Ajudai-Me com
a Vossa graça para que leve a efeito estes meus desejos. Ó Maria, ajudai-Me também;
Vós que fostes sempre pura e Santa desde o primeiro momento da Vossa vida,
alcançai-Me graça para viver e morrer santamente. Ó Maria, concebida sem
pecado, rogai por nós, que recorremos a Vós. Amém.
Fonte: Rev. Pe. Fr. Manoel da Madre de Deus, O.C.D., “Práticas Mandamentais ou
Reflexões Morais sobre os Mandamentos da Lei de Deus e os Abusos que lhe são
Opostos”, Prática 15ª, pp. 607-617; 3ª Edição; Em Casa de Cruz Coutinho –
Editor, Porto, 1871.
Nenhum comentário:
Postar um comentário