Cântico
O
Triunfo da Cruz
“E
a vós, que estáveis mortos pelos vossos pecados e pela
incircuncisão (ou desordem) da vossa carne, vos deu vida,
juntamente, com Ele, perdoando-vos todos os pecados; cancelando o
quirógrafo do decreto que nos era desfavorável, que era contra nós,
e o aboliu inteiramente, encravando-o na Cruz; e, despojando os
Principados e Potestades (infernais), levou-os (cativos)
gloriosamente, triunfando em público deles em Si mesmo (pela Cruz)”
(Col. 2, 13-15).
I
É
a Cruz, sobre a terra, mistério profundíssimo, que não se conhece
sem muitas luzes. Para compreendê-lo é necessário um espírito
elevado. Entretanto, é preciso entendê-la para que nos possamos
salvar.
II
A
natureza a abomina, a razão a combate; o sábio a ignora e o Demônio
a aniquila. Muitas vezes o próprio devoto não a tem no coração e,
embora diga que a ama, no fundo é um mentiroso.
III
A
cruz é necessária. É preciso sofrer sempre: ou subir o Calvário
ou perecer eternamente. E Santo Agostinho exclama que somos réprobos
se Deus não nos castiga e nos prova.
IV
Vai-se
para a Pátria pelo caminho das cruzes, que é o caminho da vida e o
caminho dos reis; toda pedra é talhada proporcionalmente, para ser
colocada na Santa Sião.
V
De
que servirá a vitória ao maior conquistador, se não tiver a glória
de vencer-se sofrendo, se não tiver por modelo Jesus morto na Cruz,
se, como um infiel, o lenho repelir?
VI
Jesus
Cristo por ela acorrentou o Inferno, aniquilou o rebelde e conquistou
o Universo; e Ele a dá como arma aos seus bons servidores; ela
encanta ou desarma as mãos e os corações.
VII
Por
este sinal vencerás, disse Ele a Constantino. Toda vitória insigne
se encontra nela. Lede,
na história, seus efeitos
maravilhosos, suas vitórias
estupendas na terra e nos Céus.
VIII
Embora
contra os sentidos e a natureza, a política e a razão, a verdade
nos assegura que a cruz é um grande dom. É nesta princesa que
encontramos, em verdade, graça, sabedoria e divindade.
IX
Deus
não pode defender-se contra sua rara beleza. A Cruz o fez baixar à
nossa humanidade. Ao vir ao mundo Ele disse: “Sim,
quero-a, Senhor. Boa Cruz, coloco-vos bem dentro do coração”.
X
Pareceu-lhe
tão bela que nela pôs a sua honra, tornando-a a sua eterna
companheira e a esposa de seu Coração. Desde a mais tenra infância
Seu Coração suspirava unicamente pela presença da cruz que amava.
XI
Desde
a juventude, ansioso a procurou. De ternura e de amor, em seus braços
morreu. “Desejo
um batismo”,
exclamou Ele um dia: “a
Cruz querida que amo, o objeto de
meu amor!”
XII
Chamou
a São Pedro Satanás escandaloso, quando ele tentou desviar Seus
olhos da Cruz aqui na terra. Sua Cruz é adorável, Sua Mãe não o
é. Ó grandeza inefável, que a terra desconhece!
XIII
Esta
cruz, dispensa por tantos lugares da terra, será ressuscitada e
transportada para os Céus. A cruz, sobre uma nuvem, cheia de brilho
rutilante, julgará, por sua visão, os vivos e os mortos.
XIV
Clamará
vingança contra seus inimigos, alegria e indulgência para todos os
seus amigos. Dará glória a todos os Bem-aventurados e cantará
vitória na terra e nos Céus.
XV
Durante
sua vida os Santos só procuraram a cruz, seu grande desejo e sua
escolha única. E, não contentes de ter as cruzes que lhes dava o
Céu, a outras, inteiramente novas, cada um se condenava.
XVI
Para
São Pedro, as cadeias constituíam honra maior do que ser o Vigário
de Cristo na terra. “Ó
boa Cruz”, exclamava,
cheio de fé, Santo André: “Que
eu morra em ti, para que me dês a vida!”
XVII
E
vede, São Paulo esquecia seu grande êxtase para se glorificar tão
somente na cruz. Sentia-se mais honrado em seus cárceres horrendos
que no êxtase admirável que o arrebatou aos Céus.
XVIII
Sem
a Cruz a alma se torna lenta, mole, covarde e sem coração. A cruz a
torna fervorosa e cheia de vigor. Permanecemos na ignorância quando
nada sofremos. Temos inteligência quando sofremos bem.
XIX
Uma
alma sem provações não tem grande valor. É alma nova ainda, que
nada aprendeu. Ah! Que doçura suprema goza o aflito que se rejubila
com sua pena e dela não é aliviado!
XX
É
pela Cruz que se dá a bênção, é por ela que Deus nos perdoa e
concede remissão. Ele quer que todas as coisas tragam este selo, sem
o qual nada lhe parece belo.
XXI
Colocada
a cruz em algum lugar, torna-se sagrado o profano e desaparecem as
manchas, porque Deus delas se apodera. Ele quer a Cruz em nossa
fronte e em nosso coração, antes de todos os atos, para que sejamos
vencedores.
XXII
Ela
é nossa proteção, segurança, perfeição e única esperança. É
tão preciosa que uma alma que já está no Céu voltaria alegremente
à terra para sofrer.
XXIII
Tem
este sinal tantos encantos, que no altar o Sacerdote não se vale de
outras armas para atrair Deus lá do Céu. Faz sobre a hóstia vários
sinais da Cruz e, por esses sinais de vida, dita-lhe suas leis.
XXIV
Por
este sinal adorável prepara-lhe um perfume cujo odor agradável nada
tem de comum; é o incenso que lhe dá uma vez consagrado, e é com
esta coroa que desejaria ser ornado.
XXV
A
Eterna Sabedoria procura, ainda hoje, um coração bem fiel, digno
deste presente. Quer um
verdadeiro sábio, que goste apenas de sofrer e com coragem, leve a
sua cruz até morrer.
XXVI
Devo
calar-me, ó Cruz, rebaixo-te ao falar. Sou um temerário e um
insolente; já que te recebi de coração constrangido e não te
conheci, perdoa meu pecado!
XXVII
Ó
Cruz querida, já que nesta hora te conheço, faze de mim tua morada
e dita-me tuas leis. Cumula-me, ó princesa minha, com teus castos
amores, e faze que eu conheça os teus mais secretos encantos!
XXVIII
Ao
ver-te tão bela, bem queria possuir-te, mas meu coração infiel me
prende ao meu dever; se queres, Senhora minha, animar meu langor e
sustentar minha fraqueza, dou-te o meu coração.
XXIX
Tomo-te
para minha vida, meu prazer e minha honra, minha única amiga e única
ventura. Imprime-te, eu te rogo, em meu coração e no meu braço, na
minha fronte e na minha face. Não me envergonharei de ti!
XXX
Tomo,
para minha riqueza, tua rica pobreza, e, por ternura, tuas doces
austeridades. Que tua prudente loucura e tua santa desonra sejam toda
a glória e grandeza de minha vida!
XXXI
Minha
vitória estará em ser derrotado por tua virtude e para tua maior
glória. Não sou, porém, digno de morrer sob teus golpes, nem de
ser contrariado por todos.
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