A impudicícia1 ultraja a Deus em suas obras
Em que consiste a beleza do corpo, senão em terra e lama, ou algo ainda mais hediondo? Se vos recusais a acreditar no que digo, verificai as sepulturas dos homens; a lama e a poeira mostrar-se-ão aos vossos olhos. Quando o rosto humano é despojado da vida deste mundo, então a realidade aparece; ou mesmo antes da morte, quando chega a velhice, quando a doença acomete o homem, o que aparece? Lama. Mas Deus, como hábil operário, desta vil matéria (do corpo) fez nascer uma beleza que confunde, não para incitar-nos à impudicícia, mas para dar-nos uma prova de sua ciência. Não ultrajeis o operário (Deus), e não façais da obra da sua habilidade (do corpo humano) um motivo de devassidão e mal proceder. Admirai a beleza (do corpo) para glorificar o seu Criador. Não vades além. Não procureis nela (na admiração do corpo) um incentivo para a paixão. A obra é bela; é preciso, pois, adorar Aquele que a produziu, cumpre não ofendê-lO. Se alguém, colocado na presença de uma estátua de ouro, de uma efígie imperial, a sujasse de lama e de outras imundícies, não seria punido com o extremo suplício? Quando, pois, uma conduta irrefletida no domínio das coisas humanas expõe a tão grande castigo, que não terá de sofrer aquele que falta com o respeito para com a obra de Deus?2
A impudicícia é uma ingratidão
para com o Redentor
Vós sois os membros de Cristo, vós sois o templo do Espírito Santo. Não vos torneis, pois, os membros de uma cortesã. Não é, então, vosso corpo que é ultrajado, pois esse (corpo) não vos pertence, mas ao Cristo. Ele o disse para manifestar que nos ama, visto ter feito Seu o nosso corpo (pela sua Encarnação e pelo nosso Batismo), e para subtrair-nos ao poder da prevaricação. Pois, se vosso corpo não vos pertence, não tendes o poder, diz Ele, de ultrajar um corpo que não vos pertence, sobretudo se ele é do Senhor, nem de sujar o templo do Espírito Santo (pela imoralidade). Se alguém se introduz numa residência particular e aí passa a conduzir-se de maneira indecente, será severamente punido; pensai a que castigo se expõe aquele que faz do templo do rei o covil de um bandido? Pensai, pois, nisso, e respeitai (o corpo humano): Aquele que habita em vós, é o Paráclito; temei Aquele que está como que enlaçado convosco e ligado a vós: é o Cristo. Não fizestes de vós um membro de Cristo (pelo Batismo)? Lembrai-vos (e que isto vos faça perseverar na castidade) de quem eram esses membros (antes do Batismo) e de quem são hoje. Eles eram de uma cortesã, e o Cristo fez deles os membros do seu próprio Corpo. Doravante, pois, já não tendes o poder de dispor deles; servi Aquele que vos libertou.
Imaginai que tendes uma filha e que, num acesso de loucura, a tenhais alugado a um indivíduo promovedor de libertinagem, que tenhais feito dela uma prostituta; se um filho do rei, ao passar, a liberta desta servidão e a toma por companheira, não tendes mais o poder de conduzi-la à casa de prostituição; de uma vez por todas, ela está dada e vendida. Tal é o nosso caso; tínhamos alugado nossa carne ao Adversário (pelo Pecado Original), funesto insuflador de libertinagem; o Cristo, vendo tal espetáculo, libertou-a (pelo Sacrifício da Cruz) e livrou-a desta horrenda tirania; ela, pois, já não pertence a nós, ela pertence a seu Libertador. Se quereis tratá-la como a uma esposa real (pelo Matrimônio legal), ninguém vos impede de fazê-lo, mas se quiserdes fazê-la mergulhar novamente na vida de antes (na impudicícia), sofrereis a pena merecida pelo cometimento de semelhantes ultrajes.3
Contra a faceirice provocante das mulheres
Em nome de quê, poderemos excluir uma Moça da classe das mulheres perdidas (imorais) e de seu convívio, se o seu proceder é igual ao delas, se abusa, como elas (através da sedução), do coração dos jovens, se rivaliza com elas em petulância e despudor, se manipula os mesmos venenos (da sedução), enche as mesmas taças (do jogo sensual), prepara a mesma cicuta (o mesmo convite à perdição)?4 Ela (a Moça) não diz, certamente: “Vem, embriaguemo-nos de amor”5, nem “Perfumei a minha cama com mirra, aloés e cinamomo”6. Oxalá fosse realmente a tua cama, e não as tuas vestes (indecentes) e o teu corpo (com andares provocativos)! As mulheres perdidas escondem suas seduções na sua morada; tu (Moça), vais por toda a parte armando ciladas (com as tuas seduções), passeias pela praça pública dando rédeas soltas à volúpia (à luxúria). Mas, se nada disseste, se não proferiste como a prostituta: “Vem, embriaguemo-nos de amor”, se não o fizeste com os teus lábios (falando), fizeste-o com as tuas atitudes (imorais); tua boca não disse nada, mas teu andar (provocativo) falou; tua voz não chamou, mas teus olhos (libertinos) chamaram com mais clareza que a voz.
Se, depois de teres chamado, não te deste (apenas provocando), não está por isto isenta de culpa. Trata-se de uma fornicação de outra espécie. Permaneceste pura corporalmente, mas não quanto à alma; a falta foi por ti consumada inteiramente, senão pelos contatos carnais, pelo menos pelos olhares. E, diz-me, por que chamas os passantes (com as tuas provocações sensuais)? Por que acendes a chama do desejo? Como julgas estar pura de pecado, se és a causa de que ele seja inteiramente cometido? Daquele que se deixou levar pelas tuas artimanhas, fizeste um perfeito adúltero; como, pois, se tua obra está maculada pelo adultério, não serias tu mesma adúltera?7
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Fonte: “O Esplendor Cristão”, Vol. I, Segunda Parte, Cap. II, pp. 62-64. Ação Carismática Cristã, Fundação São João Crisóstomo, Rio de Janeiro, 1978.
1. Falta de pudor, de moral; imoralidade, indecência; falta de honra; desonestidade.
2. São João Crisóstomo, “Comentário sobre o Salmo XLIII, 9”.
3. São João Crisóstomo, “XVIII Homilia sobre a 1ª Epístola aos Coríntios, 2”.
4. Planta venenosa, e também o poderoso veneno dela extraído.
5. Prov. 7, 18.
6. Prov. 7, 17.
7. São João Crisóstomo, “As Mulheres Consagradas a Deus não Devem habitar com Homens”, 1.