Normas Seguras,
para se Formar uma Santa Família1
I
Vejamos, agora, qual a parte que tem de executar a esposa no concerto da família.
Fale ainda São Paulo, esse mar de sabedoria puríssima e profundíssima, como o chama São João Crisóstomo. São Paulo, inspirado de Deus, que melhor nos pode ele só instruir, que todos os sábios e filósofos juntos.
As mulheres, diz ele escrevendo aos Efésios, sejam sujeitas aos seus maridos como ao Senhor.2 E aos Colossenses repete: Mulheres, sede sujeitas aos vossos maridos, como é necessário, no Senhor.3 E outra vez aos Efésios: Assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim as mulheres estejam sujeitas a seus maridos em tudo.4 E a Tito recomenda as exorte, segundo a sã doutrina, para que sejam prudentes, castas, sóbrias, cuidadosas de suas casas, benignas, sujeitas a seus maridos, para que não se blasfeme a Palavra de Deus.5
Com tão redobradas intimativas impõe São Paulo este dever! É que sujeitar-se, é que obedecer, é que quebrar por si, e sempre, e em tudo, parece humilhante e é difícil. Não importa, diz São Paulo, é necessário, opportet; é doutrina sã, in sana doctrina; é ordem do Senhor, in Domino; assim o exige a honra de sua Religião; ne blasphemetur verbum Dei: a mulher sujeita como a Igreja. Sempre o mesmo augusto Mistério servindo de tipo ao Casamento.
Há sujeição mais amorosa, há obediência mais rendida, há servidão mais gloriosa, que a da Igreja a Jesus Cristo, Sua Cabeça? Pois tal há de ser a da esposa para o esposo seu chefe.
O marido representa para ela o Senhor; dedique-se pois ela ao marido com terno respeito, e afetuosa obediência em tudo. Em tudo, diz o Apóstolo, para excluir qualquer pretexto, para cortar todo subterfúgio, para não deixar a mínima ocasião para caprichos e rebeldias; em tudo, exceto no que for ofensa a Deus, pois claro está que não tinha em mente São Paulo subjugar a mulher até o ponto de fazer dela, nas mãos do marido, um vil instrumento de depravações; por isso diz: Sede sujeitas como ao Senhor e no Senhor. Tal é a doutrina de São Paulo. Tal é o código divino da família regenerada pelo Cristianismo.
“Pelo Matrimônio Cristão somente, pondera um grave moralista, se reduz o dever especial da mulher a um só ponto: submissão a seu marido, e submissão a ele só, no que respeita aos deveres do Casamento. Ela deu-se a ele, e, salvo o que deve a Deus, só para ele deve viver. Pôs-se em seu poder, deve obedecer-lhe; mas essa obediência não pode ser a de uma escrava, nem de uma criatura sem razão, e só exige que, no caso de dissentimento, siga a mulher o pensar do homem, conforme-se à maneira de ver dele, e execute sua vontade; pois deve haver unidade na associação, e toda casa dividida cairá.
Por isso, não pode a mulher casada contratar civilmente, enquanto está em poder do marido. É menor perante a lei, porque ele é seu chefe natural, e ele é quem a representa no Estado. Assim, deve sempre a lei civil tender a apertar o laço conjugal, se bem respeitando o direito da esposa; e o regime mais consentâneo à natureza e ao fim do Matrimônio é o da comunidade dos bens. Interesses de família e de fortuna, trazem às vezes condições diferentes; mas é sempre em prejuízo da união moral dos cônjuges. A mulher não é feita para a independência. Em geral, não a suporta, e quando no estado conjugal ela reserva sua fortuna e a administração separada de seus bens, é tentação para sacudir a obediência, recusar submissão; e por conseguinte, sair de seu lugar, e faltar aos seus deveres”.
II
Trata-se, pois, aqui de uma submissão bem alheia de vergonhosa escravidão ou baixo servilismo. Trata-se de uma generosa renúncia de si, de um nobilíssimo sacrifício, ou antes, de uma cadeia de nobilíssimos sacrifícios, primor e distintivo dos ânimos mais elevados.
“Sacrificai-vos, esposas cristãs, clamarei com um orador contemporâneo de alta autoridade; e sirvam-vos de consolo vossos mesmos sacrifícios. Não disse Cristo Senhor nosso: É melhor dar, que receber? Dar sem compensação é a grande lei do amor; é pundonor e alegria dos sinceros e profundos afetos. Coração fidalgo não procura retorno. Esquece-se, renuncia-se, prodigaliza-se, em proveito daqueles a quem ama, e seu único prêmio é amar ainda mais.
Ss. Crisanto e Daria |
Sacrificai, pois, vossos gostos àquele, de quem vos empenhastes com juramento a ser, não só adjutório e sustentáculo, senão também consolo e alegria. Sacrificai-lhe vossos gostos simples e modestos, se é necessário ornar-vos para agradar-lhe; sacrificai-lhe (o que será mais difícil e meritório) vossos gostos de toucador e despesas, se ele julgar, como é seu direito e dever, que um pouco mais, ordem e, economia quadra bem a vossa casa, e um tanto menos luxo a vossa pessoa.
Sacrificai-lhe relações antigas e agradáveis, se não podem elas caber no plano de vossa vida de esposa e de mãe; sacrificai ainda, em certo modo, salvos vossos sentimentos de filha e de irmã, até os gozos da casa paterna, que deixastes para aceitar o nome de vosso marido, esposar-lhe os interesses e sustentar-lhe os legítimos direitos. Vossos gostos, alegria, amizades, relações, prazeres de infância e da mocidade, tudo sacrificareis esposas cristãs; tudo, exceto vossa consciência e vosso Deus. Ah! Se o bárbaro vem dar com os pés no altar em que adorais ao Senhor, se quer entrar à força no íntimo de vossa alma, e banir dela a pureza, a fé, a esperança, o amor de deus; se tenta aí abafar os sentimentos que vos consolam no meio de suas perseguições; armai-vos de vigor, tomai severo aspecto, resisti, pagai-lhe guerra com guerra… não, engano-me; ainda em tão cruel extremidade é necessário amá-lo, e lho dizer”.6 Onde aqui a baixeza? Onde o servilismo? Não, a amorosa sujeição, imposta por Deus à companheira do homem, não a degrada, eleva-a, não a desdoura, honra-a, não lhe tira o prestigio, endeusa-a. Quereis mulheres, o segredo de dominardes os corações de vossos maridos? Quereis adquirir sobre eles um império tão suave como irresistível? Obedecei-lhes dócil e amorosamente em tudo. Vos digo, que renuncieis a este passeio? Ficai em casa. Que vos contenteis com os vestidos que tendes? Não faleis em comprar novos. Que não frequenteis tais companhias? Interrompei vossas relações. Não só obedecei às suas ordens mas adivinhai-lhes os pensamentos, preveni-lhes os desejos; cingi-vos à sua maneira de ver; nada de vontades próprias, nada de caprichos, nada de despiques7, nada de teimas e emperramentos: pela mansidão, pelo carinho, pela amável submissão ao seu querer, alcançareis sobre eles tamanho domínio, que, a final, eles, só vos ordenariam aquilo que vós quiserdes.
De maneira que, ainda prescindindo da ordem de Deus intimada nas Sagradas páginas, devíeis ser sempre muito obedientes, por cálculo bem combinado, e interesse fino da política, como nota um discreto autor.
De certa jovem que ia casar-se refere o douto Cornélio a Lápide, que perguntara a um ancião mui cordato e de grande siso8, como ela devia portar-se? Respondeu o sábio velho: Se queres mandar sobre teu marido, obedece-lhe docilmente; que a boa mulher obedecendo domina o marido. E foi assim que Lívia Augusta, mulher de César, chegou a ser senhora deste senhor do mundo. A quem lhe perguntava como conseguia governar com tanto império aquele real coração? Respondia: Muita modéstia diante do Imperador, como se eu fosse sua serva; e ânimo pronto a fazer todas as suas vontades.9
Tal era a política daquela pagã astuta e má. Esta obediência interessada não é, porém, a que eu aconselho. Temos no Cristianismo exemplos mais dignos de imitação.
Santa Clotilde, Rainha de França. |
III
Permiti que vos cite aqui o da ínclita esposa de Clodoveu, Rei de França, uma das mais suaves e radiosas figuras de esposa cristã que a história nos tem conservado.
Clotilde, filha de Chilperico, Príncipe da Borgonha, depois de assassinados por um seu tio, o pai e a mãe, foi educada na casa do dito tio Ariano, em cabal retiro do mundo. Chegou, todavia, a fama desta Princesa aos ouvidos de Clodoveu, Rei da França, que desejoso de tê-la por esposa, mandou um seu íntimo valido chamado Aureliano, a Borgonha, a ver se os dotes de corpo e de alma de Clotilde correspondiam aos boatos que corriam.
Santa Clotilde |
Não pôde jamais Aureliano, durante o muito tempo que se demorou em Borgonha, por os olhos em Clotilde, quanto mais falar-lhe; com o que desenganado, cuidava já em tornar-se para França; quando lhe dizem, que certo dia distribuiria, a Princesa, com suas mãos esmolas a alguns pobres.
Tomando um trajo de mendigo, pôs-se Aureliano em fila com os outros pobres no pátio interior do palácio, à espera da Princesa, que passasse para ir à igreja. Ei-la que aparece. Que sol de formosura! Que encantadora majestade! Sem fausto, sem pompa, sem artifícios, que de ordinário são reparos, não ornatos, do rosto, Aureliano com os olhos cravados nela e a mão estendida, aguardava a esmola.
Clotilde ao notar-lhe o ar gentil e cheio de garbo, debaixo daqueles andrajos, cuidou que talvez fosse algum fidalgo caído em miséria, e deu-lhe mais liberal esmola que aos demais pobres, e Aureliano, ao receber a quantia, apertou-lhe a mão e lha beijou. Nisto, retraiu-se ela com majestade misturada de isenção, e perguntando-lhe – de que país, de que condição fosse? Teve em resposta, que era Francês de nação, mercê de Deus; mas que, por um acidente em serviço de seu Rei, estava reduzido àquela mendicidade. Seguiram-se assim em pé outras interrogações e respostas, com tal sabedoria, decoro e modéstia de Clotilde, que Aureliano dando de tudo depois conta a El-Rei, dizia, que não acreditava houvesse em todo o mundo donzela que com Clotilde corresse parelhas em beleza e cortesia. Pelo que, superados quantos obstáculos se opunham àquele consórcio, a quis Clodoveu por esposa, e a obteve.
Fez-se o primeiro encontro de Clotilde com Clodoveu em Soissons. A Rainha esposa, logo ao avistar seu marido, ajoelhou-se diante dele; protestando, que entrava nos paços de França como serva humilde a todas as vontades de El-Rei; conforme à qual promessa se houve sempre, de tal arte, que em toda a corte não havia donzela mais obediente.
Em certo caso particular, mandou-lhe um dia Clodoveu dizer, que fizesse como intendesse; ao que respondeu Clotilde por este admirável recado: “Senhor, saberá vossa Majestade que eu deixei toda a minha vontade em Borgonha, no castelo de meu tio; em França não tenho outra senão a de vossa Majestade”.
Por estas e outras costumava Clodoveu dizer com muita graça: “Casei-me com uma mulher de ótima memória, agudíssimo entendimento, mas sem vontade!”
Santa Clotilde |
Pouco depois das núpcias, chegou a El-Rei ocasião de empreender uma perigosa guerra. Enquanto se faziam os aprestos militares, deu-se Clotilde com particular assiduidade à oração, a recomendar ao Altíssimo o bom sucesso das armas. Informado El-Rei das extraordinárias orações de sua consorte Clotilde, interrompia muitas vezes as consultas de guerra, e corria de mansinho ao oratório da Rainha, onde a via, de ordinário, ou humildemente ajoelhada, ou inteiramente prostrada no pavimento em ato reverente ao Deus das vitórias, e olhando-a com olhar amoroso e compadecido, volvia ao conselho, dizendo: “A minha Rainha já está em campanha, e combate de veras. Certo, se alcanço vitória, quero tomar uma resolução que lhe será de grande gosto”.
De fato, entrado em campanha, esteve em próximo risco de perder o exército, a fama das armas e a vida; mas por um milagre tendo coadunado as tropas, feito frente ao inimigo, e saído vitorioso, à Rainha, que, com o Bispo São Remígio, lhe veio ao encontro, para dar-lhe os parabéns da inesperada vitória, disse El-Rei todo jubiloso: “Ora coragem! Clodoveu venceu a seus inimigos, e vós, Clotilde, venceste a Clodoveu. Muito há que me pregais a lei cristã, e me a pregais mais de obras, de que de palavras. De agora em diante, serei cristão. Prometi-vos renunciar ao paganismo; aqui estou para cumprir minha palavra”.
Dito e feito. E daí proveio aquele grande bem que depois se viu de tantas igrejas ou edificadas ou restauradas; de tantos povos ou convertidos, ou reformados; de tantas províncias acrescentadas à Religião; de tantas virgens consagradas a Deus; de tantas almas introduzidas no Céu: tudo efeito e fruto de uma constante, humildade e prudente subordinação que mostrou a Rainha Santa Clotilde a seu real esposo, bem que pagão.10
Assim apesar da plena e inteira igualdade que reina entre os esposos quanto aos direitos do Matrimônio, a mulher é e deve ser subordinada ao marido.
Tal é a posição que lhe convém. Seu organismo mais fraco, sua razão menos firme, estão indicando que a natureza, não a destinou para a direção suprema da família e dos negócios; e nisto precisamente se funda, segundo São Pedro, o dever que tem o marido de protegê-la e respeitá-la: “Vós, ó maridos, vivei prudentemente com as vossas mulheres, tratando-as com honra e discrição, como sexo mais fraco, e considerando, que elas são convosco herdeiras da graça que dá a vida; para que, vivendo na pureza e castidade conjugal, não se ache em vós impedimento algum para a oração e para os outros exercícios da Religião”.11 Assim procedendo, chegam as mulheres a exercer na família um verdadeiro apostolado. Quantas, como Santa Clotilde, têm reconduzido aos trilhos da Religião e da virtude os corações transviados de seus maridos! Por isso, exortava o mesmo São Pedro as Mulheres Cristãs a ganharem para o Evangelho os maridos pagãos. E como? Ouvi: “As mulheres sejam obedientes a seus maridos, para que aqueles que não creem na Religião, só por este procedimento, sem precisar prédica, sejam ganhos para Deus”.12 Que prédica, em verdade, mais eloquente, mais persuasiva e mais eficaz do que o espetáculo das virtudes de uma esposa cristã, aplicada constantemente ao dever, só respirando amor e brandura, humilde, dedicada, caridosa, desentranhando-se em sacrifícios, e vivendo só para fazer a felicidade do esposo e da família?
Ss. Luís e Zélia Martin, pais de S. Teresinha. |
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1. D. Antônio de Macedo Costa, “O Livro da Família” – ou Explicação dos Deveres Domésticos Segundo as Normas da Razão e do Cristianismo, Oferecido aos seus Diocesanos, Cap. IV, pp. 57-66. 1930.
2Ef. 5, 22.
3. Col. 3, 18.
4. Ef. 5, 24.
5. Tit. 2, 5.
6. Monsenhor Besson, Les Sacrem. Conf. 28.
7. Vinganças, desforras.
8. Bom-senso.
9. Em. Cataneo, ob. cit.
10. Ob. cit.
11. I Ped. 3, 7.
12. I Ped. 1.