Jesus,
o Bom Pastor
Ego
sum pastor bonus. Bonus pastor animam suam dat pro ovibus suis.
“Eu sou o Bom pastor. O Bom pastor dá a sua vida pelas suas
ovelhas”.
I.
Assim diz Jesus Cristo mesmo no Evangelho deste dia: Ego
sum pastor bonus – “Eu sou o Bom pastor”.
O ofício de um bom pastor não é outro senão guiar as suas ovelhas
para bons pastos e defendê-las contra os lobos. Mas, ó meu
dulcíssimo Redentor, que pastor levou jamais a sua bondade tão
longe como Vós, que quisestes dar o vosso Sangue e a Vida para
salvar as vossas ovelhas, que somos nós, e livrar-nos dos castigos
merecidos? Vós mesmo, diz São Pedro, levastes os nossos pecados em
vosso Corpo pregado na Cruz, a fim de que, mortos para o pecado,
vivamos para a justiça: pelas vossas chagas fomos curados: Cuius
livore sanati estis.
Para nos curar de nossos males, este Bom Pastor tomou a si todas as
nossas dívidas e pagou-as com o seu próprio Corpo, morrendo de dor
sobre a Cruz.
Este
excesso do amor de Jesus para conosco, as suas ovelhas, fazia Santo
Inácio Mártir arder do desejo de dar a vida por Jesus Cristo,
dizendo, assim como se lê numa carta sua: Amor
meus crucifixus est
– “O meu amor foi crucificado”. Quis o Santo dizer: Como! Meu
Deus quis morrer crucificado por meu amor, e eu poderei viver sem
desejo de morrer por Ele? – Com efeito, que grande coisa fizeram os
Mártires dando a vida por Jesus Cristo, que morreu por amor deles!
Ah! A morte que Jesus Cristo padeceu por eles, suavizava-lhes todos
os tormentos, os açoites, os cavaletes, as unhas de ferro, as
fogueiras e as mortes mais dolorosas.
Não
se contentou, porém, o nosso Bom Pastor com dar a vida pelas suas
ovelhas; ainda depois de sua morte quis deixar-lhes na Santíssima
Eucaristia o seu próprio corpo, já sacrificado uma vez na Cruz, a
fim de que fosse o alimento e sustento das suas almas. O ardente amor
que nos dedicava, diz São João Crisóstomo, levou-o a unir-se a nós
e fazer-se uma coisa conosco: Semetipsum
nobis immiscuit, ut unum quid simus.
II.
“O mercenário”,
assim continua o Evangelho, “e
o que não é pastor, vê o lobo vindo e deixa as ovelhas e foge,
porque é mercenário e
não lhe importam as ovelhas”.
Não é assim que faz Jesus Cristo, o Bom Pastor, ou antes o melhor
de todos os pastores. Cada vez que vê as suas ovelhas assaltadas
pelo lobo infernal e estas lhe bradam por socorro, logo acode a
defendê-las e a combater por elas.
Quando
vê uma ovelha tresmalhada, que não faz, quantos meios não emprega
para reavê-las? Jesus Cristo não deixa de buscá-la enquanto não a
achar. E depois de a achar, a põe contente sobre seus ombros, chama
aos seus amigos e vizinhos (isto é, os Anjos e os Santos), e
convida-os a alegrarem-se com Ele, por ter achado a ovelha que se
tinha perdido: Congratulamini
mihi, quia inveni ovem meam quae perierat.
– Quem, pois,
não amará com todo o afeto a este Bom Senhor, que se mostra tão
amoroso mesmo para com os pecadores que lhe viraram as costas e
quiseram voluntariamente perder-se?
Ah,
meu amável Salvador! Eis aqui a vossos pés uma ovelha perdida:
afastei-me de Vós, mas Vós não me abandonastes; fizestes todo o
empenho para me reaver. Que seria de mim, se Vós não tivésseis
pensado em me buscar? Ai de mim, que passei tanto tempo longe de Vós!
Pela vossa misericórdia espero agora estar na vossa graça. Se
outrora fugia de Vós, já não desejo outra coisa senão amar-Vos e
viver e morrer abraçado aos vossos pés. Mas enquanto vivo, estou em
perigo de Vos abandonar. Por piedade, prendei-me com os laços de
vosso santo amor e não permitais que em tempo algum eu me desprenda
de Vós. – “Ó Pai Eterno, que pela
humilhação de vosso Filho levantastes o mundo prostrado,
concedei-me alegria perpétua, para que, assim como me livrastes da
morte eterna, me façais gozar dos prazeres eternos”.
Fazei-o pelo amor
de Jesus Cristo e de Maria Santíssima, minha querida Mãe.
O
Bom Pastor
Jesus
justificou o seu título de Bom Pastor
Infinitamente
feliz em Si mesmo e não necessitando de nós, o Verbo Eterno
dignou-se lançar um olhar
para a nossa humanidade decaída, mas um olhar que engendrou um mundo
de maravilhas por um efeito de seu poder, posto a serviço do amor
infinito. Desejando preservar-nos do Inferno, baixou do Céu para
nô-lo abrir, veio tornar-nos dignos d'Ele. Para isso, quantos
sacrifícios teve Ele de impor-se! Do seio das grandezas e glória da
Pátria Eterna, desceu à obscuridade do nosso exílio; palácio lhe
foi um estábulo; berço régio, um presépio, e repousa sobre a
palha, leito dos mais vis animais. Oh!
Dedicação incompreensível!
Não
contente de preferir-nos aos Anjos, que deixou perecer um grande
número, percorreu,
em nossa procura, os montes, as colinas e os vales, trabalhando,
afadigando-se, sofrendo fome, sede e inclemências do tempo; suportou
todas as injúrias, deixou-se esbofetear, flagelar, cobrir-se de
escarros e de contusões e sofreu toda sorte de vilanias para
salvar-nos. Esgotado, cai sob o peso de uma Cruz.
O
seu Corpo ensanguentado, suas carnes dilaceradas, sua fronte coroada
de espinhos e seu belo rosto coberto de Sangue clamam eloquentemente
a todos que Ele é o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas. O
mercenário foge e abandona o rebanho aos dentes dos lobos; Jesus,
porém, sobe ao Calvário, toma sobre Si as nossas enfermidades e
padece voluntariamente a morte para nos salvar. Ó admirável efusão
da vontade divina! Inestimável ternura da caridade infinita! A fim
de reconduzir escravos, ovelhas errantes e tresmalhadas, o Filho de
Deus sacrifica-se por nós.
Mas
nós não éramos apenas ovelhas desgarradas; éramos também
rebeldes; à força de carícias, Jesus triunfou das nossas revoltas
insensatas. Mesmo quando os homens O ultrajavam e lhe davam a morte,
Ele cumulava-nos
de bens.
Do alto da Cruz em que expirou, deu-nos a Igreja, deixou-nos sua Mãe
e legou-se a nós na Sagrada Eucaristia. Não cessemos jamais de
agradecer ao Bom Pastor por nos haver dado benefícios em vez de
castigos, para conquistar os nossos corações obstinados.
Jesus,
que Vos retribuirei por tantos benefícios? Não Vos posso dar nada
melhor do que o meu amor. Fazei que esse amor: 1º
seja dócil, sempre pronto a obedecer-Vos ao menor sinal da vossa
vontade; 2º
seja dedicado, disposto a seguir-Vos em tudo e em toda parte segundo
o Vosso beneplácito; 3º
seja forte e
generoso,
isto é, resolvido a suportar privações e a impor-se sacrifícios
para Vos permanecer fiel, ó amantíssimo Pastor.
Jesus
justifica diariamente o seu título de Bom Pastor
Jesus
afirma em São Lucas ser Ele o Pastor cheio de amor, que, perdida uma
das cem ovelhas, deixa as noventa e nove e corre em procura da
tresmalhada. Que bondade generosa! Um Deus, a grandeza infinita, a
procurar uma criatura, um nada, apesar da ingratidão e infidelidade
que ela diariamente comete, fugindo do Pastor e do rebanho!
Encontrada
a ovelha após inúmeras fadigas, vendo-a fraca e desfalecida, em vez
de puni-la sente compaixão dela; em vez de fazê-la caminhar a
custo, fustigando-a com o seu cajado, toma-a carinhosamente sobre os
ombros e leva-a ao
aprisco. Tocante imagem da sua misericórdia e da doçura da sua
graça para com o pecador arrependido! Com que amor o levanta e
encoraja, facilitando-lhe a volta! Isaías diz: “Mal
ouviu ele a prece de um coração contrito, apressa-se em
responder-lhe e perdoar-lhe”.
Quantas vezes não temos sido o objeto dessa bondade de Jesus!
Recordemos o nosso passado e não cessemos de agradecer a Jesus a sua
ternura para conosco.
Chegada
a casa, o Bom Pastor convoca seus amigos e vizinhos e diz-lhes:
“Congratulai-vos Comigo, porque tornei a achar a ovelha
perdida. Haverá no Céu mais alegria,
continua o Salvador, pela conversão de um pecador do que
por noventa e nove justos que não tem necessidade de penitência”.
Ó caridade inefável do
nosso Deus! A ovelha é que se deveria alegrar
por haver encontrado o seu Pastor e seu aprisco; mas, não, o
Salvador aqui fala só da sua própria alegria e da dos Anjos; é que
seu coração se inflama de amor para com a alma que a Ele se volve.
Se
tivéssemos o desinteresse de Jesus, far-lhe-íamos, em retorno da
sua generosa ternura, o sacrifício completo da vida tíbia,
distraída e dissipada na qual passamos os nossos melhores anos sob o
pretexto de negócios e ocupações, que não nos dispensam dos
deveres para com Ele. As minhas ovelhas fiéis, disse Ele: 1º
Me conhecem; e com quanta
leviandade estudamos esse adorável Pastor nos mistérios das suas
grandezas, de seus rebaixamentos, da sua Vida e Morte! – 2º
Ouvem a Minha voz, disse
Ele também; e como ouvi-la senão por uma vida recolhida que nos
faça agir para fins sobrenaturais e em espírito de oração? – 3º
As minhas ovelhas,
conclui o Divino Mestre, seguem-Me
constantemente, isto é,
agem, os olhos sempre fixos em seu amável Pastor, para entrar em
suas intenções, conformar-se aos seus sentimentos e praticar as
virtudes de que Ele lhes deu o exemplo. Examinemos se temos esses
característicos das ovelhas de Jesus.
Domingo
do Bom Pastor
“Jesus
Cristo padeceu por nós, deixando-nos o exemplo, para que sigais suas
pisadas”. Será este exemplo
por ventura muito seguido? Jesus Cristo, depois de haver feito todas
as despesas da nossa Redenção, depois de se ter posto à frente de
todos os escolhidos na qualidade de nossa Cabeça, encontrará muitas
pessoas que sigam suas pisadas? Contudo, Ele é o caminho; qualquer
que O não segue extravia-se. Este caminho é estreito, áspero, está
semeado de cruzes, é verdade; mas é o caminho que Jesus Cristo nos
ensinou, e que Ele próprio trilhou: este caminho é a lei
evangélica, molesta sim aos sentidos e ao amor-próprio, mas o
Salvador não nos ensinou outro caminho; antes nos diz
terminantemente que qualquer outro caminho afasta da salvação e vai
dar à infelicidade eterna. É verdade que há outros muitos
caminhos, todos muito espaçosos, planos e floridos, mas não há
nenhum que não conduza à perdição: Et multi sunt qui
intrant per eam: é muito
grande, nos diz o Senhor, o número dos que andam por eles. Não se
vê outra coisa do que pessoas que vivem contentes em ponto de
salvação, porque esquecem o costume e obram como os outros: esta é
a linguagem ordinária dos mundanos, esta é a máxima do mundo;
vive-se, obra-se, pensa-se, fala-se como os outros; mas obrar como os
outros é obrar como a multidão, e a multidão segundo o oráculo de
Jesus Cristo toma pelo caminho da perdição: Quae ducit ad
perditionem. Não há caminho
mais fácil de trilhar do que o da perdição; é amplo, é espaçoso,
está-se nele com comodidade, tudo deleita, tudo lisonjeia: por isso,
nada mais fácil do que perdermo-nos no mundo, e contudo, vive-se
nele, como se não fosse possível o condenarmo-nos.
Meditação
Primeiro
Ponto.
– Considera que não há, ao parecer, coisa que o Salvador nos haja
querido inculcar tanto como a misericórdia e a mansidão, com que
olha os pecadores: sua Encarnação, os Mistérios de sua Paixão e
Morte, seus Discursos, suas Expressões, as Parábolas de que se
serviu, tudo nos prega, tudo nos demonstra esta misericórdia e esta
predileção, para assim dizer, com os pecadores. Non
veni vocare justos sed peccatores.
Sua misericórdia é o mais glorioso de seus atributos, e é o
atributo, de que mais se preza. Miserationes
ejus super omnia opera ejus.
De fato, que coisa de maior pasmo, do que um Deus querer fazer-se
homem para salvar os homens perdidos pelo pecado? Compreende, se é
possível, o incompreensível mistério da Encarnação, e
compreenderás a grandeza imensa e a incompreensibilidade de sua
infinita misericórdia.
Este
Pastor, sentindo a perda de uma só de suas ovelhas que,
extraviando-se, está em risco de ser devorada, deixa as noventa e
nove para ir em busca da que se perdeu: tendo-a encontrado, carrega
com ela às costas para lhe poupar a fadiga da caminhada, muito
contente de a ter tornado a encontrar.
Mas
por que título quer Ele ser reconhecido como o Bom Pastor? Dando a
vida por suas ovelhas, alimentando-as de sua própria Carne. Podia, o
Senhor dar-nos uma ideia mais clara de sua bondade, doçura e
infinita misericórdia?
Segundo
Ponto.
– Considera que a grande misericórdia de Deus para com os
pecadores, é para eles um grande motivo de confiança, mas não deve
servir-lhes de pretexto para perseverar em seu pecado. Não há coisa
mais perniciosa, nem mais criminosa, que a falsa confiança.
A
misericórdia não salva aqueles, para os quais é um motivo de
condenação. Que deve operar a misericórdia de Deus no pecador? Um
desejo sincero de converter-se; pois este é um dos efeitos da
misericórdia de Deus; mas
é um veemente sinal de que não há mais misericórdia para um
homem, quando se serve dela para não se converter.
A misericórdia deve inspirar a confiança, mas
uma confiança inseparável do arrependimento. Não pode ser mais
requintada a malícia, do que quando chega a abusar da misericórdia
de Deus, da sua paciência, para perseverar no deleito: porque Deus é
bom, posso eu ser impunemente mau; não devo temer apurar-lhe a
paciência; Deus é misericordioso, nada arrisco em ultrajá-lO;
quando estiver cansado de O ofender, então recorrerei à sua
misericórdia: se Deus fosse mais severo e menos bom, eu seria menos
mau, teria mais contemplações, e andaria com mais cautela. Deus é
infinitamente misericordioso, é verdade, e essa infinita
misericórdia manifesta-se bastante na bondade com que acolhe os
maiores pecadores, desde que arrependidos voltam para Ele com
contrição e confiança. Mas, quando vê que a ideia desta infinita
misericórdia alimenta no pecador a inclinação e afeição ao
pecado, não será digno da justiça de Deus não usar já de
misericórdia com um tão monstruoso pecador?
Senhor,
eu espero demasiado em vossa bondade, e tenho uma ideia demasiado
justa de vossa misericórdia, para que não me aconteça jamais tal
desgraça.
Aspirações
Piedosas para Durante o Dia
Misericórdias
Domini in aeternum cantabo.
Cantarei
eternamente as misericórdias do Senhor.
Véniant
mihi miserationes tuae, et vivam.
Senhor,
fazei-me sentir os efeitos de vossa misericórdia e viverei.
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