Não
faltava trabalho aos que ambicionavam trazer almas à Igreja de
Cristo. Em fins de Outubro, chegou a Pisa Dorato Barbadori, designado
por Florença para convencer Piero Gambacorti a romper com a Santa
Sé. Se a tentativa fracassou deve-se, sem dúvida, desta feita, à
influência de Catarina. Entretanto, teve a Senense o grande desgosto
de ver sua cidade natal, fiel às velhas tradições gibelinas,
unir-se com Florença contra o Soberano Pontífice. Após ter deixado
Pisa, também esta cidade filiou-se, em 12 de Março de 1376, à liga
antipapal.
Considerava-se
então a república das margens do Arno bastante forte para enfrentar
a luta! Em Dezembro daquele ano, tendo o sobrinho do abade de
Marmoutiers ultrajado a esposa de um conceituado cidadão de Perúgia,
precipitou-se esta de uma janela ao tentar fugir, e teve morte
instantânea. Revoltado com este fato, insurgiu-se a população
contra o domínio pontifício. “Morte aos príncipes da Igreja”,
gritavam pelas ruas da cidade. Uma enorme catapulta, a que deram o
nome de “assassino de Padres”,
foi colocada na entrada do castelo ocupado pelos eclesiásticos
franceses, projetando no interior do forte pedras incandescentes.
Insurgiram-se
ao mesmo tempo Città di Castello, Viterbo, Gubbio, Urbino, Todi e
Forli. Em dez dias, aproximadamente, nada menos de oitenta cidades se
haviam sublevado contra o papado. Em sinal de solidariedade, Florença
enviou um estandarte a cada uma dessas cidades com a inscrição:
Libertas. Toda a
Itália encheu-se de um entusiasmo semelhante ao que Byron e Shelley
exprimem nos seus versos quatro séculos e meio mais tarde, na época
da Santa Aliança:
Yet,
Freedom, yet thy banner, torn but flying,
streams
like a thunderstorm against the wind.
Durante
esta segunda estada em Pisa, hospedou-se Catarina num hospital
situado nas proximidades da igreja de Santa Catarina, pertencente aos
Dominicanos. Fra Raimundo e um de seus confrades, Fra Pietro de
Velletri, aterrorizados com os últimos acontecimentos, foram
procurar a Santa de Sena no dia 2 de Dezembro, para comunicar-lhe tão
aflitivas notícias. Catarina tomou parte em seu desgosto, mas
apressou-se em dizer:
“É
cedo ainda para chorar. Guardai vossas lágrimas para ocasião mais
própria. O que deplorais presentemente é mel e leite, em comparação
ao que nos reserva o futuro”. “Que poderá suceder-nos de
pior?” Exclamou Raimundo, não
achando nada consoladoras aquelas palavras. “Será a fé
em Cristo publicamente renegada?”
Respondeu-lhe então Catarina: “Por ora, são só os
leigos que se revoltam. Não tardará, porém, a vez do Clero”.
E em termos concisos,
predisse-lhe o próximo Cisma.
Pouco
depois voltava Catarina a Sena com seus companheiros, para ali passar
o Natal.
E
em outro lugar, profetiza
a Santa:
“Não
digo que a Igreja venha a ser menos perseguida, mas tenho fé no
porvir glorioso que lhe foi predito. O bem só triunfará quando a
corrupção atingir o seu auge!”
Muitos
consideram estas palavras de Santa Catarina como uma profecia, e de
fato o é. Ela possuía a clara compreensão de encadeamento dos
acontecimentos e o contato íntimo com a lei da história, que lhe
permitia entrever e predizer o desenvolvimento de séculos
vindouros.
A
Importância do Papado
e
a Loucura dos seus Inimigos.
Na
resposta ditada por Catarina a Neri di Landoccio ela dá a Bernabò o
título de “reverendíssimo Pai”
e principia por demonstrar-lhe a vaidade e a fragilidade das
honrarias e poderes terrenos. “ se me perguntardes: Não
existe, pois, poder algum estável nesta vida? Eu vos responderei:
Sim, existe um, é a cidade da nossa alma! Nós reinamos sobre ela e
é tão forte, que nem os homens, nem o Diabo a podem conquistar, se
a isto não dermos nosso consentimento”. Mas como teremos energia
para não fraquejar na luta contra a carne e contra o príncipe do
mundo e das trevas? É a obra de Jesus Cristo, o Cordeiro imaculado.
“Por Sua morte deu-nos a vida; sofrendo os opróbrios e ultrajes,
restituiu-nos a glória; Suas mãos pregadas na Cruz, libertaram-nos
da escravidão do pecado; pela Sua nudez, revestiu-nos da graça;
salvou-nos pelo Seu Sangue; Sua sabedoria, venceu a malícia do
Demônio; Sua flagelação, a fraqueza de nossa carne; Sua humildade,
triunfou do orgulho e dos prazeres do mundo. Nada mais temos, pois, a
temer: Sua mão desarmada venceu nossos inimigos e nos outorgou o
livre arbítrio”.
Fere
em seguida Catarina o ponto que pretendia atingir: o papel da Igreja.
“Pecamos todos os dias,
diz ela, e todos os dias temos necessidade de receber o
perdão dos nossos pecados, pela efusão de Sangue do Cordeiro, no
Sacramento da Penitência. Ora, somente a Igreja administra este
Sacramento, sendo a Única depositária das Chaves desse Sangue
Divino! Insensato é, pois, aquele que se revolta e se afasta do
Vigário de Cristo, que é o Guardião destas Chaves!”
E, como São Francisco de
Assis no seu testamento, ela acrescenta: “Fosse o Papa
um Demônio revestido de carne, eu não deveria erguer contra ele a
cabeça, mas inclinar-me sempre diante de sua autoridade e
implorar-lhe o Sangue do qual, de outra forma, não me seria dado
participar”. “Eis por que,
(acrescenta ela, concretizando tais princípios), eu vos
imploro, que não mais vos revolteis contra vosso Chefe. Desprezai as
instigações do Diabo, que vos sugere ser vosso dever agir com rigor
contra os maus Pastores da Igreja. Recusai dar-lhes crédito e não
procureis julgar o que não vos compete. Deus o proíbe, afirmando
que eles são ‘os ungidos do Senhor’
e não quer que nenhuma criatura exerça a jurisdição que lhes
pertence”. Catarina chega
mesmo a ponto de exclamar: “Mesmo que os Padres nos
despojassem de nossos bens, deveríamos preferir perder estes bens
temporais aos bens espirituais e à vida da graça”.
Esta não é a opinião de
Lutero, de Wiclef ou dos Huguenotes. Não é a heresia ou a revolta
que falam assim, é a santidade que é “doce e humilde de
coração”, obediente até a
morte, até a morte da Cruz...
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