Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

A HORA SANTA DO MÊS DE MARÇO.


Origem da Hora Santa

Ao amantíssimo Coração de Jesus, cujas delícias são estar com os homens, é que devemos a origem do pio exercício chamado Hora Santa. Aparecendo um dia à Bem-aventurada Margarida Maria, o divino Salvador manifestou-lhe até que excesso Ele tinha amado os homens, e queixou-se amargamente de não receber deles senão a ingratidão, coisa que mais sinto que tudo o que sofri na minha Paixão, ajuntou Ele. Se os homens me retribuíssem com algum amor, em pouco tempo estimariam o que fiz por eles. Mas eles só têm frieza e repulsa a respeito de todos os meus anseios de lhes fazer o bem. Tu, ao menos, dá-me este prazer, de suprir a ingratidão deles quanto te for possível. Isto é o que te peço:

Primeiramente, receber-me-ás no Santíssimo Sacramento todas as vezes que a obediência te permitir. Além disto, comungarás todas as Primeiras Sextas-feiras de cada mês. E todas as noites da Quinta para a Sexta-feira, far-te-ei participar da tristeza mortal que eu quis sentir no Jardim das Oliveiras; e esta participação de minha tristeza te reduzirá a uma espécie de agonia mais difícil de suportar do que a morte. Tu me acompanharás na humilde súplica que apresentei então a meu Pai em todas as minhas agonias; e para isto, levantar-te-ás entre as onze horas e meia-noite, e ficarás prostrada comigo durante uma hora com a face contra a terra, tanto para aplacar a ira divina, pedindo misericórdia pelos pecadores, como para honrar e suavizar de alguma modo a amargura que senti quando meus Apóstolos me abandonaram: é o que me constrangeu a lhes repreender o não terem podido velar uma hora comigo”.

A Bem-aventurada foi fiel a esta “Hora” de adoração, e o Coração de Jesus, que nunca se deixa vencer em generosidade, soube recompensá-la por inumeráveis favores.

Daí é que vem o costume, entre as almas fervorosas, de consagrar à oração uma hora da noite da Quinta-feira para a Sexta-feira, a fim de honrar as dores do Coração de Jesus no Jardim de Getsêmani.



Hora Santa de Março

Coração Aflito de Jesus, Vítima Universal.

Assim como todas as águas vão lançar-se no mar, assim todas as aflições se reuniram no Coração de Jesus. Ele as aceitou com o mais sublime devotamento, impelido por Seu amor para conosco, amor que chegou ao excesso e, perdoem-nos a expressão, à loucura: pois, não é uma loucura de amor da parte de Deus, ter querido se carregar de todas as iniquidades do mundo, a fim de sofrer o castigo delas?

Jesus Cristo sabia que todos os sacrifícios dos animais, oferecidos a Deus no passado, não tinham podido satisfazer pelos pecados dos homens, mas que era necessária uma Pessoa Divina para pagar o preço da Redenção: que fez? Ofereceu-Se à Seu Pai, para aplacar Sua ira e obter nosso perdão. Dois caminhos, então, apresentavam-se ante Ele, um, de prazer e glória, outro, de padecimentos e opróbrios; qual deles foi escolhido? Como Ele queria não só nos resgatar da morte, mas ainda conseguir o amor de nossos corações, renunciou ao prazer e à glória, e escolheu os padecimentos e opróbrios.[1] Assim é que este amável Senhor, sem ser obrigado, tomou sobre Si todas as nossas dívidas, como claramente se exprime o Profeta Isaías: Vere languores nostros ipse tulit - Verdadeiramente Ele foi o que tomou sobre si as nossas fraquezas.[2]

Eis que, então, o Coração de Jesus, a Inocência, a Pureza, a Santidade mesma, é carregado de todas as blasfêmias, de todas as torpezas, de todos os sacrilégios, de todos os roubos, de todas as impurezas e de todos os crimes dos homens; ei-Lo tornado, por nosso amor, objeto das maldições divinas, por causa de nossos pecados pelos quais Se obrigou a satisfazer à eterna Justiça; ei-Lo carregado de tantas maldições quantos pecados mortais foram, são e serão cometidos sobre a Terra. Neste estado é que Ele se apresenta a Seu Pai, como culpado e responsável por todos os nossos crimes, e Deus, Seu Pai, O condena por isso a padecer morte infame da cruz. Então, foi que nosso Salvador se prostrou com a Face por terra,[3] como se tivesse vergonha de levantar os olhos para o Céu, vendo-se carregado de tantas iniquidades. Então, foi que Ele experimentou aquela imensa angústia que lhe fez dizer: Minha Alma está triste até a morte.[4] Ó Pai eterno, como podeis ver Vosso Filho amadíssimo em tão grande aflição? Bem sei, diz o Padre eterno, que Meu Filho é inocente, mas, pois que Ele se encarregou de satisfazer à Minha Justiça por todos os pecados dos homens, convém que Eu O abandone a todas às aflições que esses pecados merecem: Eu O feri por causa da iniquidade de Meu Povo.[5]

Ó caridade incomparável do Coração de Jesus! Ele, nosso Deus, fez-Se nosso Fiador, obrigando-Se a pagar nossas dividas, segundo a bela expressão do Apóstolo;[6] e, depois de ter satisfeito por nós, prometeu-Nos da parte de Deus a Vida Eterna. Também o Eclesiástico nos recomendou, há muitos séculos, nunca nos esquecermos do benefício que devemos a Este Celeste Fiador,[7] que quis padecer tanto para nos obter a salvação.

Ó caridade infinita do Coração de Jesus! Os médicos fazem todos os esforços para curarem o enfermo por quem se interessam. Mas, qual é o médico que toma sobre si a enfermidade de outrem, para o curar? Jesus Cristo é o único Médico que tomou sobre Si nossas enfermidades para as curar. O Verbo Divino não quis enviar outrem para fazer este misericordioso ofício; Ele mesmo se dignou vir, para ganhar todo nosso amor.

Ó caridade verdadeiramente divina do Coração de Jesus! Ele não se contentou de oferecer à Justiça Divina uma satisfação suficiente, quis que ela fosse superabundante; digo superabundante, porque, para nos resgatar, uma simples súplica do Homem Deus bastava; mas, o que era suficiente, não satisfazia o Coração mais amante que tem havido e pode haver.

Ó caridade verdadeiramente inefável e inaudita do Coração de Jesus, Vós nos obrigais a pormos em Vós confiança sem limites, pois nada pode nos perturbar tanto, quanto Vós nos podeis sossegar. Cerquem-me os pecados que tenho cometido, apertem-me os temores do futuro, armem laços contra mim os Demônios; se peço misericórdia a Jesus Cristo que me consagrou Seu Amor até morrer por mim, não posso perder a confiança. Como, com efeito, poderia me abandonar o Deus, que por amor de mim se entregou à morte? Ò Coração de Jesus, Vós sois o Porto Seguro daqueles que, na tempestade, recorrem a Vós! Ó Pastor vigilante, é errar, não esperar em Vós, uma vez que se tenha vontade séria de se corrigir. Vós dissestes: “Sou Eu, não temais, Sou Eu que aflijo e consolo. Eu envio algumas vezes a Meus servos tribulações que se assemelham com o Inferno; mas, não tardo em os livrar delas e consolá-los.

Eu Sou vosso Advogado: vossa causa é Minha. Eu Sou vossa caução: vim pagar vossas dividas. Sou vosso Salvador: resgatei-Vos com o Meu Sangue, não para vos abandonar, mas para vos enriquecer, tendo vós Me custado tão alto preço.

Como fugirei de quem Me busca, Eu que saí ao encontro daqueles que queriam me ultrajar? Eu não voltei Meu rosto daqueles que Me feriam; voltá-lo-ei daquele que quer Me adorar? Como Meus filhos podem duvidar que os amo, vendo-Me entre as mãos de Meus inimigos por seu amor? Já Me viram desprezar aquele que Me deu seu amor, ou aquele que implorava Meu socorro? Eu chego ao ponto de ir à procura de quem não Me busca”.



Prática

Minha confiança no Coração de Jesus será sem limites, pois o amor que Ele me tem, é sem limites. Venham perseguições, securas, escrúpulos, tentações, temores de perder-me, direi sempre com o Salmista: Ponho, Senhor, minha alma entre vossas Mãos; confio plenamente em Vós, porque me resgatastes.[8]



Afetos e Súplicas

Meus Jesus, se Deus Vos carregou de todos os pecados dos homens,[9] com que peso não aumentei pelos meus a Cruz que levastes até ao Calvário? Ah! Meu terno Salvador, Vós víeis já, então, as injúrias que eu vos havia de fazer: apesar disto, não deixastes de amar-me e preparar-me estas grandes misericórdias, de que me cumulastes depois. Se, então, vos tenho sido tão caro, eu, o mais vil e ingrato dos pecadores, que tanto Vos ofendi, justo é que, a vosso turno, Vós me sejais caro, ó meu Deus, Bondade e Beleza infinitas. Ah! Oxalá nunca Vos houvesse contristado! Agora, meu Jesus, vejo toda a indignidade de meu procedimento. Malditos pecados, enchestes de amargura o Coração tão terno e amante do meu Redentor! Perdoai-Me, meu Jesus, arrependo-me de Vos ter ofendido: no futuro sereis o único objeto de meu amor. Ó Amabilidade infinita, eu Vos amo de todo o meu coração, resolvido a não amar mais senão a Vós. Senhor, com Santo Inácio Vos digo: Dai-Me vossa Graça e vosso Amor, e satisfeito fico. Amém.

Oração Jaculatória

Cordeiro sem mancha, tantos padecimentos que sofrestes por mim, não fiquem perdidos!



Exemplo

Joaquim Gaudiello, irmão leigo da Congregação do Santíssimo Redentor, foi toda a sua vida ardente amigo da cruz, o que o tornou singularmente caro ao Coração generoso de Jesus.

Quando ele se resolveu a ser religioso, perguntaram-lhe porque queria abraçar condição tão humilde: “É porque, respondeu ele, quero com o desprezo do mundo seguir a Jesus Cristo vilipendiado e desprezado”. Joaquim não cessou de fazer a seu corpo guerra cruel, sujeitando-o à mortificação e ao trabalho, e, o que é digno dos maiores elogios, soube unir os trabalhos manuais com o mais alto espírito de oração. Recorria a Deus em todas as suas necessidades, “porque Ele é meu Pai, dizia, a Ele recorro como filho Seu”. Jesus no Santíssimo Sacramento tinha absorvido seu coração; ele vivia tão ávido da Santa Comunhão, que lhe permitiram fazê-la todos os dias. Em seus momentos de lazer, recolhia-se à igreja para derramar seu coração no Coração do amável Jesus. Como Jesus era toda a sua glória, Joaquim não tinha em conta alguma as vaidades do mundo, e punha toda a sua felicidade nas humilhações e nos desprezos. “Que é o mundo, costumava dizer, ainda às mais altas personagens, que é o mundo senão uma sombra, um fumo, mas, fumo do Inferno?” Apenas na idade de 22 anos, enfermou-se, e dessa doença morreu. Interrogado como passava no leito de dores: “contemplo no meu espelho”, respondeu mostrando o crucifixo. Seu amor dos padecimentos e sua conformidade com a vontade de Deus eram verdadeiramente admiráveis. A um padre que lhe perguntou certo dia, quando ele queria ir para o Céu, respondeu todo alegre: “Quero ir, quando meu Jesus o quiser”. Seu amor ao Santíssimo Sacramento era tão terno, que parecia transformá-lo em serafim, quando diante do tabernáculo. Um dia num transporte de amor, ele disse ao padre Mazzini: “Tomai um cutelo, abri meu peito, tirai meu coração e colocai-o no tabernáculo junto do Santíssimo Sacramento”. Sua tristeza era não poder morrer crucificado como Jesus Cristo. Dizia-se-lhe, para o consolar, que seu leito era uma cruz: “Não, respondia gemendo, não é cruz para mim, porque sou fortificado por Jesus crucificado e consolado nas amarguras”. Puseram diante dele uma pequena estátua de Jesus atado à coluna; apenas a viu, desfez-se em lágrimas, e disse suspirando: “Ai! Não poder eu tornar-me semelhante a Vós, ó meu Jesus flagelado por mim! Enviai-me padecimentos e chagas, ó meu Salvador!” Sentindo que a morte se aproximava, ele testemunhou desejo de receber a Extrema Unção, dizendo: “É a última consolação que Jesus Cristo nos deixou na Sua bondade”. Depois de ter recebido a Santa Comunhão, ficou arrebatado fora de si; sua figura assumiu ar angélico, e todo o dia ele ficou neste estado sobrenatural. Pela tarde, perguntaram-lhe como estava: “Eu sinto, disse, Jesus no meu coração”. Na véspera de sua morte, exclamava em celeste transporte: “Paraíso! Paraíso!” Sendo o primeiro redentorista que morria, ele dizia a seus irmãos, por último adeus, estas luminosas palavras: “Eu sou o porta-estandarte!” Sua agonia foi um ato ininterrupto de amor, e ele expirou pronunciando os Santos Nomes de Jesus e Maria, em 1741. O Senhor se dignou manifestar, por diversos prodígios, a santidade de Seu servo. Santo Afonso lhe chamava “moço dotado de todas as virtudes”.


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Fonte: “O Sagrado Coração de Jesus, segundo Santo Afonso de Ligório...”, pelo Pe. Saint-Omer, CSsR, Cap. “Hora Santa de Março”, pp. 218-225; 5ª Edição, Tipografia de Frederico Pustet, Ratisbona, 1926.

*Tradução Portuguesa feita da 83ª Edição, pelo Exmo. Revmo. Sr. D. Joaquim Silvério de Souza, Arcebispo de Diamantina.

[1]  Hebr. 12, 2.

[2]   Is. 53, 4.

[3]  S. Mat. 26, 39.

[4]  S. Mat. 26, 37-38.

[5]  Is. 53, 8.

[6]  Heb. 7, 22.

[7]  Eclo. 29, 20.

[8]  Salm. 30, 6.

[9]  Is. 53, 6.


domingo, 25 de fevereiro de 2024

JESUS TRANSFIGURATUR.

 

Naquele tempo, tomou Jesus consigo a Pedro, a Tiago e a João, seu irmão, e levou-os de parte a um monte muito alto, e transfigurou-se diante deles. E seu rosto ficou resplandecente como o sol, e seus vestidos alvos como a neve. E eis que lhe apareceram Moisés e Elias, os quais falavam com Ele. E falando Pedro, disse a Jesus: Senhor, bom é estarmos aqui; se te apraz, façamos aqui três tendas, uma para ti, outra para Moisés, outra para Elias. Ainda não tinha acabado de falar, e eis que uma nuvem resplandecente lhe faz sombra. E eis que da nuvem saiu uma voz que dizia: este é meu Filho muito amado, no qual tenho todas as minhas complacências; ouvi-O. E ao ouvirem isto, os discípulos, caíram de bruços e temeram muito. Mas chegou-se, e tocou-os e lhes disse: levantai-vos e não temais. E erguendo os olhos, não viram a ninguém senão a Jesus. E descendo do monte, impôs-lhe Jesus preceito, dizendo: não digais a ninguém o que vistes, até que o Filho do homem ressuscite dentre os mortos”.1


O Evangelho da Missa deste dia é do cap. 17, 1-9, de São Mateus, e contém a história da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo sobre o Monte Tabor.

Havia pouco tempo que, instruindo o Salvador os Seus discípulos acerca das verdades da religião, lhes tinha feito uma pintura bastante viva das humilhações e trabalhos, que havia de sofrer. Estas imagens tristes eram de molde a aterrar homens ainda materiais e imperfeitos. Sem dúvida, para sustentar sua fé ainda fraca, para despertar seu alento ainda tímido, lhes disse o Salvador, que alguns dos que se achavam ali não morreriam sem terem visto o Filho do homem em Sua glória. De fato, passados seis dias, escolheu Jesus três dos Seus Apóstolos, Pedro, Tiago e João e os levou consigo para o cimo de um Monte alto, que se crê ser o Tabor.

Como não queria que este Mistério fosse conhecido e tornado público antes da Ressurreição, não levou consigo senão um pequeno número de pessoas. Tomou três de Seus discípulos; este é o número mais completo de testemunhas que exigia a Lei para que não fosse suspeito. Escolheu para testemunhas de Sua glória aqueles que bem depressa O haviam de ser de Sua agonia, para nos ensinar que se queremos ter parte em Sua glória, devemos também tê-la em Seus trabalhos e humilhações. Tendo chegado ao alto do Monte, retirou-se um pouco só, e pôs-se em oração.

Então transfigurou-se, isto é, deixou-se ver em todo o resplendor de Sua glória, não já como puro e simples homem, mas como Homem-Deus. O resplendor de Sua Divindade, e a glória de Sua Alma Bem-aventurada apareceram visivelmente em Seu Corpo por alguns raios daquela luz admirável, que até então havia contido estancada em Sua origem. Seu rosto apareceu luminoso e resplandecente como o sol, Seus vestidos alvos como a neve; não se converteram essencialmente, nem se transformaram, diz São Jerônimo, só receberam um brilho resplandecente daquela luz viva que irradiava de todo o Seu Corpo.

Pode dizer-se em certo sentido que a vida comum do nosso Salvador e Sua humildade exterior, eram propriamente uma transfiguração, pois que aparecia em um estado alheio à Sua natureza, ao passo que a glória de Sua transfiguração era em estado natural; e era preciso um milagre contínuo para obstar a que Sua glória e Majestade não irradiassem, e se mostrassem em Seu rosto, e bastava só suspender o milagre para se mostrar tal como apareceu então.

Seu Corpo estava como uma nuvem em redor do sol.

Naturalmente devia estar todo brilhante pela luz que encerrava, e que encobria. Nesta atitude de Majestade não quis Jesus aparecer só; Moisés e Elias apareceram a Seu lado falando com Ele. Quis Jesus Cristo que o Legislador em pessoa e um dos mais ilustres Profetas dessem aos Apóstolos, testemunho de que era Ele a quem convinha tudo quanto a Lei e os Profetas tinham figurado ou predito do Messias. Eis aqui um sinal do Céu, diz Jesus Cristo, o qual os fariseus lho haviam pedido dias antes, mas de que não mereciam ser testemunhas. Elias, dizem os Padres, estava ainda vivo, e apareceu em corpo natural; Moisés, ressuscitou para esta cerimônia, e depois tornou a dormir no Senhor. O assunto da conversação de Jesus com Moisés e Elias, dizem os Padres, versou sobre os suplícios e a morte que o Salvador havia de sofrer em Jerusalém; os Apóstolos foram salteados de um doce espanto, causado pela admiração e gozo que lhes inspirava a vista deste prodígio.

Então São Pedro todo arroubado de amor, e abandonando-se ao gozo de que estava possuído, em uma espécie de êxtase, exclamou: Ah! Senhor, que bom é isto! Quereis que fixemos aqui nossa morada? Em parte alguma poderemos estar melhor; permiti que não saiamos daqui, levantaremos três tabernáculos, ou tendas, uma para Vós, outra para Moisés, outra para Elias. São Pedro não consultara na presente conjuntura senão seu bom coração, e deixa-se arrebatar de sua vivacidade ordinária e do ardor de sua devoção. Ainda não havia acabado de falar, quando uma nuvem resplandecente os envolveu; e ao mesmo tempo saiu do meio da nuvem uma voz que dizia: “Este é o meu Filho muito amado, em quem tenho as minhas complacências; ouviu-O como a vosso Mestre, e obedecei-Lhe como a vosso Rei”.

Esta voz não se ouviu senão depois de terem desaparecido Moisés e Elias, para que estando só Jesus Cristo, dizem São Jerônimo e São João Crisóstomo, não se pudesse duvidar de que se dirigia a eles.

O resplendor desta nuvem e o som desta voz, fizeram tal impressão nos Apóstolos, que cheios de terror caíram com o rosto em terra; e no mesmo instante toda esta glória desapareceu. Aproximando-se então Jesus Cristo, disse-lhes: “Levantai-vos, não tenhais medo”. Começaram então a erguer os olhos, e vendo-se sós, tranquilizaram-se. Queriam ir contar aos outros Apóstolos o que acabava de acontecer; porém, Jesus ao descer do Monte, pôs-lhes ordem de que nada dissessem até a Sua Ressurreição.



Meditações sobre a Transfiguração do Senhor


Não podemos ser felizes nem mesmo nesta vida, 

senão estando com Jesus Cristo.


1. Considera que se procura de há muito tempo o ser feliz sobre a terra, porque a felicidade, mesmo a desta vida, não é fruto da terra que habitamos. Desde a maldição que sobre ela atraiu o pecado do primeiro homem, não produz senão abrolhos e espinhos. A amargura está espalhada em todos os seus frutos. De fato, o mundo, ainda que magnífico em suas promessas, não tem podido fazer até aqui mais do que desgraçados. Os mais aconchegados, os que têm tirado maior quinhão dos bens desta vida, são aqueles que conhecem melhor o vácuo dos bens criados.

Salomão, o mais opulento e feliz, o mais poderoso de todos os príncipes, confessa ingenuamente a sua indigência. No meio da abundância, e da mais florescente e continuada prosperidade, não pode deixar de confessar que tudo é ilusão e vaidade. Para se ser feliz é preciso que a razão esteja tranquila, que tudo esteja em calma; e esta paz do coração não pode ser presente do mundo; no meio dos bens, das honras e dos prazeres é onde se goza menos quietação; só Jesus Cristo é o que pode imperar às ondas e aos ventos. As paixões são o tirano do coração do homem, as prosperidades tornam-nas altivas, fortificam-se como a idade, e nunca são tão violentas como quando a idade não as debilita, e as nossas forças têm decaído. A abundância de bens criados é uma fonte perene de cuidados e de inquietações; a multiplicidade dos prazeres é uma necessidade sempre progressiva de desgostos e de pesadelos; não há nenhum, seja qual for, que não esteja cheio de amargura. As honras lisonjeiam, mas só deslumbram aqueles que as veem nos outros.

Que nuvens, que tempestades, até sobre o trono! Em uma palavra, as cruzes nascem por toda a parte; não há estado, nem condição no mundo, nem particular, nem família, que estejam isentas delas; talvez que até sejam mais abundantes, onde há mais comodidades. Se as queremos arrancar, picamo-nos logo em seus espinhos, e como tudo está semeado deles, se se arrancarem, veem-se logo nascer outros muitos. Queremos ser felizes? É necessário afastarmo-nos do tumulto; não é bastante ainda; é necessário subtrair-nos para o alto da montanha; e como por toda a parte nos levamos a nós, e conosco levamos por toda a parte a fonte e a causa de todas as nossas penas, isto é, a nossa índole, o nosso humor, as nossas paixões, as nossas disposições, o nosso amor-próprio, se Jesus cristo não está conosco para apaziguar os ventos, para abonançar as ondas, para produzir a calma, em toda a parte somos desgraçados.



2. Considera que só onde se acha Jesus, reina a calma, a paz e a abundância. Se se está na barra agitada pelos ventos e pelas vagas, nada há que temer; a calma produz-se desde o momento em que Ele aparece, Se se acha em um deserto estéril, acompanhado de multidão imensa de povos, sem outra provisão além de cinco pães, não tem mais do que abençoá-los, e logo os multiplica até sobrarem muitos cestos, depois de satisfeita a multidão. Se os discípulos se veem opressos de temor e de perplexidades, não é preciso mais do que aparecer-lhes e anunciar-lhes a paz, logo ficam tranquilos.

Enfim, se sobe ao cimo de uma alta montanha, ainda que fale só de Sua Paixão, e das humilhações de Sua morte, ainda que os Apóstolos estejam cheios de tristeza e de pesar, basta-lhe fazer aparecer um débil raio de Sua glória, para transformar aquele lugar escarpado, solitário e espantoso, num paraíso na terra, e para cumular todos os que estão com Ele de tantas doçuras que exclamam: que já não há que pensar em buscar a felicidade em outra parte, e que se teriam por ditosos em permanecerem ali eternamente, contanto que Jesus permanecesse também. Por mais que se amontoem tesouros sobre tesouros, se reúnam todos os prazeres, e se multipliquem as honras todas do mundo, todos estes encantos são exteriores; o coração não fica menos sujeito a suas mágoas, nem menos entregue a inquietações mortais; quando muito é uma vítima coberta de flores na véspera de ser imolada. Só o pensamento da morte basta para perturbar todas as festas, embeber de cruel amargura todos os prazeres. Só pertence ao serviço de Deus o fazer que desapareçam todas estas névoas; só o amor que se tem a Jesus e o amor que Jesus nos tem é que produzem as doçuras de uma paz que o homem carnal não pode compreender.

Esta doce paz que a alma frui, é um gosto antecipado das alegrias do Céu; compara a doçura inalterável, e a modéstia das boas almas com o humor sempre arrebatado, enfastiado e sombrio dos mais felizes do século. Derramam-se lágrimas aos pés de um crucifixo; mas que alegria, que doçura encerram estas lágrimas! Derramam-se no mundo, são inesgotáveis as fontes, donde correm para os mundanos; que amargura, que angústia, inseparável de todos esses prantos, tanto mais amargos quanto mais secretos! Busquem, estudem, amofinem-se os homens por achar uma sombra só que seja de felicidade sobre a terra, não poderão dizer: eu sou feliz, senão enquanto estiverem com Jesus Cristo. Tornai-me, Senhor, sensível esta verdade por minha experiência. Eu vejo todo o meu bem, ó meu Deus, em unir-me a Vós.



3. Considera que o primeiro desígnio do Salvador, mostrando-se a Seus discípulos em Sua glória, e irradiando resplendores de luz, foi o mostrar-lhes um raio daquela glória, que ocultava no véu de Seu Corpo mortal, e do que destina em Seu reino para aqueles que O servem fielmente. Queria também animá-los a levar a Cruz, e ensinar-lhes que Deus algumas vezes, ainda que de passagem, faz gostar aos Santos as doçuras celestiais, pelas delícias do espírito, verificando-se o que Ele mesmo disse: que Seu jugo é suave, e Sua carga leve. Depois disto teremos dificuldade em nos consagrarmos ao serviço de um Senhor tão liberal, sabendo que um dia havemos de gozar d’Ele em Sua glória, e talvez nos dê desde já algum gosto antecipado da felicidade que nos espera no Céu?

Consideremos o modo, por que o Salvador se transfigurou. Foi permitido que a glória de Sua Alma, que havia sempre tido oculta, brilhasse e se difundisse por todo o Corpo. Mal assombra, logo resplandeceu como o sol. O Evangelista teria dito mais resplandecente do que o sol, se houvesse no mundo coisa, a que pudesse compará-lo. Mas demos mil ações de graças a este divino Salvador, por ter até aqui privado por nosso amor Seu Corpo da glória que lhe era devida; hoje faz-lhe justiça, deixando-lhe gozar de Seu direito, posto ser por muito pouco tempo, a fim de contemplar a obra da nossa salvação.

Podia Jesus Cristo testemunhar-nos mais evidentemente o Seu amor, do que no-lo mostra, privando Seu Sagrado Corpo de uma glória tão justa, tão grande, tão legítima, e isto só no desígnio de o sacrificar por nós na Cruz? Ó meu divino Salvador! Que não possa eu, por amor de Vós, renunciar a todas as alegrias do mundo! Quão vantajosamente recompensado seria um dia na estância dos Bem-aventurados!

Moisés e Elias apareceram ladeando o Salvador, como para dar testemunho de que n’Ele se tinham cumprido a Lei e as profecias. A Paixão, e a Morte do Redentor foram o assunto da conversação, como a grande obra e o fim de todas as maravilhas que Deus havia de obrar a favor do Seu povo. Bom Deus! Quantos prodígios reunidos num! Quantos Mistérios em um só!



4. Considera qual deve ser a glória e a felicidade dos Santos no Céu, quando alguns raios da de Jesus cristo, tornada sensível só por alguns instantes, cumulam os que são testemunhas dela, de uma alegria tão pura, tão completa, tão inefável. Os três Apóstolos ficam absortos. Bem estamos aqui, exclama São Pedro em nome de todos. Que haverá mais doce em outra parte, comparável com o que nos causa o brilho de vossa glória?

Por mais súbito que fosse o seu arroubamento, a sua admiração e alegria, nem por isso era menos racional, nem menos justo.

Pode alguém estar com Jesus Cristo, ser discípulo Seu sem ser por Ele amado? E pode alguém ser amado de Jesus Cristo, sem experimentar um contentamento e uma alegria sensível? Mas São Pedro pensa bem o que diz, prevê os inconvenientes e os contras do que propõe? Quem os porá a coberto das intempéries das estações sobre aqueles penhascos? Quem os alimentará sobre aquela espantosa solidão? Mas que há que temer, quando se está com Jesus Cristo? Que bem pode faltar-nos quando se possui o Autor de todos eles? Com Ele está-se perfeitamente feliz sobre o Monte, nas planícies, como no deserto; sem Ele é-se sobremaneira desgraçado, ainda quando se estivesse nos palácios dos grandes, e sobre o trono.

Mas não se fala mais que de cruzes em Sua companhia, não se ambiciona outra coisa senão humilhações, não se alimenta mais do que de adversidades; em Sua companhia devemos mortificar-nos, fugir do mundo, ter horror às Suas máximas; mas isso mesmo prova que é ali, onde se é solidamente feliz. Porque em estado tão constrangido, no meio de tudo o que é contrário aos sentidos, de tudo o que incomoda tanto a natureza, quem pode causar uma alegria tão inalterável, doçuras tão suaves, contentamento tão pleno? É preciso que a alegria seja muito sólida, que a dita seja muito real quando é tão sensível e permanente no retiro. Acha-se porventura uma tranquilidade semelhante no mundo? A felicidade é um fruto estranho, desconhecido às pessoas do mundo, dizemos nós mesmos. Só no serviço de Deus e na companhia de Jesus Cristo é que ela nasce e se frui a largos sorvos.

Concedei-me, Senhor, por vossa graça, que eu faça constantemente a doce experiência disto; eu quero estar inseparavelmente convosco em todo o tempo da minha vida; compreendo pelo Mistério da vossa gloriosa Transfiguração, que é preciso estar longe do tumulto, amar a mortificação, viver no recolhimento e no retiro, para ter parte em vossa glória e, é este o partido que tomo desde agora.

Oremos: Ó Deus, que nos vedes destituídos de toda a virtude, guardai-nos interior e exteriormente e, defendendo o nosso corpo de toda a adversidade, purificai a nossa alma dos maus pensamentos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo… Amém.


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Fonte: Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. XIII, pp. 232-244, 236-238, 244-245, Segundo Domingo da Quaresma; Tradução do Francês pelo Pe. Matos Soares, Porto, 1923.

1.  Mat. 17, 1-9.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

AS BOAS OBRAS E O INFERNO, NUM ESPANTOSO CASO.

 

HISTÓRIA MEMORÁVEL E ANTIGA,

DA QUAL, ENTRE OUTRAS

VERDADES CATÓLICAS,

SE PROVA, CONTRA OS SECTÁRIOS,

A NECESSIDADE DAS BOAS OBRAS

PARA A SALVAÇÃO ETERNA.


Na cidade de Cartago na África, nos tempos de Nicetas, patrício,1 houve um soldado pretoriano, oficial de certo magistrado maior, o qual estragara muito com pecados, sua primeira idade e depois, por ocasião de uma pestilência geral, compungido e temeroso com a mortandade de tantos tão repentinamente, se retirou, com sua mulher, a uma pequena propriedade rural no interior. Porém, nem aqui o deixou o Demônio prosseguir quietamente seus exercícios de devoção e penitência, antes o fez cair em adultério com a mulher de um rústico seu vizinho. Não muito tempo depois, adoeceu e morreu de males, porque os males da pena se proporcionam com os males da culpa: Per quae peccat quis, per haec et torquetur.

Havia, em distância de uma milha, um Mosteiro, cujos religiosos, rogados pela mulher do soldado, o acompanharam e enterraram na sua igreja à hora de Terça. Mas, estando depois rezando Noa, ouviram uma lastimosa voz, que parecia sair daquela mesma sepultura e dizia: Misericórdia, tende de mim misericórdia. Certificados, mais que daquela parte procedia aquele gemido, acodem logo a retirar a laje da sepultura; acham vivo o soldado. Uns o levantam da cova, outros lhes desamarram, outros lhe perguntam o que lhe aconteceu, e todos admirados, estavam pendentes da boca do redivivo, esperando novas do outro mundo. Mas ele, podendo mal formar algumas palavras, entre muitos gemidos, rogou que o levassem à presença de Talássio, varão santo que florescia então naquelas partes. Levado ali, com efeito, informaram a Talássio2 do que se tinha passado, o qual por três dias continuou em dar-lhe as consolações e doutrinas em tal caso, oportunas, e no quarto dia o veio a reduzir a que contasse o que lhe acontecera. Cuja relação, acompanhada com pranto e interrompida com suspiros, foi a seguinte:



Irmãos caríssimos: – Quando eu estava em passamento e já quase arrancando, vi diante de mim3 uns feros negros agigantados, cuja vista me era mais odiosa e insofrível, que qualquer outro tormento, e a alma, conturbada e medrosa, se encolhia todo o possível dentro de si mesma. Daí a pouco, vi dois mancebos formosíssimos, e logo a minha alma saltou fora do corpo e se lhes pôs nas mãos e comecei a voar em sua companhia por essas regiões aéreas. Onde encontramos várias tropas como de delatores e cobradores, que cercavam os caminhos e detinham os passageiros. E havia também muitas como alfândegas ou mesas, cada uma com seu almoxarife, com livro de razão e pediam conta, uns deste vício, outros daquele, cada qual do que lhe tocava, e sem pagarem não os deixavam passar adiante. Ninguém pode explicar a severidade, aperto e miudeza com que faziam o seu ofício.

Cada vez que eu empatava em algumas destas alfândegas, via que os meus dois companheiros, metendo a mão em umas bolsas em que levavam todas as minhas Obras Boas, que tinha feito, tiravam com que pagar aos cobradores, que pesavam tal por tal, palavra proveitosa por palavra ociosa, verdade por mentira, aplicação na reza por distração e, enfim, virtude por vício, com exigência e sumo rigor; e feito isto, passávamos livres adiante. Até que chegamos à alfândega da luxúria, que estava muito acima, e já as minhas bolsas iam vazias. Ali me agarraram os delatores e me representaram vivissimamente na memória, quanto neste vício tinha delinquido, que era muito e mui feio, porque da idade de 12 anos comecei a depravar-me. Oh! Anos de minha perdição e miséria! Estava eu desconsoladíssmo e desanimado por ver tanta fealdade, de que não podia negar ser o autor. A isto acudiram meus companheiros, dizendo que tudo o que pertencia a este ponto estava perdoado de graça, quando deixara a cidade e me retirava a melhor vida. Porém, da contrária parte, replicaram que, ainda depois da retirada, cometera adultério duplicado, de casado com casada. Neste passo, os meus companheiros, não achando nas bolsas virtude que pôr contra tão grave pecado,4 deixaram-me ali, como penhor ou represália, e se ausentaram.

E logo aqueles Demônios, arrebatando-me furiosamente, me açoitaram e derrubaram em terra, para a qual, abrindo-se, fui levado por umas cavernas medonhas, por umas encruzilhadas subterrâneas escuríssimas e apertadíssimas, até chegarmos ao reino da morte eterna, onde com os miseráveis condenados moram a tristeza imortal, a dor inconsolável, o pranto, o rugir dos leões famintos e, finalmente, a total ausência de Deus, irado e irreconciliável. Dizer o que ali se passa, sem que jamais possa passar, por toda a eternidade, não cabe na língua humana; e por isso, eu antes, quereria calar-me. Choram os réprobos lágrimas que queimam e ninguém se condói. Ouve-se o bater de dentes e não há esperança de remédio. Puxam do íntimo do espírito uns gemidos mui tristes e prolongados e não aparece o rosto da misericórdia, porque tudo ali é

confusa multidão de ais e clamores,

de atormentados e atormentadores.

Aqui fui arremessado como infame remador de galés, condenado, segundo o que me parecia, ao mesmo remo da miséria última e interminável; aqui a estive chorando até que, à hora que depois conheci ser de Noa, vi outra vez os dois Anjos, a quem comecei a rogar com quanta instância pude, que me tirassem daquele calabouço, para fazer penitência com que aplacasse a Deus e satisfizesse por meus pecados. “Em vão rogas, me responderam os Anjos, porque nenhum dos que aqui estão sairá senão no dia da Ressurreição Universal”.5 Porém, perseverando eu, todavia, em pedir tempo de penitência e prometendo de a fazer cumpridamente, disse um dos Anjos para o outro: Ficas por fiador deste, que fará penitência, se tornar ao mundo? Fico (respondeu ele), e vi que lhe deu a mão, a qual o outro aceitou. E logo ambos me tiraram fora e trouxeram a terra e me meteram dentro da sepultura junto ao meu cadáver, dizendo: “Entra donde há pouco te afastaste por divórcio”. E a minha alma via a sua natureza própria à semelhança de um cristal transparente ou de um diamante bem lavrado, e a do seu corpo, onde havia de entrar, por modo de um montinho de lodo escuro e sumamente asqueroso, e se lhe fez mui duro e molesto o mandamento de entrar ali e tornar a ser moradora de tão triste, imunda e estreita casa. O que vendo os Anjos, lhe disseram: “No corpo pecaste, no corpo é preciso que faças penitência”. Minha alma lhes requeria que a deixassem ficar fora; porém, eles responderam: “Desengana-te que, ou hás de entrar aqui ou tornar para onde te trouxemos”. Entrou então, quase violentada. E comecei a clamar desde a sepultura Misericórdia, que foi a voz que ouvistes.

Acabando o soldado de referir a história,6 o venerando e piedoso Talássio, lhe rogava que comece para sustentar a vida que Deus, por especial providência, quisera conceder-lhe; porém, não o pode convencer a isso, dizendo que a vida, lhe era dada toda para penitência. Dali por diante andava de igreja em igreja, de peito e rosto por terra, e de quando em quando, levantando a voz, lançava este horrendo pregão: Ai dos pecadores, que não fazem penitência! Oh, que tormentos os esperam! Ai dos pecadores, que mancharam seus corpos com deleites torpes! Oh, que Inferno os espera! Deste modo perseverou quarenta dias contínuos, com notável fruto dos que o ouviam e sabiam do que tinha acontecido, que não deviam ser tão duros de coração como aqueles de quem o Patriarca Abraão disse ao rico avarento, quando lhe demandava um pregador saído do outro mundo para convertê-los: Lá tem a Moisés e aos Profetas, e, se a estes não dão crédito, também não o darão aos mortos ressuscitados. Purificado, enfim, aquele espírito com esta saudável quaresma de penitência, havendo três dias antes, dito quando se havia de partir, no último deles se desatou do corpo felizmente.



Deste maravilhoso caso, consta notoriamente a verdade, de que só as obras de cada um o acompanham, ao passar deste mundo e a importância suma, de que as obras boas prevaleçam às pecaminosas. Não porque os pecadores não se salvem só com um ato de verdadeira contrição, que façam no último instante de sua vida, ainda que esta fosse toda consumida em ofensas de Deus, nem porque muitos não se salvem com menos exercício de virtudes que de vícios, uma vez que a morte os colhessem em estado de graça, senão porque o dom da perseverança final e o auxílio eficaz para fazer esse tal ato de contrição, Deus, que não o deve de justiça (pois é mera graça Sua), porventura, que não o dará, ou não costuma dar, senão atendendo as balanças de nossas obras, contrapesando a das boas com a das pecaminosas. Por onde importa muito empregar bem o tempo em carregar daquelas e descarregar destas, porque, acabando-se o dia e entrando a noite, já nem uma nem outra diligência se pode fazer, como nos avisa nosso Salvador:7 Venit nox, quando nemo potest operari. Quanto mais que bem sabe cada um os pecados que cometem, ao menos em confuso e sem ofender a verdade daquele texto:8 Delicta quis intelligit? Quem entende os delitos? Porém,9 se lhe estão já perdoados ou se é digno do amor ou do ódio de Deus, isso totalmente ignora, e, por conseguinte, sempre lhe importa andar solícito em fazer cada dia mais e mais certa a sua eleição e salvação por obras santas, como nos admoesta o Príncipe dos Apóstolos.10 E, ainda no caso que de certo soubesse estar em amizade de Deus, sempre deve procurar adiantar-se nela, pois nesta vida não tem limite certo (como erradamente afirmaram os begardos, ou beguinos, condenados no Concílio Vienense, que congregou o Papa Clemente V11), e, conforme forem agora em uma alma as riquezas da caridade, serão depois os graus e aumentos de sua glória. Não desprezemos, pois, este terceiro amigo (que é o exercício de boas obras), pois ele só é o fiel e verdadeiro.


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Fonte: Obras Primas da Literatura Portuguesa“Nova Floresta”, pelo Pe. Manuel Bernardes, Oratoriano, Primeiro Tomo, Título IV, Cap. XXII, Amizade, pp. 171-177. Nova Edição. Livraria Lello & Irmão, editores. Porto/Lisboa, 1949.

1.  Zamaras, tom. 3, Annalium.

2.  Este Talássio foi Monge e Presbítero, de nome célebre, de nacionalidade grega, ou, pelo menos, douto naquela língua.

3.  Representou Deus a esta alma, por símbolos materiais, o que espiritualmente passa no Juízo de qualquer outra em termos equivalentes.

4.  Note-se a gravidade do pecado de Adultério, que muitos tão facilmente desprezam.

5.  Deve-se entender, que sairão as almas dos condenados, para dar conta, e aparecer no Juízo Universal, porém, tornam depois para o Inferno, juntamente com os seus corpos, porque será confirmada a sentença da sua reprovação eterna.

6.  O tornar esta alma ao seu corpo, nada tem contra a boa teologia, porque a exceção não tira a regra, antes a confirma, nem a dispensação particular derroga a lei comum. Suspende Deus a Sua sentença final e decretória, pelos fins que Ele sabe, como em outros exemplos têm feito, e lhe mostrou o Inferno e o rigor de Seu juízo, para que muitos se convertessem.

7.  Joan. IX, 4.

8.  Salm. XVIII, 13.

9.  Ecle. IX, 1. “Nescit homo utrum amore vel odio dignus sit”; Ecle., V, 5. “De propitiato peccato noli esse sine metu”.

10.  2º Ped. X, . “Fratres magis fatagite, ut per bona opera certam vocationem, et electionem faciatis”.

11.  Ano de 1311.


domingo, 18 de fevereiro de 2024

MEDITANDO NO SANTO SACRIFÍCIO DO CALVÁRIO E NAS SUAS IMAGENS SIMBÓLICAS.


I PARTE



O Sacrifício de Abel



Parte I


Segundo a linguagem de São Paulo, toda a Lei Antiga era uma sombra, figura ou pintura da Lei da Graça; daqui a semelhança entre o justo Abel, pastor de ovelhas, que ofereceu em sacrifício ao Senhor os melhores cordeiros do seu rebanho, e Jesus Cristo, o Cordeiro Imaculado, o Bom Pastor, Sacerdote e Vítima, que para nosso resgate Se ofereceu uma vez a Seu Eterno Pai, em sacrifício cruento no Calvário, e todos os dias continua a imolar-se misticamente sobre os nossos altares. À semelhança do Homem-Deus, também Abel foi Sacerdote e Vítima: como sacerdote: como Sacerdote, fez ao Senhor uma oblação de suave odor, e, como vítima, deixou-se sacrificar à inveja de seu irmão Caim. Na Missa, depois da Consagração da Hóstia, e do Cálice, com as mãos estendidas e elevadas, faz o Sacerdote esta súplica: “Dignai-Vos, Senhor, lançar sobre eles olhares propícios, e recebê-los, como recebestes as ofertas do justo Abel, vosso servo, e o sacrifício do nosso Patriarca Abraão, e o sacrifício santo, a hóstia imaculada do vosso Sumo Sacerdote Melquisedeque”. Assim a Santa Igreja, como boa Mestra, me aponta a Sagrada Eucaristia em relação com as figuras que A precederam, figuras sucessivas, múltiplas e variadas: porque não podia num só traço ou em poucos ser delineado o memorial das maravilhas do Senhor. Aos sacrifícios da Lei Natural, acresceram os da Lei mosaica, até que todas as sombras desapareceram diante da realidade do Santíssimo Sacramento. Sendo o homem naturalmente religioso e sendo o Sacrifício o centro da Religião, é claro que todos nós necessitamos de ser associados ao Sacrifício por excelência: por isso, na oblação do Cálice a Igreja põe nos lábios do Sacerdote estas palavras: Nós Vos oferecemos, Senhor, este cálice e imploramos a vossa clemência, para que à maneira de um perfume suavíssimo o façais subir até ao trono da vossa Majestade, para salvação nossa e de todo o mundo. Amém”.

Depois, inclinado no meio do altar prossegue: “Em humilhação de espírito e com o coração contrito, nos apresentamos, Senhor, diante de Vós; fazei que este nosso Sacrifício, realizado na vossa presença, Vos seja aceito, ó Senhor Deus”.

É pois em união com os fiéis que o Sacerdote oferece o Sacrifício. E que outra coisa deve ser a vida dos discípulos de Jesus Cristo senão uma imolação contínua? Diz-me, porém, a Sagrada Escritura, que o Senhor olhara complacente para Abel e para as suas oferendas, e não volvera os olhos nem para Caim, nem para os seus presentes.1 Grande lição se nos depara nesta passagem! Não aproveitam os sacrifícios de cada dia, se falta o espírito de sacrifício, porque primeiro olha Deus para o oferente que para as ofertas, primeiro para a intenção que para a ação.

Se ofereço a Deus o que é meu e não me ofereço eu próprio com todos os afetos do meu coração, reconhecendo que d’Ele hei recebido tudo quanto sou e possuo, – como poderá ser aceita a minha oferta? É o engano de tantas pessoas, que nas suas doenças e aflições, fazem promessas e votos aos Santos, e não cuidam de fazer uma Confissão bem feita, para ajustarem as suas contas com o Santo dos Santos! Quem há que não veja que o primeiro de todos os Preceitos é o do amor de Deus? Intendamos bem, que nenhuma oferenda nossa Lhe pode ser agradável, desde que não seja acompanhada do nosso coração. Foi-lhe aceito o sacrifício de Abel e não o de Caim, porque Abel, ao contrário de seu irmão, oferecera-se ao Senhor com o que tinha de melhor, com as primícias do seu rebanho; a oferenda externa era a menor, a mais valiosa era a da sua bela alma.

Concedei-me, ó Deus de misericórdia, que todos os sacrifícios da minha vida mereçam a vossa bênção e sejam coroados com a vossa glória. Amém.



Parte II


Quando bem se observam as obras de Deus, reconhece-se que nenhuma delas se acham isoladas do conjunto, antes todas obedecem a uma harmonia universal. Obra Deus na ordem da natureza como na da graça, guardadas as devidas proporções; na ordem da natureza, os alvores da aurora precedem os raios do sol; na ordem sobrenatural, as grandes verdades e os Mistérios da Fé começam a revelar-se em penumbra desde o berço da humanidade, e vão clareando mais e mais, até se apresentarem a toda a luz na Nova Lei.

Conforme a linguagem do discípulo do amor, Jesus Cristo é a luz verdadeira que ilumina todos os homens (que desejam verdadeiramente ser iluminados). Mas dir-se-á talvez: se temos a luz, que importam as sombras que a precederam? Se temos o Novo Testamento, que é a realidade plena, para que havemos de volver os olhos para a Lei Antiga, que era de figuras, de profecias e de promessas? São incalculáveis as vantagens que podemos auferir do confronto dos dois Testamentos. Se as belezas do sol nos encantam, nem por isso as da aurora nos serão indiferentes.

Sobre as extremidades da tampa da Arca da Aliança estavam assentes dois Querubins, voltados um para o outro, e com as asas estendidas sobre o propiciatório: eram a figura dos dois Testamentos, também olhando um para o outro, confirmando-se, completando-se. Bendito seja Deus que dispôs todas as Suas obras tanto de harmonia com a franqueza do nosso espírito! Como a alma se enleva e a fé se avigora, quando de um ponto elevado fitamos a história da humanidade, e volvemos alternadamente os olhos para as profecias e para a sua fiel realização, para o desenho da Providência e para as Suas obras prodigiosas!

É Jesus Cristo quem enche a história de todos os tempos: o velho mundo entrevia-O no futuro, o novo mundo adora-O presente no seio da Igreja; vê reunidas n’Ele todas as feições augustas, com que O prefiguraram as mais altas personagens do Antigo Testamento; professa a Sua doutrina e ouve atento os acentos da Sua doce voz. Desgraçados os olhos que O não pressentem! Pressentiu-O de longe o inspirado Davi e mais de longe ainda o inocente Abel, que na sua pessoa e na sua oferenda preludiara o Pontífice santo, inocente, impoluto, segregado dos pecadores.2

No seu ofício de pastor anunciava ele já o Bom Pastor, que havia de dar a vida pelas Suas ovelhas, deixando-se imolar no Calvário. Oferecendo a Deus em sacrifício os melhores cordeiros do seu rebanho, apontava lá muito de longe, através de 40 séculos, para Aquele mesmo Cordeiro Imaculado que o Batista havia de apontar de perto, dizendo: Eis ali o Cordeiro de Deus, eis O que tira o pecado do mundo.3

O homem por via de regra, é precipitado no exercício da sua atividade, apenas concebe um plano, quer executá-lo de pronto; por isso, a queda dos nossos primeiros pais no Éden, foi obra de um instante. As obras de Deus revelam um caráter bem diferente: não há nelas saltos nem violências, tudo se opera gradualmente e o que muitas vezes aos homens parece desordem é condição de ordem.

É o que se nos deixa ver até na ordem natural, onde os seres vegetais e animais nascem, crescem e se desenvolvem lentamente, segundo as leis próprias de sua natureza; para que um fruto chegue ao estado de maturação, para que uma árvore ou animal atinjam o seu maior desenvolvimento, é necessário longo tempo. Como não exclamaremos pois com o Salmista: Quanto são impenetráveis os vossos pensamentos! Nem o insensato logrará conhecê-los, nem o louco ter a compreensão deles.4


O Sacrifício de Noé



Parte I


Antes de considerarmos o sacrifício de Noé, ouçamos o grande Bossuet, no admirável resumo da primeira época da sua História Universal.

Começa a primeira época por apresentar-vos um grande espetáculo: Deus pela Sua palavra criou o Céu e a terra, e fez o homem à Sua Imagem. Eis por onde começa Moisés, o mais antigo dos historiadores, o mais sublime dos filósofos, o mais sábio dos legisladores.

Sobre este fundamento assenta ele tanto a sua história, como a sua doutrina e as suas leis. Depois, mostra-nos todos os homens encerrados num só homem, e até a sua mulher tirada dele,5 a concórdia dos esposos, e a sociedade do gênero humano estabelecida sobre este fundamento; a perfeição e poder do homem enquanto conserva íntegra a Imagem de Deus em si; o seu império sobre os animais, a inocência unida à sua felicidade no Paraíso, cuja memória se conservou na idade de ouro dos poetas; o Preceito divino dado a nossos primeiros pais; a malícia do Espírito tentador e a sua aparição, sob a forma da Serpente; a queda de Adão e Eva, funesta a toda a posteridade; o primeiro homem justamente punido em todos os seus filhos e o gênero humano amaldiçoado de Deus; a primeira Promessa da Redenção e a futura vitória dos homens sobre o Demônio que os perdera.

Começa a terra a povoar-se, e os crimes multiplicam-se. Caim, primeiro filho de Adão e Eva, apresenta no berço do mundo a primeira cena trágica;6 e começa então a virtude a ser perseguida pelo vício. Aparecem os costumes contrários dos dois irmãos: a inocência de Abel, a sua vida pastoril e as suas oferendas aceitas; as de Caim rejeitadas, a sua avareza, impiedade, fratricídio, e a inveja, mãe dos homicídios; o castigo do seu crime; a consciência do fratricida atormentada de remorsos contínuos; a primeira cidade edificada por este malvado, que procurava um asilo contra o ódio e horror do gênero humano, a invenção de algumas artes pelos seus filhos; a tirania das paixões e a prodigiosa maldade do coração humano, sempre inclinado à prática do mal; a posteridade de Set, fiel a Deus, apesar desta depravação; o piedoso Henoc, miraculosamente tirado do mundo, que não era digno de o possuir; a distinção entre filhos de Deus e filhos dos homens determinada por um justo juízo de Deus;7 a Sua cólera revelada aos pecadores pelo bom servo Noé; a impenitência dos culpados, e o seu endurecimento castigado, enfim, pelo Dilúvio; Noé e sua família reservados para a reparação do gênero humano. Eis o que se passou em 1656 anos.8

Tal é o começo de todas as histórias, em que se descobre a Onipotência, Sabedoria e Bondade de Deus; a inocência ditosa, sob a Sua proteção; a Sua justiça a vingar os crimes, e ao mesmo tempo a Sua paciência em esperar a conversão dos pecadores; a grandeza e dignidade do homem no seu estado primitivo; a índole do gênero humano, após a sua corrupção; o caráter da inveja, e as causas secretas das violências e das guerras, quer dizer todos os fundamentos da Religião e da Moral”.

Vinha muito a propósito este belo quadro histórico, como introdução ao sacrifício que Noé oferecera a Deus, depois de sair da Arca com a sua família: “Edificou Noé um altar ao Senhor, e sobre ele ofereceu holocaustos de alguns animais limpos, escolhidos entre todos, assim como de algumas aves”.9 Até este ponto ainda a Sagrada Escritura não tinha falado em Altar.10 Das breves palavras de Moisés deduz-se que Noé, segundo pai do gênero humano, pôs todo o seu zelo em oferecer ao Senhor um sacrifício agradável.



Parte II


Ambos muito aceitos ao Senhor, o sacrifício de Abel e o de Noé apresentam diferenças consideráveis, tanto em razão dos oferentes como das vítimas oferecidas e do modo de as oferecer. Apesar destas diferenças, porém, subsiste a essência do sacrifício, que consiste numa oblação externa feita só a Deus, por um oferente legítimo, com o fim de testemunhar o supremo domínio de Deus sobre todas as coisas.

Por parte do oferente pois, o sacrifício supõe um ato de adoração perfeita, de humildade profunda, e de sujeição inteira à vontade de Deus. Donde se vê quão longe estão de fazer verdadeira ideia do sacrifício, os que assistem à Santa Missa com modos irreverentes, muitas vezes com um joelho no chão e o outro levantado, divagando com os olhos em todas as direções!

Bem diferente seria o seu procedimento, se considerassem e reconsiderassem, que o Augustíssimo Sacrifício da Missa foi prefigurado nos múltiplos sacrifícios de todas as gerações, desde o sacrifício de Abel até ao do Calvário. Se aos Patriarcas e Profetas do Antigo Testamento tivesse Deus concedido essa graça especialíssima, que reservou para nós, quem poderia traduzir em palavras os seus sentimentos de gratidão, os seus protestos de fidelidade, as suas expansões de amor e entusiasmo? É da ordem natural das coisas que as grandes obras sejam precedidas de grande preparação; as maiores, da maior preparação. Ora, qual é a maior obra de Deus Pai para conosco? Dar-nos o Seu Filho diletíssimo na Encarnação. Para essa obra incomparável, que excede imensamente a da Criação, não lhe pareceu demasiado uma preparação de quarenta séculos.

E qual a maior obra de Deus Filho? Dar-se a cada um de nós de um modo singular, na Sagrada Eucaristia, e deixar-se ficar nos nossos Altares, para nos fazer companhia neste desterro, não obstante, serem-lhe manifestas desde o princípio todas as nossas infidelidades futuras.

Como Jesus Cristo havia de ser tudo para nós, – Sacerdote, Vítima, Pastor, Pai, Legislador, Mestre, etc., – era de toda a conveniência que esses ofícios de misericórdia e salvação fossem anunciados de longe por personagens diferentes e em diversos graus de esplendor.

Assim Abel, considerado quanto à sua pessoa, foi uma imagem remota de Jesus Cristo, como Sacerdote e como Vítima, ao passo que Noé o foi, não como Vítima, mas como Sacerdote e segundo tronco da Humanidade.

Outros preludiaram a Jesus Cristo como Vítima, e não como Sacerdote, tais foram: Isaac, José, Davi e Jeremias.

Consideradas as oferendas em si mesmas, o sacrifício de Abel constou somente de cordeiros; o de Noé revestiu maior aparato: foi oferecido holocausto sobre um altar, abrangeu vítimas escolhidas de todos os rebanhos de animais puros, e também de todas as aves puras. A ocasião era muito solene, precisava de ficar assinalada com um sacrifício condigno. Saída das águas do Dilúvio, como de um Batismo de Regeneração, a Humanidade entrava numa nova fase, e Noé, seu Chefe, sentiu-se movido a testemunhar ao Senhor a sua gratidão. A distinção entre animais puros e imundos, embora só preceituada no tempo de Moisés,11 já era praticada antes do Dilúvio. “Mas quem ensinou a Noé esta distinção”, pergunta São João Crisóstomo? “Lhe a ditou, a ciência inata da própria razão natural. Nada há de impuro no que Deus criou. Como chamaríamos impura a uma criatura que recebeu a aprovação suprema do Criador. A Escritura diz: Olhou Deus para tudo quanto havia feito, e achou que tudo era muito bom.12 Tal distinção foi introduzida mais tarde pela própria criatura, e o que prova é que em certos lugares uns se abstinham dos animais que consideravam impuros ou proibidos, outros obedecendo ao hábito usavam desses mesmos animais. Na questão de que se trata, a própria luz natural indicava ao justo Noé os animais de que podia usar, e os que eram olhados como impuros, embora na realidade o não fossem”.13



Parte III


Quando o Senhor deu ordem a Noé para recolher à Arca com a sua família, determinou-lhe ao mesmo tempo a quantidade e qualidade de animais que lá devia encerrar: de todos os animais puros sete casais, de cada espécie; dos impuros somente dois casais, e das aves, sete. Mas, quando chegou a ocasião de oferecer o sacrifício, nenhuma instrução recebeu então Noé: obedeceu apenas aos impulsos do seu coração generoso, ofereceu do que tinha de melhor, e ofereceu em abundância sobre um altar. O mesmo Deus, para quem nada há de oculto, provera de ante mão a esta liberalidade do seu fiel servo, no avultado número de rezes e aves puras que Lhe mandara recolher.

Por parte do seu objeto, pois, o sacrifício de Noé, não menos que o de Abel, havia de atrair os olhares complacentes do Senhor. Mas, por parte do oferente? Quais as virtudes do filho de Lamec? A própria Escritura14 as expõe em poucas palavras: Noé foi um homem justo e perfeito, no meio dos homens que então viviam: andou com Deus. Achar graça diante do Senhor, ser justo, perfeito e andar com Deus! Que mais se poderá dizer em louvor, aplauso de um descendente de Adão? E, se tão altos elogios derivassem de origem profana, teriam de sofrer o desconto que no meio do mundo se lhes costuma dar; mas, estes não surgiram das paixões dos homens, desceram do alto, por intermédio do inspirado Moisés; são mais divinos que humanos, mais celestes que terrenos.

Na verdade, uma linguagem análoga é empregada 2347 anos mais tarde, pelo Mensageiro celeste da Encarnação do Verbo. Quando o Arcanjo São Gabriel visitou a Virgem Imaculada na sua casinha de Nazaré, ao vê-La perturbada com a saudação que lhe dirigira, tranquilizou-A, dizendo-lhe: Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus… E, para fazer o elogio do digníssimo esposo de Maria, o Evangelista São Mateus nada encontrou melhor do que chamar-lhe Justo.

Considerado somente em razão do seu objeto, o sacrifício de Noé era de pouco valor, não obstante o avultado número de vítimas escolhidas; a excelência dele procedia sobretudo do sacrifício futuro a que se referia, e das virtudes exímias do oferente: Noé oficiou como Sacerdote santo e preludiou o Sacrifício Santíssimo do Calvário.

Deste modo, Jesus Cristo, Sacerdote Eterno e Vítima Augusta, era o termo para onde convergiam lá de longe as perfeições de Noé, de perto as de José e acima de tudo as de Maria. Havia de ser a Mãe Imaculada quem havia de gerar do seu sangue essa Vítima, e oferecê-La mais tarde, de pé, no altar da Cruz, ao Eterno Pai.

Ó Maria, Mãe divina, como Vos custou cara a Redenção do Gênero Humano! Como é cruel e abominável o pecado, que tão duros sacrifícios exige! Como a nossa fé se aviva ao levantarmos uma pontinha do véu que encobre os Sagrados Mistérios!

Há ainda um duplo aspecto a considerar no sacrifício do primeiro Patriarca pós-diluviano: 1º, a união das suas altas virtudes com o seu ofício de Sacerdote, incluído nos direitos de Primogenitura; 2º, as circunstâncias especiais, em que fez brilhar essas virtudes, por todo o decurso da sua longa vida. Que união mais encantadora cá na terra do que a da virtude com o Sacerdócio? Nem a virtude, nem o Sacerdócio são propriamente deste mundo de misérias; pertencem ao Céu, e só existem cá na terra como por empréstimo. Quem quer ser depositário do Sacerdócio, tem que apresentar como sua fiadora a virtude; do contrário, usurpa o que não lhe pertence e chama sobre si a maldição de Deus.



Parte IV


Não pode deixar de ser inefável e sublime a união de duas coisas, ambas divinas, como são a virtude e o Sacerdócio. Nunca a virtude resplandece com tanto brilho, como quando está unida ao Sacerdócio, e nunca o Sacerdócio se revela tão fecundo na sua missão, como quando se apresenta revestido de todas as virtudes.

Se o Sacerdócio desaparecesse da terra, prestes a virtude lhe seguiria os passos na fuga. E, sem virtude, sem Sacerdócio, o que seria a terra senão um Inferno antecipado? Contudo, a união da virtude com o Sacerdócio não assenta numa lei necessária; todos são chamados à virtude e nem todos ao Sacerdócio. O Sacerdócio é mais raro, e menos comum que a virtude, e até nisso mesmo deixa ver a sua sublimidade. Mas, quando as mais raras e acrisoladas virtudes se associam por vocação divina ao Sacerdócio, então eclipsa ele de um modo assombroso todas as grandezas humanas.

Ora, em que circunstâncias foi Noé um varão justo e perfeito, que encontrou graça diante de Deus? Quando a terra se achava inundada de crimes, quando só ele com a sua família permaneciam fiéis ao Senhor, apesar dos maus exemplos que por toda a parte se lhes deparavam. Praticar a virtude em circunstâncias tais, é praticá-la com heroísmo.

Já por si mesma, diz São João Crisóstomo, a virtude é admirável, mas apresenta-se ainda mais admirável, quando se pratica no meio dos que a condenam. Assim a própria Escritura, falando desse justo que vivia no meio de uma raça votada à indignação divina, diz com um sentimento de admiração: ‘Noé encontrou graça diante do Senhor Deus’. Encontrou graça, mas, diante de deus; não diz simplesmente encontrou graça, antes acrescenta: diante de Deus, e nisso nos ensina que Noé só intentava atrair a complacência daqueles olhos, que não conhecem nem sono nem distração; que não procurava a glória, nem temia diante dos homens a ignomínia ou a irrisão. Na verdade, é de crer que, praticando a virtude contra o costume geral, provocasse os escárnios e as mofas de todos os maus, habituados a desprezar os virtuosos, como ainda hoje tantas vezes se observa”.15 Igual sentido exprime a Escritura, quando manifesta a aceitação que Deus fez da oferenda de Abel: lançou o Senhor os olhos para Abel e para os seus presentes. Isto equivale a dizer, que Abel encontrara graça diante do Senhor, ao oferecer-Lhe em sacrifício os melhores cordeiros do seu rebanho. Noé, porém, encontrou essa mesma graça muito antes de entrar na Arca, com a vítimas do seu futuro sacrifício. Abel era o símbolo do manso Cordeiro, que por Sua própria vontade se havia de oferecer ao sacrifício, emudecendo como a ovelha ao ser levada para o matadouro e como o cordeiro diante do tosquiador.16 Noé, segundo repovoador do mundo, simbolizava o Adonai, o chefe da casa de Israel, o novo Adão, por quem a humanidade havia de ser um dia regenerada, sob um dilúvio de graças.

Segundo a interpretação do mesmo São João Crisóstomo, Noé significa repouso, porque as águas do Dilúvio fizeram que os homens repousassem do funesto trabalho dos seus desregramentos. Como Deus é grande em todas as Suas obras! Aos golpes da Sua justiça, vê-se desabar um mundo impenitente, e logo aos impulsos da Sua misericórdia começa a surgir outro, tão belo e esperançoso como a virtude em que assenta!



Parte V


Escutemos agora Santo Ambrósio: “Se nos é possível, tentemos explorar a vida, os costumes, os feitos e a magnanimidade de Noé.

No dizer do Profeta Jeremias,17 nada mais difícil que perscrutar o coração do homem: que dificuldade então a de conhecer a alma de um varão justo? Visto que o Senhor Deus o escolheu para renovador do Gênero Humano, e fez dele o canteiro da justiça, convém que o apontemos como exemplar de todos e nele repousemos das lidas deste mundo, que todos os dias nos assaltam. Será pouco honroso para nós, que ele sobreviva a seus filhos? Receberemos com enfado esta luz do seu exemplo, quando nos chegam aos ouvidos tantas coisas desagradáveis dos nossos maiores amigos? Quem haverá tão paciente e corajoso, que afronte impávido as ondas e as tempestades, hoje desencadeadas contra as igrejas? Eis por que nos incumbe procurar também este repouso: do mesmo modo que todo o Gênero Humano repousou dos seus trabalhos e tristezas no Santo Noé, também nós recobraremos novas forças, à medida que o contemplarmos. Por isso, em latim a palavra Noé significa justiça ou repouso. Os seus próprio pais disseram dele: “Este nos há de fazer descansar dos nossos trabalhos e tristezas nesta terra que o Senhor cobriu de maldição”.18 Depois da linguagem do Espírito Santo, que é a da Sagrada Escritura, nenhuma mais sublime que a dos grandes Doutores da Igreja, nenhuma portanto mais adequada às virtudes exímias de Noé, varão justo e perfeito no meio de uma corrupção universal.

Ao vermos pois que o sacrifício de Noé se recomendava, ainda muito mais pelas belas disposições do oferente, que pela excelência da oferenda, não nos pode causar estranheza que o Senhor o recebesse com inefável complacência e o coroasse de bênçãos. A desobediência de Adão, o fratricídio de Caim e a corrupção do Gênero Humano tinham feito cair sobre a terra a maldição de Deus; o holocausto de Noé levantou a maldição e atraiu a bênção do mesmo Deus: Abençoou Deus Noé e seus filhos”.19 Já no Antigo Testamento a bênção e a maldição andavam associadas ao sacrifício: os que bem exerciam o múnus sacerdotal eram abençoados, os que abusavam dele eram malditos. A Caim disse o Senhor, que seria maldito sobre a terra. E como foram terríveis os efeitos dessa maldição! Caim andou errante e fugitivo, sentiu-se possuído do terror da morte e perdeu a esperança de obter o perdão.

Assim, o abuso da liberdade humana revela uma espécie de onipotência funesta, em transformar os maiores bens nos piores males: converte o sacrifício em sacrilégio, a bênção em maldição, a luz em trevas, o caminho da verdadeira glória em abismo de ignomínia eterna. Mas, se eram tais os efeitos resultantes dos sacrifícios antigos, que havemos de dizer do Augustíssimo Sacrifício do Altar? Como deverão temer e tremer os Sacerdotes que o celebram, e os fiéis que dele participam na Sagrada Comunhão! Também a este sacrifício, de que os antigos eram apenas sombra e figura, se associa necessariamente a bênção ou a maldição de Deus; mas uma bênção mais admirável, ou uma maldição mais terrível. É por uma bênção sobre si próprio que o Sacerdote dá começo à Santa Missa, dizendo: em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém. Não é em seu nome que ousa subir ao altar, para oferecer o tremendo Sacrifício, é em nome da Santíssima Trindade e, ao benzer-se, faz o Sinal da Cruz. É que na Nova Lei, a bênção e a Cruz andam unidas: quando se dá uma bênção, traça-se uma cruz. Foi a Cruz, o altar do Sacrifício do Calvário, prefigurado pela Serpente de Bronze, que Moisés exaltara no deserto, para remédio de quantos para ela levantavam os olhos.


O Sacrifício de Melquisedeque



Parte I


O Sacerdócio de Abel e o de Noé, eram figurativos, cada um a seu modo, do Sacrifício cruento do Calvário; o de Melquisedeque, tendo por matéria pão e vinho, era destinado evidentemente a anunciar o Sacrifício da Eucaristia. Escuta o que te digo, os Mistérios dos Cristãos são mais antigos que os dos Judeus, e os Sacramentos dos Cristãos, são mais divinos que os dos Judeus. Como assim? Ouve: quando começaram os Judeus? Com Judá, bisneto de Abraão; ou, se te apraz e assim o intendes, começaram com a Lei, isto é, quando os Judeus mereceram receber a Lei. Foram pois chamados os Judeus desde o bisneto de Abraão, ou desde o tempo do santo Moisés. E, se então Deus fez chover do Céu o maná para os Judeus que murmuravam, para ti ao contrário, antecipou a figura destes sacramentos, a te dando no tempo de Abraão.

Quando este, com trezentos e dezoito servos que reunira, voltava triunfante dos inimigos, tendo libertado o seu sobrinho, saiu-lhe ao encontro o Sacerdote Melquisedeque e ofereceu-lhe pão e vinho. Quem é que tinha o pão e o vinho? Abraão não o tinha. Mas quem o tinha? Melquisedeque. Logo, é ele o autor dos Sacramentos. Quem é Melquisedeque? Esta palavra significa rei da justiça, rei da paz. Quem é esse rei da justiça? Pode, porventura, algum homem ser rei da justiça? Quem é, portanto, o rei da justiça senão a justiça de Deus, que é a paz de Deus e a sabedoria de Deus?

Aquele que pôde dizer: Dou-vos a minha paz, deixo-vos a minha paz.

Sabe, portanto, que estes Sacramentos que recebes são anteriores aos de Moisés e a quantos os Judeus dizem possuir; nós os Cristãos começamos primeiro que os Judeus, mas nós na predestinação, eles no nome. Melquisedeque ofereceu, pois, pão e vinho. Quem é Melquisedeque, sem pai, sem mãe, sem ordem genealógica, não tendo começo de dias, nem fim de vida, como se encontra na Epístola aos Hebreus? É sem pai, diz ela, e sem mãe. Semelhante a quem? Ao Filho de Deus. Na geração celestial, nasceu o Filho de Deus sem mãe; porque só nasceu de Deus Pai; e depois, nasceu sem pai, quando nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria, – do seu seio virginal, semelhante em tudo ao Filho de Deus.20 Também Melquisedeque era Sacerdote, porque é de Cristo Sacerdote que se diz:21 Tu és Sacerdote Eterno segundo a ordem de Melquisedeque.22 Moisés havia escrito:23 Por ser Sacerdote do Altíssimo, Melquisedeque, rei de Salem, foi ao encontro de Abraão, ofereceu em ação de graças um sacrifício de pão e vinho e abençoou-o dizendo: que o Deus excelso, Criador do Céu e da terra, abençoe Abraão; e seja bendito esse Deus Altíssimo, que te deu a vitória sobre os inimigos. E Abraão deu-lhe o dízimo de todos os despojos.

Que assunto de meditação para mim, o que acabo de expor! O sacrifício de Noé era sangrento, convidava-me para o Calvário: o de Melquisedeque é incruento, convida-me para o Cenáculo. O Calvário e o Cenáculo, eis os dois lugares privilegiados a que a alma cristã, e sobretudo a alma Sacerdotal, deve transportar-se, sempre que se sinta carecida de altas inspirações.

Contemplar somente o Calvário não basta, visitar apenas o Cenáculo também não basta; é necessário associar o Calvário ao Cenáculo, o Mistério do sofrimento ao do amor, – que associados e unidos inseparavelmente o foram eles na Vítima divina. Louvado sejais, Deus das misericórdias, que Vos acomodastes à fraqueza do meu espírito, apresentando-me, já na Antiga Lei, e pouco a pouco, o Sacramento do vosso amor.



Parte II


Muito de longe quis Deus, apontar-me a excelência do Sacramento da Eucaristia, nas particularidades do sacrifício de Melquisedeque. Revela na verdade este sacrifício uma singular proeminência, pela pessoa do oferente e pela natureza da oferta. Quem era Melquisedeque? Responde-me em primeiro lugar o inspirado Moisés, dizendo: “Por ser Sacerdote do Altíssimo, Melquisedeque rei de Salem foi ao encontro de Abraão, ofereceu em ação de graças um sacrifício de pão e vinho e abençoou-o dizendo: que o Deus excelso, Criador do Céu e da terra, abençoe Abraão e seja bendito esse Deus Altíssimo, que te deu a vitória sobre os inimigos. Abraão deu-lhe o dízimo de todos os despojos”.24

Responde-me em segundo lugar o grande São Paulo, não menos inspirado: “Era Melquisedeque rei de Salem e Sacerdote do Altíssimo; tinha ido ao encontro de Abraão quando este voltava de destroçar os reis, e abençoou-o. Abraão deu-lhe o dízimo de todos os seus despojos”. Segundo a etimologia da palavra, Melquisedeque significa rei da justiça; além do mais, era ele também rei de Salem, isto é, rei da paz. Não se faz menção nem de seu pai, nem de sua mãe, nem da sua genealogia, nem de seu nascimento, nem da sua morte: assemelha-se ao Filho de Deus, que é Sacerdote Eterno. Admirai agora quão grande devia ser ele, para que o Patriarca Abraão lhe ofertasse o dízimo dos seus melhores despojos.25 Sim, é justo o apelo que o Apóstolo faz à nossa admiração: devia ser muito grande esse homem, diante de quem Abraão, o Pai dos Crentes, se tornava tão pequeno! É que esse homem devia ser o tipo de Jesus Cristo. – “Como, direis vós, como é possível um homem sem pai e sem mãe, sem genealogia, homem cuja vida não tenha começo nem fim?­ – Já sabeis que Melquisedeque era uma figura: não fiqueis pois surpreendidos, não exijais que tudo se encontre no tipo. Se ele possuísse tudo quanto se encerra na realidade figurada, deixaria de ser tipo. Em que sentido pois hão de se intender essas palavras? Escutai: diz-se Melquisedeque sem pai e sem mãe, porque se perdera a lembrança dos seus progenitores, e diz-se sem genealogia, porque não havia memória da sua estirpe; de um modo semelhante se diz também com verdade, que Cristo não tem genealogia, porque não tem mãe no Céu, nem pai na terra.26 Falando das grandezas do Messias, diz Davi no Salmo 109: “O Senhor jurou e não há de voltar atrás na sua palavra: ‘Tu (Homem-Deus) és Sacerdote Eterno segundo a ordem de Melquisedeque’27 (e não segundo a ordem de Abraão, que oferecia em sacrifício novilhos e cordeiros)”. Preso à família, ligado à carne e ao sangue, o Sacerdócio de Abraão era menos próprio que o do cananeu Melquisedeque, rei da justiça e da paz, para representar o Sacerdócio de Jesus Cristo, Pontífice Santo, Inocente, Impoluto, Segregado dos pecadores.28 É tal a grandeza e sublimidade do Sacerdócio Católico, que até para o anunciar, desde o começo do mundo, às futuras gerações, escolheu Deus tipos e figuras de proporções extraordinárias, inconfundíveis! No Antigo Testamento, no decurso de 40 séculos, só queria Ele mostrar-nos como em desenho, pintura e símbolo o Sacerdócio de Jesus Cristo; e, apesar disso no-lo representa deslumbrante de grandeza e majestade!

E ainda haverá jovens que, ousem alistar-se temerariamente na milícia sagrada? Eclesiásticos e leigos, todos precisamos meditar as grandezas do Sacerdócio, para não lhes recusarmos as homenagens que lhe são devidas.



Parte III


Fica exposto diante da Sagrada Escritura o sacrifício de Melquisedeque e explicado conforme a doutrina de dois grandes Doutores da Igreja, Santo Ambrósio e São João Crisóstomo; mas nem por isso devemos dar por concluídas as nossas considerações sobre este ponto, em que todos nós temos muito a aprender. Mais alto nos falam os exemplos que as palavras, e tão grande é por vezes a nossa insensibilidade que bem necessitamos de todos esses despertadores: que os nossos olhos contemplem absortos as virtudes heroicas e os nossos ouvidos escutem atentos as vozes do Verbo Eterno. E o que nos dizem elas, a todos e a cada um? – Consulta os séculos idos, considera o que se tem passado no decurso das gerações, interroga os teus maiores e eles te dirão.29

Farei, Senhor, de bom grado o que me mandais, porque os vossos Mandamentos são sempre justos e estão de perfeito acordo com os meus interesses. Como pobre peregrino deste vale de lágrimas, interessa-me olhar para o futuro, em que a minha viagem terrena encontrará o meu termo; mas aproveita-me também volver os olhos para o passado e alongar a minha vida até ao berço de nossos primeiros pais. Não podiam ir tão longe as luzes da minha razão, que pouco alcançam e facilmente se obscurecem. Que fazer pois? O que convinha fazer, Vós o fizestes para mim e sem mim: deste-me as luzes da fé com as quais posso caminhar ao longe e ao largo pelo meio de todas as gerações da família humana. Muito triste deve ser uma vida sem fé! Até na ordem física as trevas parecem inimigas naturais da vida: as plantinhas procuram a luz, inclinando-se para o sol; e quando não conseguem libertar-se das sombras, mostram-se tristes, nem se vestem de mimosas flores, nem se carregam de abundantes frutos.

Também o homem, quando a fé não lhe ilumina a vida, é como a planta estéril, sumida nas profundezas de um barranco, que os raios do sol nunca visitam; o seu horizonte visual é demasiado restrito e a sua vista tão curta, que não lhe deixa ver nem de onde vem, nem para onde vai. Para o homem de fé, pelo contrário, tudo se ilumina – o passado, o presente, o futuro, o natural e o sobrenatural, o tempo e a eternidade, a terra e o Céu. É deste modo, à luz da fé, meu Deus, que descubro as múltiplas feições do Salvador do mundo, como outras tantas lições que devo considerar. Assim Melquisedeque, Sacerdote e rei, apresentado a meus olhos, sem ascendência nem descendência, faz-me compreender que o Sacerdote não pertence à sua família, mas sim à Igreja, a cujo serviço se consagrou e para a qual deve viver. É verdade que ele, como qualquer outro homem, não pode aparecer no mundo sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem família; mas, na dignidade eminente de Sacerdote, deve morrer à carne e ao sangue, para ser só homem de Deus, homem da Igreja, delegado de Jesus Cristo. É quase uma blasfêmia, dizer que os Padres são homens como os outros; não, o Sacerdócio elevou-os muito acima da condição humana. Quando rebaixam a sua dignidade, tornam-se menos que homens, convertem-se em Demônios, como o próprio Jesus Cristo afirmou de Judas; não é verdade que vos escolhi em número de doze, e que ainda assim um de vós é Demônio?30 Para um Anjo decaído, não há de ficar-se homem; é forçoso que se torne em Demônio.



Parte IV


Por ser imagem de Jesus Cristo-Sacerdote, Melquisedeque no seu tempo é apresentado como Sacerdote único, Sacerdote do Altíssimo, Sacerdote e rei de Salem, rei da justiça e da paz, sem começo nem fim.

Porquê, para quê, de que modo e onde ofereceu Melquisedeque o seu sacrifício de pão e vinho? É minuciosa a Escritura em nos por diante dos olhos todas estas circunstâncias. Não é Sacerdote quem o quer ser, mas somente quem o Senhor Supremo de todas as coisas escolhe para esse múnus. Melquisedeque pois ofereceu sacrifício, porque era Sacerdote do Altíssimo, ou antes, do Deus altíssimo.31 E, oferecendo um sacrifício, não imitou Abel nem Noé na escolha de animais; ofereceu pão e vinho, porque o mesmo Senhor, que o constituíra Sacerdote e rei, lhe inspirara a natureza da oferenda.

O fim que se propôs foi dar graças a Deus, pela recente vitória de Abraão, e felicitar este, recebendo ao mesmo tempo as suas homenagens: que o Deus excelso, Criador do Céu e da terra, abençoe Abraão, e seja bendito o Deus altíssimo, que te deu a vitória sobre os inimigos.32

Foi também dando graças que Jesus Cristo na noite da Ceia, consagrou pão e vinho: tomou Jesus pão e abençoou-o… e tomando o cálice deu graças.33 Assim, de um modo muito claro o sacrifício de Melquisedeque anunciava de longe a Sagrada Eucaristia, que devia reduzir à unidade os múltiplos sacrifícios da Lei Natural e Mosaica. Do sacrifício de Melquisedeque participou Abraão e os seus servos, que voltavam triunfantes dos seus inimigos; do Sacrifício Eucarístico participaram logo desde a Instituição os Apóstolos que todos, à exceção de Judas, estavam puros e, por isso, libertos da escravidão do pecado, – triunfantes dos inimigos da sua alma. Eis uma figura da Sagrada Comunhão.

Pela sua parte, Abraão recebeu agradecido a bênção, de Melquisedeque, com a participação no sacrifício, e deu-lhe o dízimo dos seus melhores despojos. Aprendam neste exemplo os comungantes a darem a Deus, depois da Sagrada Comunhão, as devidas ações de graças, oferecendo-lhe de preferência os melhores despojos alcançados na guerra contra os inimigos da sua alma: o perdão das injúrias recebidas, a prática discreta da mortificação, a dor dos pecados, a paciência nos sofrimentos, etc.

Como chefe do povo escolhido, Abraão na sua homenagem representa as dez tribos de Israel e particularmente a tribo sacerdotal de Levi. Ao dar testemunho solene da alta superioridade de Melquisedeque, apontava o Pai dos Crentes às gerações futuras, quanto o Sacerdócio de Aarão ficaria inferior ao de Jesus Cristo, de quem Davi34 tinha profetizado: “Jurou o Senhor, e não se há de arrepender: Tu és Sacerdote Eterno segundo a ordem de Melquisedeque”. “O que Melquisedeque foi em figura, diz São João Crisóstomo, o foi Jesus Cristo em realidade e o nome de Melquisedeque foi como os nomes de Jesus Cristo, que muito de longe anunciaram e figuraram a missão do Salvador… Deus não jura na realidade, prediz simplesmente o que há de acontecer”.35

Nem o sacrifício de Abel, nem o de Noé nos aparecem definidos quando ao lugar; no de Melquisedeque, porém, deixa-se ver essa circunstância, que representa um novo traço de semelhança com o Sacrifício Eucarístico. É de fato, em Salem (Jerusalém) que Melquisedeque realiza o seu sacrifício de pão e vinho, ali mesmo onde Jesus Cristo institui a Sagrada Eucaristia.


O Sacrifício de Abraão



Parte I


Depois do sacrifício de Melquisedeque, vem o de Abraão, cujas lições não são menos dignas de consideração. Quando se fala em exemplos de fé viva, pode remontar-se até ao berço do gênero humano e recordar as oblações do justo Abel, que atraíram as complacências de Deus, porque eram animadas de vivíssima fé; pode evocar-se a memória do paciente Jó, que nas angústias dos mais duros sofrimentos não afrouxava na sua fé e causava espanto ao próprio Demônio; pode relembra-se o nome de Moisés, que no zelo da sua fé se recusou a passar por neto do Faraó e preferiu sair do Egito, trocando as delícias da corte pelas asperezas do deserto e sofrendo as ingratidões do povo de Deus; mas o tipo da nossa fé no Antigo Testamento é Abraão.

Natural da Caldeia, filho de Taré e neto de Nacor, Abraão era idólatra como os seus ascendentes. Afirma-o expressamente São João Crisóstomo: “Não me podeis dizer que Abraão recebera de seus pais a verdadeira religião. Primeiro fora idólatra como eles. Apesar de uma tal origem, tendo até então vivido como bárbaro no meio de bárbaros, não tendo ninguém que o pudesse formar na piedade, chega ao conhecimento de Deus, adquire sobre todos os seus descendentes – que deviam contudo possuir a Lei e os Profetas – uma alta superioridade em glória e virtude. Por quê? Porque não se preocupava com as coisas temporais e embebera-se todo nas espirituais. O que diremos de Melquisedeque? Não vivia ele no mesmo século e não mereceu pelo esplendor da sua vida ser chamado o Sacerdote do Senhor? É impossível, com efeito, absolutamente impossível, que o homem vigilante seja esquecido de Deus”.36

A mesma opinião insinua também Santo Ambrósio. E idólatra pois, Abraão tornou-se um exemplar prodigioso de obediência e fé. Quando ao lado do caminho da vida se avista uma estátua, ou um monumento antigo, levantado à memória de um nome ilustre, naturalmente se voltam para ele os olhos, com ares de admiração e até por vezes de contentamento, por se contemplar talvez ali um exemplo de nobre coragem, um modelo de grandes virtudes, uma inspiração de sublimes incitamentos.

Um grande exemplo é sempre uma escola de salutares influências para os vindouros. Sujeitos à mesma lei que o vulgo, também os grandes heróis desaparecem velozes do teatro da vida; mais tarde ou mais cedo chega a hora em que tem de pagar o seu tributo à morte. Mas imergem eles de todo nas sombras do túmulo? Emudecem por completo? Não; continuam a viver e a falar através de todas as gerações; sendo cada vez maior o número dos seus ouvintes, dos seus discípulos e admiradores. Ó, como é salutar, fecundo e consolador o bom exemplo, onde quer que se manifeste. Quando encarna no seio da família, num pai ou numa mãe, enche de bênçãos os filhos e faz talvez a felicidade de muitos lares; quando encarna num Sacerdote, num Pastor de almas, num Sucessor dos Apóstolos, estende ainda mais longe a sua benéfica influência: que dizer pois ao vê-lo encarnado naquele, em quem haviam de ser abençoadas todas as gerações da terra?37

E aqui, antes de passar a novas considerações, devo refletir por um instante sobre o pouco que tenho adiantado na fé, eu nascido de pais católicos e sob uma atmosfera de piedade, eu privilegiado com tantas graças e enriquecido com tantos benefícios! Aonde irei procurar o termômetro da minha fé? Na fidelidade à minha vocação.



Parte II


A fé de Abraão revela caracteres que a tornam modelar, porque foi uma fé sem precedentes que a inspirassem, uma fé pronta, de obediência perfeita, de sacrifício completo e nunca desmentida.

É o patrimônio da fé, o mais rico de todos os patrimônios; mal sabem apreciá-lo os filhos que o herdam de seus pais; mas Abraão não teve a fortuna de o herdar. Ao relancear os olhos em volta de si, só via exemplos de perversão. De mais a mais, quem ignora quanto é difícil romper com hábitos inveterados? Abraão tinha os seus hábitos formados e enraizados; contava já 75 anos de idade, quando Deus se lhe revelou, dizendo: “Deixa a tua terra, os teus parentes, a casa de teu pai, e vem para a terra que Eu te mostrar”.38 Seria exigir pouco de um homem, em idade já tão avançada? Por certo que não, e todavia, o dócil servo apressa-se a responder antes com obras que com palavras: “Saiu Abraão conforme Deus lhe havia preceituado”. Não interpõe delongas, nem pede esclarecimentos a respeito do clima, da situação ou da fertilidade da nova terra, que lhe está destinada, porque sabe que a prudência da carne e do sangue não deve ser escutada, quando a Providência divina revela os seus desígnios.

Ao verem-se partir em circunstâncias tais, muitos dos seus conterrâneos considerá-lo-iam talvez como um louco; contudo, ele prossegue, nada lhe suspende os passos no caminho da obediência. Quando assim procedia no primeiro momento da sua vocação, dava mostras de que estava pronto para todos os sacrifícios. Qualquer que seja o estado a que Deus nos chame, vale sempre muito começar bem, começar com grande generosidade de coração e espírito de sacrifício.

Ao Patriarca do povo eleito, o que lhe serviu de norma não foi nem o seu próprio gosto, nem a opinião de sua família, mas única e exclusivamente a vontade de Deus. Segundo a etimologia da palavra ídolo – idolem ou idolum – significa o que se vê com os olhos do corpo ou se fantasia com a imaginação, isto é, imagem, figura, representação. Idolatria grosseira é, pois, dar às criaturas o coração que só se deve a Deus; idolatria é adorar o bezerro de ouro dos interesses materiais, em vez de procurar em primeiro lugar e acima de tudo o Reino de Deus e a Sua justiça; idolatria é buscar o prazer pelo mesmo prazer, esquecendo os ditames da razão e os Preceitos do Evangelho.

Pode dizer-se que Abraão, sem o saber, começou a preparar-se para o sacrifício de seu filho Isaac, logo desde o primeiro instante da sua vocação, em que renunciara a todos os ídolos. Que ditoso momento esse em que a luz da Verdade se lhe deparou, depois de tantos anos de densas trevas!

Como poderia o seu coração agradecido ficar-se insensível? Ah! Não ficou, não, expandiu-se: “Abri a Escritura; a sua história desenrola-se aí como uma longa cadeia de ouro; ele dá-nos sempre exemplos de uma filosofia sublime; mas Deus intervém a cada passo para recompensar os seus esforços e a sua virtude… O seu exemplo convida-nos por uma lado, a empreender corajosamente os combates da virtude, cheios de confiança nas recompensas celestes e seguros da liberalidade misericordiosa de Nosso Senhor; por outro lado, a receber com submissão, na expectativa dos bens eternos, as penas e sofrimentos da vida”.39



Parte III


A fé, a obediência e o sacrifício foram os três degraus por onde Abraão se levantou à altura da grande missão que o Senhor lhe confiara.

Desde a Mesopotâmia, em que Deus se lhe revelara pela primeira vez, até ao Egito, aonde a fome o conduzira, muito longa e penosa tinha de ser a sua peregrinação de noviciado. Quando o Diácono Santo Estêvão discursou diante do concílio da Sinagoga, que rugia de cólera diante do ardor da sua fé, começou por dizer: “Irmãos e sacerdotes, escutai: o Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão, quando habitava ainda na Mesopotâmia; antes de ir estacionar em Charan, e disse-lhe: Sai da tua terra, deixa a tua família, e vem para a terra que Eu te mostrar”.40 Era a fé do Novo Testamento a confirmar e aplaudir a do Antigo; os grandes apóstolos da verdade avistam-se e compreendem-se sempre, embora separados por longas distâncias no tempo e no espaço.

Tendo-se posto a caminho, em cumprimento da ordem que o Senhor lhe impusera, transpôs Abraão os confins da Caldeia e entrou em Siquém. Parecia que a sua fidelidade já pedia uma recompensa: Deus não lhe faltou com ela: apareceu-lhe segunda vez e prometeu dar aquela terra aos seus descendentes.41 De que se havia de lembrar o dócil servo para testemunhar publicamente ao Senhor a sua gratidão? Lhe erigiu ali um altar. Prossegue depois na sua viagem e entre Betel e Hai levanta segundo altar, mais tarde, quando já se havia separado de seu sobrinho Ló, edifica terceiro altar em Hebron.

Que inspiração secreta o moveria a traduzir deste modo a sua piedade e gratidão? É que Abraão, sem o saber, era chamado ao sacerdócio; tinha de realizar um sacrifício, para o qual devia preparar-se muito de longe, ainda que esse sacrifício era apenas uma figura do Sacrifício único do Calvário. Por isso, o vemos primeiro familiarizado com o altar, depois tomando parte no sacrifício de Melquisedeque,42 em seguida, oferecendo a Deus um sacrifício de cinco vítimas,43 firmando a sua aliança com o Senhor, mediante o sinal da circuncisão,44 e finalmente, pronto a imolar o seu único filho.45

Um dia, quando Isaac contava já 25 anos de idade, disse Deus a Abraão: “Lança mão de Isaac, teu filho unigênito, a quem amas, e vai à terra de visão, onde hás de o oferecer-me em holocausto sobre o Monte que Eu te mostrar”.46

Antes de lançarmos os olhos para a prontidão com que Abraão cuida de cumprir generosamente a vontade do Senhor, consideremos dois pontos: – 1º. Quanto era doloroso o sacrifício, que Deus lhe exigia; – 2º. Quanto deveriam ser terríveis as tentações, que se levantaram no coração desse pai extremoso, que então, contava já 125 anos de idade. As mesmas palavras, de que Deus se serve, parecem escolhidas para trespassarem de lado a lado o coração paterno: lança mão do teu filho único, a quem amas… É uma ordem terminante, para ser cumprida sem demora. E a vítima escolhida, não são aves nem quadrúpedes, é o teu filho Isaac, filho único, a tua consolação e esperança, o amparo da tua cansada velhice; filho que tu amas, não só porque és pai e ele é único, mas porque até para os estranhos ele é amável, em razão das suas belas qualidades. Mas, tu próprio hás de ser o sacrificador e lá ao longe, num ermo, na cumeada de um Monte, que Eu te hei de mostrar na ocasião própria.

Ó meu Deus, que motivo de confusão para mim, servo preguiçoso e covarde, que desfaleço diante dos mais leves sacrifícios, e até muitas vezes me deixo vencer por dificuldades imaginárias! Quando necessito de retemperar a minha fé na contemplação dos grandes exemplos, que me pondes diante dos olhos!



Parte IV


Era o próprio pai, e não um estranho, quem havia de conduzir consigo a vítima, preparar a lenha, erigir o altar, estender sobre ele o seu unigênito, descarregar o golpe fatal e consumar o holocausto. Nunca Deus tinha exigido de nenhum pai um tal sacrifício. É, para que que não fossemos levados a crer que o peso dos anos tivesse esfriado o amor paterno, a mesma Escritura emprega uma palavra que significa, não qualquer modo de amar, mas um amor de eleição. Para obedecer pois à ordem de Deus, tinha Abraão de fazer violência, e violência inaudita, aos impulsos do seu coração de pai.

Mas, ao lado das tentações da carne e do sangue, estavam as que o espírito das trevas havia de suscitar no espírito do grande Patriarca, representando-lhe sobretudo a contradição em que parecia cair o próprio Deus. À primeira mulher, perguntara outrora audaciosamente a Serpente: “Porque vos mandou Deus que não comêsseis de todo o fruto do Paraíso?”47 Usando da mesma tática com o santo Patriarca, também havia de instá-lo a refletir no porquê desse mandamento dolorosíssimo. Desde que Isaac fosse imolado, falharia por certo a promessa de uma descendência numerosíssima.

Escutemos São João Crisóstomo:48 “Não se viu nele nem incredulidade nem hesitação; era-lhe garantia suficiente a voz de Quem o tinha chamado. Estava sem filhos e sem posteridade, assim como Sara sua mulher. Seu filho Isaac foi o filho da promessa; a impotência da natureza fora suprida pelo benefício da graça. Assim fora o Patriarca largamente recompensado da sua obediência, mas sem o saber de ante mão; porque, se o soubesse, nada de notável se teria dado na sua conduta. Para vos convencerdes de que tal não tinha sido o motivo do seu procedimento, vede como ele se submete à ordem que lhe é imposta de imolar o seu filho, como sufoca a voz da natureza, como obedece por amor do seu Deus, como calca aos pés o seu próprio coração e não se faz de surdo a voz que o chama.

Que lhe diz o Senhor? ‘Abraão, Abraão. E ele responde. Eis-me aqui. E diz Deus: Toma Isaac, teu filho querido, e me o oferece em sacrifício no Monte que Eu te indicar”.49 Nem sequer lhe designou o Monte, aumentando com esta linguagem a sua tristeza. Com nada disto se perturbou Abraão. Para melhor dizer, fê-lo sobressair mais na prova; sofreu como devia sofrer um homem, mas não conheceu os sofrimentos que o pecado produz; joguete das ondas como pai, graças à sua piedade, não se submergiu; a dor feriu-lhe o coração, mas a fé deu-lhe a vitória. Não digais que Abraão nada teve a sofrer: considerai, a par das angústias que o crucificavam, a sua alta sabedoria. Nada disse a Sara com receio de que ela se opusesse ao cumprimento daquela ordem misteriosa. De fato, se lho tivesse manifestado, é provável que ela tentasse dissuadi-lo, dizendo-lhe: para onde levais o vosso filho, este filho que eu tive contra toda a esperança, que devo a uma promessa, que me foi dado como prêmio da hospitalidade, filho que Deus me concedeu no fim da vida? Para onde o conduzis, para onde o levais? Vós não tivestes nenhuma visão. Como é possível que Deus se vos mostrasse e vos pedisse um filho que me deu, quando eu de nenhum modo o esperava? Se mo tivesse dado para o retomar, mais valia então não mo ter dado; porque, se sofre menos não tendo filhos, do que perdendo-os, depois de os ter”.



Parte V


O sacrifício de Melquisedeque diferenciava-se de todos os anteriores, principalmente, em razão do pão e do vinho, que constituíra a sua matéria, por escolha do próprio Sacerdote.

No sacrifício de Abraão, aparecia uma diferença imposta pelo próprio Deus e que devia causar espanto ao mesmo Abraão: era um sacrifício de vítima humana, que havia de ser imolada pelo pai e em circunstâncias de todo o ponto extraordinárias! Tudo se conspirava para abalar a fé desse servo incomparável, e apesar disso ele apressou-se a cumprir a ordem de Deus, como se nenhum obstáculo vira diante de si!

Levantando-se pois Abraão, ainda de noite, preparou o seu jumento, tomou consigo o seu filho Isaac e dois servos, cortou a lenha para o holocausto, e pôs-se a caminho para o lugar que Deus lhe havia ordenado. Ao terceiro dia, tendo levantado os olhos, avistou ao longe o lugar marcado.

Então disse aos seus servos: esperai aqui com o jumento, que eu e meu filho vamos ali e voltaremos a juntar-nos a vós, depois de termos feito adoração. Tomou também a lenha do holocausto e pô-la às costas de seu filho Isaac: Abraão levava nas mãos o fogo e o cutelo. Ao caminharem ambos, disse Isaac para o seu pai: meu pai! – Que queres, meu filho? Respondeu ele. – O fogo e a lenha aqui vão: onde está a vítima do holocausto? – Meu filho, Deus há de providenciar quanto à vítima do seu holocausto. Chegados ao lugar que Deus ordenara, levantou Abraão um altar, dispôs a lenha em cima, depois amarrou o seu filho Isaac e colocou-o sobre a lenha no altar. Estendeu a mão, e tomou o cutelo, para imolar seu filho. Então lhe clamou do Céu um Anjo do Senhor, dizendo: Abraão, Abraão!

Aqui estou, Senhor, respondeu ele. – Disse-lhe o Anjo: Não descarregues a tua mão sobre o menino, nem lhe faças mal algum: agora conheci (agora provaste), que temes a Deus, pois que nem o teu filho único poupaste por minha causa. Olhou Abraão e viu atrás de si um carneiro embaraçado pelas pontas numas sarças, lançou mão dele, e ofereceu-o em holocausto em vez de seu filho.50

Que presteza a do venerando ancião em satisfazer a vontade de Deus! Numa idade tão avançada, em que tinha todo o direito a ser objeto dos cuidados alheios, é ele quem se apressa a cuidar de todos os preparativos para o sacrifício; nem espera sequer que a luz do dia venha guiar-lhe os passos, no caminho que tem de trilhar: levanta-se de manhã cedo, ainda de noite, e chama os servos e o filho, prepara o jumento e a lenha.

Isto diz a Escritura, – mas não cuidaria ele de mais nada, mostrando-se tão providente em tudo? Sem dúvida fez também provisão de alimento para si e para os seus companheiros, visto que a extensão da viagem lhe era desconhecida; mas o mais importante era que nada faltasse com respeito ao sacrifício. Já vejo quanto devo ser cuidadoso em consagrar a Deus as primícias do dia, e como devo proceder quando Ele me exigir qualquer sacrifício, por doloroso que seja: devo obedecer de pronto, nada omitir do que me for preceituado e afastar todos os raciocínios. Deus não está obrigado a dar-me razão do que me preceitua; basta-me saber o que Ele manda.

No que fez e no modo como o fez, mostrou Abraão que a sua grande preocupação, desde que recebeu ordem para sacrificar o seu filho único, era cumprir com a maior prontidão e do modo mais perfeito a vontade de Deus. Se os meus sacrifícios tiverem tempo e lugar determinados, não poderei antecipá-lo, nem retardá-los, nem deslocá-los; devo realizá-los em toda a sua integridade.



Parte VI


Abraão não discutiu as ordens de Deus; adorou-as e aplicou-se a cumpri-las com toda a fidelidade. Se raciocinasse como simples homem, podia dizer a Deus: “Senhor, conquanto este sacrifício de meu filho seja o mais doloroso que me podíeis exigir, estou pronto a realizá-lo, mas porque não há de ser aqui perto da minha habitação? Que mais vale um Monte que outro? Por que me haveis de arrastar nesta idade lá para um Monte afastado?

É com raciocínios semelhantes, que as almas de pouca fé costumam diminuir e até deixar perder os méritos da obediência. Contra cada ordem dos Superiores, se levantam muitas vezes tantas opiniões diferentes, quantos são os súditos. Com o chefe do povo escolhido não se deu o mesmo: a sua conduta amoldou-se escrupulosamente ao Preceito divino. Nunca são de pouca importância os acessórios dos sacrifícios que Deus nos impõe. Feitos todos os preparativos, pôs-se Abraão a caminho do seu Calvário, em companhia de Isaac e dos dois servos, durante três dias de indizível martírio. Que espetáculo para os Anjos, que glória para Deus e que motivo de raiva extrema para os espíritos das trevas! Com ninguém desabafou a sua dor o santo peregrino: nem a Isaac nem aos servos revelara coisa alguma. E como pernoitaria ele para refazer as forças do seu corpo alquebrado? Quantas vezes teria de suspender os passos para tomar uns instantes de alento? Não o sabemos.

Ao terceiro dia de viagem, avistou o Moriá ou Moriá, o Monte da Visão, e mandou fazer alto. Os dois servos com o jumento deviam aguardar ali o regresso do pai e do filho. “Inspirado pela graça divina, Abraão profetizava sem o saber. Como assim, ides imolar o vosso filho e dizeis: nós voltaremos? Torna-se profeta, quando trata de ocultar aos dois servos o seu desígnio”.51 Revelando em tudo uma prudência consumada, Abraão não quer que os seus servos sejam testemunhas do seu sacrifício, e por isso lhes ordena que esperem ali. Depois de se separarem dos servos e quando já iam subindo o Monte, trava-se um diálogo íntimo entre o pai e o filho. Isaac pergunta pela vítima do sacrifício e Abraão profetiza pela segunda vez, dizendo, que Deus há de prover.

Feita em tal ocasião, a pergunta do filho era de molde a dilacerar ainda mais o coração do pai. Bem podia este com toda a verdade dizer de si para si: pobre filho, estás longe de imaginar que este sacrifício tem duas vítimas! A primeira, é teu pai, que já começou a ser imolado, desde o momento em que o Senhor lhe impôs tão duro sacrifício. A segunda, és tu próprio, que na flor dos anos vais deixar a vida. A lenha que levas é que há de reduzir a cinzas o teu corpo. Agora ainda me podes chamar pai, como eu te posso tratar por meu filho. Mais um instante e tudo mudará: quando amanhã se levantar o sol no Oriente, já não iluminará senão uma terra erma e vazia do que eu nela possuía de mais caro. Além do mais, sou eu, pai extremoso, que hei de fazer o ofício de algoz, descarregando o golpe fatal sobre o objeto das minhas afeições e esperanças. Com que sentimentos de suprema angústia se trocarão os nossos olhares no lance derradeiro!

Esta seria uma linguagem inspirada pelos sentimentos naturais, mas Abraão estava animado de sentimentos sobrenaturais e por isso não tenta explicar o Mistério; limita-se a confessar, que põe em Deus toda a sua confiança. Deus há de providenciar, quanto à vítima do seu holocausto.



Parte VII


Os sacrifícios de Abel, Noé e Melquisedeque, cada um deles com os seus caracteres diferenciais, que deixamos apontados, foram sacrifícios espontâneos, que Deus aceitou em odor de suavidade, sem os haver preceituado.

Foi também espontaneamente que Abraão erigiu ao Senhor três altares; mas o sacrifício de cinco vítimas, em confirmação da Aliança feita, e depois o do próprio filho, foram-lhe impostos pela obediência.

Até então, nunca Deus tinha preceituado nenhum sacrifício; neste último, porém, determinou uma vítima humana para lhe ser oferecida em holocausto, escolheu o oferente e marcou o lugar dessa imolação, nunca vista nem por certo imaginada.

O pecado no Paraíso tinha sido de desobediência e revolta, que o futuro Redentor havia de reparar de um modo superabundante, fazendo-se obediente até a morte e morte de Cruz.52

O tipo mais perfeito desta obediência do Homem-Deus era Abraão que, tendo aos 75 anos de idade, voltado as costas à Caldeia idólatra, vinha fazendo o seu noviciado gradual numa dura peregrinação de muitas dezenas de léguas. Embora aos olhos dos homens pareçam tortuosos, são sempre retos os caminhos por onde Deus conduz os seus servos fiéis. Depois de 50 anos de provada obediência, sobe, enfim, Abraão com seu filho Isaac ao Moriá. A escolha deste Monte, de preferência a qualquer outro, encerrava sem dúvida grande Mistério. Conforme o testemunho da Escritura,53 era ali que Salomão havia de edificar o Templo: “E começou Salomão a edificar a Casa do Senhor em Jerusalém no Monte Moriá que tinha sido mostrado a Davi seu pai, no lugar que este preparara, na eira do Jebuseu Ornan”. Segundo Josefo, São Jerônimo e outros, foi neste lugar que Abraão realizou o seu sacrifício. A colina do Gólgota ou Calvário, situada a ocidente, foi mais tarde abrangida pelo terceiro muro da cidade.

Subamos agora em espírito ao Moriá e contemplemos a cena sublime que aí se nos depara. Apesar de cansado com três dias de viagem, por caminhos difíceis, e trêmulo a um tempo pela idade e pela angústia, Abraão põe mãos à obra com a maior intrepidez: ajunta e assenta umas pedras para o altar, em cima dele estende a lenha, depois amarra o seu filho Isaac e deita-o sobre a lenha.

Não se sabe aqui o que mais se há de admirar, se a magnanimidade do pai em obedecer a Deus, se a docilidade do filho em obedecer ao pai e a Deus.

Isaac é um jovem de 25 anos, a quem por certo não são desconhecidas as promessas feitas por Deus a seu pai; mas agora as suas esperanças fenecem de repente ao ver-se sobre o altar do holocausto.

A sua situação é mais aflitiva que a de Abel, porque este tivera a consolação de ver as suas oferendas aceitas pelo Senhor; não era filho único e ao ser sacrificado por Caim, não sentia junto de si o ofegar de um coração de pai extremoso. Isaac reconhecia que o golpe terrível do sacrifício, antes de lhe cair sobre o corpo, atravessava a alma e o bom coração do seu pai: era pois duas vezes mártir, duas vezes vítima. Apesar de tudo, como Jesus Cristo de quem era figura, deixa-se amarrar e oferecer em sacrifício.

Nunca se tinham visto, frente a frente, um pai e um filho tão dignos um do outro, e ambos tão dignos de Deus.

E tudo isto se passava lá no ermo, em misterioso silêncio, longe das vistas curiosas do mundo. Neste momento, o Senhor deu o sacrifício por consumado – que consumado estava ele já no coração do pai e do filho, Deus providenciara a respeito da vítima, substituindo-a.



Do Cenáculo ao Calvário


Tenho fixado com demorada atenção os sacrifícios figurativos desde Abel até Abraão. Agora, sem me deter a considerar os múltiplos sacrifícios da Sinagoga, vou concentrar o meu espírito no Sacrifício Augusto, Real e Único, de que todos os outros eram somente prenúncio e figura.

Ó Deus, que consumastes a variedade das vítimas legais na perfeição de um só Sacrifício, aceitai o que Vos oferecem os vossos servos, e dai às suas oferendas a mesma bênção que dispensastes às de Abel, para que, o que cada um oferecer em honra da vossa Majestade, a todos aproveite para a salvação”.54

Todos os sacrifícios antigos são reduzidos à unidade por Jesus Cristo e em Jesus Cristo: em vez de muitos sacrifícios, um só Sacrifício; em vez de muitas vítimas, uma só Vítima; em vez de muitos sacerdotes, um só Sacerdote Eterno; que é ao mesmo tempo Vítima Augusta.

Antes de Jesus Cristo, nenhuma criatura, nem humana nem angélica, podia honrar a Deus condignamente, porque é insondável o abismo que separa a criatura do Criador. Sem dúvida, foi aceito ao Senhor, além de muitos outros, o sacrifício de Abel, o de Melquisedeque e o de Abraão, mas nenhum deles se ergueu à dignidade de Sacrifício perfeito.

Do Cenáculo ao Calvário, quanto tenho a meditar! Quantas reflexões podem me suscitar estas duas palavras! Na ordem das ideias, o Cenáculo me faz lembrar o sacrifício de Melquisedeque, o Calvário recorda-me o sacrifício de Abraão: dois sacrifícios, cada um no seu lugar e com o seu caráter próprio. A circunstância do lugar não pode me passar despercebida, porque ajusta melhor a figura à realidade. Em que lugar ofereceu Abraão o seu sacrifício? No Calvário, isto é, no mesmo lugar em que Jesus Cristo havia de ser crucificado; afirma-o São Jerônimo, como um fato inteiramente certo.

E em que lugar ofereceu Melquisedeque o seu sacrifício de pão e vinho, figura da Sagrada Eucaristia? Em Salem, no lugar da futura Jerusalém, onde se havia de levantar um dia o Cenáculo, situado dentro da cidade e mais alto que o templo, no Monte Sião.

Malaquias, o último dos Profetas menores, antevira55 os tempos em que por toda a terra, até entre os gentios, se havia de oferecer ao Senhor uma oblação absoluta e perfeitamente pura.

Mas, que oblação era essa, e em que altar, em que santuário, se havia de oferecer pela primeira vez, para depois se perpetrar no tempo e dilatar no espaço? Era a Sagrada Eucaristia, instituída por Jesus Cristo no Cenáculo, na última Ceia com Seus Discípulos, – conforme a promessa feita antes, em seguida ao milagre da multiplicação de cinco pães e dois peixes.56

Destinado a tornar-se como que a Casa-Mãe da Igreja Católica, o Cenáculo não podia ser um albergue ordinário; era uma vasta sala, ricamente mobilhada. Pertencia a um judeu opulento, que reconhecia em Jesus Cristo o verdadeiro Messias, embora não O seguisse publicamente. Foi no Cenáculo que se celebrou a primeira Missa, que se ministrou a Sagrada Comunhão pela primeira vez, que se ordenaram os primeiros Sacerdotes da Nova Lei; mas onde também, na mesma ocasião se cometeu o primeiro sacrilégio eucarístico! Cinquenta e três dias mais tarde, no dia de Pentecostes, é ainda nesse Santuário, que os Discípulos recebem de um modo prodigioso o Espírito Santo.


2 PARTE



Os Preparadores do Cenáculo


Era na quinta-feira da Semana Santa, primeiro dia dos ázimos. Ao pôr do sol, deviam os Judeus celebrar a Páscoa, conforme estava preceituado na Lei.57 Para nosso exemplo pois, Jesus Cristo quis observar até ao fim essa Lei que vinha ab-rogar. Estando ainda em Betânia, mandou à frente Pedro e João com esta ordem: ide preparar a Páscoa que havemos de celebrar. Perguntaram-lhe então eles: onde quereis que a preparemos? Respondeu-lhes Jesus: ao entrardes na cidade, encontrareis um homem com uma jarra d’água; segui-o até à casa em que ele entrar. Chegados lá, dizei ao dono: o Mestre mandou-nos perguntar qual o aposento que lhe dais para nele comer a Páscoa com os Seus discípulos? Ele vos mostrará uma grande sala toda adornada; fazei nela os preparativos. Partiram os dois e tudo lhes aconteceu como Jesus Cristo havia predito.

O próprio dono da casa vos há de mostrar uma sala grande e adornada.58 Era espaçoso bastante o Cenáculo e estava adornado, mas nem por isso deixava de exigir preparativos. Aquele mesmo Filho de Deus, que para nascer tinha escolhido um presépio, para este novo templo, escolhe um rico aposento. Mais ainda, dentre os Seus doze discípulos, escolhe Pedro e João, para cuidarem dos preparativos.

Pedro era o homem da fé, quem em Cesaréa de Filipe havia confessado a Divindade do Filho de Deus, – a quem ia negar por três vezes, depois dos maiores protestos de fidelidade; mas era também o grande penitente, que havia de chorar amargamente os seus pecados. A noite da sua queda estava próxima, sim, mas com intervalo de três dias chegaria outra noite, em que ali no Cenáculo seria instituído o Sacramento da Penitência, na mesma tarde da Ressurreição.

João era o discípulo do amor – primeiro discípulo, depois Apóstolo do Amor e Evangelista – ficava-lhe bem o ofício de preparador do Cenáculo, onde ia ser instituído o Sacramento do Amor.

Naquele tempo ainda os dois Apóstolos não compreendiam a grandeza da missão que lhes era confiada; ignoravam os altos Mistérios que em breve seriam chamados a contemplar de perto. Pela tarde do mesmo dia, dirige-se Jesus Cristo de Betânia para o templo de Jerusalém e depois para o Cenáculo,59 já preparado, e por certo bem preparado. Os fatos que acabo de recordar já me oferecem assunto para largas considerações. Não sou eu um verdadeiro cenáculo, um cenáculo animado, em que Jesus Cristo entra com frequência, se não todos os dias? E se Jesus Cristo, além de ter escolhido expressamente lá em Jerusalém um Cenáculo rico, não se dignou de entrar nele sem mandar adiante a dispôr os preparativos, dois discípulos da Sua predileção, – como poderei eu, miserável pecador, dispensar-me de trabalhar em enriquecer e ornamentar cada vez mais este cenáculo da minha alma? Agora me ocorre uma lembrança, que não quero deixar fugir: quando pouco depois Pedro e João souberam por Madalena que o Corpo de Jesus Cristo já não estava no sepulcro, diz o Evangelho,60 que ambos estes discípulos correram a informar-se do acontecido, mas que João se adiantara a Pedro. Ó, também certamente, a caminho do Cenáculo, ambos iam solícitos e pressurosos para cumprirem as ordens do Mestre e poderem observar com os seus próprios olhos a realização da profecia que lhe fizera, dizendo-lhes, que haviam de encontrar um homem com uma bilha de água… Mas também aqui o discípulo virgem, o Apóstolo do Amor, tomaria a dianteira ao Apóstolo, que primeiro tinha confessado a Divindade de Jesus Cristo.

Não me diz o Evangelho, nem preciso de o saber. O que não posso ignorar impunemente é que, por mais que prepare o cenáculo do meu pobre coração, nunca o poderei considerar bastante preparado, para receber o Supremo Senhor do Céu e da terra, e que à minha preparação devem sempre presidir a fé e o amor.



A Fé e o Amor na Sagrada Comunhão


Não devo esquecer a lição que Jesus Cristo me deu, escolhendo Pedro e João para adornarem o Cenáculo, antes que chegasse a hora da Ceia misteriosa, em que a Páscoa Nova ia substituir a Antiga. Sim, como dispensar-me de preparação para receber o mais Santo de todos os Sacramentos, o Santíssimo Sacramento? A linguagem da Santa Igreja não me deixa dúvidas neste ponto.

Embora os Sacramentos da Nova Lei produzam o seu efeito ex opere operato (por sua própria virtude), todavia, esses efeitos serão tanto maiores, quanto melhores forem as disposições dos que os receberem, por isso, deve-se fazer antes da sagrada Comunhão uma diligente preparação, e juntar depois, uma conveniente Ação de Graças, segundo as forças, condição e obrigações de cada um”.61

Agora começo a pensar de mim para mim que, se esta doutrina não andasse tão esquecida, o fruto das comunhões havia de ser mais sensível.

Não existe a preparação diligente, quando os comungantes distraídos, vão conversando de sua casa para o templo e chegados ali, logo ou quase logo se abeiram da Sagrada Mesa, mais por costume que por devoção, e sem pensarem a sério no que fazem. Sem a preparação devida, não pode uma comunhão ser fervorosa; não sendo fervorosa, passa em breve a ser cada vez mais tíbia; e, da tibieza ao sacrilégio, é rápido o caminho. É próprio da nossa natureza cair por degraus e perder o respeito até as coisas mais santas, à medida que se familiariza com elas. Assim, com relação ao Santíssimo Sacramento do altar, se o comungante não tiver o cuidado de se excitar ao fervor, facilmente pode sucumbir às enfermidades da sua natureza.

Ai do comungante, que não tem pela Sagrada Eucaristia uma alta estima! Creio que esse está em grande perigo de resvalar em sacrilégios, porque da pouca estima à indiferença e ao desprezo não vai grande distância. Não será por esta razão, que se veem a cada passo muitas comunhões e pouca emenda nos costumes? Pior ainda, veem-se pessoas que, depois de terem frequentado a comunhão meses e anos, dão grandes escândalos, ou mudam de vida e por qualquer circunstância voltam as costas aos Sacramentos.

O que tais fatos revelam, é que a piedade dessas almas era apenas de aparências e não tinha raízes no coração, isto é, não estava fundada nem na fé nem no amor.

Cumpre notar, que quando próximo à festa da Páscoa, Jesus Cristo quis pelo milagre da multiplicação de cinco pães e dois peixes, dispôr os discípulos para a promessa da Eucaristia, o Seu maior cuidado foi despertar neles a fé. “Trabalhai, lhes disse, não pela comida que perece, mas pela que dura até a vida eterna, a qual o Filho do Homem vos há de dar; porque n’Ele imprimiu Deus Pai o seu selo. Disseram-lhe pois eles: Que faremos para operarmos as obras de Deus? Respondeu Jesus dizendo-lhes: a obra de Deus é que acrediteis n’Aquele que Ele enviou.62 Como alguns dos discípulos se retiraram escandalizados com a linguagem do Mestre, porque lhes dissera que a Sua Carne era verdadeira comida e o Seu Sangue verdadeira bebida, o mesmo Mestre perguntou aos doze: “Quereis vós também retirar-vos? Respondeu, em nome de todos Simão Pedro: “Senhor, para quem havemos nós de ir? Tu tens palavras de vida eterna. E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”.63



Judas e a Sagrada Eucaristia


Conforme o testemunho da Escritura, é certo que Judas nos aparece associado tanto à promessa como à instituição da Sagrada Eucaristia, e este fato merece ser ponderado.

Quando Pedro, em seu próprio nome e dos seus companheiros, confessou a Divindade do Mestre, dizendo – “nós cremos e conhecemos que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, Jesus responde-lhes: “Não vos escolhi Eu em número de doze, e não há um entre vós que é Demônio?” E o Evangelista São João64 acrescenta: “Referia-se a Judas Iscariotes, que O havia de entregar”.

Supunha Pedro que a fé, de que estava animado, era comum aos doze Apóstolos, e por isso, não hesitou falar em nome de todos; mas Jesus cristo, que lhes penetrava os corações, apressou-se a dissipar o erro, e excluiu um, porque já era Demônio. Antes de lhe chamar Demônio, já o tinha apontado como descrente, quando disse: “Há entre vós alguns que não creem” (porque Jesus sabia desde o princípio quais eram os descrentes e quem O havia de entregar). Nesta ocasião muitos dos discípulos, que não pertenciam aos doze, retiraram-se escandalizados. Dos doze nenhum se retirou, e foi sem dúvida por isso, que Jesus os interrogou nestes termos. “Não quereis vós também retirar-vos”. Não seria este apelo dirigido a Judas?

Não procuraria deste modo o divino Mestre preparar de longe os que se haviam de sentar à Sua Mesa e afastar os indignos? Por certo que sim. Melhor teria sido para Judas retirar-se com os descrentes do que chegar depois a trair, como traiu, o seu Mestre. Se ele antes de comungar já não tinha fé e era Demônio, depois de comungar sacrilegamente, havia de ser pior que Demônio. Era de grande misericórdia pois o aviso que Jesus Cristo lhe fez, e que ele na sua cegueira não quis escutar.

Mostra-me esta passagem do Evangelho que, se devo preparar-me para a Sagrada Comunhão com a fé de Pedro e com o amor de João, também me importa considerar a desgraça de Judas, para me preservar dela. Como é fácil deixar amortecer a fé e esfriar a caridade! Se a minha fé não se aviva e a minha caridade não se afervora, à medida que as minhas comunhões se multiplicam, preciso então de me acolher ao sacrário da minha consciência para refletir no meu estado. Como se concebe que eu faça uso da mais salutar de todas as medicinas e nenhuma melhora experimente, quanto aos achaques dos meus defeitos? Como é possível que me alimente com o Pão divino, descido do Céu, e as forças da minha alma não recresçam? O primeiro e o mais vivo sentimento de quem comunga, deve ser o de uma alta estima pela Sagrada Eucaristia. Dele está dependente a necessária preparação e a devida ação de graças. Esse sentimento, quando existe bem vivo, não pode esconder-se no íntimo do coração; apresenta-se aos olhos de todos, em exemplos edificantes de modéstia, gravidade, recolhimento e devoção. Nele se manifestam os frutos da Sagrada Comunhão.

Parecendo mudos, esses exemplos são contudo, eloquentes e persuadem a piedade muito melhor que alguns oradores de grande nomeada. Se há lugar em que a nobreza de sentimentos se deva traduzir em boa compostura exterior, é à Sagrada Mesa, quando a Majestade divina se abate, a ponto de se dar em alimento à nossa alma. Se nem mesmo então procuro concentrar em Deus o meu pensamento e o meu amor, – quando é que espero fazê-lo com mais oportunidade e proveito?

Ao Santíssimo Sacramento é devida a mais santa veneração, e devida por muitos títulos: que os comungantes pensem, pois, no Hóspede que recebem.



Judas Comungou das Mãos de

Jesus Cristo na Noite da Ceia


Parece-nos bem cabida aqui uma demonstração resumida da Comunhão Sacrílega de Judas, para dissipar todas as dúvidas a tal respeito.

Podem reduzir-se a três os argumentos da opinião contrária: – 1º.), segundo São João,65 Judas saiu do Cenáculo depois que Jesus Cristo lhe deu o bocado do pão, molhado no seu prato; ora, a Comunhão foi no fim da ceia, portanto, Judas já tinha saído; – 2º.), parece que Jesus Cristo falava da Comunhão, quando disse: “Não beberei mais deste suco da videira, até ao dia em que torne a bebê-lo convosco no reino de meu Pai;66 ora, Judas não havia de entrar no reino do Céu, logo, não estava presente; – 3º.), não se pode acreditar que Jesus Cristo desse a Comunhão a um indigno, logo não a deu a Judas.

O texto em que São João diz que Judas saíra depois de ter tomado o bocado, não prova que Judas não comungara, e deve ser interpretado de harmonia com as outras passagens. Responde Santo Agostinho e outras Autoridades.

Deve dizer-se que aquilo que Santo Hilário escreveu no Comentário a São Mateus67 – que Cristo não dera a Judas nem o seu Corpo nem o seu Sangue – teria razão de ser, considerada a malícia de Judas; mas, como Cristo devia ser o nosso exemplar de justiça, não convinha ao seu Magistério separar da Comunhão dos outros, sem uma acusação e prova evidente, a Judas que era um pecador oculto. E por isso, deve afirmar-se que Judas recebeu o Corpo e Sangue de Cristo com os outros discípulos, como diz São Dionísio no Livro da Hierarquia Eclesiástica e Santo Agostinho sobre São João… A razão aduzida por Santo Hilário,68 para provar que Judas não comungara o Corpo de Cristo, não colhe, porque Cristo fala aos Seus discípulos, de cuja Comunidade Judas se separou. Não foi, porém, Cristo que o excluiu: e por isso Cristo, quanto de Si dependia, procurou que Judas bebesse com Ele o vinho no reino de Deus; mas foi o próprio Judas quem repudiou este banquete. Deve dizer-se, que Cristo conhecia a iniquidade de Judas, como Deus, e não de modo humano. E por isso, Cristo não afastou Judas da Comunidade, para dar o exemplo aos Sacerdotes, que não devem afastar dela os pecadores ocultos. Sem dúvida, Judas, sob o pão molhado não recebeu o Corpo de Cristo, mas simplesmente pão. Como diz Santo Agostinho, “pelo pão molhado significa-se talvez o fingimento de Judas: por vezes se tingem as coisas destinadas a enganar. Se, porém, alguma coisa boa significa esse ato de molhar (por certo a doçura da bondade divina, porque o pão se torna pelo molho mais saboroso), não sem razão a esse mesmo bem, não correspondido, se seguiu a condenação. E, por causa desta ingratidão, o que é bom torna-se mau, como acontece com os que comungam indignamente o Corpo de Cristo: e assim Santo Agostinho nesse mesmo lugar diz: – deve entender-se que o Senhor já tinha distribuído a todos os Seus discípulos o Sacramento do Seu Corpo e Sangue, quando o próprio Judas ainda estava presente, como narra São Lucas; depois disso, é que se deu o que conta São João, – que o Senhor dera a Judas um bocado de pão molhado, e assim indicara o Seu traidor”.

Em mais duas passagens das suas obras afirma Santo Agostinho, que Judas comungara na Ceia: “O traidor Judas recebeu o Sagrado Corpo de Cristo e Simão Mago o bom Batismo, mas porque não usaram bem do que era bom, em razão do seu abuso foram condenados”.69

Acaso Judas traficante e traidor ímpio do seu Mestre, permaneceu em Cristo, ou Cristo permaneceu nele, apesar de primeiro ter comungado com os restantes discípulos o Sacramento da Sua Carne e Sangue, como São Lucas declara?”.70

São João Crisóstomo não é menos expressivo: “Depois que Judas comungou na última Ceia, naquela noite memorável, saiu furtivamente, permanecendo todos os outros Apóstolos com o Divino Mestre.71

Mais: “Foi depois que Judas recebeu a sua parte na oferenda do Senhor, que o Demônio tomou posse da sua alma… Pelo que aconteceu a Judas, ficai sabendo o que acontece aos cristãos, que se aproximam dos Sagrados Mistérios indignamente: o Demônio se apossa deles muitas vezes e de preferência toma posse da sua alma”.72

Santo Ambrósio73 diz: “Temos o exemplo em Judas que, tendo recebido de Cristo o Pão Sagrado, entrou-lhe o Demônio no coração, como a defender a sua posse e reivindicar o direito à sua propriedade, dizendo: Não é teu este, mas sim meu: com certeza é ministro meu e traidor teu”.

No Livro de Tobias,74 acrescenta: “Encontrou aquele miserável a morte no mesmo banquete em que os outros encontram a salvação”.

São Bernardo,75 diz: “Na Ceia do Senhor, à mesma mesa, de um mesmo Pão Consagrado, participou Pedro e Judas: o bom para a vida, o péssimo para o castigo”.

A passagem de São Dionísio, citada por São Tomás é esta:76 “A participação comum e pacífica de um só e mesmo Pão Consagrado, e de um só e mesmo cálice, impõe a todos uma concórdia mutua, ao mesmo tempo que a todos comunica uma vida idêntica; ela lhes recorda aquele divino banquete, em que pela primeira vez foram celebrados estes Mistérios, e onde o próprio Autor deste Sacramento deixou participar dele o Apóstolo indigno, que tinha celebrado a Ceia sem pureza, e sem espírito de comunidade com o Senhor”.


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Fonte: Biblioteca de Regeneração – Pe. Marinho, “Diante do Santíssimo Sacramento”, para os Adoradores Eclesiásticos e Leigos, Caps. XXXVII - XXXVIII, XL – LX, pp. 134-142, 147-236. Typographia Fonseca, Porto, 1923.

1.  Gên. 4, 4-5.

2.  Heb. 7, 26.

3.  Jo. 1, 29.

4.  Salm. 91, 5-6.

5.  4004 anos antes de Jesus Cristo.

6.  129 anos depois da criação do mundo.

7.  1336 anos depois da criação.

8.  Após a criação do mundo.

9.  Gên. 8, 20.

10.  Alta ara.

11.  Lev. 11.

12.  Gên. 1, 31.

13.  S. João Crisóstomo, Hom. 24, sobre o Gênes. Nº 5º.

14.  Gên. 6, 8-9.

15.  S. João Crisóstomo, Hom. 23, sobre o Gênesis.

16.  Is. 53, 7.

17.  Jer. 17, 9.

18.  Gên. 5, 29.

19.  Gên. 9, 1.

20.  Mat. 1, 20.

21.  Salm. 109, 4.

22.  Santo Ambrósio, Dos Sacramentos, nn. 10, 11 e 12.

23.  Gên. 14, 18-20.

24.  Gên. 14, 18-20.

25.  Heb. 7, 1-4.

26.  S. João Crisóstomo, Hom. 35 sobre o Gên.

27.  Salm. 109, 4.

28.  Heb. 7, 26.

29.  Deut. 32, 7.

30.  Joan. 6, 71.

31.  Gên. 14, 18.

32.  Gên. 14, 19-20.

33.  Mat. 26, 26-27; Luc. 22, 17-20.

34.  Salm. 109, 4.

35.  São João Crisóstomo, Ps. 109.

36.  Hom. 26, Sobre a Epíst. Aos Rom.

37.  Gên. 18, 18.

38.  Gên. 17, 1.

39.  São João Crisóstomo, Hom. 36, Sobre o Gênesis.

40.  At. 7, 2.

41.  Gên. 12, 7.

42.  Gên. 14, 17-20.

43.  Gên. 15, 1-21.

44.  Gên. 17, 1-27.

45.  Gên. 22, 1-14.

46.  Gên. 22, 1-2.

47.  Gên. 3, 1.

48.  Discurso sobre o ditoso Abraão.

49.  Gên. 22, 2.

50.  Gên. 22, 2-15.

51.  S. João Crisóstomo.

52.  Filip. 2, 8.

53.  II Paralipom. 3, 1.

54.  Oração Secreta do 7º Domingo depois de Pentecostes.

55.  Mal. 1, 11.

56.  Jo. 6, 52.

57.  Êxod. 12, 1-28.

58.  Luc. 22, 12.

59.  No Dicionário latino de Calepino, encontra-se: cenáculo com o significado de, triclínio, conclave, sala própria para jantar; depois que começou o costume de se jantar nos andares superiores das casas, toda essa parte, como escreve Festo, passou a chamar-se cenáculo.

60.  Jo. 20, 4.

61.  Decreto de 20 de Dezembro de 1905.

62.  Jo. 6, 27-29.

63.  Jo. 6, 68-70.

64.  Jo. 6, 72.

65.  Jo. 13, 30.

66.  Mat. 26, 29.

67.  Cân. XXX.

68.  Do texto de S. Mat. 26, 29.

69.  Livro único contra o donatista Fulgêncio.

70.  Serm. 21, sobre o Evangelho de S. Mateus.

71.  Hom. Sobre o Bapt. Do Salvador.

72.  Hom. 1ª. Sobre a traição de Judas.

73.  Epist. 63, nº 95.

74.  Tob. 14, 47.

75.  2º. Serm. Sobre a Ceia do Senhor.

76.  Hier. Eccl. 3ª. Parte.


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