“Dizei a vossa jovem mulher com a maior amabilidade do mundo:
nós te tomamos, cara criança, como companheira de nossa vida, nós te chamamos a
compartilhar conosco das tarefas mais dignas e necessárias, como a procriação
dos filhos, o governo de uma casa. Que te pedimos, então? Antes de enunciá-lo,
falai-lhe do vosso amor, pois nada dispõe tanto os que escutam a acolher
favoravelmente o que se lhe diz, que saberem que tal atitude é inspirada por um
ardente amor. Mas como lhe demonstrareis este amor? Dir-lhe-eis: eu poderia
esposar muitas mulheres, ricas e de elevada classe social; mas não as escolhi,
pois foi por ti que me apaixonei, pela maneira com que levas a tua vida, pela
tua honestidade, pela tua doçura, pela tua moderação… E por quê? Não como quem
age inconsiderada e levianamente, mas ensinaram-me devidamente que a riqueza
não constitui um bem, que é uma coisa desprezível que costuma estar associada
aos ladrões, às mulheres de má vida, aos pilhadores de sepulturas. Renunciei,
pois, a ela, e procurei a ti, cuja alma virtuosa prefiro a todo o ouro do
mundo. Uma jovem sensata e nobre de coração, praticante da piedade, vale pelos
tesouros do mundo inteiro. Foi por isso que te escolhi, eu te amo, e me uno a
ti mais que à minha própria vida. A existência deste mundo não é nada; o objeto
de minhas orações, de meus pedidos e de todos os meus esforços é que mereçamos
levá-la de tal sorte, que na vida futura possamos estar juntos e sem temor. O
tempo presente é curto, e a morte lhe dará um fim; se merecermos atravessá-lo
sendo agradáveis a Deus, estaremos pela eternidade com o Cristo e um com o
outro, na felicidade eterna. Coloco o teu amor acima de tudo, e nada poderia
ser-me mais penoso e cruel do que vir a entrar em desentendimento contigo.
Ainda que eu tivesse de perder tudo, tornar-me o mais pobre dos pobres,
afrontar os piores perigos, sofrer seja lá o que for, tudo me seria tolerável,
contanto que a minha afeição por ti fosse ditosa; e o nascimento de filhos
cumulará meus desejos, contanto que me tenhas afeição. Tais deverão ser também
teus sentimentos.
Juntai a vossos discursos as palavras dos Apóstolos, de onde
resulta que a formação de semelhante laço de ternura se faz segundo a vontade
de Deus. Diz a Escritura que o homem deixará seu pai e sua mãe, e se unirá à
sua mulher. Que nada seja para nós pretexto para mesquinharias; pereçam as
riquezas, a multidão de escravos, as honras do mundo; o objeto do meu amor tem
para mim mais valor que tudo. – Que ouro, que riquezas causariam a vossa
mulher tanto prazer quanto ouvir palavras como estas? Não temais que o vosso
amor a torne orgulhosa; dizei-lhe francamente que a amais. Que as mulheres de
má vida, que se unem ora a este ora àquele, tirem proveito contra seus amantes
de tais declarações, é natural; mas uma mulher de boa estirpe, uma jovem
bem-nascida não poderia envaidecer-se com tal atitude; muito pelo contrário,
ela se torna submissa. Mostrai-lhe que a convivência com ela vos é preciosa,
que por causa dela preferis viver em casa que na praça pública; ponde-a em
primeiro lugar com relação aos amigos e aos filhos dela nascidos, e que estes
últimos sejam amados por causa dela. Se ela cometer alguma boa ação, louvai-a,
admirai-a; se cometer alguma tolice, como acontece com todas as mulheres
jovens, fazei uso de conselhos e advertências discretas. Reprovai sob todos os
aspectos a riqueza e o luxo; ensinai-a a adornar-se de honestidade e decência;
em todas as circunstâncias, instruí-a no que for para o seu bem.
Fazei vossas orações em comum; que cada um por seu lado tome a
iniciativa de ir à Igreja; que o marido reclame de sua mulher a sua parte do
que, naquele recinto, se tiver dito e lido diante dela, e a mulher proceda do
mesmo modo com o marido. Se estais na pobreza, citai o exemplo dos Santos, de
Paulo, de Pedro, que foram mais gloriosos que todos os reis e ricos do mundo;
demonstrai como eles passaram a sua vida sofrendo a fome e a sede; ensinai a
vossa mulher que nada se deve temer neste mundo, a não ser ofender a Deus. Se
alguém se casar em tais circunstâncias, e com tais intenções, não será inferior
aos Monges, e o estado de Casamento não cederá a palma ao Celibato…
Não interpeleis vossa mulher de qualquer maneira, mas com
amabilidade, delicadeza, ternura. Sede atencioso para com ela, e ela não
esperará que as atenções partam de outro homem; ela não procurará as homenagens
dos outros homens, se receber as vossas. Ponde-a acima de todas as coisas, sob
todos os pontos de vista, beleza, sabedoria e louvai-a sempre. Conseguireis,
assim, que ela não volte sua atenção para nenhum estranho, mas despreze o
mundo inteiro. Ensinai-a a temer o Senhor; o resto correrá como de uma fonte, e
em vossa casa haverá abundância de bens” (São João Crisóstomo, XX Homilia
sobre a Epístola aos Efésios, 8-9).[1]
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