Dom Fernando Arêas Rifan*
A fé é a convicção das realidades
que não se veem (Hb 11, 1), baseada na Palavra de Deus, que nos revela a sua
verdade. Um dia, no Céu, a fé será
substituída pela visão. Se vejo, não é preciso mais fé. Quando digo no Credo,
nossa profissão de Fé, “Creio na Santa Igreja Católica”, não quero dizer “creio
na existência do Papa, dos Bispos, da estrutura da Igreja etc”, porque essas
coisas são visíveis, portanto não são objeto da fé. “Creio na Santa Igreja
Católica” significa que eu creio na sua origem divina, na sua santidade, na
presença contínua do Divino Espírito Santo nela, na garantia que lhe deu o seu
Divino Fundador de que as portas do inferno jamais prevaleceriam sobre ela etc.
São coisas que não se veem, por isso são objeto da nossa fé.
Depois que Jesus anunciou aos Apóstolos
que iria sofrer a sua Paixão e Morte, ele, na Transfiguração, mostrou-se a eles
como Deus, para que, na hora da tragédia da cruz, se recordassem da sua
divindade, que eles contemplaram no monte Tabor, e não perdessem a fé na hora
da tribulação. Assim também agora, quando vemos a Santa Igreja desfigurada na
sua paixão, vilipendiada por seus inimigos externos e, pior ainda, internos,
desfigurada por eles na sua doutrina, chicoteada na sua liturgia, conspurcada
pelo mal comportamento dos seus membros, sentimos também uma grande tentação em
nossa fé na divindade da Igreja. Mas não nos deixemos vencer por essas
tentações! Essa é a hora de dizermos com mais força ainda: eu creio na Santa
Igreja Católica!
Não é porque tal ou tal membro da
Igreja, seja ele quem for, ou tal comissão ou grupo, em nome deles próprios e
não da Igreja, tomou atitudes ou defendeu posições não condizentes com a sua
doutrina, já claramente exposta no seu Magistério, no seu Catecismo, nas suas
leis litúrgicas e disciplinares, que devemos ficar escandalizados a ponto de
perdermos a nossa fé na Igreja. Não! Pelo contrário, é hora de reagirmos com
coragem contra todos esses erros e defendermos a Igreja, distinguindo entre os
erros pessoais e a Igreja com suas instituições. Tais pessoas, com suas
atitudes equivocadas e erros adotados, não nos representam como católicos.
Oportunamente, vale sempre lembrar o
que ensinou o Papa São João Paulo II aos Bispos do Brasil, do Regional Sul l da
CNBB, na visita “ad limina” em 21 de Março de 1995: “Os ministros sagrados, bem
como os religiosos e religiosas consagrados, devem evitar cuidadosamente
qualquer envolvimento pessoal no campo da política ou do poder temporal, como
ainda recentemente recordava o “Diretório para o Ministério e a Vida dos
Presbíteros”: “O sacerdote, servidor da Igreja que em virtude da sua
universalidade e catolicidade não pode ligar-se a nenhuma contingência
histórica, estará acima de qualquer fação política. Ele não pode tomar parte
ativa em partidos políticos ou na condução de associações sindicais, e isso
para poder “permanecer o homem de todos num plano de fraternidade espiritual”
(n. 33).
Dom Prosper Guérranger (L’Année
Liturgique), sobre o episódio em que um leigo, Eusébio, se levantou contra
a impiedade de Nestório, salvando assim a fé de Bizâncio, comenta: “Há no
tesouro da Revelação pontos essenciais, cujo conhecimento necessário e guarda
vigilante todo cristão deve possuir, em virtude de seu título de cristão. O
princípio não muda, quer se trate de crença ou procedimento, de moral ou de
dogma... Os verdadeiros fiéis são homens que extraem de seu Batismo, em tais
circunstâncias, a inspiração de uma linha de conduta; não os pusilânimes que,
sob pretexto especioso de submissão aos poderes estabelecidos, esperam, para
afugentar o inimigo ou para se opor a suas empresas, um programa que não é
necessário, que não lhes deve ser dado”.
Estamos no ano do laicato. É
hora, portanto, principalmente de os leigos agirem. “Vocês também são a Igreja!”
Como diz o Papa Francisco, a Igreja é mãe, mas não é babá. As ovelhas têm o
direito de se defenderem dos lobos que as atacam, mas sempre dentro dos limites
do respeito e da caridade, especialmente para com os membros da hierarquia.
O bom e verdadeiro católico sabe
distinguir entre erros pessoais e a Igreja, a Santa Madre Igreja, nossa mãe.
Quando se trata de membros da hierarquia eclesiástica, o nosso dever de resistência
e até de crítica não pode suplantar o nosso respeito e consideração pelo cargo
que ocupa. Se não, destruímos mais do que construímos. Não se deve atribuir à
Igreja e às suas instituições os erros pessoais de seus membros. Jesus escolheu
seus Apóstolos. Nem todos eram perfeitos. Só ficaram santos depois da vinda do
Espírito Santo. E, mesmo assim, ainda conservaram sua natureza humana frágil.
Quem ousaria atacar Jesus por ter escolhido Pedro e, mesmo Judas Iscariotes,
ladrão e futuro traidor, e, ainda por cima, lhe confiar a bolsa do colégio
apostólico? Seria também insensato atribuir os erros de Judas a todo o colégio
apostólico!
Eu creio na Santa Igreja Católica,
que vai continuar sendo santa, apesar de nós, pecadores!
*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João
Maria Vianney