Origens
da Devoção a Nossa Senhora
Mãe
da Divina Providência
1ª
Parte
A
história do culto prestado à Santíssima Virgem, sob o título tão
suave de Mãe da Divina Providência, tem seu início nos
primeiros anos em que os Barnabitas se estabeleceram em Roma –
1574.
Estes
religiosos, como testemunho público de sua gratidão para com São
Carlos Borromeu, o insigne amigo e protetor da sua nascente
Congregação, logo após a Canonização do imortal Arcebispo de
Milão (1610), empreenderam a construção de uma ampla e magnífica
Igreja em honra dele. Em menos de um mês o local escolhido foi
adaptado e ornamentado para se poder nele celebrar solenemente, oito
dias consecutivos, as primeiras festas do novo Santo (3 de Novembro
de 1611). As obras, logo iniciadas, adiantavam-se com rapidez e, oito
anos depois, a majestosa cúpula erguia-se nos ares coroada por uma
cruz brilhante que o arquiteto Pedro Rosati fizera enriquecer com
preciosas relíquias.
As
obras, porém, foram interrompidas porque escassearam os meios.
Em
1626, o Superior da Casa, Pe. Braz Palma, religioso de grande piedade
e fé profunda, vendo-se privado de todos os socorros humanos e às
voltas com dificuldades insuperáveis, resolveu fazer violência ao
Céu e dirigir-se à Santíssima Virgem. A doce Providência de
Maria, costumava dizer, velara por ele constantemente com uma ternura
incomparável. À vista disso, logo após as festas de Páscoa, em
companhia de um irmão leigo, fez a célebre peregrinação ao
Santuário de Nossa Senhora de Loreto, a pé, na íntima persuasão
de que sua oração seria mais facilmente ouvida nesse Santuário a
que se dirigiam peregrinos do mundo inteiro e onde inúmeras graças
eram incessantemente outorgadas aos piedosos fiéis.
Satisfeita
a sua devoção, voltava para Roma, com o coração repleto das mais
suaves consolações. Ao penetrar, porém, na cidade, pareceu-lhe
ouvir uma voz interior que o impelia a ir visitar um Cardeal de que
só conhecia o nome e em quem jamais pensara: João Batista Leni,
Bispo de Ferrara e Arcipreste da Basílica de Latrão.
Embora
intimamente persuadido que essa inspiração vinha da Virgem
Santíssima, o Pe. Palma, prudente ao extremo e circunspecto,
preferiu valer-se dos bons ofícios e da influência de um amigo, o
Príncipe Carlos Barberini, sobrinho do Papa Urbano VIII. Prazerosamente o amigo serviu de intermediário, mas em vão; às
primeiras palavras do Príncipe o Cardeal respondeu que lhe era
impossível interessar-se pela construção da Igreja de São Carlos,
porquanto sua fortuna se achava empenhada em outras boas obras.
O
Pe. Palma não desanimou. Redobrou mesmo suas orações, insistindo
junto a Maria Santíssima na convicção de que Ela devia ser sua
Providência e que estava em jogo a glória d’Ela ouvindo os
pedidos do seu servo. Um dia, passando diante do palácio do Cardeal
Leni, sentiu mais forte ainda o impulso íntimo que o levava a
apresentar-se imediatamente ao Príncipe da Igreja. A acolhida foi
cortês; o pobre religioso falou com ingênua simplicidade. A
resposta consistiu em algumas boas palavras… Nenhuma promessa,
nenhuma esperança para o futuro.
No
ano seguinte, 1627, em Outubro, o Cardeal Leni caiu gravemente
doente. O Pe. Palma, que de vez em quando lhe fazia uma visitinha,
imediatamente correu à casa do Cardeal, sendo recebido com
particular benevolência. O doente não escondeu o prazer que lhe
causavam essas visitas e declarou mesmo que era seu vivo desejo
exalar o último suspiro nas mãos do Pe. Palma e que, vivo ou morto,
estaria na igreja dos Barnabitas, na próxima festa de São Carlos, 4
de Novembro.
Com
efeito, lá estava o Cardeal Leni, no dia de São Carlos, mas
estendido num esquife, pois falecera piedosamente na Véspera da
Festa do Santo Arcebispo de Milão. Os funerais solenes foram
celebrados na Igreja de São Carlos, na presença de trinta Cardeais
e de numerosa assistência. No mesmo dia abriu-se o testamento do
extinto: deixava a maior parte de sua fortuna para o acabamento das
obras da Igreja de São Carlos-ai-Catinari.
Graças
a esse inesperado socorro, os trabalhos recomeçaram com entusiasmo.
Novos benfeitores apareceram e, em 1650, ano do Jubileu, a Igreja
estava terminada. A consagração, porém, só teve lugar em 1722, 19
de Março, presidida pelo Cardeal Lourenço Cursini, futuro Papa
Clemente XII.
Para
conservar a memória de um benefício tão extraordinário e, de
certo modo, perpetuar o seu reconhecimento para com a Santa Mãe de
Deus, o Pe. Palma escreveu minucioso relato de tudo quanto
acontecera. Quase a cada página ele proclama Maria como sendo a doce
e eficaz Providência de todos os que a ela recorrem com
confiança. Convida a todos os que o lerem a solicitarem essa
proteção, a fim de aumentar o culto e o amor de Mãe tão boa e
compassiva.
2ª
Parte
O
relatório do Pe. Palma ficou longos anos desconhecido nos arquivos
da Comunidade. Mais de um século depois, um religioso da mesma Casa,
o Pe. Januário Maffetti, grande devoto da Santíssima Virgem, veio a
encontrar por mero acaso ou, melhor diríamos, por determinação
providencial, o precioso manuscrito. Leu-o de um só fôlego. E, à
medida que seus olhos percorriam aquelas páginas embalsamadas de um
amor tão confiante, de uma fé tão viva, de uma gratidão tão
cordial para com a Mãe de Deus, sentia crescer dentro de si mesmo um
desejo ardente de cooperar, com todas as suas forças, para o
incremento do culto de Maria. Soara, com efeito, a hora em que devia
ser manifestado ao mundo, sob um título ainda pouco conhecido, a
misericordiosa bondade da Rainha do Céu. E foi bem maravilhoso o
caminho escolhido pela Divina Providência para essa manifestação.
Tendo
necessidade de ampliar a praça Colonna e o Palácio Chigi, o
Papa Alexandre VII dera ordens de demolição para a igreja e a Casa
dos Padres Barnabitas. (A primeira Igreja que os Padres Barnabitas
tiveram em Roma foi a de São Paulo alla colonna).
Antes
de abandonar essa Igreja, os Padres haviam feito remover de um dos
muros um “afresco” representando a imagem da Mãe de Deus, famosa
pela devoção e pelos benefícios que dispensar. Mas, quando se
tratou de transportá-la, cinco anos depois, do nicho onde fora
depositada para o altar definitivo, a imagem caiu desastradamente e
quebrou-se em mil pedaços. Para compensar os Padres de uma perda tão
importante, o arquiteto incumbido do transporte adquiriu, por elevado
preço, uma bela pintura da Virgem Maria segurando nos braços o
Menino Jesus. Era uma das mais belas telas de Scipione Pulzone,
conhecido por “Gaetano” (de Gaeta, sua cidade natal) e
considerado como o Van Dyck italiano. Essa pintura, medindo 54
cm por 42 cm, foi colocada no altar do Oratório situado no 1º andar
da Casa, onde os Religiosos se reúnem habitualmente para a divina
salmodia e outros exercícios de piedade.
Seria
necessária a pena de um artista e de um santo para dar uma ideia
exata da perfeição, da celeste beleza, da graça angelical que
encerra essa tela, onde a pureza da Virgem se une tão bem à ternura
da Mãe.
A
Virgem Santa tem um vestido de púrpura e um manto azul celeste; um
véu leve e transparente lhe cobre a cabeça e desce graciosamente
sobre os ombros, inclinando-se um pouco à direita. Segura nos braços
o Divino Menino, apertando-O amorosamente ao seio virginal, com os
olhos docemente abaixados sobre a Face adorável do seu Filho, o mais
belo dos filhos dos homens. Como são graciosas aqueles lábios tão
puros da Virgem-Mãe, que esboça um sorriso celeste! E o
arrebatamento que sentimos ao contemplar o encantador Menino, cujos
olhos cintilantes, fixos na fisionomia de Sua terna Mãe, parece
querer ler seus pensamentos e seus desejos! A mão do Menino na mão
de Sua Mãe está a indicar-nos a fonte sagrada do poder de Maria, a
confiança e abandono que deve animar-nos até Ela. Afeição
recíproca, doce familiaridade entre Mãe e Filho, eis o que nos
revela a atitude de Jesus e de Maria.
O
Padre Maffetti disse, e com razão, que não fora sem um desígnio
providencial, que essa encantadora imagem, venerada há mais de 70
anos por santos e doutos religiosos, havia sido confiada aos
Barnabitas. Uma vez conhecida pelos fiéis, não deixaria de produzir
uma benéfica impressão de piedade e devoção, fazendo crescer, sem
dúvida, a confiança e o amor para com a poderosa Provedora.
Mandou logo fazer uma fiel reprodução da Imagem. Mas, onde
colocá-la? Não era fácil tarefa. Os altares todos da igreja já
tinham seu particular destino. Escolheu, por fim, um pequeno corredor
que servia de passagem aos religiosos que do Convento se dirigiam à
igreja. O local pobre e sem adornos, mais se parecia com a gruta de
Belém… e, no entanto, os desígnios admiráveis da Providência
destinavam esta escura passagem para ser um farol escolhido pela Mãe
de Deus, para levar ao longe o conhecimento do seu Divino Filho, um
braseiro ardente cujas chamas de amor iriam aquecer e abrasar as
almas. Alguns enfeites
simples e rústicos foram colocados em torno do quadro e, embaixo, o
piedoso barnabita escreveu este título que lhe brotou espontâneo do
coração:
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNU1Dm_URJekiDdRXqbEAudY_H2s3JRRP26fr7gzWKfbl6N7dp4PNz_Ici00sIusilApbbITSYSeq_1Qe9m1QOu4doyWUuKNPv96UudyWbE4wbjT1WNiqxNik3JDMjtF5o4BTsdwEBlYE9eZkthst9z7nnRdqckTmEAMtu9kUrPFUC1lRzXyfF8G0hNb4c/w269-h455/014.jpg)
“MATER
DIVINAE PROVIDENTIAE”
Era
o dia 13 de julho de 1732, assinalam as crônicas domésticas, 6º
Domingo depois de Pentecostes, cujo Evangelho conta a multiplicação
dos pães e dos peixinhos, com os quais o Salvador alimentou mais de
quatro mil homens. Parecia que o Céu indicava aos fiéis que a
misericordiosa Providência da Virgem Maria saberia prover, com igual
bondade, às necessidades de todos os que viessem invocá-La.
Este
título, novo para a população romana, não o era para os filhos de
Santo Antônio Maria Zaccaria. As Religiosas Angélicas, fundadas
também por Santo Antônio Maria, já veneravam, há longos anos, uma
imagem de Maria cujo título era Mãe da Divina Providência.
Todos
os anos as Religiosas faziam uma pequena procissão no 7º Domingo
depois de Pentecostes, porque o Ofício do dia faz particular menção
da Divina Providência.
3ª
Parte
Aumentava
o número de devotos de Nossa Senhora da Divina Providência. Eram,
cada vez mais, numerosas as graças alcançadas aos pés de Maria, em
prova do quanto lhe era grato ser honrada sob este título tão
significativo.
Para
tornar mais estável e, espiritualmente mais vantajosa, uma devoção
tão do agrado dos fiéis, os Padres Barnabitas resolveram criar uma
sociedade pia ou uma Confraria sob a invocação de Maria Mãe da
Divina Providência. Organizaram um Regulamento e submeteram-no à
aprovação do Soberano Pontífice.
A
Cátedra de São Pedro era, então, ocupada pelo imortal Bento XIV,
um dos maiores servidores de Maria. Esse Papa, cujo nome dispensa
todos os elogios, conhecia de longa data e muito estimava os
Barnabitas. Quando Arcebispo de Bolonha, associara-os a seus doutos
trabalhos, e, feito Soberano Pontífice, escolhera um deles como
Confessor e diretor de sua consciência. Destarte, recebeu com
extrema benevolência um pedido que ia de encontro à sua peculiar
devoção para com a Santíssima Mãe de Deus.
Pelo
Breve de 25 de Setembro de 1744, ad perpetuam rei memoriam,
Bento XIV estabeleceu na Igreja de São Carlos-ai-Catinaria, dirigida
pelos Padres Barnabitas, uma piedosa Confraria sob a invocação de
Bem-aventurada Virgem Maria Mãe da Divina Providência,
concedendo-lhe inúmeras indulgências.
Além
disso, o Papa quis mostrar, pessoalmente, o quanto apreciava o culto
de Maria sob um título tão consolador, concorrendo com munificência
para a ornamentação da Capela de Nossa Senhora.
Entre
as datas mais célebres da história da devoção a Nossa Senhora da
Divina Providência é necessário destacar a de 2 de Fevereiro de
1815. O pequeno Santuário de Maria, inteiramente renovado e
ricamente ornamentado, presenciou inigualável solenidade. Durante
nove dias os Padres Cardolini e Ungarelli pregaram um Retiro
Paroquial, que produziu extraordinários frutos de salvação. Muito
antes do amanhecer era grande o número de homens estacionados à
porta da igreja, ansiosos por se confessarem. Dez Padres Barnabitas
confessavam ininterruptamente, desde a manhã até o meio-dia; na
Missa de Comunhão geral, celebrada pelo Superior Geral Pe. Fontana,
mais de sete cibórios foram necessários para atender aos
comungantes. Depois da Missa cantada, a Imagem da Virgem, carregada
por quatro Barnabitas revestidos de ricas dalmáticas, percorreu as
ruas engalanadas da Paróquia, em meio a um entusiasmo popular
indescritível.
Tudo,
no entanto, era apenas o prelúdio de outra manifestação ainda mais
grandiosa. Uma hora antes do toque da “Ave Maria”, a Guarda
Palatina (do Papa), enfileirada na Igreja, apresentava armas ao Sumo
Pontífice, precedido de doze Cardeais. PIO VII, tendo-se revestido
dos paramentos pontificais, entoou o hino de Ação de Graças: TE
DEUM LAUDAMUS. Sete anos antes, o Papa fora indignamente expulso
do seu trono, nesse mesmo dia, 2 de Fevereiro, e atribuía a sua
libertação e volta à Cidade Santa, à PROVIDÊNCIA maternal de
Maria Santíssima, e por isso, viera trazer o seu agradecimento no
Santuário privilegiado de Maria.
Após
a Bênção do Santíssimo, o Papa, deixando o Altar-mor, foi
ajoelhar-se diante da imagem de Maria, orando longamente. Em seguida,
como lembrança de sua visita e prova de sua gratidão, declarou o
Altar de Nossa Senhora da Providência Privilegiado in perpetuum.
Em
vista da maravilhosa difusão do culto de Maria, os Barnabitas
pensaram em ampliar os benefícios espirituais concedidos aos fiéis
romanos, através da Confraria de Nossa Senhora da Providência,
estendendo-os fora de Roma. Mas era somente o Papa quem dava essa
autorização. E isso foi feito por Gregório XVI, instituindo a
Arquiconfraria de Nossa Senhora da Providência, Auxiliadora dos
Cristãos. Autorizou, também, para sempre, o Superior
Geral dos Barnabitas a agregar à Arquiconfraria de Roma, em todas as
partes do Mundo, as Associações ou Confrarias que viessem a
erigir-se sob o mesmo título. (Breve de Gregório XVI, de 16 de
Julho de 1839).
Em
1849, o Papa Pio IX teve que se refugiar em Gaeta, por causa dos
gravíssimos acontecimentos de Roma, onde fora traído pela própria
Guarda. Forças francesas sitiaram a Cidade, que caíra sob o domínio
de Mazzini.
A
Paróquia de São Carlos achava-se na parte da cidade mais exposta
aos projéteis dos sitiantes. O povo, em massa, pusera-se sob a
proteção de Nossa Senhora da Providência. Essa confiança foi
recompensada, porque em toda a Paroquial não houve a lamentar mortos
nem feridos, apesar da proximidade do perigo.
Meses
mais tarde, quando Pio IX voltava triunfante à sua boa Cidade, foi
celebrado um Tríduo Solene para agradecer a Nossa Senhora, que fora
realmente, a Providência do Pontífice.
A
Santa Sé, reconhecendo que certos Santuários, são grandes centros
de devoção e de culto, que tanto engrandecem o Nome de Maria,
costuma dar a sua adesão e oficialmente consagra esse culto e
devoção. Assim, é costume o Papa coroar, por Si ou por outrem, a
imagem milagrosa, objeto de especial devoção arraigada no coração
do povo cristão.
Em
1888, o Cabido Vaticano, atendendo favoravelmente o pedido formulado
pelo Superior da Paróquia de São Carlos, Padre Inácio Picá,
decretou a coroação solene de Nossa Senhora da Providência. E foi
no Domingo, 1º de Novembro de 1888, que se verificou a coroação de
Nossa Senhora da Providência.
(Pe.
Alberto Dubois, Barnabita)
______________________
Fonte:
Manual da Arquiconfraria de Nossa Senhora Mãe da Divina Providência
– Estatutos e Orações,
pp. 1-12. Esc. Tip. Pio X (obra D. Orione), 1957.