A
Devoção ao Sagrado Coração,
é
uma Seta Reservada
Santo
Agostinho diz, que Deus, para conquistar o amor dos homens,
lançou-lhes nos corações diversas setas de amor.
Quais são elas? São, primeiro, as criaturas, depois o Verbo
Encarnado, e enfim, a Devoção especial ao Sagrado Coração,
reservada para estes últimos tempos. Todas as criaturas que vemos,
são setas de amor; Deus as fez para o homem, a fim de ganhar seu
coração.
Por
esta razão, Santo Agostinho parecia ouvir as vozes com que elas lhe
pregavam o amor divino. Parecia-lhe que o sol, a lua, as estrelas, as
montanhas, os campos, os mares, os rios, as flores, os frutos, os
pássaros e os peixes lhe bradavam, uns após outros: Agostinho, ama
a Deus; Agostinho, ama a Deus; porque Deus nos criou para ti, para te
atrair ao seu amor.
Todos
estes objetos são então outras tantas setas de amor, que devem
inflamar o coração do homem; mas, como se não bastassem, o Pai
eterno chegou ao extremo de nos dar seu próprio Filho, seu Filho
muito amado. Deus amou tanto o mundo,
diz Jesus a Nicodemos, que lhe deu seu Filho único!
Oh! Que seta de fogo é Jesus Cristo! Como suas qualidades divinas
são capazes de arrebatar todos os corações! Quando as filhas de
Jerusalém perguntavam a esposa dos Cânticos pelas qualidades do seu
Amado: Qualis est dilectus tuus?,
ela respondia com açodamento amoroso: Meu amado é
escolhido entre mil; é de uma beleza que excede todas as belezas.
Sua cabeça é brilhante como o ouro puro; seu rosto é como um lírio
branco e vermelho… E
assim continua, empregando os emblemas mais expressivos para
descrever a Jesus Cristo, até que, não sabendo mais que dizer,
termina por estas palavras: Enfim, meu Amado é todo
desejável; ele não é como os
outros filhos dos homens: entre todos se distingue pela
beleza;
é tão perfeito, que não lhe falta perfeição nenhuma: é, em
tudo, o mais belo. Com efeito, em qualquer situação de sua vida que
Jesus Cristo se apresenta ao nosso olhar, parece-nos
todo desejável, todo amável, seja como menino na lapa, seja como
simples operário na oficina de São José, quer como solitário no
deserto, quer como pregador do Evangelho, percorrendo a Judeia e
Galileia; mas em lugar algum nos parece mais amável do que sobre a
Cruz, onde O vemos com o Coração transpassado, e na Eucaristia,
onde se digna dar-se a nós
como Vítima, companheiro e alimento: Totus desiderabilis,
talis est dilectus meus.
Esta
seta ardente abrasou muitas almas que se consumiram de amor para com
Deus; mas ai! Muitos corações contudo ficaram endurecidos. Que fez
o Senhor? Apareceu à Bem-aventurada Margarida Maria, dizendo-lhe:
Eis aqui o Coração que tanto amou os homens!
O caçador reserva a sua melhor flecha para o último arremesso, a
fim de melhor assegurar a presa que persegue; assim Jesus Cristo,
entre todos os seus benefícios, guardou a devoção especial para
com seu Sagrado Coração como uma seta de reserva, até estes
últimos tempos: e agora Ele quer ela se propague por toda parte,
como para dar o último
golpe, e ferir com seu amor os corações dos homens: possuit
me sicut sagittam electam, in pharetra sua abscondit me.
É
agora então, alma cristã, é agora o tempo de amar: É
agora a época do amor: Ecce tempus tuum, tempus amantium.
E qual será a prova de amor que ides dar a Jesus Cristo? Ah! Ides
procurar-lhe agradar; ides tomar por vossa divisa: Agradar
a Deus e morrer!… Oh! Quanto é
belo agradar a Deus! Se quereis saber
o que se entende por agradar a Deus, escutai o que escreveu o Padre
Antônio Torres: “Significa agradar a esse Coração
cheio de amor, ao qual devemos tanto; ser agradável aos divinos
olhos sempre cheios de solicitude para nosso bem; satisfazer a esta
vontade divina, sempre ocupada em nos amar. Agradar a Deus é o fim
para que fomos criados, o fim a que devem tender todos os nossos
desejos, a regra que deve dirigir todo o nosso proceder. Agradar a
Deus é o que os Santos buscam antes de tudo; é o que levou tantas
virgens a se consagrarem ao Senhor nos claustros; é o que tornou
insensíveis às calúnias e às injúrias os que foram perseguidos;
é o que tornou doces aos Mártires os tormentos e a morte mesma.
Agradar a Deus é uma coisa tão excelente, que se deve preferi-la a
todos os interesses, a todas as felicidades… Eis aí o que quer
dizer: Agradar a Deus”.
Aquele
que deseja agradar a Deus perfeitamente, deve tomar as resoluções
seguintes:
1º
Evitar toda falta venial voluntária.
2º
Despir-se de todo afeto às coisas da terra.
3º
Nunca deixar seus exercícios ordinários de oração e mortificação,
quaisquer que sejam o enojo e desgosto que neles ache.
4º
Meditar todos os dias na Paixão.
5º
Submeter-se à vontade de Deus em todas as contrariedades.
6º
Pedir sem cessar a Deus o dom de seu santo amor.
Prática
Tomarei
por divisa: Agradar ao Coração de Jesus, e morrer.
Seu amor para comigo é sem limites! Não chegarei a amá-lO também
sem reserva? Isto alcançarei, se puser em prática os meios acima
indicados.
Afetos
e Súplicas
Meu
Senhor, meu Deus, meu amor, meu tudo, sei que só Vós me podeis
tornar feliz, nesta vida e na outra; mas não quero Vos amar para
minha própria satisfação; todo meu desejo, no amor que Vos
consagro, é contentar vosso divino Coração: quero que minha paz,
minha felicidade, durante toda a minha vida, consista unicamente em
unir minha vontade à vossa santa vontade, ainda que me fosse preciso
sofrer para isto todos os males. Vós sois meu Deus, e eu sou vossa
criatura; ah! Que posso desejar senão agradar a meu Soberano Senhor,
a meu Deus, que me consagra amor de predileção? Ó meu Jesus, Vós
descestes do Céu para levardes cá na terra vida pobre e mortificada
por amor de mim; renunciou a tudo e não quero mais viver senão para
Vos amar; todo meu prazer será Vos agradar. Eu Vos amo, ó meu
amável Redentor, eu Vos amo com todas as minhas forças. Para que me
permitais Vos amar, tratai-me como Vos agradar! Estou resolvido a Vos
satisfazer quanto me for possível. Ó Mãe de Deus, tornai-me
semelhante a Vós, não na glória, que não posso merecer no mesmo
grau que Vós, mas na graça de agradar ao Senhor e de fazer como Vós
sua divina vontade.
Oração
Jaculatória
Dulcíssimo
Coração de Jesus, feri meu coração com vosso santo amor.
Exemplo
A
Madre Mélin tinha privado da comunhão a Bem-aventurada Margarida
Maria na primeira sexta-feira do mês. O Senhor, para a punir,
ameaçou-a com o tirar-lhe uma jovem professa de grande esperança:
era a irmã Rosália Verchère. Ainda na flor da idade, pois tinha
apenas dezoito anos, caiu de repente perigosamente enferma, e em
poucos dias corria risco de vida. Margarida Maria se tinha posto em
oração para pedir a Nosso Senhor seu restabelecimento, e foi-lhe
respondido que esta irmã continuaria enferma, até que a superiora
tirasse a proibição quanto à comunhão da primeira sexta-feira do
mês. Não podendo resolver-se por si mesma a fazer conhecer as
graças que recebeu do Coração do seu Amado, a Bem-aventurada
recorreu a uma irmã antiga, Maria Madalena, em quem tinha grande
confiança. Escreveu-lhe, pois, o bilhete seguinte: “No
Sagrado Coração de Jesus Cristo, é que vos escrevo este bilhete,
minha querida irmã, pois Ele assim o quer. Não vos surpreendais que
me dirija a vós na extrema pena que padeço por causa de minha irmã
Verchère. Esta manhã, levantando-me, pareceu-me ouvir distintamente
estas palavras: Dize a tua superiora que ela me dá grande desgosto…
proibindo-te a comunhão que eu te tinha mandado fazer nas primeiras
sextas-feiras de cada mês, a fim de satisfazer, oferecendo a meu
eterno Pai os merecimentos de meu Sagrado Coração, a sua divina
justiça pelas faltas que se cometem contra a caridade. Visto como te
escolhi para seres a vítima expiatória destas faltas, e ela
te proibiu cumprir minha vontade nisto, estou resolvido a sacrificar
para mim, como vítima, a irmã que está enferma”.
A irmã Madalena não hesitou em aconselhar-lhe que declarasse tudo à
superiora; a Bem-aventurada o fez, apesar de sua extrema repugnância.
A Madre Mélin respondeu que lhe permitiria a comunhão na primeira
sexta-feira do mês, mas contanto que ela rogasse a Jesus pelo
restabelecimento da irmã Verchère. Margarida obedeceu, e a enferma,
cuja morte parecia inevitável, saiu logo do perigo. Entretanto, a
Bem-aventurada, que tomou as palavras da superiora como simples
promessa, não ousava ainda recomeçar suas comunhões. Também a
irmã Verchère, saída das portas do túmulo, continuava com grandes
dores. Durante os cinco ou seis meses que ela esteve na enfermaria, a
Bem-aventurada lhe fez
frequentes visitas, e ao mesmo tempo conjurava ao Coração de Jesus
que acabasse a cura que tinha começado. Mas Nosso Senhor, declarou
positivamente que ela não seria atendida, senão quando tivesse
recomeçado suas comunhões da primeira sexta-feira do mês. Pelo que
Margarida resolveu-se a falar de novo à superiora; esta não quis
resistir mais tempo a uma vontade do Céu tão claramente
manifestada. Logo a irmã Verchère ficou completamente sã.
Fonte:
O Sagrado Coração
de Jesus segundo Santo Afonso de Ligório ou Meditações para o Mês
do Sagrado Coração, a Hora Santa e a Primeira Sexta-feira do Mês,
coligidas das Obras do S. Doutor pelo Padre Saint-Omer, Redentorista,
Cap.
A Primeira Sexta-feira do Mês de Janeiro, pp. 288-294. 5ª Edição,
Tipografia de Frederico Pustet – impressor da S. Sé, Ratisbona,
1926.
_______________