Aos
Pés de Maria
I.
A efígie de Maria como que emoldurada numa coroa de louros,
guarnecida de escudos de guerra, de águias, de bandeiras e outros
emblemas de vitória, e num plano inferior a esquadra do crescente
desbaratada nas águas de Lepanto, é o que nos representa a gravura
de hoje para nos recordar que o título de Auxílium
Christianórum – Auxílio dos Cristãos
com que São Pio V enriqueceu as Ladainhas Lauretanas, são o devido
tributo de ação de graças rendido a Maria pela grande vitória de
1571, alcançada sobre os inimigos do nome cristão.
Nada
mais bem fundado do que este título de Maria. Maria é a Mãe da
Igreja e a Igreja Sua filha predileta. Ela foi a obra-prima do
Salvador, que na Sua Inteligência arquitetou e do Seu Coração fez
nascer esse novo mundo de almas associadas na luz e no amor.
E
para deixar bem vincada esta verdade, a tal ponto a assemelhou a Si
que não só
lhe comunicou tudo o que tinha, os seus tesouros de verdade e de
graça, mas em certo modo tudo o que Ele mesmo é: Deus e Homem,
Sacerdote e Vítima, Salvador e Rei Imortal dos séculos, repartindo
com Ela os Seus próprios atributos. Dela se fez Ele próprio parte
essencial, fazendo-A parte componente do Seu Corpo plenário e
místico, de que Ele se constituiu Cabeça, Cabeça invisível da
Igreja, de Quem o Papa, Cabeça visível é Vigário e Lugar-tenente.
Entre eles realiza-se a mística permuta de desposórios divinos que
longe de serem uma simples imitação, são antes o ideal das uniões
congêneres das criaturas.
Por
isso, a linguagem do dogma católico não recua diante do título de
Esposa, – o que melhor exprime as intimidades da Igreja com Jesus
Cristo.
Nada
mais se requer para fazer adivinhar as relações de Maria com a
Igreja.
II.
Ela aparece-nos no Calvário aconchegando ao seio a Igreja nascente.
Eis aí o teu
filho,
foi a despedida do Seu Unigênito moribundo. E esse filho, ali
representado em São João, era o Cristianismo no seu berço, no seu
desenvolvimento futuro, na sua adolescência, na sua maturidade, era
enfim, a plenitude de Cristo.
Cinquenta
dias mais tarde, em pleno Cenáculo, era Deus que voltava a insuflar
a vida no barro informe, que desta vez era o Colégio Apostólico. E
o Colégio Apostólico vivificado com o sopro do Espírito Divino,
tornou-se uma alma viva, e tão viva que durante 19 séculos não
houve poder humano nem diabólico, que conseguisse sufocá-La.
Mas
esse sopro vivificante, que era a vida da Igreja, passara por Maria,
paraninfa assistente dessa nova criação, para que o nascimento da
Igreja, de algum modo se assemelhasse ao do Seu Divino Esposo pela
operação do Espírito Santo e a cooperação da Virgem-Mãe.
E
desde então não cessou jamais de lhe prodigalizar a sua assistência
maternal.
Começa
a época das perseguições: a Igreja põe toda a sua confiança no
culto que consagra a Maria. Esse culto lê-se ainda hoje vivo e
imortal nas paredes das Catacumbas, onde o desenho e a pintura o
perpetuaram. A imagem de Maria, colocada nas ábsides
principais dessas criptas, onde a fé dos primeiros cristãos ia
consolidar-se e defender-se, mostra como desde o berço o
Cristianismo compreendeu onde estava o seu refúgio contra qualquer
perseguição de um inimigo sanguinário.
Auxílio
dos Cristãos
tem-nos sido também sempre que os inimigos da Igreja a assaltam à
mão armada para afogarem em sangue os seus defensores. É a imortal
epopeia de Maria, que no seio da Igreja se ergue como a torre
inexpugnável de Davi, da
qual pendem mil escudos de guerra, toda a armadura dos bravos.
Temerosa como um exército em ordem de batalha.
Ela
foi a fortaleza dos cristãos no século das Cruzadas, Ela desbaratou
os inimigos do nome cristão numa série interminável de batalhas,
desfez o poder dos Albigenses no Ocidente, foi o terror do Islão no
Oriente.
Lepanto,
Viena, Malta, Corfú são monumentos imorredouros que perpetuam a
memória dos triunfos de Maria.
III.
Sempre que abrandam as perseguições cruentas, o inimigo procura dar
a morte à alma da Igreja. De que modo? Corrompendo os seus dogmas,
adulterando a verdade revelada. É a época das heresias.
A
Igreja sabe muito bem que as portas do Inferno não hão de
prevalecer contra Ela. Mas essa vitória final e definitiva pode ser
precedida de vitórias ou de derrotas parciais e temporárias. A
heresia não faz Mártires, mas pode fazer renegados, pode
descristianizar regiões inteiras. Não pode aniquilar a Igreja
Católica, mas pode destruir vários núcleos de cristãos, levar à
apostasia nações inteiras. É o caso da Inglaterra.
A
Igreja deve, pois, defender-se com essas
armas da luz
que São Paulo preconiza e que só matam o erro. Com elas conseguiu
pulverizar as heresias dos primeiros séculos.
Mas
essa vitória nunca a Igreja deixou de atribuí-la
a Maria, proclamando-A até na sua liturgia: Só
tu, ó Virgem, no universo inteiro tens dado morte a todas as
heresias.
E,
de fato, não é Ela o trono da Sabedoria? Não foi Ela quem inspirou
os Padres e Doutores da Igreja e lhes sugeriu as verdades e
argumentos luminosos que esmagaram o erro? Quem sustentou em
denodados certames teológicos um Santo Atanásio, um Santo Hilário,
um São Cirilo de Alexandria, um Santo Agostinho? E não foi a imagem
de Maria que presidiu aos Concílios dos séculos IV e V e os
iluminou com os seus esplendores? “Mãe de Deus!” foi o grito
que outrora irrompeu da Assembleia de Éfeso a anunciar à multidão,
ávida de acolher a sentença do Concílio, que a heresia de Nestório
fora condenada e o dogma da Maternidade Divina de Maria definido.
E
a multidão louca de entusiasmo aplaude freneticamente o triunfo de
Maria, que em Éfeso esmagava a cabeça da heresia. A cidade
ilumina-se jubilosa e todo o mundo católico, com a sua Profissão de
Fé, torna-se eco harmonioso do Concílio.
E
no meio do século passado, da Basílica de São Pedro, em Roma,
ouve-se por todo o mundo o eco antecipado da voz autêntica de Maria,
que, quatro anos mais tarde, se faz ouvir na gruta de Massabielle: Eu
Sou a Imaculada Conceição. E essa voz confunde para sempre
todas as heresias, a começar pelo materialismo negador da
espiritualidade da alma, pelo naturalismo que negava a queda original
do Paraíso e a elevação do homem à ordem sobrenatural.
Há
ainda e haverá sempre heresias no mundo. Mas a Igreja não deixará
nunca de cantar aos pés de Maria: só Tu, ó Virgem, no universo
inteiro tens dado morte a todas as heresias. E é matando as
heresias que Ela se mostra verdadeiramente o Auxílio dos
Cristãos.
No
passado a nação brasileira, desde que recebeu o Batismo da
ortodoxia católica, foi, por especial proteção da Providência,
preservada de adulterações heréticas. Em vão tentou o Calvinismo
holandês levar à apostasia o Norte do país. Os nossos
antepassados, na sua perseverante resistência à invasão da heresia
já então mostravam de que fibra era tecida a nobre e sempre fiel
alma brasileira, da qual não é fácil desarraigar a verdadeira fé.
As
hodiernas heresias, o desacreditado positivismo, o grosseiro e
fraudulento espiritismo, o traiçoeiro comunismo e o nefasto
protestantismo, já esfacelado nas suas mil Seitas, insistem nas suas
pérfidas investidas contra a Ortodoxia Católica do Brasil. Mas a
esperança dos brasileiros está posta em Maria, Auxílio dos
Cristãos.
O
Brasil em peso ergue o seu olhar para a Estrela rutilante de Fátima,
que nesta hora, como Mãe e Missionária, desde o seu extenso litoral
até aos mais remotos sertões, percorre a sua imensidade e a todos
os seus recantos leva a força de Sua proteção.
EXEMPLO
Auxílio
dos Cristãos, ímã dos pagãos.
Grossos
volumes encheria quem tentasse arquivar todas as maravilhas de
salvação e de bênção, que por esse mundo à fora tem semeado, e
semeando continua, Quem só sai de Fátima para ser peregrina do
mundo.
É
nessas peregrinações através de todos os continentes, ilhas e
mares, que Ela se manifesta o verdadeiro Auxílio
dos Cristãos.
Mas não é já mobilizando exércitos, como em Lepanto ou Viena, é
exercendo a Sua magia divina de Mãe de Deus, e refletindo os
encantos irresistíveis da Sua bondade que Ela atrai a Seus pés os
próprios infiéis, cativados por uma fascinação sublime só
comparável à que nos ares paralisa as asas das pombinhas e as faz
descer rendidas aos pés do Seu andor. Nem os filhos de Maomé,
contra os quais a cruzada suplicante de São Pio V teve de invocar
outrora todo o poder da Auxiliadora dos Cristãos, se mostram
refratários aos atrativos maternais da Virgem de Fátima. É assim
que Ela hoje dominando os inimigos do Cristianismo auxilia
os cristãos.
Detenhamo-nos
apenas num ou outro recanto da Índia pagã e respiguemos rapidamente
alguns episódios, tais quais em 1950 eram transmitidos à Vos
de Fátima
pelo incansável Sacerdote que tem acompanhado a celestial Peregrina.
Não
nos referiremos já aos fenômenos solares com que Ela em Negombo
[Ceilão] quis reeditar aos olhos dos seus habitantes o grande
prodígio de 1917, e que tanta admiração despertaram na imprensa
local.
Nessa
ilha, «budistas,
hindus
e muçulmanos rivalizaram com os católicos em Lhe prestarem as suas
homenagens. O Presidente da Câmara de Colombo… declarou que era um
privilégio para ele receber oficialmente a Imagem. O de Negombo, que
é budista, da mesma forma saudou a Nossa Rainha».
Na
Diocese de Trivandrum, a filha paralítica de um protestante ergue-se
à passagem de Nossa Senhora, e começa a andar. Os pais mandam
celebrar uma Missa em ação de graças e prometem entrar na Igreja
Católica com toda a família.
Na
Diocese de Kottar, uma surda-muda, filha de hindus,
à passagem de Nossa Senhora começa a ouvir e a falar.
As
autoridades de Tuticorim, todas pagãs, mandam imprimir uma grande
folha com a mensagem da cidade a nossa Senhora de Fátima, diante de
Quem o Presidente da Câmara a veio ler.
«Todos
dizem que nunca na Índia houve um movimento assim. Os Senhores
Bispos ordenaram nas suas Dioceses preces públicas como preparação
para a vinda de Nossa Senhora».
Em algumas, determinou-se que a véspera da Sua chegada fosse jejum
de Preceito. «Em muitos lugares,
quando a Imagem chega, está toda a população de joelhos, com os
braços estendidos, a cantar ou a rezar. Todos querem ver a Imagem,
tocar-lhe com as mãos ou com objetos religiosos».
Em
Kobamkonam, o povo já não deixava sair a Imagem da sua Igreja. Teve
de se tirar às escondidas, saindo da cidade num automóvel sem
qualquer cerimônia.
Em
Chetped, diz um hindu
a um Sacerdote: Deus
concedeu à Senhora de Fátima um poder especial. Já não temos a
menor dúvida.
Em Rentechintala, a procissão vai, das 9 da noite às 3 da
madrugada, entre cânticos ininterruptos.
Em
Bhopal, são os muçulmanos que pagam as despesas feitas com as
iluminações.
Na
Diocese de Patna, Nossa Senhora andou pela primeira vez de elefante.
Outros elefantes formavam alas, baixando as trombas em saudação. Ao
chegar a Bahr, foi recebida por bailarinos coroados de plumas de
pavão, que dançaram diante da Imagem, em homenagem a Nossa Senhora.
Em
Kantur, um muçulmano categorizado ajoelhou diante de Nossa Senhora,
pedindo em voz alta, com sinceros sinais de humildade e devoção,
perdão para as suas culpas.
Em
Bettiah, veio um hindu dizer-nos: «Muito
obrigado por nos terdes trazido Nossa Senhora de Fátima. Esperamos
d'Ela a Paz para o mundo. Sabemos que Ela pediu que rezássemos pela
paz. Por isso, vamos juntar as nossas orações às vossas, e juntos
elevá-las até Deus pela Paz do mundo».
Em
Patna, confessa o Governador também hindu: «Nunca assisti a coisa
tão bela e tão comovedora».
Em
Dacca, diz o Sr. Bispo ao ver a multidão de pagãos que aclama Nossa
Senhora: «Isto é quase inacreditável».
Em
Bombaim, cidade de 4 milhões de habitantes, diz o próprio Chefe da
Polícia, nunca se ter visto manifestação semelhante. A multidão
percorre as ruas enfeitadas e repletas de povo. Na Catedral faz-se a
Consagração solene ao Imaculado Coração de Maria; e no Estádio
da cidade à uma hora da noite celebra-se solene pontifical, a que
assistem 60 a 70 mil pessoas, continuando as Missas e Comunhões até
às dez horas e meia.
Finalmente,
em Elumboor, distrito do Maduré, foi escrita esta carta patética
assinada por mais de 30 cristãos e pagãos, que traduzida reza
assim:
«Ó
Mãe Divina, ainda que nós e todos os nossos compatriotas sejamos
pobres, contudo, movidos por uma cega confiança em Vós,
ardentemente Vos pedimos nos obtenhais de Vosso Divino Filho que nós,
convertidos ao Seu caminho, levando uma vida pura, livre de todas as
adversidades, e gozando de todos os bens necessários à vida,
cresçamos mais e mais no espírito de oração. É o que Vos pedem
Vossos humildes servos».
_________________________
Fonte:
Rev. Pe. José de Oliveira Dias, S.J., “Florilégio
Ilustrado da Fátima – Novo Mês de Maria”,
Dia 23 de Maio, pp. 279-286. 3ª Edição, Edição da Sociedade
Brasileira de Educação, Braga/Portugal, 1952.