Blog Católico, para os Católicos

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"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

domingo, 31 de janeiro de 2021

A PRESENÇA REAL DE JESUS NA SAGRADA EUCARISTIA, E A HISTÓRIA.

 

Como Tradição, é impossível achar um testemunho mais antigo e mais autorizado que o de São Paulo.

Eis como se exprime, categoricamente, o grande Apóstolo em sua Primeira Carta aos cristãos de Corinto: “O Senhor me revelou que Jesus, na noite em que foi entregue, tomou o pão, dando graças, abençoou-o e disse: Tomai e comei, esse é o meu Corpo…”.1

Isso foi escrito menos de vinte anos após a morte de Cristo.

Ainda que se abstraia a infalibilidade da testemunha, e se considere somente o seu valor histórico: “reconhece-se facilmente, nota um eminente crítico, que seu alcance é magnífico, quer se considere a data do depoimento, a qualidade do testemunho ou a tradição a que se refere. Aqui temos a mais antiga e autêntica interpretação da Igreja sobre a Eucaristia, e se observarmos a importância da celebração frequente desse Mistério no culto cristão, é preciso confessar que uma tradição assim confirmada impõe-se não só à asseveração do teólogo como ao respeito de todo historiador”.2 Também, quem poderia ter “inventado” a Eucaristia, senão Jesus Cristo? Quem “inventaria” essa Presença Real? É preciso não esquecer que a primeira geração de cristãos mostra uma extrema timidez às inovações, tem grande dificuldade em despojar-se do Judaísmo e não admite os novos ritos cristãos senão após conhecimento de causa.

Finalmente, não podemos assinalar, nos primeiros tempos da Igreja, grandes pensadores, homens de tal influência que ousassem, por sua única autoridade, impor uma crença tão extraordinária como a da Presença Real, se supormos que essa não fora ensinada pelo próprio Salvador.

Admitindo, até, que esse inventor anônimo haja existido, estaremos em face de um milagre histórico ainda mais estranho, em seu gênero, que a própria Presença Real.

Em outras palavras, é muito mais inconcebível supor a aceitação, pelos cristãos, desse milagre, sem atribuí-lo a Jesus Cristo, que admitir a sua criação, partindo essa do Filho de Deus.

Nos séculos que se seguiram às eras apostólicas, as provas da crença geral da Igreja na Presença Eucarística se multiplicam.

A seus cristãos que suspiravam: “Quereríamos ter vivido no tempo do Salvador, contemplar seus traços, tocar suas vestes!”, que respondiam os pregadores: “Mas tendes mais que isso. Se não podeis ver a silhueta humana do Cristo, podeis tocá-Lo, conhecê-Lo, recebê-Lo em vós mesmos. E o Cristo que nos alimenta, é o mesmo que, no Céu, os Anjos adoram”.

Além disso, vemos os escritores sacros e os doutores atribuírem tais efeitos à Eucaristia que a Comunhão, para eles, implicava na aceitação da Presença Real.

Em seu trabalho, “A Perpetuidade da Fé”,3 o grande Arnauld observa: “As expressões: entrar em nossos corpos, introduzir-se em nós; ser recebido em nossas entranhas; estar em nós; confundir-se conosco; estar, corporalmente, unido a nós; estar, em nós, como um medicamento ingerido; como o chumbo que purifica o metal com o qual o fundem; como o fogo que ferve a água; como um pedaço de cera amoldado a outro; como uma centelha que se comunica à palha; como o lêvedo misturado à massa, – essas expressões, digo, nunca foram empregadas para indicar uma união figurada ou uma comparticipação virtual, e são mais que suficientes para provar a Presença Real”.

Arnauld completa: Os Padres creram sempre, de um modo tão convincente, na Presença Real que apenas os espíritos extraordinariamente preocupados e cujas paixões tornaram-nos incapazes de ouvir o apelo da razão, podem resistir a essa crença”.

Nenhum testemunho menciona a Presença figurada, ou, como dizia Arnauld, a “ausência real”.



Os Santos Padres não encetaram discussões filosóficas acerca do conceito da conversão do pão no Corpo de Cristo, como mais tarde o fez a Escolástica, mas, incansavelmente, afirmaram o “fato”: o pão, ainda que o pareça, não é mais pão, é o Corpo Real do Cristo que devemos crer realmente presente, realmente dado pelo Padre e realmente recebido pelo comungante.

Alguns observam, mesmo, que é preciso não confiar nas aparências: o que importa não é a “aparência do fato”, mas o “fato em si”.

A exterioridade pode mudar e sugerir uma impressão diferente da que verdadeiramente devemos ter; porém, o “fato” é realmente o Corpo invisível de Jesus Cristo.

O segundo século legou-nos o testemunho claríssimo do apologista Mártir, São Justino: “Assim como, pela palavra de Deus, Jesus Cristo se fez carne, para a nossa salvação, esse alimento eucarístico torna-se, pela palavra do Cristo, sua Carne e seu Sangue, que nutrem nossa carne e nosso sangue”.4

O Bispo de Lião, Santo Irineu, que, por seu mestre São Policarpo, recebeu os ensinamentos de São João, não se exprime de outro modo. O mesmo se dá na África, no III século, com Tertuliano e São Cipriano e, em Alexandria, com São Clemente e Orígenes.

A partir do IV século os testemunhos não são mais constrangidos pela prudência necessária em tempos de perseguição.

Em catequeses célebres, São Cirilo de Jerusalém ( 386) explica aos neófitos:

Uma vez que foi o próprio Cristo quem disse do pão: ‘Isto é meu corpo’ e do vinho: ‘Isto é meu sangue’, quem ousará duvidar e dizer que não é seu Corpo, nem seu Sangue?”5

O grande orador de Antioquia, São João Crisóstomo ( 407), argumenta do mesmo modo: “Que importa o testemunho dos sentidos! Pois que o Senhor disse: ‘Isto é meu corpo’, submetamo-nos e creiamos”.6

São Basílio ( 379), São Gregório Nazianzeno ( 390), São Gregório de Nissa ( 394), no Oriente, pensam no mesmo modo. Santo Ambrósio de Milão ( 397) ensina a seus cristãos o mesmo que Santo Hilário em Poitiers ( 366): “De veritate carnis et sanguinis non relictus est ambigendi locus; a propósito do Corpo e Sangue de Jesus Cristo, nenhuma dúvida é possível”.7

E assim, sem contestação alguma, chegaremos ao século XVI; só, ou quase só, Berenger ( 1088) fará exceção.

Perante a unanimidade da Tradição, Leibniz,8 por protestante que fosse, viu-se obrigado a confessar: “Esse dogma foi sempre admitido pela antiguidade cristã; salvo entre os Reformados, a unanimidade nas Igrejas, sobre tal assunto, está tão perfeitamente incontestada que nos é preciso admiti-lo também, ou então jamais poderemos demonstrar seja o que for nesse gênero de verdade”.

Quais foram as pretensões dos Reformados?

Distingamos os protestantes do Continente e os da Inglaterra.

A doutrina dos primeiros procede de três concepções primordiais: a de Lutero, a de Calvino e a de Zwinglio.

Lutero jamais ousou negar a Presença Real; a Confissão de Augsburgo de 1530 expõe claramente as crenças das Igrejas: “Elas ensinam, que o Corpo e Sangue de Cristo estão verdadeiramente presentes na Ceia do Salvador e são distribuídas aos comungantes”. Referindo-se a alguns exaltados, o texto acrescenta: “Elas (as igrejas) censuram os que afirmam o contrário”.

O próprio Lutero se gaba de interpretar as palavras do Salvador no seu óbvio sentido: isto é o meu Corpo. “Os próprios papistas veem-se na contingência de me louvar por haver, melhor que eles, defendido a doutrina do sentido literal. Com efeito, estou certo que, mesmo, que os cosessem ou derretessem juntos, jamais a apoiariam tão seguramente quanto eu”. Lutero reivindicava sempre, contra os adversários da Presença Real, a verdade de sua posição. Em uma conferência realizada em Marburgo, em 1529, tentaram estabelecer um entendimento entre todos os reformadores; foi trabalho perdido, e Calvino escreveu a Melanchton essas palavras melancólicas: “É de grande importância que os séculos vindouros não tenham a menor suspeita das divisões que existem entre nós, porque é mais do que ridículo que, após termos rompido com todo o mundo, não nos entendamos entre nós, desde os princípios da Reforma”.9 Mas Lutero, num ponto, enganou-se: ele admitia que a Eucaristia continha o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor, “juntamente” com a substância do pão e do vinho. O Concílio de Trento condenou essa crença chamada de “Coexistência”. Após a Consagração, nada mais resta do pão e do vinho, a não ser as aparências. Calvino, em seu Tratado sobre a Ceia (1540) seguido de sua Instituição da Religião Cristã, refuta a Presença substancial de Cristo, que qualifica de rebaixamento indigno do Cristo glorificado.

Entretanto, para ele a Eucaristia não é um puro símbolo vazio; admite-a como uma certa presença que as palavras não podem exprimir e que se poderia chamar de dinâmica. Aliás, ele nunca se explicou claramente, ao referir-se a esse assunto: “É um mistério sublime de mais para ser compreendido por meu espírito ou explicado por palavras”.

Zwinglio repele, não só a Presença Real ensinada pela Igreja Católica, como a dinâmica admitida por Calvino; para ele, nos elementos eucarísticos não se deve ver senão um símbolo do Corpo de Cristo e na Ceia, um memorial. É essa concepção simbólica a mais aceita e sufragada pelos teólogos protestantes do Continente.



Que seja perfeitamente impossível admitir em sentido puramente simbólico as palavras do Salvador: Isto é o meu Corpo, demonstra-o e explica-o admiravelmente o Cardeal Wiseman.

Alguns objetos, observa ele, por sua própria natureza são simbólicos: uma moeda, um retrato. Dir-se-ia: eis um cruzeiro, eis minha mãe. Outros não o são, a não ser pelo uso: a bandeira. Quando se diz: “Saudai, é o Brasil que passa”, todos compreendem que o verbo significa “representa”. Por fim, um autor pode empregar, em sentido figurado, palavras que não são simbólicas nem por definição, nem por convenção.

A ele compete advertir, então, àqueles que o leem ou escutam.

Na parábola do semeador, por exemplo, Jesus dirá: o campo é o mundo.

Se o afirmado nada tem de comum com esses três casos, não há dúvida que o sentido deve ser o literal.

Ora, o pão e o vinho não são, por essência, absolutamente, símbolos do Corpo e Sangue de um homem. Não o são, também, por convenção; jamais Cristo recorreu a esses dois elementos para representar sua Carne e seu Sangue. E, em terceiro lugar, não dá a entender em parte alguma que se trate de uma imagem ou de um símbolo.

Não temos, pois, o direito de interpretar, em sentido figurado as palavras: “Isto é o meu Corpo” e traduzi-las por: “Isto representa meu Corpo”.

Aliás, não são pessoas que, particularmente, se julgam autorizadas, as que se insurgem contra a interpretação simbólica das palavras da Consagração, mas sim o texto oficial da Igreja: O Concílio de Trento é peremptório: “Se alguém negar que no Sacramento da Eucaristia estejam contidos, verdadeira, real e substancialmente o Corpo e o Sangue, com a Alma e a Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo… e pretender que não estejam senão como sinal, símbolo ou virtude…”, acha-se fora da crença católica.

Apesar da condenação formal do Concílio de Trento e da futilidade das razões apresentadas para estabelecer seriamente a acepção puramente simbólica, a maior parte dos protestantes do Continente perseverou no erro.

Na igreja da Inglaterra o mais numeroso contingente inclina-se para o sentido figurado. Encontra-se, porém, em face de um núcleo próspero que admite a Presença Real, venera-se, procurando não omitir nem um dos ritos católicos, véu de sacrário, flores no altar, lâmpada no santuário, enquanto que os chefes eclesiásticos recusam-se a decidir e declaram deixar a questão ao critério de cada um.

Um debate recente veio demonstrar como, por terem outrora rompido com o dogma da Presença Real, os fundadores da Reforma deixaram seus adeptos, através dos séculos, em perpétuas e dolorosas indecisões. Referimo-nos à controvérsia do “Prayer Book” ou, para falar claramente, da Reforma do ritual anglicano.

Logo que, em 1539, se consumou a ruptura com Roma, o rei da Inglaterra, Henrique VIII, fez redigir um formulário tornado obrigatório e, salvo dois pontos: o Papa e a Missa, relativamente bastante católico ainda.

Pouco a pouco, supressões consecutivas se fizeram, principalmente em certos ritos essenciais à ordenação do Padres (daí a invalidade das ordenações anglicanas). Sendo necessário mudar sobre a Missa as ideias dos antigos fiéis que desejavam tornar adeptos da Reforma, puseram abaixo os altares, que foram substituídos por mesas móveis. Não se tratava mais, como desejavam incutir, do Calvário místico mas, efetivamente, renovado; a Ceia tornou-se, simplesmente, uma cerimônia comemorativa em que, apenas, se partia e distribuía o pão bento.

No reinado de Isabel, em 1563, o formulário foi definitivamente redigido: “os trinta e nove artigos” importavam, entre os mais, na supressão da Missa e da transubstanciação.

E assim foi até 1850. A partir dessa época reapareceram, cada vez mais frequentemente em apreciável parte da igreja anglicana, não somente altares, círios, sobrepelizes e ornamentos, mas também um certo culto da Presença Real; uma “santa reserva” é conservada em muitos tabernáculos, e as lâmpadas do santuário reaparecem e, novamente, suas chamas vivas palpitam nos frios templos da Igreja Reformada. Alguns anglicanos levam ainda mais longe seu culto pela Eucaristia. Aproximam-se tanto da crença católica que, evidentemente, seu procedimento já não está de acordo com a doutrina oficial do Anglicanismo.

Mais uma vez, os chefes da Igreja Reformada decidem fazer a revisão do Manual em uso (Prayer Book). Uma comissão, nomeada em 1906, procura os meios de, sem abandonar os antigos pontos de vista, dar uma certa acolhida às práticas sub-repticiamente introduzidas.

Após 20 anos de trabalho, o Manual sai do prelo, aprovado pela Assembleia de bispos, que tanta certeza tinha da aceitação incontestada do novo texto que até já dera a ordem, prontamente executada, de nova tiragem de 100.000 exemplares do novo Prayer-Book.

Mas a Igreja da Inglaterra é uma Igreja do Estado, e, por conseguinte, depende desse último – isto é, das duas Câmaras. Os “Lords” aceitaram o novo texto, mas os “Comuns” vetaram-no, rejeitando o formulário.

Sem se aperceber da servidão em que se achava uma Igreja na qual os chefes religiosos, por conseguinte qualificados, eram desautorizados por uma assembleia de leigos, que nada tinha de teologia, foi decidido estudar novamente a correção e adaptação do Prayer-Book. Essa nova modificação foi feita em um sentido mais conforme às primitivas ideias da Reforma. As alterações feitas referiam-se, em dois pontos, à Eucaristia – o grande motivo do debate: – frisa-se, insistentemente, que a permissão dada para ajoelhar durante a cerimônia da Ceia não significa um ato de adoração, como se o pão comportasse objetivamente a Presença Real.

Precisa-se, também, que se pode guardar a santa reserva para a comunhão dos doentes, mas, para diferenciar dos católicos, em tabernáculos diversos.



Como a Igreja Católica está prevenida contra tais golpes! Além das afirmações categóricas das Escrituras e da Tradição, Ela possui decisões formais. Cristo, na Eucaristia, está verdadeiramente presente e não figurada ou simbolicamente; está realmente, e não em virtude de uma fé subjetiva ou imaginação; substancialmente, isto é, não simplesmente pelos efeitos produzidos por uma presença virtual.

E essa Presença do Cristo compreende toda a sua Personalidade: a Eucaristia contém todo o Cristo, isto é – com sua Alma e Divindade, seu Corpo e seu Sangue, “esse mesmo Corpo que nasceu da Virgem Maria e está sentado à direita do Pai”.


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Fonte: Raul Plus, S.J., “A Eucaristia”, Cap. IV, pp. 37-52. Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1944.

1.  1 Cor. XI, 23.

2.  Lebreton, art. Eucaristia, no Dicionário Apologético (Beauchesne) col. 1559.

3.  Paris, 1669-1674, t. II, I, V, cap. II, p. 498.

4.  Primeira Apologética. 1, 66, P. G. t. VI – col. 429.

5.  Cat. XXII, I, P. G. t. XXXIII, col. 1097.

6.  In Math. LXXXII, 4, P. G. t. LVIII, col. 743.

7.  De Trinitate, VIII, 14, P. L. t. X, col. 247.

8.  Sistema teológico, p. 94-97.

9.  Ver esses textos e outros, no Dicionário de Teologia Católica, artigo A Eucaristia depois do Concílio de Trento, col. 1341.


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