– É a obra-prima da Oração.
“Ensina-nos a orar!” diziam os Discípulos ao Senhor Jesus. O ROSÁRIO nos ensina a ciência da prece. É a arte de falar a Deus e aos Santos, intercessores da Pátria celeste. Oração a Maria. Oração em união com Jesus. Oração de petição, oração de louvor. Tudo no Rosário se encontra.
Quem tiver bem rezado seu Rosário pode ficar certo, firmemente convencido, disse a Deus o essencial do que lhe devia dizer, e lhe disse do melhor modo possível.
Esse “Terço” de Nossa Senhora que levo comigo e que tomo nas mãos como tomaria o meu livro de orações, e que meus dedos vão passando de conta em conta, como a folhearem as páginas do livro, é modesto, simples, primitivo, se quiserem, mas é tão humano, tão cristão e divinal! Esse instrumento da prece me inspira uma atitude, me comanda uma postura e diz: “ORA”, como um instrumento de artesão diz ao operário: “TRABALHA”.
E até mesmo, se na alma nada orasse, enquanto nas mãos se empunha o Rosário, esse simples movimento dos dedos que desfiam contas de um Terço bento surtiria efeito, fazendo o seu ofício, prosseguindo o gesto da oração. E não seria insignificante, não.
Mas com as palavras que acompanham o gesto, o convite à prece se torna mais claro e mais premente ainda.
Que esplêndida “antologia” de orações cristãs! O PADRE NOSSO composto da mais pura medula das fórmulas da Antiga Lei e que passaram pelos lábios de Jesus e receberam todas as graças da Nova Aliança. Oração do Senhor, oração definitiva. A AVE MARIA na qual se entrelaçam as mais lindas saudações que recebeu nossa Divina Mãe: a saudação do Anjo na Anunciação e a que lhe dirigiu a Santa Prima na Visitação, palavras inspiradas que encerram como num grande clamor unânime a voz de toda a Cristandade. A SANTA MARIA, a súplica ardorosa e firmada pela Igreja de Deus. Finalizando, coroa os esplendores das preces do Rosário o louvor eternal dos Eleitos: “O GLÓRIA”.
A “forma” aperfeiçoa a matéria. Foi deveras um achado, essa revelação ao Nosso Bem-aventurado Pai São Domingos. Nossa Senhora o privilegiou. Essa cantilena sagrada de “Ave Marias” entrecortada pelo Pai Nosso e realçada pelo “Glória” dir-se-ia um canto de “treino” para o trabalho dos obreiros na labuta, quando disfarçam a pena entoando hinos: ou então das crianças que dão, cantando, às suas brincadeiras, mais vida e movimento. O efeito se torna irresistível. É o encanto da oração o Rosário de Maria.
De ser uma prece maquinal, rotineira e servil, acusa-se com frequência o “Terço”. E se a maneira com que o recitam alguns, deu pretexto a tais juízos, não é menos verdade, porém, que encerram tais apreciações mesquinho e formalista conceito da prece. Acusam de psitacismo1 a quem reza seu Terço, ao passo que aos seus detratores cabe o querer pela atitude hostil, reduzir a oração a mero verbalismo. Não. O ROSÁRIO é prece perfeita: súplica e meditação.
Que vem a ser a oração perfeita? Palavras curtas ou extensas ultimadas por um grande silêncio no qual Deus nos absorve o pensamento. As palavras são “muletas” de que se serve a alma, disse alguém, para se elevar insensivelmente ao que chamaríamos o “estado de oração”, coroa e remate do “ato de oração”.
– É o ROSÁRIO também a obra-prima da devoção.
Não é tão somente oração o Santo Terço de Maria. É uma verdadeira devoção.
A “devoção”, é o ato primordial e o mais profundo da virtude de Religião. É um movimento da vontade que a inclina e leva a se dedicar a Deus, uma presteza, um anseio que não conhece descanso, que não nos deixa até que tenhamos feito alguma coisa para Deus, para Jesus, para Maria. Se a oração é a arte de falar com Deus, a devoção é uma como que necessidade de ficar aplicada a alma cristã no serviço fiel do seu Senhor.
Realiza o ROSÁRIO excelentemente esse ofício. Sob a recitação das preces faz passar a prática da devoção perseverante. Para isto, pormenoriza e especifica bem os Mistérios de Jesus e de Maria, que são também Mistérios “nossos”. Leva-nos a meditá-los, saboreá-los, e de certo modo, renová-los. Recorda as circunstâncias desses Passos sagrados da Vida, da Morte, e da Glória do Senhor. Põe a alma em face da história feliz da Encarnação, do Drama doloroso da Redenção e da Apoteose do Cristo e da sua Santa Mãe.
As “Ave Marias” que uma a outra se sucedem, dizendo a mesma coisa sem se repetir jamais, transportam a alma na atmosfera da prece, ambiente da devoção.
Além, para o além das palavras, quinze vezes, a fio, contempla a alma os Mistérios que lhe são causa de júbilo, ou de dores, ou de triunfos.
Parecendo verbal, é essa prece do Santo Rosário a mais espiritual de todas as preces; parecendo escrava, é a mais liberta de todas; parecendo rudimentar, é de todas a mais contemplativa e se pode tornar a mais particular de todas as orações.
No esboço que a alma forma no recitar das “Ave Marias”, a meditação livre, natural, delineia a imagem viva dos Quinze Mistérios. E quem poderá calcular o que existe de original e forte nas contemplações de muitos “humildes”, na aparência, curvados sobre as contas do Terço, mas voando bem longe nas asas das aves divinas? Para eles se torna o Rosário como infindo regalo, em Deus Nosso Senhor. Na direção indicada, pelos lábios em prece, a alma sobe, se eleva até ao Coração de Cristo, até ao Coração maternal da Virgem Santíssima. Tal é a riqueza sem par dessa oração dos simples, dessa oração dos doutos. É o Rosário, ao mesmo tempo, a mais profunda das preces e a mais singela, a mais acessível a todo o mundo.
O povo cristão se apegou ao Rosário, de século em século, com incrível fidelidade. Essa perseverança é o magno sinal da sua conveniência com a humanidade cristã.
Unção do Rosário! Militante ou Padecente, toda a Cristandade se embalsama com esse perfume marial do Santo Terço. Toda alma cristã se inebria com o perfume dessas Rosas benditas. E até, existem almas que se acham de tal modo impregnadas desse odor do Rosário que, se tornam mesmo como um Rosário vivo, e fazem da vida um Rosário Perpétuo.
F. L. P.
(Do “Mensageiro do Santo Rosário”, de Setembro de 1940).
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Fonte: “Quero Bem ao meu Rosário – Leituras Meditadas”, colhidas em Bossuet e Monsabré, por F. L. Palha, O.P., Introdução, pp. 5-9; 2ª Edição, Edições do “Mensageiro do Santo Rosário”, 1941.
1. Perturbação psíquica que consiste em repetir palavras sem ter ideia do seu significado.