Acontecimentos Hagiográficos1
Na Judeia, em tempo de Herodes, foi célebre o nome de Zacarias, sacerdote, profeta e pai de São João Batista. São Lucas no seu Evangelho teceu-lhe um grande elogio, que só por si basta para ajuizarmos de sua muita santidade. Foi Zacarias da tribo de Levi, pai de São João Batista, homem reto e temente a Deus.
Vendo-se o rei Herodes enganado na sua expectativa, quando os Santos Reis Magos se retiraram para as suas terras por outro caminho, não vindo, portanto, a noticiar ao tirânico monarca o invento do Divino Infante, alguma coisa soube dos maravilhosos acontecimentos que se deram por ocasião do Nascimento do Santo Precursor. Despachou ministros a fim de o haverem às mãos e de lhe fazerem sofrer a mesma sorte dos Meninos de Belém.
Ou fosse aviso do Céu ou notícia do que se passava, Santa Isabel, para salvar os dias de seu querido filho, fugiu com ele para o deserto, aonde foi seguida pelos emissários do rei, e por certo que não lhes escaparia, se, posta de joelhos com o tenro fruto nos braços, não tivesse implorado a Divina Assistência. Diz-se que no mesmo instante ouvira Deus a oração humilde, e lhe abriu um esconderijo na rocha, onde se ocultou, e pode salvar o Precursor. São outros de opinião que ela se recolhera em um dos muitos Mosteiros de Essênios, que havia na Judeia, debaixo da regra e no espírito do grande Profeta Elias.
É fora de dúvida, que o Bem-aventurado Batista foi entre eles educado, e que depois se retirou só para um deserto, como alguns dos essênios costumavam praticar.
Ficou Zacarias em casa, para cuidar do santo ministério, a que era deputado. Os ministros de Herodes, não tendo alcançado o Santo Menino, vieram da parte do rei perguntar a Zacarias por ele. Este respondeu que não sabia onde estava, o que era verdade, e ousou censurar as ordens tirânicas do rei, que para exterminar um só, que era a salvação de Israel, votava à morte um sem número de inocentes crianças.
Foi esta justa increpação referida ao rei. Tamanha irritação concebeu ao ouvi-la, que de noite mandou os seus escravos tirar a vida ao santo sacerdote, entre o templo e o altar, onde a Virgem Santíssima tinha sido criada desde o dia de sua Apresentação. De manhã os outros sacerdotes vieram ao templo para cumprir os deveres de seu ministério; em vão esperaram que Zacarias saísse do santuário; não vinha, nem podia vir; entrou um deles e viu o sangue do Santo coagulado e endurecido como pedra, e ao mesmo tempo ouviu uma voz do Céu que dizia: “Aqui foi morto Zacarias, o seu sangue não se apagará de Israel, até que se levante o que o há de vingar”. Saiu fora e veio referir aos seus o sucedido; tremeram estes ao ouvi-lo, e ao mesmo tempo sentiram um ruído de pedras, como resultado do choque de umas nas outras.
Buscaram o corpo do santo sacerdote, e não o encontraram. Passados muitos anos, apareceu milagrosamente o seu santo corpo no mesmo templo de Jerusalém. Atualmente diz-se que está em Veneza em um Mosteiro de Senhoras, fundado em sua honra.
A gloriosa Santa Isabel, sua esposa e mãe do Batista, foi da tribo de Aarão, da qual o mesmo São Lucas diz coisas edificantes no seu Evangelho, motivo por que só referiremos o que respeita à sua ditosa morte. Depois que São João Batista, seu filho, se retirou a fazer vida eremítica, da qual é modelo na Nova Lei, como Elias o fora da Antiga, Santa Isabel voltou a sua casa. Passou alguns meses na viuvez, até que aprouve ao Senhor tirá-la do desterro para lhe dar ingresso no Limbo dos Santos Padres, enquanto o Salvador não abria de novo o caminho da Pátria, fechado aos homens por sua prevaricação. Morreu, cheia de dias, santidade e virtudes, esta Santa, prima co-irmã da Rainha dos Céus.
MEDITAÇÕES DE COMO SE DEVE
APROVEITAR DAS GRAÇAS DE DEUS.2
I. Deus dá a todos os homens graças suficientes para se salvarem, se delas se quiserem aproveitar; mas os cristãos recebem muito mais do que os outros. Agradeçamos a Deus as suas graças, principalmente a da vocação ao Cristianismo, que é a fonte de muitas outras, e convençamo-nos de que havemos de ser mais severamente punidos do que os pagãos, se não aproveitarmos as graças, que Deus tão generosamente nos concede. “Os nossos pecados são tanto mais graves quanto mais abundante foi a graça em nós”. (São Cesário)
II. Abusa-se da graça, quando se resiste às inspirações, quando se difere a obediência, ou quando não se quer ouvir o que nos diz intimamente. Ouçamos a voz de Deus, que nos fala; para a ouvir, fujamos do ruído do mundo, acalmemos as tempestades, que as paixões excitam na alma, e, depois de termos ouvido o chamamento da graça, obedeçamos prontamente. Caminhemos enquanto temos luz, e não deixemos a conversão para a hora da morte.
III. A recompensa dos que aproveitam as graças de Deus, é receberem outras maiores, como o castigo dos que delas abusam, é ficarem privados doutras que lhe estavam destinadas. Cautela pois! A graça que desprezamos talvez seja a causa da nossa reprovação. Não quisemos trabalhar na salvação quando podíamos: a morte há de vir e tirar-nos a possibilidade de fazer qualquer coisa em favor da alma. “Justo castigo do pecado, é não poder praticar a virtude, depois de se ter deixado de a praticar, quando era possível”. (Santo Agostinho)
Respeito aos Eclesiásticos – Orar pelos Sacerdotes.
Oração
Senhor, não nos falte o auxílio das orações de São Zacarias e Santa Isabel, para, por sua intercessão, recebermos o que pelos vossos méritos não podemos esperar. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
___________________________
1. Pe. Croiset, S.J., “Ano Cristão”, Vol. XI, pp. 59-60, 5 de Novembro, Festa de São Zacarias e Santa Isabel, Pais do Precursor; Tradução do Francês pelo Pe. Matos Soares, Porto, 1923.
2. “Vida dos Santos – com uma Meditação para cada dia do Ano”, pelo Pe. João Estevam Grossez, S.J., Segunda Parte, 5 de Novembro, pp. 267-268. Edição Portuguesa, “União Gráfica”. Lisboa. 1928.
