junho 29, 2012
Mas,
de que modo Pedro é a rocha? Como deve realizar esta prerrogativa, que
naturalmente não recebeu para si mesmo? A narração do evangelista Mateus
começa por nos dizer que o reconhecimento da identidade de Jesus
proferido por Simão, em nome dos Doze, não provém «da carne e do
sangue», isto é, das suas capacidades humanas, mas de uma revelação
especial de Deus Pai. Caso diverso se verifica logo a seguir, quando
Jesus prediz a sua paixão, morte e ressurreição; então Simão Pedro reage
precisamente com o impeto «da carne e do sangue»: «Começou a repreender
o Senhor, dizendo: (…) Isso nunca Te há-de acontecer!» (16, 22). Jesus,
por sua vez, replicou-lhe: «Vai-te daqui, Satanás! Tu és para Mim uma ocasião de escândalo…» (16, 23). O
discípulo que, por dom de Deus, pode tornar-se uma rocha firme, surge
aqui como ele é na sua fraqueza humana: uma pedra na estrada, uma pedra
onde se pode tropeçar (em grego, skandalon). Por aqui, se vê claramente a tensão que existe entre o dom que provém do Senhor e as capacidades humanas; e aparece de alguma forma antecipado, nesta cena de Jesus com Simão Pedro, o drama da história do próprio Papado, caracterizada precisamente pela presença
conjunta destes dois elementos: graças à luz e força que provêm do
Alto, o Papado constitui o fundamento da Igreja peregrina no tempo, mas,
ao longo dos séculos assoma também a fraqueza dos homens, que só a abertura à acção de Deus pode transformar.
E no Evangelho de hoje sobressai, forte e clara, a promessa de Jesus: «as portas do inferno», isto é, as forças do mal, «non praevalebunt»,
não conseguirão levar a melhor. Vem à mente a narração da vocação do
profeta Jeremias, a quem o Senhor diz ao confiar-lhe a missão: «Eis
que hoje te estabeleço como cidade fortificada, como coluna de ferro e
muralha de bronze, diante de todo este país, dos reis de Judá e de seus
chefes, dos sacerdotes e do povo da terra. Far-te-ão guerra, mas não
hão-de vencer - non praevalebunt -, porque Eu estou contigo para te salvar» (Jr
1, 18-19). Na realidade, a promessa que Jesus faz a Pedro é ainda maior
do que as promessas feitas aos profetas antigos: de facto, estes
encontravam-se ameaçados por inimigos somente humanos, enquanto Pedro terá de ser defendido das «portas do inferno», do poder destrutivo do mal. Jeremias recebe uma promessa que diz respeito à sua pessoa e ministério profético, enquanto Pedro recebe garantias relativamente ao futuro da Igreja,
da nova comunidade fundada por Jesus Cristo e que se prolonga para além
da existência pessoal do próprio Pedro, ou seja, por todos os tempos.
Detenhamo-nos agora no símbolo das
chaves, de que nos fala o Evangelho. Ecoa nele o oráculo do profeta
Isaías a Eliaquim, de quem se diz: «Porei sobre os seus ombros a chave
do palácio de David; o que ele abrir, ninguém fechará; o que ele fechar,
ninguém abrirá» (Is 22, 22). A chave representa a autoridade
sobre a casa de David. Entretanto, no Evangelho, há outra palavra de
Jesus, mas dirigida aos escribas e fariseus, censurando-os por terem
fechado aos homens o Reino dos Céus (cf. Mt 23, 13). Também este dito nos ajuda a compreender a promessa feita a Pedro: como
fiel administrador da mensagem de Cristo, compete-lhe abrir a porta do
Reino dos Céus e decidir se alguém será aí acolhido ou rejeitado (cf. Ap
3, 7). As duas imagens – a das chaves e a de ligar e desligar – possuem
significado semelhante e reforçam-se mutuamente. A expressão «ligar e
desligar» pertencia à linguagem rabínica, aplicando-se tanto no contexto das decisões doutrinais como no do poder disciplinar, ou seja, a faculdade de infligir ou levantar a excomunhão. O paralelismo «na terra (…) nos Céus» assegura que as decisões de Pedro, no exercício desta sua função eclesial, têm valor também diante de Deus.
No capítulo 18 do Evangelho de Mateus,
consagrado à vida da comunidade eclesial, encontramos outro dito de
Jesus dirigido aos discípulos: «Em verdade vos digo: Tudo o que ligardes
na terra será ligado no Céu, e tudo o que desligardes na terra será
desligado no Céu» (Mt 18, 18). E na narração da aparição de
Cristo ressuscitado aos Apóstolos na tarde da Páscoa, São João refere
esta palavra do Senhor: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem
perdoardes os pecados, ficarão perdoados; àqueles a quem os retiverdes,
ficarão retidos» (Jo 20, 22-23). À luz destes paralelismos, é claro que a autoridade de «desligar e ligar» consiste no poder de perdoar os pecados. E esta graça, que despoja da sua energia as forças do caos e do mal, está no coração do mistério e do ministério da Igreja. A
Igreja não é uma comunidade de seres perfeitos, mas de pecadores que se
devem reconhecer necessitados do amor de Deus, necessitados de ser
purificados através da Cruz de Jesus Cristo. Os ditos de Jesus sobre a autoridade de Pedro e dos Apóstolos deixam transparecer precisamente que o poder de Deus é o amor: o amor que irradia a sua luz a partir do Calvário.
Assim podemos compreender também por que motivo, na narração
evangélica, à confissão de fé de Pedro se segue imediatamente o primeiro
anúncio da paixão: na verdade, foi com a sua própria morte que Jesus venceu as forças do inferno; com o seu sangue, Ele derramou sobre o mundo uma torrente imensa de misericórdia, que irriga, com as suas águas salutares, a humanidade inteira.