Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Ladainha de Reparação


Nossa Mãe dulcíssima! Permiti que nós, Vossos filhos dedicados, unidos num só pensamento de veneração e amor, venhamos a reparar as horrendas ofensas que cometem contra Vós tantos infelizes, que não conhecem o paraíso de bondade e de misericórdia do Vosso Coração Maternal.

Das horríveis ofensas, que se cometem contra o Vosso amabilíssimo Filho, Jesus, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Da espada de dor, que filhos desnaturados querem de novo cravar no Vosso Coração Maternal, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das infames negações, que se fazem dos Vossos privilégios e das Vossas glórias mais excelsas, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Dos insultos, que os protestantes e outros hereges lançam contra o Vosso culto dulcíssimo, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das sacrílegas afrontas, que os ímpios cometem contra as Vossas queridas imagens, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das profanações, que se cometem nos Vossos santuários, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das ofensas, contra a virtude angélica, personificada em Vós, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Dos ultrajes, que se cometem com as modas, contra a dignidade da mulher reivindicada e santificada por Vós, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Dos horrendos delitos, com que se afastam os inocentes do Vosso Seio Maternal, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das incompreensões, dos Vossos direitos divinamente maternais, por parte de tantas mães, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das ingratidões de tantos filhos, às Vossas graças mais preciosas, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Da frieza de tantos corações, perante as Vossas ternuras maternais, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Do desprezo, dos Vossos convites amorosos, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Da cruel indiferença, de tantos corações, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das Vossas lágrimas maternais, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das angústias do Vosso dulcíssimo Coração, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Das agonias, da Vossa Alma santíssima em tantos Calvários, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Dos Vossos suspiros de amor, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Do martírio, que Vos causa a perda de tantas almas, remidas pelo Sangue do Vosso Jesus e pelas Vossas lágrimas, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Dos horrendos atentados, que se cometem contra o Vosso Jesus, que vive no seu Vigário e nos seus Sacerdotes, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Da conjura infernal, contra a vida de Jesus na sua Igreja, havemos de consolar-Vos, Senhora.

Bondosíssima Mãe! Que no heroísmo do Vosso amor maternal, ao pé da Cruz, intercedestes pelos algozes, que tão atrozmente martirizavam o Vosso querido Filho Jesus, e tão duramente magoavam o Vosso terníssimo Coração, tende piedade de todos os que têm a infelicidade de Vos ofenderem; fazei que também eles possam ser acolhidos no Vosso Seio Maternal, purificados pelas Vossas benditas lágrimas e admitidos a gozar dos frutos maravilhosos da Vossa misericórdia de Mãe. Assim seja.


Fonte: Dr. D. Ildefonso Rodriguez Villar, “Pontos de Meditação sobre a Vida de Nossa Senhora”, Apêndice, pp. 438-439; Tradução da 4ª Edição, revista pelo Pe. Manuel Versos Figueiredo, S.J., Livraria Figueirinhas, Porto, 1941.

sábado, 11 de novembro de 2017

MANIFESTO DO EPISCOPADO BRASILEIRO (Excertos).

D. Jaime de Barros Câmara


Regozijemo-nos no Senhor,
mas não Cruzemos os Braços.


Jesus Cristo, o Verbo de Deus, que se fez homem para salvar o homem, é hoje o que era ontem e o que será pelos séculos, a Luz do mundo, o Caminho, a Verdade e a Vida. Sem Cristo não haverá salvação, nem para os indivíduos nem para os povos. Longe d’Ele ou contra Ele, todos os esforços de construção serão baldados. E por haverem deliberadamente fechado os olhos à luz da mensagem evangélica, multiplicaram-se os erros políticos, sociais e morais, que desfecharam na catástrofe que ora enluta a humanidade… Cruzar os braços em face de ruínas, não é gesto cristão…

A Igreja a todos estende os benefícios de sua assistência espiritual; Ela não é nem pode ser partidária, e sua atividade, sempre indispensável às almas e às nações, não pode estar sujeita aos vai-vens da política de partidos. “Querer empenhar a Igreja”, já escrevia Leão XIII, “nas lutas de partido e pretender servir-se de seu apoio para triunfar com mais facilidade dos adversários, é abusar indiscretamente da Religião” (Carta Encíclica “Sapientiae Christianae”, Editions des Lettres Apostoliques de Léon XIII, Maison de la Bonne Presse, t. II, p. 289). A política divide, a religião une...

Aos fiéis (a Igreja) permite que, no desempenho de seus deveres cívicos, militem em partidos que não contrastem com as exigências superiores do bem comum e da consciência católica…

Na esfera das respectivas atribuições, lembremo-nos todos ainda da lição do grande Papa Pio XII, na sua Alocução de Natal de 1942: “Quem deseja que a estrela da paz nasça e se detenha sobre a sociedade… favoreça por todos os meios lícitos, em todos os campos da vida, aquelas formas sociais em que se torne possível e se garanta plena responsabilidade social” (Pio XII, “Problemas da Guerra e da Paz”, Lisboa, s. d., p. 351.

“Tudo quanto, nas instituições ou nos costumes, contribuir para desviar a família dos seus altos fins, representa uma vitória das paixões sobre a razão, do individualismo egoísta sobre os imperativos sociais do bem comum, e acarretará sobre um povo as mais calamitosas desgraças que poderão desfechar até na catástrofe fatal do suicídio… Aos fiéis e às próprias famílias recomendamos a solicitude vigilante e enérgica em combater as ideias, os costumes, as infiltrações insidiosas de mentalidades que possam atentar contra a dignidade tradicional e cristã da família brasileira.

A crença em Deus é o mais forte esteio da vida moral… Enquanto o ateísmo desfecha logicamente no amoralismo, a presença de Deus representa nas almas uma fonte inesgotável de fortaleza, de dedicação, de sacrifício, de energias sempre renovadas para o bem… A incredulidade trabalha para a ruína e desagregação dos povos; a religião é a base insubstituível de toda a vida social. Sem voltar sinceramente a Deus e a Jesus Cristo, a humanidade, desolada por tantas ruínas e dividida por tantos ódios, não encontrará os verdadeiros caminhos da paz.

Nós temos, por graça de Deus, na mensagem da nossa fé, uma doutrina de verdade e de vida. Esconder esta luz sob o alqueire seria omissão de incalculáveis responsabilidades. Nenhuma alma generosa pode resignar-se à cumplicidade de abstenções comodistas. O amor de Deus e das almas, o sentimento de justiça e de caridade, a piedade filial para com a Pátria condenam a inação, e impõem-nos uma atividade esclarecida, coesa e disciplinada.

Aos esforços da ação cumpre associar uma cruzada de orações. Se Deus não construir a casa, em vão trabalham os que a edificam; se Deus não guardar a cidade, frustrada será a vigilância dos que por ela velam (Salm. 126, 1). Levantemos os braços a Deus numa oração constante e humilde para que Ele proteja o Brasil e a humanidade, inspire propósitos de justiça e de paz aos que neste momento têm em mãos os destinos dos povos.

À Virgem Imaculada, que, da colina da Aparecida, estende o seu manto materno sobre a Terra de Santa Cruz, renovemos, com a consagração das nossas almas, a desta Pátria estremecida a Ela singularmente devotada.



Fonte: "Manifesto do Episcopado - Sobre o Problema Político e a Questão Social no Brasil"; Livraria Agir Editora, 1945.


sexta-feira, 10 de novembro de 2017

São João Crisóstomo Responde


Cada um Pode, se Quiser,
Igualar-se aos Santos em Virtude

Sempre que escutássemos falar dos Apóstolos e as suas belas ações fossem celebradas, deveríamos logo gemer por estarmos a tão grande distância deles. Mas não pensamos sequer que haja nisto uma falta, e vivemos na ideia de que nos é impossível atingir semelhantes alturas. E se nos perguntam por que, logo alegamos esta desculpa estúpida: era Paulo, era Pedro, era João. Que significa: era Paulo, era Pedro? Dizei-me: não é verdade que aqueles homens participaram da mesma natureza que nós? Que foram introduzidos no mundo pelo mesmo caminho? Nutridos com os mesmos alimentos? Que respiraram o mesmo ar? Que se utilizaram das mesmas coisas? Não havia alguns entre eles que possuíam mulher e filhos, que exerciam ofícios para viver, e que, inclusive, foram lançados no abismo de todos os vícios?

– Mas eles tiveram em abundância o benefício da graça de Deus.

– Ah! Se nos mandassem ressuscitar os mortos, dar luz aos olhos dos cegos, tornar sãos os leprosos, fazer os coxos andarem direito, libertar os demoníacos, curar outras enfermidades deste gênero, a desculpa alegada teria cabimento. Mas quando se trata de disciplinar a própria conduta e dar provas de submissão, qual a relação entre isto e aquilo? Também vós gozais da graça divina, por efeito do Batismo. Tendes a vossa parte do Espírito Santo, se não ao ponto de operar milagres, pelo menos tanto quanto é necessário para terdes uma conduta correta e irrepreensível, de sorte que nossa perversão provém unicamente de nossa indolência...[1]


Nem as Tentações Diabólicas,
nem os Maus Exemplos Explicam
e Desculpam as Nossas Faltas.

O Adversário é mau, eu o reconheço, mas mau para ele mesmo, se perseverarmos na vigilância. Tal é a natureza da maldade: ela só é funesta para aqueles que a possuem…

Deus permitiu intencionalmente que os maus vivessem junto com os bons;[2] Ele não concedeu aos maus uma terra diferente, nem fez com que os bons vivessem num outro mundo, mas misturou uns com os outros, realizando, assim, uma obra de grande utilidade. Os bons demonstram possuir um mérito mais firme quando vivem e se faze virtuosos, no meio de pessoas que procuram desviá-los do caminho da justiça e arrastá-los para o mal. Pois, segundo está escrito: “porque, também, é preciso que haja facções no meio de vós, a fim de que, entre vós, sejam conhecidos aqueles que são de virtude comprovada”.[3] Este é pois, o motivo pelo qual Deus permitiu que os maus subsistissem no mundo: para que os bons brilhem com mais vivo esplendor. Vedes que grande vantagem para eles? Vantagem que não vem dos maus, mas da coragem dos bons…

O mesmo raciocínio deve ser observado com respeito ao Adversário: Deus permitiu que ele também ele estivesse ali para que vos tornásseis valorosos, para que o atleta tivesse mais esplendor, e maior fosse a grandeza dos combates. Quando, pois, vos perguntarem: por que Deus permitiu a existência do Adversário? Respondeis nestes termos: longe de prejudicar os que estão vigilantes e atentos, o Adversário lhes presta serviço, não em consequência de sua vontade própria (que é perversa), mas em consequência da coragem destes homens que sabem tirar bom partido da perversidade dele.

Quando ele se voltou contra Jó, não foi com a intenção de aumentar-lhe o esplendor, mas de destruí-lo. Por isso mesmo, pela natureza do propósito e da intenção, ele era perverso; todavia, ele não causou dano algum ao justo, muito pelo contrário: foi este último quem tirou proveito do combate, como o demonstramos: o Adversário deu testemunho de perversidade, e o justo de coragem.[4]


O Erro não é uma Consequência
Inevitável de Nossa Natureza

– Mas, direis, sou constrangido pela natureza; é certo que amo o Cristo, mas a natureza me constrange a fazer o mal.

– Se sofrêsseis constrangimento e violência, seríeis perdoados; mas se é por indolência que caís, não há perdão. Vejamos, pois,; examinemos se as faltas são cometidas por necessidade ou constrangimento, ou então por indolência e negligência grave.

“Não Matarás”,[5] está escrito. Que é que vos constrange a fazê-lo? Que é que vos força a tanto? A pessoa se violenta para matar: quem de nós preferiria, de bom grado, enfiar uma espada na garganta do próximo e sujar suas mãos de sangue? Ninguém. Assim, contrariamente ao que pretendeis, é antes para praticar o mal que a pessoa se constrange e se força. Deus pôs em nossa natureza, como que um encanto, que faz com que amemos uns aos outros. Vedes que, por natureza, possuímos inclinações para a virtude? Os vícios são contra a natureza; se eles conseguem triunfar, isto só prova quão grande é a nossa indolência.

E o que diremos do adultério? Que necessidade impele as pessoas a praticá-lo?

– A tirania da concupiscência.

– E quereis dizer-me por quê? Não vos é permitido manter relações com vossa mulher e pôr, assim, um termo a essa tirania?

– Mas eu estou apaixonado pela mulher do próximo!

– Neste caso, não há constrangimento; o amor não constitui uma questão de constrangimento, ninguém ama por constrangimento, mas por livre e espontânea vontade. É possível que a relação carnal se imponha ao homem, mas não o amar esta ou aquela mulher; o que o leva a agir em tal circunstância, não é o apetite da relação carnal, é a vanglória, o orgulho, a sensualidade excessiva…

– E o furto, é necessário?

– Sim, é a pobreza que o causa.

– E eu vos digo que a pobreza força mais é ao trabalho, e não ao furto. A pobreza age ao inverso do que dizeis: o furto é o resultado da ociosidade; a pobreza costuma produzir não a ociosidade, mas o amor ao trabalho. Também o furto, pois, decorre da indolência. Escutai ainda isto: – que é mais difícil e desagradável: perambular à noite sem dormir, transpor os muros, caminhar nas trevas, arriscar a vida, estar pronto para matar, tremer, morrer de medo, ou então aplicar-se aos trabalhos cotidianos e desfrutar, sem temor, de uma situação de segurança? Isto é mais fácil; e porque é mais fácil, maior número de pessoas levam esta vida ao invés da outra.

Vedes que a virtude se faz segundo a natureza, e o vício contra a natureza; é como a doença e a saúde. Que dizer da mentira e do perjúrio? Que pode haver neles de necessário? Nada de necessário, nada de forçado: inclinamo-nos para eles porque assim o queremos.

– Mas não acreditam em nós!

– Não acreditam em nós porque o queremos assim; deveríamos inspirar confiança mais por nosso caráter que por nossos juramentos. Dizei-me por que acreditamos em certas pessoas sem que seja preciso que elas jurem, e nos recusamos a acreditar em outras, apesar de seus juramentos? Os juramentos, pois, não servem para nada…

– E quando se comete uma injúria, obedece-se à necessidade?

– Sim, a cólera me faz perder a cabeça, me abrasa, não permite que a minha alma tenha sossego.

– Homem, não é a cólera, é a mesquinhez da alma que faz com que a pessoa se torne injuriosa. Se fosse a cólera, todos os homens, estando sujeitos a ela, não cessariam de injuriar. Nós somos acessíveis à cólera, não para injuriar nosso próximo, mas para corrigir os faltosos, para reedificar-nos, para livrar-nos do torpor. A cólera atua em nós como um aguilhão, que deve fazer com que rilhemos os dentes contra o Adversário, nos tornemos mais enérgicos em dar-lhe combate, e não que nos voltemos uns contra os outros.[6]


A Origem do Mal

– Mas por que Deus fez o homem tal qual ele é (quer dizer, inclinado a praticar o mal)?

– Não foi Deus quem o fez assim, absolutamente; pois, então, ele não o teria castigado. Não censuramos os que nos servem, quando nós mesmos estamos em falta? Com muito mais razão Deus, Senhor do mundo, não nos teria censurado. Como, então, o homem se tornou o que é? Por sua própria culpa, por culpa de sua indolência… Deus criou todos os homens? É evidente que sim. Como, pois, acontece que não sejam todos iguais no que se refere à virtude e ao vício? De onde vêm os maus e os perversos? Se a vontade não desempenha nisto papel algum, se tudo depende da natureza, como é possível que uns sejam isto e outros aquilo? Se todos fossem maus naturalmente, seria impossível a alguém ser bom; se fossem bons naturalmente, impossível ser mau. Sendo a natureza uma só para todos os homens, todos deveriam ser, relativamente a uma única sorte, bons ou maus. Diremos que uns são bons naturalmente e outros maus? (o que não teria sentido, como já o demonstramos). Então, estas maneiras de ser deveriam ser imutáveis, pois o que é natural é imutável. Por exemplo: somos todos mortais, sujeitos ao sofrimento, e ninguém pode ficar impassível, por maior que sejam sua obstinação; ora, sabemos que muitos homens passaram de bons a maus, ou que, sendo antes maus, passaram a ser bons; no primeiro caso por indolência, e no segundo caso por aplicação; o que mostra que estas maneiras de ser não são naturais, visto que as qualidades naturais não mudam e não se adquirem à força de aplicação. Assim como não temos necessidade de fazer esforços para ver ou ouvir, também não seria necessário esforçar-nos para praticar a virtude, se fosse a própria natureza quem no-la tivesse dado em comum. E por que Deus faria pessoas más, quando pode fazer com que todos os homens sejam bons?

Então, de onde vem o mal? Fazei a vós mesmos esta pergunta; minha tarefa consiste em mostrar que ele não tem origem, nem na natureza nem em Deus.

– Então, ele vem ao acaso?

– Absolutamente.

– Ele não vem, então, de coisa alguma?

– Calai-vos, fugi da loucura de conceder a mesma honra, e a mais elevada honra, a Deus e ao mal. Pois, se o mal não tem origem em coisa alguma, será onipotente, e, por conseguinte, não poderá ser extirpado nem aniquilado. O que não tem origem em coisa alguma, efetivamente, não tem fim: isto é fato comprovado. E, se o mal tivesse tanto poder, como se explicaria que houvesse, outrossim, tão grande número de homens de bem? Como poderiam os seres que têm começo ser mais poderosos que o mal, que não o teria tido?

– Mas Deus pode suprimir o mal.

– Quando? E como Ele poderia suprimir o que goza das mesmas honras que Ele e de um poder igual, o que é, por assim dizer, da mesma idade? Ó malícia do Adversário! Quantos males ele não inventou! Quantas blasfêmias ele não sugeriu contra Deus! Como ele soube imaginar, sob pretexto de piedade, uma impiedade nova! Querendo-se estabelecer que o mal não vem de Deus, introduziu-se outros dogmas perverso, a saber, que Ele não teria tido começo.

– Mas, enfim, qual a origem do mal?

– No fato de querermos ou não queremos, está a sua origem.

– E o fato de querermos ou não querermos, de onde vem tal coisa, por sua vez?

– De nós mesmos… O mal não é outra coisa, senão a desobediência para com as Leis de Deus.

– Mas de onde o homem aprendeu tal coisa?

– Dizei-me: era muito difícil aprender isto? Eu também não digo que tenha sido difícil; mas de onde lhe veio esta vontade de desobedecer?

– De sua indolência. Tendo a liberdade de inclinar-se para um lado ou para o outro, ele preferiu inclinar-se para o mal. Se, depois desta resposta, estais ainda embaraçados e confusos, eu vos farei uma pergunta, que não é nem difícil nem complicada, uma pergunta bem simples e clara.

– Tendes sido ora bons, ora maus? Quer dizer: já vos aconteceu ora triunfardes sobre a paixão, ora serdes vencidos por ela? Ora sucumbirdes à embriaguez, ora vencerdes a embriaguez? Ora cederdes ao impulso da cólera, ora não lhe cederdes? Ora desdenhardes um pobre, ora não o desdenhardes? Ora prevaricardes por impudicícia, e em seguida serdes castos?

– Qual a origem, pois, de todas estas variações? Qual? Se vós mesmos não o dizeis, eu o direi: é que vos tendes aplicados e feito esforços, e ora vos tendes relaxado e entregue à indolência.[7]


Fonte: O Esplendor Cristão, Vol. 1, “São João Crisóstomo”, 1ª Parte, Cap. I, “O Livre-Arbítrio”, pp. 19-25; Ação Carismática Cristã – Fundação São João Crisóstomo, Rio de Janeiro, 1978.



[1]     1º Discurso sobre a Contrição, 8.
[2]     São João Crisóstomo refere-se, certamente, à Parábola da boa e da má semente: “Deixai crescer uma coisa e outra até à ceifa e no tempo da ceifa direi aos segadores: Colhei primeiramente a cizânia, e atai-a em feixes para a queimar; o trigo, porém, recolhei-o no meu celeiro” (Mat., 13, 30).
[3]     I Cor., 2, 19.
[4]     Nem os Maus nem o Maligno podem prejudicar o Homem vigilante, 1, 2.
[5]     Êx., 20, 13.
[6]     II Homilia sobre a Epístola de São Paulo aos Efésios, 3-4.
[7]     LIX Homilia sobre o Evangelho de São Mateus, 2-3.

domingo, 5 de novembro de 2017

As Profundezas do Mistério Pascal


O Mistério do Cordeiro Pascal[1]

Foi lida a Escritura a respeito do êxodo hebreu, foram explicadas as palavras do Mistério: como a ovelha foi imolada e o povo foi salvo.

Compreendei, pois, caríssimos! É assim:
novo e antigo,
eterno e temporal,
corruptível e incorruptível
mortal e imortal,
o Mistério da Páscoa:
antigo segundo a Lei,
novo segundo o Verbo;
temporal na figura,
eterno na graça;
corruptível pela imolação da ovelha,
incorruptível pela vida do Senhor;
mortal pela sepultura, na terra,
imortal pela ressurreição dentre os mortos.
Antiga a Lei, novo o Verbo;
temporal a figura, eterna a dádiva;
corruptível a ovelha, incorruptível o Senhor,
o qual, imolado como Cordeiro, ressurgiu como Deus.
Pois, como a ovelha, foi levado ao matadouro,
mas não era ovelha;
como o cordeiro, não abriu a boca,
mas não era cordeiro.
Passou a figura, persiste a realidade.
Em vez do cordeiro, Deus presente,
em vez da ovelha, um homem,
e neste homem, Cristo, Aquele que sustém todas as coisas.
Assim, o sacrifício da ovelha,
e a solenidade da Páscoa,
e a letra da Lei,
cederam lugar ao Cristo Jesus,
por causa do qual tudo sucedera na Antiga Lei,
e muito mais sucede na nova disposição.
Pois a Lei se converteu em Verbo, o antigo em novo,
ambos saídos de Sião, e de Jerusalém.
O Mandamento se converteu em dádiva,
a figura em realidade,
o cordeiro em Filho,
a ovelha em homem,
o homem em Deus.
Com efeito, Aquele que nascera como Filho,
e fora conduzido como cordeiro,
sacrificado como ovelha,
sepultado como homem,
ressuscitou dentre os mortos como Deus,
sendo por natureza Deus e homem.
Ele é tudo:
enquanto julga, é lei;
enquanto ensina, Verbo;
enquanto gera, pai;
enquanto sepultado, homem;
enquanto ressurge, Deus;
enquanto gerado, Filho;
enquanto padece, ovelha;
Ele, Jesus Cristo, a quem seja dada a glória pelos séculos. Amém.

Tal é o Mistério da Páscoa, como foi descrito na Lei e como o acabamos de ler.


Da Figura para a Realidade

A salvação do Senhor e a realidade
foram prefigurada no povo (judeu),
as prescrições do Evangelho prenunciadas pela Lei.
O povo era como o esboço de um plano,
a Lei como a letra de uma parábola;
mas o Evangelho é a explicação da Lei e seu cumprimento,
e a Igreja o lugar onde isso se realiza.
O que existia como figura era valioso
antes que ocorresse a realidade,
maravilhosa a parábola antes que viesse a explicação.
O povo tinha seu valor antes que se estabelecesse a Igreja,
a Lei era admirável antes que refulgisse o Evangelho.
Mas quando surgiu a Igreja e se apresentou o Evangelho,
esvaziou-se a figura, sua força passou para a realidade,
a Lei se cumpriu, transfundiu-se no Evangelho…
O povo perdeu razão de ser quando veio a Igreja,
a imagem se fez abolida quando apareceu o Senhor.
O que antes era valioso perdeu seu valor,
frente a manifestação do que era realmente valioso por natureza.
Valioso era antes o sacrifício da ovelha,
agora perdeu o valor, por causa da vida do Senhor.
Valiosa era a morte da ovelha,
agora perdeu o valor, por causa da salvação do Senhor.
Valioso era o sangue da ovelha,
mas perdeu o valor, por causa do Espírito do Senhor.
Valioso era o cordeiro que não abria a boca,
mas perdeu o valor, por causa do Filho sem mácula.
Valioso era o templo terreno,
mas perdeu o valor, por causa do Cristo celeste.
Valiosa era a Jerusalém de baixo,
mas perdeu o valor, por causa da Jerusalém do alto.
Valiosa era a pequena herança,
mas perdeu o valor por causa da amplitude do dom.
Porque não foi em parte alguma da terra,
em nenhuma faixa estreita da terra
que se estabeleceu a glória de Deus,
e sim por todos os confins se derramou seu dom,
em toda parte armou sua tenda o Deus Onipotente.
Por Jesus Cristo, a quem seja dada glória pelos séculos. Amém.


A Bondade Divina é Presenteada
com a Ingratidão Humana

Deus, no princípio, tendo criado pelo Verbo o Céu, a terra e tudo o que neles se encerra, modelou do barro o homem e comunicou-lhe Seu sopro. Colocou-o em seguida num jardim voltado para o Oriente, o Éden, para que ali vivesse feliz. E deu-lhe um Mandamento…

Mas o homem, sendo por natureza capaz do bem e do mal, como uma porção de terra capaz de receber sementes boas e más, escutou ao conselheiro hostil e, tomando o fruto da árvore, transgrediu o Mandamento, desobedeceu a Deus.

Por conseguinte, foi deixado neste mundo, como numa prisão de condenados. Após muitos anos e após gerar numerosa prole, voltou à terra, de cuja árvore colhera o fruto, legando a seus filhos esta herança…

não a pureza, mas a luxúria,
não a imortalidade, mas a corrupção,
não a honra, mas a desonra,
não a liberdade, mas a escravidão,
não a realeza, mas a tirania,
não a vida, mas a morte,
não a salvação, mas a perdição.

Nova e terrível tornou-se a ruína dos homens sobre a terra. Eis o que lhes aconteceu: foram tiranizados pelo pecado, e levados a lugares de concupiscência, para viverem assaltados por prazeres insaciáveis, pelo adultério, a fornicação, a impureza, os maus desejos, a cobiça, os homicídios, o derramamento de sangue, a tirania da maldade e da injustiça. Era o pai, o ímpio golpeando a lactante, o irmão ferindo seu irmão, o hospedeiro injuriando o hóspede, o amigo assassinando seu amigo, o homem degolando o semelhante. Todos se transformaram na terra em homicidas, fratricidas, parricidas, infanticidas…

E com isso exultava o Pecado: colaborador da Morte, precedia-a nas almas dos homens e preparava-lhe como alimento os corpos mortos. Imprimia em toda alma sua marca, para fazer morrer os que a traziam.

Toda carne, pois, caiu sob o pecado,
e todo corpo sob a morte.
Toda alma foi arrancada de sua morada de carne
e o que foi tirado da terra se dissolveu na terra,
o que foi dado por Deus se encarcerou no Hades.
Estava destruída a bela harmonia,
desfeito o belo corpo.
O homem dividido sob o poder da morte,
estranha desgraça a aprisioná-lo:
Era arrastado como cativo pelas sombras da morte,
jazia abandonada a Imagem do Pai.
Eis a razão por que se cumpriu o Mistério da Páscoa
no Corpo do Senhor.


A Revelação do Cordeiro de Deus

O Senhor havia ordenado de antemão seus próprios padecimentos nos Patriarcas, nos Profetas e em todo o povo, pondo como seu selo a Lei e os Profetas. Pois o que devia realizar-se de modo inaudito e grandioso estava preparado desde muito, a fim de que ao suceder fosse crido, depois de tão vaticinado (…)

Antigo e novo o Mistério do Senhor:
antigo na figura, novo no dom.
Se vês a figura, verás a realidade ao longo de sua atuação.
Se queres contemplar o Mistério do Senhor verás
Abel, assassinado como Ele,
Isaac, aprisionado como Ele,
José, vendido como Ele,
Moisés, exposto como Ele,
Davi, perseguido como Ele,
os Profetas padecendo como Ele e por causa Dele.

Contempla também o cordeiro degolado na terra egípcia,
que abateu o Egito e salvou a Israel por seu Sangue (…)
Aquele que veio dos Céus à terra por causa do homem que sofria,
e se revestiu do homem nas entranhas de uma Virgem,
aparecendo como homem.
Aquele que assumiu os sofrimentos de quem sofria,
tomando um Corpo capaz de sofrer,
Aquele que anulou os sofrimentos da carne,
destruindo com seu espírito imortal a morte homicida (…)
Aquele que nos tirou da escravidão para a liberdade,
das trevas para a luz,
da morte para a vida,
da tirania para o reino eterno.
Que fez de nós um sacerdócio novo
e um povo escolhido para sempre,
Ele, a Páscoa de nossa salvação…
Ele, que se encarnou numa Virgem,
se deixou suspender na Cruz,
foi sepultado na terra,
ressuscitou dos mortos,
foi arrebatado aos Céus.
Ele, o Cordeiro emudecido,
o Cordeiro imolado,
nascido de Maria, a ovelha bela,
o Cordeiro levado do rebanho ao matadouro,
sacrificado à tarde, sepultado à noite.
Não lhe quebraram os ossos no madeiro,
na terra não sofreu a corrupção,
mas ressurgiu dentre os mortos,
ressuscitou o homem das profundezas do sepulcro.
Ele, entregue à morte. Onde? No meio de Jerusalém.
Por que?
Porque curou os coxos,
purificou os leprosos,
trouxe a luz aos cegos,
despertou os mortos.
Por isto padeceu…

Por que cometeste, ó Israel, tão grande injustiça,
entregando teu Senhor a tais sofrimentos,
Ele, teu amo,
Ele, que te plasmou,
te criou,
te honrou,
te chamou Israel?

Não te mostraste “Israel” pois não viste a Deus,
não reconheceste o Senhor,
não soubeste ser Ele o Primogênito de Deus,
Aquele que foi gerado antes da estrela matutina,
Aquele que fez brotar a luz,
fez brilhar o dia,
separou as trevas,
firmou o primeiro fundamento,
suspendeu a terra,
secou o abismo,
estendeu o Céu,
organizou o mundo,
dispôs no alto os astros,
fez resplandecer as estrelas,
fez os Anjos celestiais,
fixou nas alturas os Tronos,
modelou na terra o homem!
Ele, o que te escolheu e te guiou de Adão a Noé,
de Noé a Abraão,
de Abraão a Isaac, a Jacó e aos Patriarcas;
Aquele que te conduziu ao Egito e te protegeu e sustentou,
que iluminou teu caminho com a coluna de fogo,
te ocultou sob a nuvem,
e dividiu o Mar Vermelho para atravessares suas águas.
Que dispersou teu inimigo,
te deu o maná do alto,
e a água da pedra.
Que te deu a Lei em Horeb,
e te fez herdar a terra,
que te enviou os Profetas e suscitou teus reis (…)
Verdadeiramente é amarga para ti esta figura dos ázimos,
conforme está escrito:
“Comereis pães ázimos com ervas amargas”.
Amargos para ti os cravos que afiaste,
amarga a língua que aguçaste,
amargas as falsas testemunhas que propuseste,
amargas as cordas que preparaste,
amargos os açoites que descarregaste,
amargo para ti foi Judas, a quem pagaste,
amargo Herodes a quem obedeceste,
amargo Caifás, em quem confiaste,
amargo o fel que ofereceste,
o vinagre que cultivaste,
amargos os espinhos que ajuntaste,
amargas as Mãos que ensanguentaste.
Entregaste teu Senhor à morte, no meio de Jerusalém…


O Triunfo do Cordeiro Imolado

Ele, o Senhor, revestido do homem,
padecendo pelo homem que sofria,
atado pelo homem prisioneiro,
julgado em prol do culpado,
sepultado pelo que jazia na terra,
ressurgiu dentre os mortos e clamou em alta voz:
“Quem se levantará em juízo contra Mim?
Venha defrontar-se Comigo!
Eu libertei o condenado,
vivifiquei o morto,
reergui o sepultado.
Quem Me irá contradizer?
Eu, o Cristo, destruí a morte,
triunfei do Inimigo,
esmaguei o Inferno,
amarrei o forte,
arrebatei o homem para as alturas dos Céus.
E, o Cristo!
Vinde, pois, famílias dos homens manchadas por pecados,
recebei o perdão dos pecados!
Pois, Sou vosso perdão,
Eu, a Páscoa da salvação,
o Cordeiro imolado por vós,
a vossa redenção,
a vossa vida,
a vossa ressurreição,
a vossa luz,
a vossa salvação,
o vosso Rei.
Eu vos elevarei à sublimidade dos Céus,
e vos mostrarei o Pai que existe desde os séculos,
vos ressuscitarei por Minha Destra”.

A Ele, o Cristo,
o Alfa e o Ômega,
o começo e o fim,
o inenarrável começo, o incompreensível fim,
o Rei,
a Ele, Jesus,
o Chefe,
o Senhor,
 o que ressurgiu dentre os mortos,
o que está assentado à direita do Pai,
o que conduz ao Pai e é conduzido pelo Pai,
a Ele glória e poder pelos séculos. Amém.





[1]     Melitão de Sardes, “Sources Chrétiennes”, Vol. 123. Cfr. Cirilo Folch Gomes, O.S.B., “Antologia dos Santos Padres – Páginas Seletas dos Antigos Escritores Eclesiásticos”, pp. 80-87; 4ª Edição, Edições Paulinas, São Paulo, 1989.

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