CARTA ENCÍCLICA MORTALIUM ANIMOS,
de Sua Santidade o Papa Pio XI,
Sobre a Promoção da
Verdadeira Unidade de Religião.
(Apud Acta Apostolicae Sedis, anno XX, vol. XX, n.1, p.5, 10/01/1928)
Carta Encíclica aos
Rev.mos Senhores Padres Patriarcas, Primazes, Arcebispos, Bispos e
outros Ordinários dos lugares em paz e união com a Sé Apostólica:
Veneráveis Irmãos,
Saúde e Bênção Apostólica.
1. Ânsia universal de paz e fraternidade
Talvez jamais em uma outra época os espíritos dos
mortais foram tomados por um tão grande desejo daquela fraterna amizade,
pela qual em razão da unidade e identidade de natureza – somos
estreitados e unidos entre nós, amizade esta que deve ser robustecida e
orientada para o bem comum da sociedade humana, quanto vemos ter
acontecido nestes nossos tempos.
Pois, embora as nações ainda não usufruam
plenamente dos benefícios da paz, antes, pelo contrário, em alguns
lugares, antigas e novas discórdias vão explodindo em sedições e em
conflitos civis; como não é possível, entretanto, que as muitas
controvérsias sobre a tranquilidade e a prosperidade dos povos sejam
resolvidas sem que exista a concórdia quanto à ação e às obras dos que
governam as Cidades e administram os seus negócios; compreende-se
facilmente (tanto mais que já ninguém discorda da unidade do gênero
humano) porque, estimulados por esta irmandade universal, também muitos
desejam que os vários povos cada dia se unam mais estreitamente.
2. A Fraternidade na religião. Congressos ecumênicos
Entretanto, alguns lutam por realizar coisa não dissemelhante quanto à ordenação da Lei Nova trazida por Cristo, Nosso Senhor.
Pois, tendo como certo que rarissimamente se
encontram homens privados de todo sentimento religioso, por isto,
parece, passaram a Ter a esperança de que, sem dificuldade, ocorrerá que
os povos, embora cada um sustente sentença diferente sobre as coisas
divinas, concordarão fraternalmente na profissão de algumas doutrinas
como que em um fundamento comum da vida espiritual.
Por isto costumam realizar por si mesmos
convenções, assembleias e pregações, com não medíocre frequência de
ouvintes e para elas convocam, para debates, promiscuamente, a todos:
pagãos de todas as espécies, fiéis de Cristo, os que infelizmente se
afastaram de Cristo e os que obstinada e pertinazmente contradizem à sua
natureza divina e à sua missão.
3. Os Católicos não podem aprová-lo
Sem dúvida, estes esforços não podem, de nenhum
modo, ser aprovados pelos católicos, pois eles se fundamentam na falsa
opinião dos que julgam que quaisquer religiões são, mais ou menos, boas e
louváveis, pois, embora não de uma única maneira, elas alargam e
significam de modo igual aquele sentido ingênito e nativo em nós, pelo
qual somos levados para Deus e reconhecemos obsequiosamente o seu
império.
Erram e estão enganados, portanto, os que possuem
esta opinião: pervertendo o conceito da verdadeira religião, eles
repudiam-na e gradualmente inclinam-se para o chamado Naturalismo e para
o Ateísmo. Daí segue-se claramente que quem concorda com os que pensam e
empreendem tais coisas afasta-se inteiramente da religião divinamente
revelada.
4. Outro erro. A união de todos os cristãos. Argumentos falazes.
Entretanto, quando se trata de promover a unidade
entre todos os cristãos, alguns são enganados mais facilmente por uma
disfarçada aparência do que seja reto.
Acaso não é justo e de acordo com o dever –
costumam repetir amiúde – que todos os que invocam o nome de Cristo se
abstenham de recriminações mútuas e sejam finalmente unidos por mútua caridade?
Acaso alguém ousaria afirmar que ama a Cristo se,
na medida de suas forças, não procura realizar as coisas que Ele
desejou, ele que rogou ao Pai para que seus discípulos fossem "UM" (Jo
17,21)?
Acaso não quis o mesmo Cristo que seus discípulos
fossem identificados por este como que sinal e fossem por ele
distinguidos dos demais, a saber, se mutuamente se amassem: "Todos
conhecerão que sois meus discípulos nisto: se tiverdes amor um pelo
outro?" (Jo 13,35).
Oxalá todos os cristão fossem "UM", acrescentam:
eles poderiam repelir muito melhor a peste da impiedade que, cada dia
mais, se alastra e se expande, e se ordena ao enfraquecimento do
Evangelho.
5. Debaixo desses argumentos se oculta um erro gravíssimo
Os chamados "pancristãos" espalham e insuflam
estas e outras coisas da mesma espécie. E eles estão tão longe de serem
poucos e raros mas, ao contrário, cresceram em fileiras compactas e
uniram-se em sociedades largamente difundidas, as quais, embora sobre
coisas de fé cada um esteja imbuído de uma doutrina diferente, são, as
mais das vezes, dirigidas por acatólicos.
Esta iniciativa é promovida de modo tão ativo que,
de muitos modos, consegue para si a adesão dos cidadão e arrebata e
alicia os espíritos, mesmo de muitos católicos, pela esperança de
realizar uma união que parecia de acordo com os desejos da Santa Mãe, a
Igreja, para Quem, realmente, nada é tão antigo quanto o reconvocar e o
reconduzir os filhos desviados para o seu grêmio.
Na verdade, sob os atrativos e os afagos destas
palavras oculta-se um gravíssimo erro pelo qual são totalmente
destruídos os fundamentos da fé.
6. A verdadeira norma nesta matéria
Advertidos, pois, pela consciência do dever
apostólico, para que não permitamos que o rebanho do Senhor seja
envolvido pela nocividade destas falácias, apelamos, veneráveis irmãos,
para o vosso empenho na precaução contra este mal. Confiamos que, pelas
palavras e escritos de cada um de vós, poderemos atingir mais facilmente
o povo, e que os princípios e argumentos, que a seguir proporemos,
sejam entendidos por ele pois, por meio deles, os católicos devem saber o
que devem pensar e praticar, dado que se trata de iniciativas que dizem
respeitos a eles, para unir de qualquer maneira em um só corpo os que
se denominam cristãos.
7. Só uma Religião pode ser verdadeira: a revelada por Deus
Fomos criados por Deus, Criador de todas as
coisas, para este fim: conhecê-lO e serví-lO. O nosso Criador possui,
portanto, pleno direito de ser servido.
Por certo, poderia Deus Ter estabelecido apenas
uma lei da natureza para o governo do homem. Ele, ao criá-lo, gravou-a
em seu espírito e poderia portanto, a partir daí, governar os seus novos
atos pela providência ordinária dessa mesma lei. Mas, preferiu dar
preceitos aos quais nós obedecêssemos e, no decurso dos tempos, desde os
começos do gênero humano até a vinda e a pregação de Jesus Cristo, Ele
próprio ensinou ao homem, naturalmente dotado de razão, os deveres que
dele seriam exigidos para com o Criador: "Em muitos lugares e de muitos
modos, antigamente, falou Deus aos nossos pais pelos profetas;
ultimamente, nestes dias, falou-nos por seu Filho" (Heb 1,1 Seg).
Está, portanto, claro que a religião verdadeira
não pode ser outra senão a que se funda na palavra revelada de Deus;
começando a ser feita desde o princípio, essa revelação prosseguiu sob a
Lei Antiga e o próprio Cristo completou-a sob a Nova Lei.
Portanto, se Deus falou – e comprova-se pela fé
histórica Ter ele realmente falado – não há quem não veja ser dever do
homem acreditas, de modo absoluto, em deus que se revela e obedecer
integralmente a Deus que impera. Mas, para a glória de Deus e para a
nossa salvação, em relação a uma coisa e outra, o Filho Unigênito de
Deus instituiu na terra a sua Igreja.
8. A única religião revelada é a Igreja Católica
Acreditamos, pois, que os que afirmam serem
cristãos, não possam fazê-lo sem crer que uma Igreja, e uma só, foi
fundada por Cristo. Mas, se se indaga, além disso, qual deva ser ela
pela vontade do seu Autor, já não estão todos em consenso.
Assim, por exemplo, muitíssimos destes negam a
necessidade da Igreja de Cristo ser visível e perceptível, pelo menos na
medida em que deva aparecer como um corpo único de fiéis, concordes em
uma só e mesma doutrina, sob um só magistério e um só regime. Mas, pelo
contrário, julgam que a Igreja perceptível e visível é uma Federação de
várias comunidades cristãs, embora aderentes, cada uma delas, a
doutrinas opostas entre si.
Entretanto, cristo Senhor instituiu a sua Igreja
como uma sociedade perfeita de natureza externa e perceptível pelos
sentidos, a qual, nos tempos futuros, prosseguiria a obra da reparação
do gênero humano pela regência de uma só cabeça (Mt 16,18 seg.; Lc
22,32; Jo 21,15-17), pelo magistério de uma voz viva (Mc 16,15) e pela
dispensação dos sacramentos, fontes da graça celeste (Jo 3,5; 6,48-50;
20,22 seg.; cf. Mt 18,18; etc.). Por esse motivo, por comparações
afirmou-a semelhante a um reino (Mt, 13), a uma casa (Mt 16,18), a um
redil de ovelhas (Jo 10,16) e a um rebanho (Jo 21,15-17).
Esta Igreja, fundada de modo tão admirável, ao Lhe
serem retirados o seu Fundador e os Apóstolos que por primeiro a
propagaram, em razão da morte deles, não poderia cessar de existir e ser
extinta, uma vez que Ela era aquela a quem, sem nenhuma discriminação
quanto a lugares e a tempos, fora dado o preceito de conduzir todos os
homens à salvação eterna: "Ide, pois, ensinai a todos os povos" (Mt
28,19).
Acaso faltaria à Igreja algo quanto à virtude e
eficácia no cumprimento perene desse múnus, quando o próprio Cristo
solenemente prometeu estar sempre presente a ela: "Eis que Eu estou
convosco, todos os dias, até a consumação dos séculos?" (Mt 28,20).
Deste modo, não pode ocorrer que a Igreja de
Cristo não exista hoje e em todo o tempo, e também que Ela não exista
hoje e em todo o tempo, e também que Ela não exista como inteiramente a
mesma que existiu à época dos Apóstolos. A não ser que desejemos afirmar
que: Cristo Senhor ou não cumpriu o que propôs ou que errou ao afirmar
que as portas do inferno jamais prevaleceriam contra Ela (Mt 16,18).
9. Um erro capital do movimento ecumênico na pretendida união das igrejas cristãs
Ocorre-nos dever esclarecer e afastar aqui certa
opinião falsa, da qual parece depender toda esta questão e proceder essa
múltipla ação e conspiração dos acatólicos que, como dissemos,
trabalham pela união das igrejas cristãs.
Os autores desta opinião acostumaram-se a citar,
quase que indefinidamente, a Cristo dizendo: "Para que todos sejam
um"... "Haverá um só rebanho e um só Pastos"(Jo 27,21; 10,16). Fazem-no
todavia de modo que, por essas palavras, queriam significar um desejo e
uma prece de cristo ainda carente de seu efeito.
Pois opinam: a unidade de fé e de regime,
distintivo da verdadeira e única Igreja de Cristo, quase nunca existiu
até hoje e nem hoje existe; que ela pode, sem dúvida, ser desejada e
talvez realizar-se alguma vez, por uma inclinação comum das vontades;
mas que, entrementes, deve existir apenas uma fictícia unidade.
Acrescentam que a Igreja é, por si mesma, por
natureza, dividida em partes, isto é, que ela consta de muitas igreja ou
comunidades particulares, as quais, ainda separadas, embora possuam
alguns capítulos comuns de doutrina, discordam todavia nos demais. Que
cada uma delas possui os mesmos direitos, Que, no máximo, a Igreja foi
única e una, da época apostólica até os primeiros concílios ecumênicos.
Assim, dizem, é necessários colocar de lado e
afastar as controvérsias e as antiquíssimas variedade de sentenças que
até hoje impedem a unidade do nome cristão e, quanto às outras
doutrinas, elaborar e propor uma certa lei comum de crer, em cuja
profissão de fé todos se conheçam e se sintam como irmãos, pois, se as
múltiplas igrejas e comunidades forem unidas por um certo pacto,
existiria já a condição para que os progressos da impiedade fossem
futuramente impedidos de modo sólido e frutuoso.
Estas são, Veneráveis Irmãos, as afirmações comuns.
Existem, contudo, os que estabelecem e concedem
que o chamado Protestantismo, de modo bastante inconsiderado, deixou de
lado certos capítulos da fé e alguns ritos do culto exterior, sem dúvida
gratos e úteis, que, pelo contrário, a Igreja Romana ainda conserva.
Mas, de imediato, acrescentam que esta mesma
Igreja também agiu mal, corrompendo a religião primitiva por algumas
doutrinas alheias e repugnantes ao Evangelho, propondo acréscimos para
serem cridos: enumeram como o principal entre estes o que versa sobre o
Primado de Jurisdição atribuído a Pedro e a seus Sucessores na Sé
Romana.
Entre os que assim pensam, embora não sejam
muitos, estão os que indulgentemente atribuem ao Pontífice Romano um
primado de honra ou uma certa jurisdição e poder que, entretanto, julgam
procedente não do direito divino, mas de certo consenso dos fiéis.
Chegam outros ao ponto de, por seus conselhos, que diríeis serem
furta-cores, quererem presidir o próprio Pontífice.
E se é possível encontrar muitos acatólicos
pregando à boca cheia a união fraterna em Jesus Cristo, entretanto não
encontrareis a nenhum deles em cujos pensamentos esteja a submissão e a
obediência ao Vigário de Jesus Cristo enquanto docente ou enquanto
governante.
Afirmam eles que tratariam de bom grado com a
Igreja Romana, mas com igualdade de direitos, isto é, iguais com um
igual. Mas, se pudessem fazê-lo, não parece existir dúvida de que
agiriam com a intenção de que, por um pacto que talvez se ajustasse, não
fossem coagidos a afastarem-se daquelas opiniões que são a causa pela
qual ainda vagueiem e errem fora do único aprisco de Cristo.
10. A Igreja Católica não pode participar de semelhantes reuniões
Assim sendo, é manifestamente claro que a Santa
Sé, não pode, de modo algum, participar de suas assembleias e que, aos
católicos, de nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para estas
iniciativas: se o fizerem concederão autoridade a uma falsa religião
cristã, sobremaneira alheia à única Igreja de Cristo.
11. A verdade revelada não admite transações
Acaso poderemos tolera – o que seria bastante
iníquo - , que a verdade e , em especial a revelada, seja diminuída
através de pactuações?
No caso presente, trata-se da verdade revelada que deve ser defendida.
Se Jesus Cristo enviou os Apóstolos a todo o
mundo, a todos os povos que deviam ser instruídos na fé evangélica e,
para que não errassem em nada, quis que, anteriormente, lhes fosse
ensinada toda a verdade pelo Espírito Santo, acaso esta doutrina dos
Apóstolos faltou inteiramente ou foi alguma vez perturbada na Igreja em
que o próprio Deus está presente como regente e guardião?
Se o nosso Redentor promulgou claramente o seu
Evangelho não apenas para os tempos apostólicos, mas também para
pertencer às futuras épocas, o objeto da fé pode tornar-se de tal modo
obscuro e incerto que hoje seja necessários tolerar opiniões pelo menos
contrárias entre si?
Se isto fosse verdade,
dever-se-ia igualmente dizer que o Espírito Santo que desceu sobre os
Apóstolos, que a perpétua permanência dele na Igreja e também que a
própria pregação de Cristo já perderam, desde muitos séculos, toda a
eficácia e utilidade: afirmar isto é, sem dúvida, blasfemo.
12. A Igreja Católica, depositária infalível da verdade
Quando o Filho Unigênito de Deus
ordenou a seus enviados que ensinassem a todos os povos, vinculou então
todos os homens pelo dever de crer nas coisas que lhes fossem anunciadas
pela "testemunha pré-ordenadas por Deus" (At. 10,41). Entretanto, um e
outro preceito de Cristo, o de ensinar e o de crer na consecução da
salvação eterna, que não podem deixar de ser cumpridos, não poderiam ser
entendidos a não ser que a Igreja proponha de modo íntegro e claro a
doutrina evangélica e que, ao propô-la, seja imune a qualquer perigo de
errar.
Afastam-se igualmente do caminho
os que julgam que o depósito da verdade existe realmente na terra, mas
que é necessário um trabalho difícil, com tão longos estudos e disputas
para encontrá-lo e possuí-lo que a vida dos homens seja apenas
suficiente para isso, com se Deus benigníssimo tivesse falado pelos
profetas e pelo seu Unigênito para que apenas uns poucos, e estes mesmos
já avançados em idade, aprendessem perfeitamente as coisas que por eles
revelou, e não para que preceituasse uma doutrina de fé e de costumes
pela qual, em todo o decurso de sua vida mortal, o homem fosse regido.
13. Sem fé, não há verdadeira caridade
Estes pancristãos, que empenham o
seu espírito na união das igrejas, pareceriam seguir, por certo, o
nobilíssimo conselho da caridade que deve ser promovida entre os
cristãos. Mas, dado que a caridade se desvia em detrimento da fé, o que
pode ser feito?
Ninguém ignora por certo que o
próprio João, o Apóstolo da Caridade, que em seu Evangelho parece ter
manifestado os segredos do Coração Sacratíssimo de Jesus e que
permanentemente costumavas inculcar à memória dos seus o mandamento
novo: "Amai-vos uns aos outros", vetou inteiramente até mesmo manter
relações com os que professavam de forma não íntegra e incorrupta a
doutrina de Cristo: "Se alguém vem a vós e não traz esta doutrina, não o
recebais em casa, nem digais a ele uma saudação" (2 Jo. 10).
Pelo que, como a caridade se apoia
na fé íntegra e sincera como que em um fundamento, então é necessário
unir os discípulos de Cristo pela unidade de fé como no vínculo
principal.
14. União irracional
Assim, de que vale excogitar no
espírito uma certa Federação cristã, na qual ao ingressar ou então
quando se tratar do objeto da fé, cada qual retenha a sua maneira de
pensar e de sentir, embora ela seja repugnante às opiniões dos outros?
E de que modo pedirmos que
participem de um só e mesmo Conselho homens que se distanciam por
sentenças contrárias como, por exemplo, os que afirmam e os que negam
ser a sagrada Tradição uma fonte genuína da Revelação Divina?
Como os que adoram a Cristo
realmente presente na Santíssima Eucaristia, por aquela admirável
conversão do pão e do vinho que se chama transubstanciação e os que afirmam que, somente pela fé ou por sinal e em virtude do Sacramento, aí está presente o Corpo de Cristo?
Como os que reconhecem nela a
natureza do Sacrifício e a do Sacramento e os que dizem que ela não é
senão a memória ou comemoração da Ceia do Senhor?
Como os que creem ser bom e útil
invocar súplice os Santos que reinam junto de Cristo - Maria, Mãe de
Deus, em primeiro lugar - e tributar veneração às suas imagens e os que
contestam que não pode ser admitido semelhante culto, por ser contrário à
honra de Jesus Cristo, "único mediador de Deus e dos homens"? (1 Tim.
2,5).
15. Princípio até o indiferentismo e o modernismo
Não sabemos, pois, como por essa
grande divergência de opiniões seja defendida o caminho para a
realização da unidade da Igreja: ela não pode resultar senão de um só
magistério, de uma só lei de crer, de uma só fé entre os cristãos.
Sabemos, entretanto, gerar-se facilmente daí um degrau para a
negligência com a religião ou o Indiferentismo e para o denominado
Modernismo. os que foram miseravelmente infeccionados por ele defendem
que não é absoluta, mas relativa a verdade revelada, isto é, de acordo
com as múltiplas necessidades dos tempos e dos lugares e com as várias
inclinações dos espíritos, uma vez que ela não estaria limitada por uma
revelação imutável, mas seria tal que se adaptaria à vida dos homens.
Além disso, com relação às coisas
que devem ser cridas, não é lícito utilizar-se, de modo algum, daquela
discriminação que houveram por bem introduzir entre o que denominam
capítulos fundamentais e capítulos não fundamentais da fé, como se uns
devessem ser recebidos por todos, e, com relação aos outros, pudesse ser
permitido o assentimento livre dos fiéis: a Virtude sobrenatural da fé
possui como causa formal a autoridade de Deus revelante e não pode
sofrer nenhuma distinção como esta.
Por isto, todos os que são
verdadeiramente de Cristo consagram, por exemplo, ao mistério da Augusta
Trindade a mesma fé que possuem em relação dogma da Mãe de Deus
concebida sem a mancha original e não possuem igualmente uma fé
diferente com relação à Encarnação do Senhor e ao magistério infalível
do Pontífice romano, no sentido definido pelo Concílio Ecumênico
Vaticano.
Nem se pode admitir que as verdade
que a Igreja, através de solenes decretos, sancionou e definiu em
outras épocas, pelo menos as proximamente superiores, não sejam, por
este motivo, igualmente certas e nem devam ser igualmente acreditadas:
acaso não foram todas elas reveladas por Deus?
Pois, o Magistério da Igreja, por
decisão divina, foi constituído na terra para que as doutrinas reveladas
não só permanecessem incólumes perpetuamente, mas também para que
fossem levadas ao conhecimento dos homens de um modo mais fácil e
seguro. E, embora seja ele diariamente exercido pelo Pontífice Romano e
pelos Bispos em união com ele, todavia ele se completa pela tarefa de
agir, no momento oportuno, definindo algo por meio de solenes ritos e
decretos, se alguma vez for necessário opor-se aos erros ou impugnações
dos hereges de um modo mais eficiente ou imprimir nas mentes dos fiéis
capítulos da doutrina sagrada expostos de modo mais claro e
pormenorizado.
Por este uso extraordinário do
Magistério nenhuma invenção é introduzida e nenhuma coisa nova é
acrescentada à soma de verdades que estando contidas, pelo menos
implicitamente, no depósito da revelação, foram divinamente entregues à
Igreja, mas são declaradas coisas que, para muitos talvez, ainda
poderiam parecer obscuras, ou são estabelecidas coisas que devem ser
mantidas sobre a fé e que antes eram por alguns colocados sob
controvérsia.
16. A única maneira de unir todos os cristãos
Assim, Veneráveis Irmãos, é clara a
razão pela qual esta Sé Apostólica nunca permitiu aos seus estarem
presentes às reuniões de acatólicos por quanto não é lícito promover a
união dos cristãos de outro modo senão promovendo o retorno dos
dissidentes à única verdadeira Igreja de Cristo, dado que outrora,
infelizmente, eles se apartaram dela.
Dizemos à única verdadeira Igreja
de Cristo: sem dúvida ela é a todos manifesta e, pela vontade de seu
Autor, Ela perpetuamente permanecerá tal qual Ele próprio A instituiu
para a salvação de todos.
Pois, a mística Esposa de Cristo
jamais se contaminou com o decurso dos séculos nem, em época alguma,
poderá ser contaminada, como Cipriano o atesta: "A Esposa de Cristo não
pode ser adulterada: ela é incorrupta e pudica. Ela conhece uma só casa e
guarda com casto pudor a santidade de um só cubículo" (De Cath.
Ecclessiae unitate, 6).
E o mesmo santo Mártir, com
direito e com razão, grandemente se admirava de que pudesse alguém
acreditar que "esta unidade que procede da firmeza de Deus pudesse
cindir-se e ser quebrada na Igreja pelo divórcio de vontades em
conflito" (ibidem).
Portanto, dado que o Corpo Místico
de Cristo, isto é, a Igreja, é um só (1 Cor. 12,12), compacto e conexo
(Ef. 4,15), à semelhança do seu corpo físico, seria inépcia e estultice
afirmar alguém que ele pode constar de membros desunidos e separados:
quem pois não estiver unido com ele, não é membro seu, nem está unido à
cabeça, Cristo (Cfr. Ef. 5,30; 1,22).
17. A Obediência ao Romano Pontífice
Mas, ninguém está nesta única
Igreja de Cristo e ninguém nela permanece a não ser que, obedecendo,
reconheça e acate o poder de Pedro e de seus sucessores legítimos.
Por acaso os antepassados dos
enredados pelos erros de Fócio e dos reformadores não estiveram unidos
ao Bispo de Roma, ao Pastor supremo das almas?
Ai! Os filhos afastaram-se da casa
paterna; todavia ela não foi feita em pedaços e nem foi destruída por
isso, uma vez que estava arrimada na perene proteção de Deus. Retornem,
pois, eles ao Pai comum que, esquecido das injúrias antes gravadas a
fogo contra a Sé Apostólica, recebê-los-á com máximo amor.
Pois se, como repetem frequentemente, desejam unir-se Conosco e com os nossos, por que não se
apressam em entrar na Igreja, "Mãe e Mestra de todos os fiéis de Cristo"
(Conc. Later 4, c.5)?
Escutem a Lactâncio chamado
amiúde: "Só... a Igreja Católica é a que retém o verdadeiro culto. Aqui
está a fonte da verdade, este é o domicílio da Fé, este é o templo de
Deus: se alguém não entrar por ele ou se alguém dele sair, está fora da
esperança da vida e salvação. É necessário que ninguém se afague a si
mesmo com a pertinácia nas disputas, pois trata-se da vida e da salvação
que, a não ser que seja provida de um modo cauteloso e diligente,
estará perdida e extinta" (Divin. Inst. 4,30, 11-12).
18. Apelo às seitas dissidentes
Aproximem-se, portanto, os filhos
dissidentes da Sé Apostólica, estabelecida nesta cidade que os Príncipes
dos Apóstolos Pedro e Paulo consagraram com o seu sangue; daquela Sede,
dizemos, que é "raiz e matriz da Igreja Católica" (S. Cypr., ep. 48 ad
Cornelium, 3), não com o objetivo e a esperança de que "a Igreja do Deus
vivo, coluna e fundamento da verdade" (1 Tim 3,15) renuncie à
integridade da fé e tolere os próprios erros deles, mas, pelo contrário,
para que se entreguem a seu magistério e regime.
Oxalá auspiciosamente ocorra para
Nós isto que não ocorreu ainda para tantos dos nossos muitos
Predecessores, a fim de que possamos abraçar com espírito fraterno os
filhos que nos é doloroso estejam de Nós separados por uma perniciosa
dissensão.
Prece a Nosso Senhor e a Nossa Senhora
Oxalá Deus, Senhor nosso, que
"quer salvar todos os homens e que eles venham ao conhecimento da
verdade"(1 Tim. 2,4) nos ouça suplicando fortemente para que Ele se
digne chamar à unidade da Igreja a todos os errantes.
Nesta questão que é, sem dúvida,
gravíssima, utilizamos e queremos que seja utilizada como intercessora a
Bem-aventurada Virgem Maria, Mãe da graça divina, vencedora de todas as
heresias e auxílio dos cristãos, para que Ela peça, para o quanto
antes, a chegada daquele dia tão desejado por nós, em que todos os
homens escutem a voz do seu Filho divino, "conservando a unidade de
espírito em um vínculo de paz" (Ef. 4,3).
19. Conclusão e Bênção Apostólica
Compreendeis, Veneráveis Irmãos, o
quanto desejamos isto e queremos que o saibam os nossos filhos, não só
todos os do mundo católico, mas também os que de Nós dissentem. Estes,
se implorarem em prece humilde as luzes do céu, por certo reconhecerão a
única verdadeira Igreja de Jesus Cristo e, por fim, n'Ela tendo entrado,
estarão unidos conosco em perfeita caridade.
No aguardo deste fato, como
auspício dos dons de Deus e como testemunho de nossa paterna
benevolência, concedemos muito cordialmente a vós, Veneráveis Irmãos, e a
vosso clero e povo, a bênção apostólica.
Dado em Roma, junto de São Pedro,
no dia seis de janeiro, no ano de 1928, festa da Epifania de Jesus
Cristo, Nosso Senhor, sexto de nosso Pontificado.
Pio, Papa XI.
http://www.montfort.org.br/old/index.php?secao=documentos&subsecao=enciclicas&artigo=mortalium&lang=bra