Milagre da Ordem Moral
na Pessoa de Jesus Cristo
Milagres da Ordem Moral: A ordem moral, como a intelectual, tem no homem limites assinalados pela experiência universal, os quais só Deus lhe pode fazer transpor. Se o Catolicismo tem em si fatos, que evidentemente ultrapassam esses limites, a razão me obrigaria a adesão a essa Religião, como tendo estampado o cunho da infalibilidade divina.
Ora, eu chego a essa demonstração, considerando os fatos no Fundador do Catolicismo, na sua natureza, na execução e nos frutos da sua obra.
§ 1º
Milagre da Ordem Moral na Pessoa de Jesus Cristo
Tanto é divino o caráter intelectual de Jesus Cristo, como o é o seu caráter moral. Ao passo que todos nós nascemos mais ou menos egoístas, Jesus Cristo mostra-se ou esquecido de Si mesmo ou dedicado totalmente ao bem dos outros; vive só para eles, dando preferência aos pobre e desgraçados; o seu Coração abrasa-se em uma caridade, que o mundo não conhece, em uma simpatia incomparável para com todas as misérias humanas. Percorre a Judeia “semeando benefícios por toda a parte”;1 socorre os enfermos; misericordioso para com os pecadores, cujo verdadeiro médico se mostra pelo acesso, que lhes dá ao seu lado, declara-se enviado especialmente para eles; atrai-os com uma bondade tão comovente, que se revela nas parábolas da dracma perdida, na ovelha desgarrada, no filho pródigo; procura-os com um zelo e doçura, cujo exemplo nunca dera mortal algum antes d’Ele; ama as almas como ninguém as amou; “ama-as até ao excesso”, diz São Paulo;2 vive e morre só para a salvação de todas, até daquelas que hão de repelir-Lhe os benefícios, e até pela salvação dos seus algozes. Quantos suspiros inefáveis faz sair dos seus lábios este Coração! Quantas lágrimas tocantes e heroicas faz deslizar dos seus olhos! Falando da morte sangrenta, que Lhe está reservada, exclama: “Eu devo ser batizado em um batismo, e quanto eu sinto desejos que ele se cumpra!”3 Do alto de uma colina Ele lança as suas vistas sobre a cidade, que encheu de benefícios e que Ele sabe vai ser teatro da sua Paixão e Morte, e bem longe de indignar-se contra tão horrorosa ingratidão, lamenta-a: “chora sobre ela”, e expande a sua dor em termos que não podem ler-se sem profunda comoção: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes quis eu reunir teus filhos como a galinha reúne os pintainhos sob as asas, e tu o não quisestes!”4 Quem sentiu alguma vez assim, e quem falou deste modo?
Mas se o Coração de Jesus Cristo está tão cheio de inefável ternura para com aqueles que são os mais indignos, que sucederá para com os que querem corresponder ao seu amor? É aqui que Ele se mostra ainda mais divino, se é possível usar deste adjetivo. No discurso depois da ceia, Ele cria, se podemos dizê-lo assim, uma linguagem nova, para expandir sobre os seus discípulos muito amados os sentimentos, de que está repleto. Chama-os “filhos e amigos” a quem confiou os segredos de seu Pai, e a quem vai dar no momento de morrer o maior testemunho do seu amor; quer que eles se amem uns aos outros como Ele os amou; e por três vezes lh’o recomenda como coisa que mais tem a peito; quer que eles sejam “em unidade com Ele, como Ele o é com o Pai”.5 A este respeito disse D. Bossuet: “O leitor que tem alma feita para sentir, saborear e examinar o verdadeiro, o bom, belo, patético, sublime, leia e torne a ler os capítulos XIV, XV, XVI, XVII do Evangelho do discípulo amado. Sinto que o meu plano não me permite analisar estes diversos colóquios do melhor e mais respeitável dos Mestres, desse Mestre que ia dar a sua vida pelos seus amigos, consagrando os seus últimos momentos a instruí-los e consolá-los! Mas que digo? A admiração me desvaira e tira-me até o sentimento da minha incapacidade; semelhantes entretenimentos não podiam ser analisados senão por aqueles a quem o divino Mestre dizia que não lhes dava já o nome de servos. Quanto deploro o homem desprovido de sentimento ou de inteligência, ou bastante dominado pelos seus preconceitos, para permanecer insensível a entretenimentos, em que o divino benfeitor da humanidade se pintava a Si mesmo com uma verdade e simplicidade tão tocantes e majestosa!”6
A esses caracteres tocantes e excepcionais da moralidade de Jesus Cristo adicionam-se a sua santidade e grandezas realmente divinas. No Fundador do Catolicismo vejo exteriormente um homem; mas se sofre as necessidades do homem físico, não passa pelas debilidades do homem moral. Iguala àquele, e é superior a este.
“No seu proceder, como nos seus discursos, tudo anuncia uma inteligência sobre-humana… Tudo é grande e santo n’Ele… Não prega aos seus discípulos senão humildade, dá-Lhes o exemplo de todas as virtudes, que formam os grandes homens; isto é, os homens mais úteis à sociedade pelo desprezo das riquezas e até da vida”.7
E o que é mais espantos e admirável no caráter moral de Jesus Cristo, é a igualdade constante; sempre santo, sempre grande até nas inauditas humilhações da sua Paixão e Morte: “é sempre o mesmo quando O acusam, como quando O louvam; quando O insultam, como quando O honram; quando O querem apedrejar, como quando tentam fazê-Lo rei; quando a multidão O rodeia e oprime, como quando está só no deserto e sobre as montanhas”.8 É o mesmo, quando o povo faz ecoar nos seus ouvidos o entusiástico – Hosana ao Filho de Davi na sua entrada triunfal em Jerusalém, e quando poucos dias depois esse mesmo povo Lhe prefere Barrabás e reclama a sua morte sobre a Cruz. Em presença dos seus juízes tem a majestade da palavra quando a honra do seu Ministério o reclama; e a majestade do silêncio ante Herodes e Pilatos; a majestade da inocência, que se cala, quando Lhe bastaria abrir a boca para confundir os seus acusadores e furtar-se ao suplício.
Perguntá-lo-emos a qualquer homem que tenha alma um pouco levantada nas ideias e sentimentos, se o caráter moral de Jesus Cristo não tem impresso o cunho divino? E como sucede que nada Lhe pode ser comparável nem antes nem depois? E como Jesus Cristo seja um homem único entre todos quantos tem havido quanto ao caráter moral?
Esse caráter incomparável é um derrogação às leis constantes da natureza humana, e se assim é, o Fundador do Catolicismo é um milagre da ordem moral, como o é da ordem intelectual.
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Fonte: Cônego E. Barthe, “Motivos da Minha Fé Religiosa”, Terceira Parte, Capítulo IV, pp. 423-428. J.J. de Mesquita Pimentel – Editor, Porto, 1883.
1 Act., X, 38.
2 Eph., II, 1.
3 Luc., XII, 50.
4 Math., XIII, 37.
5 Joan., XIV; XV; XVII.
6 Recherches sur le Christianisme.
7 Teoria do Poder Político, pelo Visconde de Bonald.
8 Meditações, pelo Padre Hamon, cura de S. Sulpício, tomo III.