Exposição Doutrinária
1. Já havia muito – segundo opinam alguns teólogos, talvez 15 anos – desde a vinda do Espírito Santo, em Pentecostes, que Maria, por disposição divina, assistia com cuidados maternais a Igreja nascente de Cristo.
Mais do que um São Paulo, desejava Ela, com veemência, “desprender-se dos laços da carne para estar com Cristo”,1 pois, amava a seu Filho mais do que qualquer outro Santo.
Com saudades muito mais ardentes que o Profeta Davi, Ela exclamava: “Quem me dera penas de pomba para voar ao meu Deus e n’Ele achar o meu repouso? Como o cervo suspira pelos mananciais das águas, assim por Vós suspira minha alma, ó meu Deus!”.2
Maria desejava a morte, a fim de unir-se para sempre ao seu Filho bem-amado.
Sua morte não foi uma separação violenta do corpo e da alma, por não estar apegada à criatura alguma. Nem foi, como nos demais homens, uma pena do pecado, sendo Ela toda Santa e isenta de qualquer mancha.
“Querendo Deus, fosse Maria bem semelhante a Jesus”, assim se exprime Santo Afonso de Ligório, “convinha que morresse a Mãe como tinha morrido o Filho. Queria o Senhor dar aos justos um exemplo da morte preciosa que lhes está preparada e por isso determinou que morresse a Virgem, mas de uma morte toda doce e feliz”.3
Se no dizer do Salmista4 “é preciosa aos olhos do Senhor a morte dos seus Santos”, quão preciosa não havia de ser a morte da mais Santa de Todos os Santos! Pois, conforme se exprime com sutileza Santo Ildefonso: “Se os Santos morreram ‘no amor’ de Deus, só Maria é que morreu ‘de amor’!”5
2. Referem alguns escritores sacros, como São João Damasceno, que os Apóstolos, vindo, como por milagre, das diversas partes do mundo, onde estavam dispersos e pregando o Evangelho, se reuniram em derredor do leito de Maria.6
Observa um grande teólogo da atualidade, Dr. Scheeben, acerca da tradição da presença dos Apóstolos à morte de Maria, que esta não foi nem impossível, nem incoveniente.7
Com efeito, considerando as íntimas relações que ligavam os Apóstolos à Mãe de Deus, depois da Ascensão do Senhor ao Céu, achamos muito natural, que os Apóstolos – os filhos recomendados por Jesus a Mari – por disposição divina, se encontrassem presentes à hora suprema de sua Mãe e Rainha.
É também de supor que a Virgem não morresse inesperada e repentinamente, mas que São João, ou por própria iniciativa ou por desejo de Maria, em vista de sua avançada idade e outras circunstâncias, avisasse com antecedência os Apóstolos do desenlace próximo futuro da Mãe de Deus.
Maria, vendo então os amados filhos reunidos ao redor de Si, lhes terá dado seus últimos avisos e conselhos, animando-os a continuarem na luta e na propagação do Reino de Cristo e lhes terá lançado a sua última bênção maternal e prometido a sua assistência e auxílio de lá, do Céu.
3. As palavras “eis aí teu filho” – “eis aí tua Mãe”, que Jesus moribundo dirigiu à sua Mãe e ao Discípulo amado, bem como a reunião dos Apóstolos ao redor de Maria no Cenáculo, por ocasião da descida do Espírito Santo e, em seguida, a longa assistência da Virgem À Igreja nascente, dão à Mãe de Deus um legítimo direito ao título de “Mãe, Mestra e Rainha dos Apóstolos”.
A Santíssima Virgem cumpria exatamente sua missão nesta terra. Consumira sua vida no Apostolado de que fora incumbida por Deus: de cooperar com seu Filho divino na Redenção do mundo e assistir a Igreja nascente.
Afinal chegou o termo de sua vida, o momento de sua libertação do exílio terrestre.
Assim como o sol refulgente do meio-dia, ao declinar e dissolver-se em crepúsculo vespertino, sorri pela última vez à terra e, como despedindo-se, a beija com os seus lábios purpúreos, assim declinou a vida luminosa e apostólica da Santíssima Virgem ao ocaso.
A sua morte foi semelhante ao esplêndido pôr do sol. Foi, na expressão da Santa Igreja, “dormitio Virginis” – um doce “adormecer”.
Consideração Prática
“Statutum est hominibus semel mori” – “Estabelecido está que os homens morram”.8
A morte é certa, certíssima. Incertas, porém, são as circunstâncias.
Será preciosa aos olhos do Senhor a minha morte, como a dos seus Santos?
Sim, será, se eu tiver, à imitação da Mãe de Deus, cumprido com o fim principal de minha vida, que é “conhecer, amar e servir a Deus” – doutrina cristã fundamental – e desta maneira salvar a minha própria alma e, conforme as condições do meu estado, procurar a salvação do próximo.
É este o fim, a missão, o Apostolado de minha vida cristã.
Conta um Padre Missionário: Hoje fui visitar uma moça, Filha de Maria. Cheguei a tempo para assistir à sua morte edificante. Já a conhecia, mas hoje se revelou-me, como nunca antes, a sua alma cândida e generosa.
Com toda a ingenuidade e com um sorriso nos lábios, ela me disse: “Meu Pai, hoje me vou!”
“E não tem medo, minha filha?” – “Como ter medo”, replicou, “sou Filha de Maria! Esforcei-me sempre por ser boa filha de minha Mãe celeste. Consola-me também o ter cooperado no Apostolado, como Catequista, em prol das almazinhas das meninas. Nunca esqueci a bela palavra da Sagrada Escritura, que Vossa Reverendíssima, num seu sermão, citou: Aqueles que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça ou da virtude, luzirão como as estrelas por toda a eternidade”.9
Após alguns instantes, continuou: “Meu pai, hoje tenho que revelar-vos ainda um segredo meu. Faço-o, porque se trata da salvação da alma de meu querido Papai. Desde o seu casamento, ele nunca mais voltou a confessar-se e comungar. E a Missa, ouviu-a uma vez no ano. A Missa do Galo no Natal, porque gostou.
Quando caí doente, desejava e esperava restabelecer-me. Mas, desde que declararam incurável minha doença, me resignei. Sim, com custo e relutância, mas, afinal, me resignei. E para não viver e sofrer em vão, ofereci a minha doença e minha vida, em holocausto, pela conversão do meu Papai. Não duvido que Deus Nosso Senhor, em atenção ao meu sacrifício, lhe dará esta graça. Por isso, recomendo aos cuidados de V. Revma. a alma de meu Papai, depois da minha morte”.
Todo emocionado, prometi à moça interessar-me no que desejava. E lhe disse: Desta maneira, a Sra. Encerra a sua vida com um ato sublime de Apostolado e poderá fazer suas as palavras de São Paulo: O tempo da minha dissolução avizinha-se; combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé. De resto me está reservada a coroa da justiça que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia”.10
“Na verdade, que bela sentença esta! Que consolação para mim!” exclamou a doente e logo acrescentou: “Mas, já sinto, meu Pai, que estamos na hora. Faça entrar os meus Pais e irmãozinhos e diga-lhes que entoem o meu canto predileto que lhes ensinei também a cantar”.
Depois de entrada a família toda, os pequeninos começaram, por entre soluços, a cantar:
Com minha Mãe estarei
Na santa glória um dia!
Junto à Virgem Maria
No Céu triunfarei!
No Céu, no Céu,
Com minha Mãe estarei!
Na terceira estrofe, a doente, virando a cabeça para o outro lado, com um doce sorriso, expirou. A sua alma cândida e generosa voou para junto de sua Mãe celestial.
“Morrer sorrindo é privilégio dos mimosos de Maria”.
Foi na hora em que, no Coro da Catedral, os Clérigos entoavam as primeiras Vésperas da festa da Assunção de Nossa Senhora.
Não menos edificante, foi a morte de Da. Maria Desidéria, grande devota de Maria e célebre escritora Brasileira, falecida em Florianópolis, em 1933. Pouco antes de entregar sua alma ao Criador, pedira às Irmãs Religiosas, que lhe assistiam, cantassem “Com minha Mãe estarei”.
Desejamos morte semelhante? Dirijamos, todos os dias, com atenção e devoção, à Mãe celeste a Oração da Santa Igreja: “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós, pecadores, agora e na hora da nossa morte”. Amém.
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Fonte: Rev. Pe. Dr. Erasmo Raabe, S.A.C., “Regina Mundi – Considerações doutrinal-práticas em trinta e três capítulos para os meses e festas de Maria”, 2ª Parte, Cap. XXIII, pp. 123-128. 2ª Edição, Edições Paulinas, São Paulo, 1954.
1. Filip., 1, 23.
2. Salm., 41.
3. S. Afonso M. de Ligório, “Glórias de Maria”, Segunda Parte, Tratado I, Cap. II, VII. da Assunção de Maria, Consideração Primeira, p. 264. 6ª Edição, Editora Vozes Ltda, Petrópolis/RJ, 1964.
4. Salm., 115, 15.
5. Frei Henrique Trindade, “A Alma Gloriosa de Maria”, p. 151, “Vozes”.
6. Die 4º infra Oct. Assumptionis, lectio 4-6.
7. Dogm., III, 588.
8. Heb., 9, 27.
9. Dan., 12, 3.
10. II Tim., 4, 7.