A Epifania, que significa: aparição ou manifestação do Salvador ao mundo, foi sempre considerada como uma das festas mais célebres e mais solenes da Igreja, já por causa dos três Mistérios que estão compreendidos nesta solenidade, já porque se considera como festa peculiar da vocação dos gentios à fé. Celebrava-se no Oriente já no século III, e penetrou no Ocidente pelos fins do século IV.
Três Mistérios celebra a Igreja nesta única festividade por ser tradição antiquíssima, que sucederam no mesmo dia, ainda que não no mesmo ano: a Adoração dos Reis; o Batismo de Jesus, por São João; e o primeiro milagre, que o Salvador fez nas bodas de Caná da Galileia. Esta palavra grega Epifania, cujo significado é aparição ou manifestação, convém perfeitamente a todos estes três Mistérios.
Manifestou-se Jesus Cristo aos Magos, os quais, seguindo a estrela miraculosa, O vieram reconhecer por seu Rei, por seu Deus, por seu Salvador, e Rei, Deus e Salvador de todo o gênero humano; manifestou-se a sua Divindade no Batismo, por meio daquela voz do Céu, que a declarou; manifestou-se a sua Onipotência no primeiro milagre que fez. Por terem sido estes os principais meios de que Deus se serviu para manifestar na terra a glória de seu Filho, a Santa Igreja reúne-os todos três sob o nome de Epifania, embora seja a Adoração dos Reis o principal objeto do Ofício, da Missa e da Solenidade deste dia.
É muito provável, que ao mesmo tempo que os Anjos anunciavam aos pastores o Nascimento do Messias na Judeia, a nova estrela O anunciasse também no Oriente.
Esta estrela foi sem dúvida observada por muitos, porque o seu extraordinário resplendor e a irregularidade do seu curso a faziam distinguir entre todas as outras; porém, somente os Magos, esclarecidos por uma luz interior, conheceram o que significava aquele fenômeno, e nem um momento hesitaram em ir procurar Aquele que a estrela anunciava.
Os orientais chamavam Magos aos seus “doutores”, como os hebreus lhes chamavam “Escribas”, os egípcios “profetas”, os gregos “filósofos”, e os latinos “sábios”. A palavra Mago na língua persa também significa “sacerdote”.
Em todas estas partes eram sumamente respeitados pelo povo, que os tinha por depositários da ciência e da religião.
A Igreja dá o nome de Reis a esses três homens ilustres, fundada nas seguintes palavras de Davi: “Os reis de Tarsis e das ilhas, lhe oferecerão presentes; os reis da Arábia e de Sabá lhe trarão dons”,1 como penhor da sua veneração, fidelidade e obediência. Funda-se além disso numa tradição antiga, a que não se pode marcar época.
Pinturas antiquíssimas deste Mistério representam-nos pessoas coroadas, com todas as insígnias da dignidade real. Acrescente-se a isto os testemunhos dos Padres mais célebres da Igreja, como Tertuliano, São Cipriano, Santo Hilário, São Basílio, São João Crisóstomo, Santo Isidoro, São Bêda, Teofilato e muitos outros.
Além disso, as nações orientais, quando os reis eram eletivos, escolhiam-nos entre os filósofos, e se eram hereditários, procuravam instruir os príncipes nas ciências, de sorte que pudessem merecer o título de sábios. Assim o observa Platão, quando trata da educação dos príncipes da Pérsia, acrescentando que principalmente a astronomia era considerada como uma ciência digna dos soberanos.
Tendo os três, que alguns chamam Gaspar, Baltasar e Melchior, observado uma estrela mais brilhante que as ordinárias, julgaram que era aquela a estrela de Jacó, anunciada pelo profeta Balaão, cujas predições conheciam bem, como sinal de um rei que havia de nascer para a salvação dos homens.
Esclarecidos ao mesmo tempo por uma luz interior, pela qual conheceram que aquele astro havia de servir-lhes de guia para encontrar o Messias, tomaram o caminho da Judeia, onde sabiam que nasceria Aquele Rei tão desejado de todas as nações. O Evangelista diz-nos só que eles vieram doo Oriente, isto é, de um país que era oriental com relação a Jerusalém e a Belém. A opinião mais verossímil, é que vieram da Arábia-Feliz, habitada pelos filhos que Abraão teve de Cetura, sua segunda mulher, a saber: Jecsan, pai de Sabá, e Madian, pai de Efa.
Isto prognosticou Davi claramente quando disse: “Que o Messias seria adorado pelos reis dos Árabes, e de Sabá, os quais lhe ofereceriam ouro da Arábia”.
Isto mesmo tinha anunciado o profeta Isaías, dizendo: “Uma inundação de camelos te cobrirá, de dromedários de Madian e de Efa; todos virão de Sabá, trazendo ouro e incenso, e anunciando o louvor ao Senhor”.2
Não favorecem pouco esta opinião os presentes que os três monarcas ofereceram a Jesus, porque o ouro, o incenso e a mirra nascem principalmente na Árabia.
Foram guiados os Magos pela estrela durante toda a viagem. Ser-via-lhes de guia este novo astro, como outrora a Coluna de Fogo ia conduzindo os Israelitas pelo deserto, quando saíram da escravidão do Egito para a terra da promissão; mas quando os três reis se aproximaram de Jerusalém, a estrela desapareceu. Por essa razão entraram naquela cidade, para se informarem do lugar onde havia nascido o novo Rei que eles vinham adorar, e cuja estrela tinham visto. Grande espanto causou ver aqueles homens, vindos de país tão distante, perguntarem por um novo Rei dos Judeus, a quem os próprios judeus não conheciam, e cujo nascimento ignoravam inteiramente. Quem mais se assustou foi o rei Herodes, que quis vê-los, para se informar minuciosamente do motivo que ali os trazia.
Cioso da sua dignidade, e temendo perder a coroa, que indignamente possuía, mandou logo que comparecessem no palácio todos os sacerdotes e escribas da lei, isto é, aqueles que tinham obrigação de explicar ao povo as Escrituras, zelando a sua interpretação e vigiando para que não se introduzisse algum erro contrário ao seu verdadeiro sentido.
Bem conhecia ele que um rei, cujo nascimento o Céu anunciava com sinais tão extraordinários, não podia ser outro senão o Messias; e por isso, reunida a assembleia dos doutores, limitou-se a dirigir-lhes estas palavras: Dizei-me: onde há de nascer o Salvador? Todos, a um voz, responderam que em Belém, pequena cidade da tribo de Judá, segundo a profecia de Miqueias, quando assegura que a desconhecida povoação de Belém, não obstante a sua pequenez, teria a glória, de que foram privadas as cidades mais ilustres, de dar um Príncipe e um Governador geral a todo o povo de Israel. Não foi necessário mais nada para encher de perturbação o ânimo e o coração daquele ambiciosíssimo príncipe, cuja crueldade era igual à imensa ambição de que estava possuído.
Desde logo resolveu mandar matar Aquele Menino, e, chamando os Magos à parte, fez-lhes muitas perguntas capciosas. Rogou-lhes principalmente que o informassem com toda a exatidão do tempo em que lhes aparecera a estrela; e, reconhecendo neles muita piedade, e exortou-os a que prosseguissem na sua viagem.
“Ide, lhes disse, ide a Belém, pois é lá que há de nascer o Rei prometido, o Libertador do seu povo; informai-vos de tudo o que respeita a esse Menino, e voltai à minha corte, onde vos fico esperando com impaciência, para que me participeis o que tiverdes observado; porque eu também quero ir adorar esse Divino Monarca”. Deste modo pretendia Herodes enganá-los artificiosamente, para os fazer cair no laço que lhes estava armando.
Logo que os Magos se despediram dele e retomaram o caminho, o Senhor lhes tornou a enviar o seu resplandecente guia. A estrela que tinha desaparecido, logo que entraram em Jerusalém, apareceu de novo, logo que saíram, e conduziu-os diretamente a Belém.
Não é fácil imaginar o gozo que inundou os corações dos Magos, quando viram de novo aquele astro, e sobretudo quando o viram deter-se sobre o humilde presépio onde estava o novo Rei. Entraram, e depararam com O que buscavam. Estava o Menino nos braços de Sua Mãe, e nenhum sinal exterior O diferenciava dos outros meninos. Contudo, a mesma luz interior, que lhes deu a entender o que significava a estrela, fez com que facilmente descobrissem através daquele exterior humilde, a Augusta Majestade e a Suprema dignidade d’Aquele Deus feito homem.
Cheios de fé e respeito, prostraram-se na Sua Presença e O adoraram como Senhor Soberano do Céu e da terra, e como Salvador dos homens, e, visto que era costume do seu país, não se apresentarem nunca diante dos grandes, com as mãos vazias, ofereceram-Lhe o que lá havia de mais precioso: ouro, incenso e mirra. Então se cumpriu à letra o que Davi predissera do Messias, quando disse: “Os reis da Arábia e de Sabá lhe trarão presentes”.
Tencionavam os Santos Reis voltar por Jerusalém, mas apareceu-lhes em sonhos um Anjo do Senhor, aconselhando-os a que seguissem outro caminho, e não retornassem a Herodes, cujos maus desígnios descobriram então.
Coisa estranha! Que os estrangeiros venham de países tão remotos adorar o Salvador do mundo, e que O não conheçam os judeus, no meio dos quais acaba de nascer! Poderiam ter eles indícios mais claros da Sua vinda? Mas de que serve a luz aos que são voluntariamente cegos? Quem terá a culpa, de que Herodes não lograsse a mesma dita que os Magos? Envia-lhe Deus três Príncipes estrangeiros para que lhe anunciassem o Nascimento do Salvador do mundo na Judeia; os seus próprios doutores instruem-no com toda a clareza sobre o lugar onde o Messias nasceu.
E que efeito produzem todas estas instruções, todas estas graças, num coração ambicioso, irreligioso, ímpio? A perturbação, a velhacaria e a crueldade. Um coração puro, um coração religioso, mal vê a estrela, põe-se logo a caminho para adorar O que ela anuncia. Uma alma toda mundana, um hipócrita, faz servir a religião à sua ambição, à sua avareza insaciável.
Como é bem verdade que sempre se encontra a Deus, quando de boa fé se procura! Se não houver estrela, nem por isso faltará guia; tudo depende da retidão das nossas intenções, e da sinceridade do coração. Só a nossa malícia é que apaga ou inutiliza a luz da graça. Inutilmente brilhará, se voluntariamente fechamos os olhos. O lugar do prazer nunca o foi da virtude. Apenas os Magos se retiraram da corte do ímpio Herodes, viram reaparecer a estrela que se lhes ocultara. A volta da graça sensível não é demorada por muito tempo, mas é preciso que não desanimemos, é preciso avançar sempre e perseverar até ao fim, imitando deste modo os Magos.
Nunca, porém, apareçamos diante de Deus com as mãos vazias. A caridade, a mortificação, a piedade, são oferendas muito do Seu agrado; um coração contrito e humilhado é sempre bem recebido.
Segundo a opinião mais comum entre os Santos Padres, os Magos chegaram a Belém treze dias depois do Nascimento do Salvador. Era tempo suficiente para virem da Arábia.
Quase todos os Padres dos primeiros séculos, são de opinião que a estrela era um astro novo, cujo resplendor, como diz Santo Inácio Mártir, excedia o de todos os outros, o qual Deus tinha criado para anunciar aos homens o Nascimento do Rei dos Céus. Finalmente, é tradição constante, que estes primeiros gentios que vieram adorar O verdadeiro Deus, eram verdadeiramente reis, isto é, príncipes soberanos de uma ou de muitas cidades, como eram os da Pentápolis.
Os mais célebres Padres da Igreja são de opinião, que o Batismo do Filho de Deus, o milagre da conversão da água em vinho, e a Adoração dos Magos, tiveram lugar no mesmo dia, posto que em anos diferentes. Por esta razão a Igreja reúne estes três Mistérios numa só festa, como uma tríplice Epifania ou Manifestação, celebrando: o dia em que Jesus Cristo se manifestou aos Magos por intermédio de uma estrela; o dia em que se manifestou a São João, pelo testemunho do Seu Eterno Pai; e o dia em que se manifestou aos Discípulos por meio do seu primeiro milagre.
Tão célebre tem sido, desde os primeiros séculos da Igreja, esta tríplice festa, que, achando-se Juliano, que depois foi cognominado o Apóstata, em Viena de França, no ano de 361, não se atreveu a deixar de assistir aos divinos ofícios deste dia; o Imperador Valente, ainda que Ariano, estando em Cesareia de Capadócia no dia da Epifania, julgou-se obrigado a assistir à Missa, juntamente, com os fiéis, persuadido de que, se o não fizesse, o teriam por ímpio.
Discorramos agora somente sobre o primeiro destes Mistérios, deixando para os dias seguintes o falar dos dois restantes.
Pelo que diz respeito aos três Reis que tiveram a felicidade de vir adorar o Salvador do mundo, observaremos que é fácil compreender a abundância de graças e dons sobrenaturais, de que foram cumulados, assim como a viva fé, a ardente caridade, o zelo puro e generoso com que regressaram as suas casas, onde morreram santamente, depois de terem anunciado as maravilhas de que haviam sido testemunhas.
É por certo, que uma graça e vocação tão singulares, uma fidelidade tão generosa e tão exata, não podiam deixar de conseguir semelhante sorte. Assim o crê a Santa Igreja, permitindo o culto que publicamente se lhes presta.
Assegura-se, que as relíquias desses primeiros heróis do Cristianismo foram transportadas da Pérsia para a Igreja de Santa Sofia de Constantinopla.
Mais tarde foram transportadas para Milão, onde estiveram, segundo Galesino, 670 anos.
Finalmente, em 1163, Frederico Barbaroxa transladou-as para a Catedral de Colônia, onde se conservam ainda hoje com singular veneração. O relicário que encerra estes santos corpos é talvez o mais belo que há no mundo.
No dia da Epifania, em Roma, a multidão vai à igreja de Ara coeli, para celebrar esta festa que fecha o ciclo das festas do Natal. Sai uma procissão da igreja, que para sobre a escadaria, donde se domina a cidade de Roma. O celebrante sobe a um estrado e, em frente do Vaticano, cuja alta silhueta se vê ao poente, faz uma cruz sobre a cidade de Roma, com o “Menino” miraculoso, cuja graciosa imagem foi solenemente coroada a 2 de Maio de 1897.
Este Santo Menino, é feito de pau de oliveira e remonta ao ano de 1647. Foi esculpido em Jerusalém por um humilde frade Franciscano. Trazido depois a Roma, tornou-se objeto de muita veneração. Tem a sua carruagem, na qual é transportado a casa dos doentes, que desejam a sua visita.
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Fonte: Pe. Croiset, “Ano Cristão”, Vol. I, dia 6 de Janeiro, pp. 72-78. Traduzido do Francês e adaptado às últimas reformas litúrgicas pelo Pe. Matos Soares, professor do Seminário do Porto. Tip. “Porto Medico”, Ltda. Porto. 1923.
1. Ps. 71, 10.
2. Is. 60, 6.