1. Não abras o teu coração a qualquer pessoa2, mas trata das tuas coisas com homem sábio e temente a Deus. Com os moços e pessoas de fora conversa pouco.
Não bajules os ricos nem gostes de aparecer na presença dos poderosos.
Procura a companhia dos humildes e simples, dos piedosos e de bons costumes e com eles entretêm-te de coisas edificantes.
Não tenhas familiaridade com mulher alguma, mas, em geral, encomenda a Deus todas as mulheres de virtude.
Intimidade deseja somente com Deus e os Anjos; e evita ser conhecido dos homens.
2. Caridade, com todos; mas, familiaridade, não convém.
Acontece, não raro, que uma pessoa, de longe, brilhe com o esplendor da fama, mas de perto desmerece aos olhos dos que a veem.
Cuidamos às vezes de agradar aos outros com a nossa assiduidade, mas, com isto, lhes desagradamos pelos defeitos, que em nós vão descobrindo.
1ª Reflexão3
Um homem que se põe a caminho para fazer uma viagem, não perde jamais de vista o rumo para onde se dirige; assim deve fazer o cristão na viagem do tempo para a eternidade; deve usar das criaturas somente na medida em que elas o conduzam para Deus. Muitas vezes se começa bem e se acaba mal; pelo uso, chega-se ao abuso. Relações inocentes, começadas com boa intenção, mas continuadas e mantidas com pouca prudência, terminam em quedas miseráveis.
São muito raros os verdadeiros amigos: um amigo fiel é uma proteção forte; quem chega a encontrá-lo, encontra um tesouro.4
Vivemos em sociedade, forçoso é que tratemos uns com os outros, mas entre pessoas de sexo diferente importa que haja sempre a máxima cautela. Afasta os teus olhos da mulher enfeitada, e não te detenhas a examinar a beleza alheia; por causa da beleza da mulher muitos têm perecido; e dela se inflama a concupiscência, à maneira de um incêndio.5 Quem ama conscientemente a ocasião de pecar, ama o mesmo pecado. Quem ama o perigo perecerá nele.6 Importa evitar as más companhias: afastai-vos de mim todos vós, que praticais a iniquidade.7
Lembra-te que Nosso Senhor te deu os olhos só para veres o que é lícito ver-se, e não para que O ofendas. Quando abusas dos olhos, dos ouvidos, da língua, dos sentidos do corpo, dos afetos do coração e das potências da alma para ofenderes a Deus, és um ingrato, que voltas contra o teu Senhor os mesmos dons com que devias glorificá-Lo.
2ª Reflexão8
Havemos de prestar-nos aos homens, e só nos darmos a Deus.
Se no mundo a familiaridade é coisa de menos preço, nas coisas de Deus o demasiado trato com a criatura divide a alma e a enfraquece.
Não foi ela criada para a terra, senão para viver em mais alta morada. Nossa conversação é no Céu,9 diz São Paulo.
Enquanto, porém, vivemos com os homens, o melhor é ter geral afabilidade para com todos, e com nenhum particular familiaridade.
3ª Reflexão10
Eu falarei pouco e reto, a fim de que, a companhia antes volte com desejo de estar conosco, do que com tédio… Minha conversação será com poucos, bons e estimáveis, porquanto, é difícil ser bem sucedido com muitos, não aprender a corromper-se com os maus, e ser honrado com pessoas não estimáveis; especialmente guardarei este preceito: amigo de todos e familiar de poucos…
Todavia, há de se usar de franqueza mais ou menos, segundo forem as companhias… Aos superiores ou em idade, ou em profissão, ou em autoridade, deve-se fazer aparecer só o que é ótimo; aos semelhantes o que é bom; aos inferiores o que é indiferente… Pode-se, conversando com os superiores, os iguais e os inferiores, temperar por vezes a conversa com o que é ótimo, bom e indiferente, contanto que tudo se faça discretamente… Com os grandes deve-se estar como diante do fogo, isto é, convém muito às vezes chegar-se a eles, mas não muito perto demais.11
*Esta passagem é extraída das resoluções que São Francisco de Sales tomou para o tempo de seus estudos.
Oração
Meu Senhor Jesus Cristo, que permitistes ser três vezes negado em casa de Caifás pelo Príncipe dos Apóstolos, preservai-me das más companhias, a fim de que, o pecado nunca me separe de Vós. Amém.12
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1. Imitação de Cristo, nova tradução portuguesa pelo Pe. Leonel Franca, S.J., Livro I, Cap. VIII, p. 19. 4ª Edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro/São Paulo, 1948.
2. Eclo. VIII, 22.
3. Imitação de Cristo, novíssima edição, confrontada com o texto latino e anotada por Monsenhor Manuel Marinho, Livro I, Cap. VIII, pp. 18-19. Editora Viúva de José Frutuoso da Fonseca, Porto, 1925.
4. Eclo. VI, 14.
5. Eclo. IX, 8-9.
6. Eclo. III, 27.
7. Salm. VI, 9.
8. Imitação de Cristo, Presbítero J. I. Roquette, Livro I, Cap. VIII, p. 22. Editora Aillaud & Cia., Paris/Lisboa.
9. Filip. III, 20.
10. Imitação de Cristo, versão portuguesa por um Padre da Missão, Livro I, Cap. VIII, p. 19. Imprenta Desclée, Lefebvre y Cia., Tornai/Bélgica, 1904.
11. São Francisco de Sales, Opusc. III.
12. São Francisco de Sales, Opuscul. III.
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