Herodes, com a matança dos Inocentes, julgava-se livre do Menino que tanto pavor lhe incutia. Ao contrário, seu execrando infanticídio levantou um clamor e um pranto entre as mães de Belém, o qual fez com que descesse logo sobre ele a maldição de Deus. Atingido pela febre, tosse, disenteria, hidropisia,1 podagra,2 doença dos piolhos, asma e insuportável mau cheiro, roído pelos vermes e pelo remorso de seus graves delitos, terminou miseravelmente os seus dias.
Coube a Herodes a mesma sorte que caberá a todos quantos ousaram declarar-se em guerra contra Deus, contra o que Ele quis e ordenou, contra a sua Igreja, seus Ministros e o povo fiel.3 Terão vitórias aparentes como a lei de Herodes que, se não feriu O perseguido, conseguiu afastá-Lo; mas, por fim, serão eles os vencidos, pois a sentença já está pronunciada: “As portas do Inferno não prevalecerão”,4 e a Deus não faltam meios para alcançar as vitórias necessárias à defesa e à dilatação de Seu reino.
Com a morte de Herodes, o mundo respirou. Cessou então o motivo do afastamento da Sagrada Família; podia agora regressar à pátria. Diz o Evangelho que, morto Herodes, apareceu um Anjo, em sonho, a José e lhe disse: “Levanta-te, toma o Menino e sua Mãe e volta para a terra de Israel, porque morreram os que procuravam tirar a vida do Menino”.5
A tal aviso, São José, cheio de santo conforto, dispôs-se a abandonar o Egito.
Os Santos Esposos, com o seu Tesouro, puseram-se a caminho, contentes ao pensamento de poder ver de novo a cara pátria, os lugares cheios de santas memórias, onde haviam passado os anos mais belos de suas vidas, os parentes, as pessoas que lhes eram caras e a sua dileta Nazaré.
Diz São Boaventura que, nesta viagem, a pena de José e de Maria foi maior que na primeira, pois, contando Jesus agora perto de sete anos, já era pesado demais para ser levado nos braços; por outro lado, não podia ainda fazer por Si tão longa viagem. Por isso, o Menino via-se muitas vezes obrigado a deter-Se e a deitar-Se por terra, devido à fadiga. Maria e José deviam também deter-se até recobrar Jesus um pouco de alento para caminhar.
Contam alguns escritores, que a Sagrada Família, antes de chegar a Nazaré, passando pelo deserto, encontrou-se com São João Batista. Eis uma referência de quanto narra a tal respeito o dominicano Cavalca, célebre escritor do XIII século, em sua “Flor das vidas dos Santos Padres”.
“No tempo em que se achava no deserto o pequeno João, o Anjo de Deus foi ao Egito anunciar a São José, que ali se encontrava havia quase sete anos, voltasse com a Mãe e o Filho para a sua terra. São José partiu e, passando pelo mencionado deserto, chegou à moradia de São João. Apenas este o viu, inspirado por Deus, conheceu-O e logo se encontraram. O Menino Jesus correu também para ele e, quando se achavam próximos, João se lançou por terra e beijou-Lhe os pés.
Jesus, porém, tomando-o pelos braços, ergueu-o, beijou-o e depois lhe deu a paz, dizendo: ‘A paz seja contigo, ó preparador da minha vida’. E João respondeu reverente: ‘Deo gratias’. Maria e José saudaram também o Precursor com muito amor. Ao partirem, João os acompanhou por longo espaço e, despedindo-se, regressou à sua moradia”.
Ao pisarem a terra de Canaã, bendisseram a Deus por haverem chegado felizmente a esse bom termo de sua viagem. Teriam desejado passar de novo por Belém, onde nascera Jesus, mas José, sabendo que na Judeia reinava Arquelau, ambicioso e cruel como seu pai Herodes, receou expor a novos perigos a vida do Menino.
É bem verdade que as almas devotas, possuindo, como São José, grande delicadeza de consciência, receiam sempre a desgraça de perder Jesus. Mas, infelizmente, tais almas são raras. Teme-se perder algo de agradável neste mundo, mas perder Jesus, isto é, a Sua amizade, a Sua graça, quantos nem pensam nisso! Mas, também desta vez, um Anjo do Senhor, para livrar o Santo de todo temor, apareceu-lhe ordenando-lhe fosse à Galileia.
Ali reinava Herodes Antipas, filho também de Herodes e desregrado como o pai, mas, sendo mais humano e desejoso de agradar aos súditos, concedia-lhes uma existência calma e tranquila. A Sagrada Família dirigiu-se, portanto, para a Galileia e se estabeleceu em Nazaré, a fim de cumprir-se a profecia sobre Jesus: “Será chamado Nazareno”, título que em sua morte foi afixado na Cruz.
Exclama São Francisco de Sales: “Feliz regresso àquelas ridentes colinas, àquele plácido céu, àquela terra, esmaltada de flores! Ali, Jesus, José e Maria entraram de novo como pacíficas pombas em seu ninho e como abelhas do Paraíso em sua colmeia, para produzirem mel suavíssimo de virtude”.
Apenas arranjada a humilde casa, São José retomou seus humildes trabalhos para sustentar a Sagrada Família, e também Maria Santíssima as suas santas ocupações. Jesus auxiliava, ora a São José, ora a Maria, segundo requeria o trabalho.
Se o pelicano ama os filhos ao ponto de alimentá-los com o próprio sangue, que dizer do amor de José e da aplicação com que procurava sustentar Jesus e Maria, a quem amava mil vezes mais que a Si mesmo?
Dionísio Cartusiano, célebre orador e escritor, diz que São José, com o suor de sua fronte e as fadigas de sua arte, tornou-se o coadjutor na grande obra da Redenção do mundo, suprindo, com o seu trabalho contínuo, ao necessário sustento de Jesus, Cordeiro divino, que devia ser imolado no altar da Cruz por nossa salvação.
As virtudes praticadas por São José na humilde arte, sejam-nos estímulo para uma vida santamente laboriosa. A seu exemplo, santifiquemos o nosso trabalho; nossas fadigas tornar-se-ão doces e leves. Em meio às nossas ocupações, repitamos frequentemente com os lábios e o coração, algum fervoroso desejo: Ó meu Jesus, tudo por Ti! Seja feita a Tua vontade! Meu Deus, perdoai-me! Meu Jesus, misericórdia!
Esses transportes de amor a Deus, serão para a nossa alma, fonte de muitas graças e um tesouro mais precioso que as pérolas e os corais. Realmente, a prece, se bem feita, transpõe em um instante a imensidade dos Céus, passa além das hierarquias dos Anjos, sobe até o trono do próprio Deus, e Deus a escuta.
Para alcançar a santidade, não é necessário realizar estrondosos sacrifícios, mas é indispensável possuir uma reta intenção em cada coisa. Somos, às mais das vezes, modestos operários, a tecer pacientemente a nossa teia sutil com o fio mais frágil que o das aranhas: uma palavra suave e consoladora, um ato de condescendência, um pouco de paciência, de tolerância, uma privação, um pequenino sacrifício, um ato de caridade, uma saudação, uma palha erguida do chão, o dom de um copo de água fresca, são coisas de nada, e, não acompanhadas pela reta intenção, verdadeiramente nada. Mas, quando a intenção cristã abençoa todas essas ações e as santifica; que diferença! Transformam-se em adornos para o Céu. Então, em vez de um trabalho sem valor algum, bordamos a ouro, a púrpura e esmeralda a teia que nos foi dado tecer no breve período de nossa vida.
Quer escrevamos, leiamos, trabalhemos, conversemos, compremos, vendamos: os nossos dias se sucedem e fogem no redemoinho do tempo. Sempre imersos nas mesmas ocupações, nenhum fato extraordinário nos conquistará um brilhante renome. Mas, não sendo chamados a ações esplendorosas, deveremos pois consumir inutilmente toda a vida? Toda a nossa vida será infrutuosa, inútil, se, com uma intenção inteiramente cristã, não convertermos em ouro a vil moeda.
O Céu não está ocupado somente por Paulos, por Franciscos Xavier, por Franciscos de Assis, mas por milhões de cristãos, que passaram sua vida entre nós, praticando virtudes tão humildes, tão modestas, de tão pouca aparência, que ninguém lhes percebia a santidade. Operavam tudo por Deus, em nome de Deus e para a glória de Deus, como fazia São José.
Se, portanto, com a reta intenção é fácil multiplicar os méritos, renovemo-la por um ato que abranja toda a vida, todas as ações.
_________________________
Fonte: Rev. Pe. Tarcísio M. Ravina, da Pia Sociedade de São Paulo, São José – na Vida de Jesus Cristo, na Vida da Igreja, no Antigo Testamento, no Ensino dos Papas, na Devoção dos Fiéis e nas Manifestações Milagrosas; 1ª Parte, pp. 80-84. Edições Paulinas, Recife, 1954.
1. Derramamento de líquido seroso em tecidos ou em cavidade do corpo.
2. Afecção gotosa nos pés.
3. Vide: Cum Petro et sub Petro: Semper: A Desgraçada Morte de um Inimigo da Igreja de Cristo. (cumpetroetsubpetrosemper.blogspot.com)
4. Mat. 16, 18.
5. Mat. 2, 19-20.
Nenhum comentário:
Postar um comentário