Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

domingo, 22 de setembro de 2024

SÃO MATEUS, APÓSTOLO E EVANGELISTA.


SÃO MATEUS,

hóstia e vítima da virgindade 

e protetor das virgens.


Procurou persuadir-nos o Salvador do mundo, que veio a ele simplesmente para salvar os pecadores e que não havia no mundo estado ou condição alguma tão afastada do caminho da salvação, em que não se pudesse esperar ter parte em suas misericórdias. Por isso, se dignou escolher para seu Apóstolo, um homem que parecia o mais indigno de semelhante favor.

Foi São Mateus, galileu de nação, judeu de religião, mas de profissão odiosa a toda a nação hebreia, porque era publicano, arrecadador ou recebedor dos tributos que os romanos impunham a todas as províncias, sujeitas ao seu domínio. Nascia este ódio ou particular aversão dos judeus aos publicanos, de estarem persuadidos de que, na qualidade de povo escolhido de Deus, estavam isentos de pagarem o tributo às nações estrangeiras.

Tinha Mateus outro nome, pelo qual era conhecido, chamava-se também Levi, filho de Alfeu, e com este nome o tornam conhecido da posteridade os outros Evangelistas, por ter menos conexão com o seu odioso emprego de publicano. Ele, porém, no seu Evangelho, não dissimula o seu nome comum, nem sua profissão; chamando-se sempre Mateus, nome pelo qual era conhecido em toda a Judeia como publicano. Os judeus tinham os homens deste emprego como pecadores públicos e de profissão, homens sem religião e sem consciência, que tiranizavam todo o gênero humano. Este era o emprego do nosso Santo antes que o Filho de Deus o chamasse, ordenando-lhe que O seguisse.

Cafarnaum era a cidade de maior tráfego de todo o país sobre as praias do mar de Tiberíades, por isso, a tinha escolhido o nosso publicano para residir. Tinha uma loja fora da cidade em um local próximo ao mar da Galileia. Como Jesus Cristo estivera pregando naquela província havia mais de um ano, passando em certa ocasião perto da loja de Mateus, parou, olhou-o fixamente e disse-lhe que deixasse tudo e que O seguisse. Em ocasião alguma se mostrou tão poderosa a graça do Salvador.

Qualquer outro que não fosse o Filho de Deus, necessitaria de muitas e fortes razões para persuadir um homem cobiçoso dos bens do mundo e de tão pouca religião, a que abandonasse um emprego tão conforme ao seu amor-próprio e que tanto se acomodava à sua inclinação. Não obstante, logo que Jesus Cristo o olhou e lhe disse – segue-me, moveu-lhe tão poderosamente o coração, que nem um momento deliberou em deixar tudo e segui-Lo. No mesmo instante se levantou Mateus da mesa, e se declarou abertamente discípulo do Salvador. Para tornar mais pública a sua resolução, e para que ninguém duvidasse do amor que Lhe professava, convidou-O para um grande banquete, em que fez quanto pode, para Lhe patentear a sua perfeita adesão e o seu reconhecimento.

Era grande o número de convidados, composto pela maior parte de publicanos, e de outra gente desacreditada, que o Salvador gostava de admitir junto de Si para ter ensejo de os corrigir e de os mover à dor da penitência. Esta benignidade do Senhor e sobretudo a benevolência particular com que tratava a Mateus, desagradou muito aos escribas e fariseus, que, não distinguindo entre o pecado e o pecador, aborreciam tanto a um, como ao outro. Começaram a murmurar declaradamente do Salvador, porque comia com os pecadores; mas a resposta que deu a estas inconsideradas queixas, devia tapar-lhes a boca para sempre.

Disse-lhes que não tinham motivo para O increpar por favorecer os pecadores, pois a sua conduta se conformava a este respeito com o verdadeiro sentido do que Deus tinha dito pelo Profeta Oséias, a saber: que lhe agradava mais a caridade compassiva das misérias do próximo e o cuidado de o livrar delas, do que todos os sacrifícios do mundo; que se a assistência do médico não era necessária aos sãos, era proveitosa aos enfermos; que não devia parecer estranho que Ele socorresse particularmente aqueles, cujas almas estavam em maior perigo de perecerem; e, finalmente que, muito embora tivesse vindo ao mundo para salvar a todos os homens, tanto pecadores, como justos, sempre era certo que o principal era trabalhar na salvação dos pecadores para os reconduzir ao bom caminho, inspirando-lhes o horror ao vício e o amor à virtude.

Este discurso cativou a Mateus; a conversa particular que com ele teve, o Salvador ganhou-lhe de todo o coração, de modo que se declarou discípulo de Jesus Cristo, e sem querer voltar outra vez ao telônio ou loja, foi desde então companheiro inseparável em todas as grandes excursões de seu Mestre.

Fez grande ruído uma conversão tão milagrosa, como inesperada. Conheceram todos que a Palavra de Deus tinha uma virtude poderosa, capaz de por si só mudar os corações; a mesma perseverança de Mateus se reputou por um dos maiores milagres desta divina palavra.

Não se afastou mais do lado do Salvador este querido discípulo; acompanhou-O a todas as cidades, povoações e lugares, aonde foi anunciar o reino de deus, fazendo-se pobre por seu amor, pois o seu maior prazer era mostrar-se naquele estado humilde, mortificado e abatido na mesma cidade de Cafarnaum, onde pouco antes havia feito tão diferente e tão brilhante figura, Como o ardente amor e apaixonada adesão que professava a seu divino Mestre não lhe permitiam que O deixasse um instante, nenhum dos discípulos do Filho de Deus foi um ouvinte mais assíduo de Seus sermões, nem testemunha mais presencial de todas as Suas maravilhas.

Pouco tempo depois de São Mateus se agregar ao número dos discípulos que seguiam a Jesus, fez-se a eleição dos Apóstolos, a cuja honra e dignidade o elevou a bondade do Salvador. São Marcos e São Lucas nomeiam-no em sétimo lugar; mas São Mateus conta-se a si mesmo o oitavo depois de São Tomé, e sempre se apelida Mateus, o publicano, por humildade e agradecimento. Desde então até depois da Ressurreição do Senhor não achamos no Evangelho particularidade alguma que diga respeito à pessoa deste fiel Apóstolo.

Acabada a grande Obra da nossa Redenção, quis o Salvador do mundo ficar nele mais quarenta dias em companhia dos Apóstolos para os instruir em todos os Mistérios da religião. Depois da Sua gloriosa Ascensão aos Céus e da descida do Espírito Santo, pregou São Mateus a fé com os outros Apóstolos na Judeia, onde se demorou ainda cerca de três anos. Antes de partir para outras nações, inspirou-lhe Deus que acedesse ao pedido dos judeus convertidos de que lhes deixasse uma história de tudo o que havia visto e ouvido nas conversações, conferências e viagens em companhia do Salvador. Porventura, igual pedido lhe foi feito pelos Apóstolos juntando as suas instâncias às dos outros fiéis. Antes pois que os Apóstolos se ausentassem de Jerusalém, e se separassem para irem pregar a outras regiões, escreveu São Mateus aquele Livro divino, a que deu o título de Evangelho, que quer dizer alegre e boa nova.

Com efeito não é mais que uma explicação da grande e ditosa nova que os Anjos anunciaram aos pastores no dia do Natal do Salvador, nem encerra outra coisa que aquilo a que o próprio Jesus Cristo chamou Evangelho, isto é, a Sua doutrina pura, e a Sua pregação, acompanhada de Seus milagres, dos quais São Mateus tinha sido testemunha. E para completar uma história regular da Sua vida, acrescentou o Evangelista o que ouvira da boca da própria Santíssima Virgem, acerca do Nascimento e tudo o mais que sucedeu até ao Batismo.

Inspirado São Mateus do Espírito Santo, diz Santo Agostinho, foi seu principal intento neste Evangelho referir-nos a vida humana de Jesus Cristo.

O primeiro que escreveu o Evangelho foi São Mateus, e como o compôs particularmente para os judeus convertidos, a s instâncias acedera, fê-lo em hebreu, que era então a usada pelos judeus da Palestina. Logo que este Evangelho chegou às mãos dos fiéis, tiraram-se muitas cópias; alguns Apóstolos quiseram levar consigo um exemplar ao separarem-se para partir cada qual para sua missão. Desde então foi também traduzido em grego para uso dos fiéis que estavam na província, e não sabiam outra língua, sendo tão autorizada esta versão como o próprio original.

Quando se descobriu o corpo de São Barnabé na ilha de Chipre, pelo ano de 488, acharam-lhe sobre o peito o Evangelho de São Mateus, copiado por sua própria mão. Estava escrito em madeira de cipreste, muito rara naquele tempo; o imperador Zenon que então reinava, queria possuí-lo; beijou-o com respeito, enriqueceu-o com guarnições de ouro, mandando-o guardar em seus arquivos. Refere Eusébio, que quando São Panteno foi pregar à Índia, encontrara lá o Evangelho de São Mateus, escrito em hebreu, foi conservado pelos cristãos da nação judaica, que estavam em Jerusalém, e que o levaram para Pela, aonde se retiraram antes do cerco daquela cidade.

A maior parte dos judeus convertidos conservaram muitas coisas do judaísmo, formaram a Seita chamada dos nazarenos, que com o tempo degenerou na dos ebionitas. Guardaram os nazarenos o Evangelho de São Mateus, mas acrescentando-lhe muitas histórias apócrifas, pelo que caiu em desestima aquele original, e só se conservou a versão grega que não sofreu alteração.

Não se sabe ao certo a que país foi São Mateus pregar a fé de Jesus Cristo depois de ter saído da Judeia. Alguns opinam que fora à Pérsia e que pregara especialmente aos Partos, aos Medos e aos da Carmânia; mas a opinião mais comum é que pregou na Etiópia. O que não admite dúvida, consoante São Clemente de Alexandria, que floresceu próximo dos tempos apostólicos, é que levava vida penitente. Alimentava-se de raízes, leitugas e legumes, recusando-se a todo o uso de carne ou peixe. Diz-se que, tendo chegado à cidade de Nadaber na Etiópia, fora nela recebido com grande gozo por aquele eunuco da rainha de Candace, que Filipe tinha batizado, e que, encontrando na mesma cidade dois mágicos famosos, chamados Zorces e Arfaxat, os quais traziam enganados aqueles pobres idólatras, causando-lhes enfermidades aparentes, que curavam depois com seus encantamentos, adquirindo grande ascendente com estes prestígios, São Mateus descobrira ao povo aqueles embustes, e que os magos, para se vingarem do Santo, fizeram vir com seus sortilégios dois enormes dragões que encheram de terror toda a cidade; mas São Mateus, fazendo sobre eles o Sinal da Cruz, os amansara como se fossem dois cordeiros e os enviara depois para os seus latíbulos, milagre que tranquilizou os habitantes, terminando por formarem um alto conceito da Religião Cristã.

Mas um milagre mais considerável completou sua conversão. Tendo morrido uma filha do rei, chamada Egipa, chamou logo o príncipe os dois mágicos para que a ressuscitassem. Valeram-se de todos os segredos da sua arte, mas inutilmente; os Demônios, a quem invocavam sem cessar, não tinham poder para lhe restituir a vida. Foi chamado São Mateus, e logo que invocou o nome de Jesus Cristo, começou o cadáver a mover-se, e se pôs em pé a princesa viva e sã.

À vista de tão estupendo prodígio o rei converteu-se com toda a família real; a esta conversão seguiu-se a de toda a corte e a do povo. O que mais consolou o Santo Apóstolo, foi a resolução da princesa Efigênia, filha primogênita do rei, de consagrar a Deus a sua virgindade, depois de um sermão pregado pelo Apóstolo sobre a excelência deste estado. Imitaram o exemplo da princesa muitas outras donzelas, de sorte que dentro de breve prazo se viu dentro da cidade uma Comunidade de Esposas de Jesus Cristo. Mas esta maravilha custou a vida ao Santo. Morto o rei, apoderou-se do reino seu irmão Hirtaco, que, para segurar a coroa, entendeu que precisava de casar com sua sobrinha Efigênia, herdeira legítima dela. Era a princesa além disso uma das mais formosas damas do seu tempo; como porém tinha feito voto de não ter outro esposo além de Jesus Cristo, ouviu com horror a proposta do tio. Irritou-se mais a paixão do usurpador com a resistência da donzela. Parecedo-lhe que ninguém podia tanto sobre ela como o Santo Apóstolo, mandou-o chamar para que em sua presença persuadisse a Efigênia que consentisse no consórcio; mas o Santo confirmou-a em seu belo propósito. Irritado Hirtaco, retirou-se ao seu quarto, dando ordem de que logo tirassem a vida ao Santo. Os soldados encontraram-no ao altar, acabando de celebrar o Santo Sacrifício, e no mesmo altar foi consagrada a Deus aquela preciosa vítima, coroando a golpes de machado o seu glorioso martírio. Santo Hipólito chama a São Mateus, hóstia e vítima da virgindade e protetor das virgens. Havia vinte e três anos que São Mateus pregava a fé em Jesus Cristo na Etiópia, onde tinha convertido um prodigioso número de idólatras e fundado novas igrejas.

Nas Constituições que se atribuem a São Clemente, lê-se que São Mateus foi o que introduziu entre os fiéis o uso da água benta; mas é provável que outro tanto fizessem os demais Apóstolos nos países, onde pregaram. O corpo do Santo Apóstolo conservou-se por largo tempo na cidade de Nadaber, onde padeceu, até ao ano de 1080, em que foi trasladado para Salermo, no reino de Nápoles, donde sua santa cabeça foi levada para a França, e se conserva com grande veneração na Catedral de Beauvais. Também se veneram algumas relíquias suas na de Chartres.1



MEDITAÇÃO SOBRE SÃO MATEUS2

I. Nosso Senhor, vendo S. Mateus sentado a receber os impostos, chamou-o para dele fazer um discípulo. S. Mateus levantou-se logo, e seguiu-O. Jesus Cristo passa, olha para nós, e chama-nos; devemos seguir o convite da graça: quando Jesus tiver se afastado, quem sabe se O poderemos ainda encontrar? Levantemo-nos, pois, prontamente: renunciemos ao pecado com firme resolução de nunca mais nele cair. Jesus Cristo chama-nos há muito tempo, e ficamos sempre no mesmo estado, sempre tíbios no Seu serviço, sempre apegados aos prazeres.

II. Este Santo é um dos quatro Evangelistas; mas não se contentou com escrever o admirável Evangelho que hoje temos nas mãos, quis ir pregar aos etíopes o que tinha escrito. Não podemos escrever nem anunciar o Evangelho como ele, mas podemos e devemos obedecer ao Evangelho tão bem como ele. Temos fé: que as ações sejam em tudo conformes com as crenças. É preciso pôr a vida em harmonia com o Evangelho. – São Pedro Crisólogo.

III. Pode dizer-se que S. Mateus, foi Mártir da formosa virtude da castidade. Toda a nossa vida deve ser um martírio contínuo. É preciso privarmo-nos dos prazeres mais agradáveis, morrer constantemente para nós mesmos pela mortificação dos sentidos, das paixões e da própria vontade. É difícil, mas o Paraíso merece bem que alguma coisa se sofra. Custa muito, mas, mais custará ainda aos réprobos ouvir estas palavras: Ide, malditos, para o fogo eterno.

Fidelidade à vocação.Orar pela propagação da fé.

Oremos: Assisti-nos, Senhor, pelos méritos de São Mateus, vosso Apóstolo e Evangelista, para que a sua intercessão nos alcance os dons, que por nós mesmos não podemos conseguir. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.


____________________________

1.  Rev. Pe. Croiset, “Ano Cristão”. Volume IX, pp. 256-260. Traduzido do Francês pelo Rev. Pe. Matos Soares; O Tradutor - Seminário do Porto, Porto, 1923.

2.  “Vida dos Santos – com uma Meditação para cada dia do Ano”, pelo Pe. João Estevam Grossez, S.J., Segunda Parte, 21 de Setembro, pp. 177-178. Edição Portuguesa, “União Gráfica”. Lisboa. 1928.


sábado, 14 de setembro de 2024

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 6 (14/09/2024)

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 5 (14/09/2024)

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 4 (14/09/2024)

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 3 (14/09/2024)

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 2 (14/09/2024)

Reinauguração da Capela Mortuária da VOTNSC. Parte 1 (14/09/2024)

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

SÃO LOURENÇO JUSTINIANO, BISPO E CONFESSOR.


Glória do Final da Idade Média1

São Lourenço, cuja memória celebra a Igreja neste dia, era da ilustre casa dos Justiniani, tão célebre em Veneza, em Gênova, no reino de Nápoles e na ilha da Córsega. Nasceu em Veneza no dia 1 de julho de 1381. Era filho de Bernardo Justiniano e de Quirina, notável por sua virtude e pela nobreza do seu sangue.

Lourenço nasceu com uma índole tão feliz, com inclinações tão nobres e cristãs, que os cuidados que tomaram seus pais para lhe darem uma boa educação, só serviram para lhe fazer contemplar de mais perto a beleza do seu engenho e as excelentes qualidades do seu grande coração. Sua mãe enviuvou muito cedo e pôs todos os cuidados em bem o educar. Atentando um dia na modéstia, recato e sabedoria extraordinária deste jovem, receou que isto proviesse de uma nativa altivez e de um secreto orgulho. Chegou mesmo a dizer-lho; o pequeno respondeu-lhe sorrindo: “Não receeis nada, minha mãe; tenho uma única ambição, é a de vir a ser um grande servo de Deus, e mais devoto que todos os meus irmãos”.

A sua juventude foi um prodígio de inocência e de virtude. No meio de uma multidão de jovens licenciosos e libertinos, em um século em que a corrupção dos costumes parecia ter inundado toda a terra, este gentil-homem rico, bem-apessoado, cheio de espírito, tornou-se na idade de dezoito à vinte anos, um modelo perfeito de todas as virtudes e a admiração de toda a cidade.

Uma alma tão privilegiada não era destinada para o mundo; o Senhor destinara-o para ser o ornamento do estado religioso e a glória do Clero. Embora vivesse no mundo como perfeito religioso, no entanto, suspirava incessantemente por maior retiro. O atrativo que tinha pela oração, o gosto que encontrava neste exercício, tornavam-lhe insuportáveis os exercícios mais inocentes. A maceração da carne acompanhava o fervor do espírito.

Lourenço aplicava todas as suas obras boas e todos os exercícios de piedade para obter de Deus a graça de conhecer a que estado de vida o chamava, sendo a vontade de Deus a única regra de sua conduta. Não deliberou muito tempo. Estando um dia em oração aos pés do crucifixo e diante da imagem da Santíssima Virgem, sentiu seu coração todo abrasado de um novo fervor; renunciando então generosamente a todas as vãs esperanças, com que o mundo o lisonjeava, e a todas as vantagens de família, resolveu viver somente para Deus, e só a Ele servir. Terminada a sua oração, retirou-se para entre os Cônegos Regulares de S. Jorge de Alga, que era uma ilha a meia légua da cidade. Suplicou instantemente que o recebessem. A sua virtude, o seu nome, as suas belas qualidades, tudo depunha em seu favor. Foi imediatamente recebido.

Não precisou mudar de vida, mudando de estado. Foi até preciso em religião moderar-lhe o fervor e os rigores de suas penitências. Foi posto debaixo da disciplina de seu tio materno, Marino Quirino, homem de santa vida, que confessou a breve trecho que o seu educando ia mais adiantado nas vias da perfeição do que o próprio mestre que o devia conduzir. Não tinha então mais de dezenove anos, e os progressos extraordinários que fez na virtude e na ciência dos Santos, tornaram-no desde então um modelo de perfeitos. Desde o primeiro dia do seu noviciado prescreveu-se certas práticas de piedade que jamais omitiu até a morte. A sua abstinência e o seu jejum foram rigorosos e contínuos, as suas vigílias excessivas. Ficava na igreja desde Matinas até Prima; e por muito intenso que fosse o frio durante o inverno, nunca se chegava ao lume, e todavia era de compleição muito delicada e muito fria.

Impôs-se como preceito não beber fora da refeição, por maior que fosse a sede durante os calores do estio. Tendo-lhe ordenado alguns Padres antigos na casa, da parte do Capítulo, que moderasse suas abstinências, respondeu: “Obedecerei, mas Deus encontrará meio de me indenizar da vossa muita indulgência”. De fato, pouco depois cobriu-se-lhe o corpo de escrófulas.2 Para o curar foi preciso aplicar-lhe o ferro e o fogo, causando-lhe terríveis dores, o que fez admirar muito a sua paciência. O nome de Jesus e Maria foram os únicos sinais de extrema dor que sentiu nestas cruéis operações. E não obstante, repreendia a sua covardia, comparando o que sofria com o que tinham sofrido os Mártires.

A humildade foi sempre a sua virtude favorita; nada desejava tão ardentemente como passar toda a sua vida na humilhação e na obscuridade; mas os seus Superiores não tiveram contemplações com ele, a tal respeito. Obrigaram-no a receber as Ordens Sacras, e elevaram-no às primeiras dignidades da Ordem. A sua devoção ao altar atraía os fiéis em multidão para lhe ouvirem a Missa; e as lágrimas que derramava durante o adorável Sacrifício, emocionavam todos os assistentes e aumentavam a fé. Sem entrarem em consultas a propósito da sua idade nem do pouco tempo que tinha de religioso, confiaram-lhe o mando; promoveram-no às primeiras dignidades, e desempenhou-as sempre com plena satisfação. Os sábios regulamentos que elaborou, quando eleito Geral, têm-no feito considerar como o verdadeiro fundador da Congregação de São Jorge. Tinha sido eleito pela segunda vez Geral da sua Ordem, quando em 1433 o Papa Eugênio IV, perfeitamente instruído do mérito e da virtude eminente do homem de Deus, o escolheu para Bispo de Veneza. Defendeu-se a mais não poder; de nada lhe valeu: foi sagrado; passou toda a noite que precedeu o dia de sua Sagração junto dos altares.

O episcopado em nada alterou o seu modo de vida monástica, tal como a vivera entre os Cônegos Regulares de São Jorge; também em nada afrouxou em sua assiduidade à oração. Aumentou mesmo as suas horas de vigília para ter mais tempo disponível, a fim de atender o seu povo. Por maior que fosse o cuidado que tinha de ocultar as suas mortificações e abstinências, foi-lhe impossível impedir que transpirassem para o público algumas das suas mais secretas austeridades. A sua modéstia e simplicidade cristã patentearam-se com brilho no regulamento da sua casa, e na frugalidade de sua mesa. Posto que elevado a uma das maiores Sés da Igreja, foram sempre a humildade e a piedade que regularam as coisas de sua casa. Dizia que só a virtude era a que dava esplendor à sua dignidade; quis que os pobres partilhassem com ele a sua renda, e compusessem em certo a sua família.

A dureza, com que tratava o corpo em todo o tempo, não diminuía nunca um ápice a sua afabilidade e doçura para com todos. Deste modo ganhou os corações e reformou o seu Clero, que, vendo o seu maravilhoso desinteresse, e impressionado por seus grandes exemplos, se submeteu a tudo o que ele queria para o restabelecimento da disciplina.

As ovelhas amavam e estimavam muito o Pastor, para quererem afastar-se do rebanho; ouviam com docilidade e com respeito a sua voz; e desde a sua primeira visita, toda a Diocese mudou. Tendo sido ultrajado por ditos picantes de uns certos libertinos, só paciência e moderação é que empregou para os converter. A impiedade não pode jamais afrontar a sua virtude, porque a sua pureza desarmava os mais insolentes e a conversão destes foi olhada como um de seus maiores milagres. A sua caridade extraordinária para com os pobres operou maravilhas. Muitas vezes lhe aconteceu, depois de não ter dinheiro e de o pedir emprestado, ver-se, sem saber como, socorrido por Deus.

Tendo pedido um de seus parentes, alguma coisa com que pudesse dotar uma de suas filhas, segundo a sua qualidade, o Santo Bispo, que era surdo à voz da carne e do sangue, respondeu-lhe que, se lhe desse pouco, de pouco lhe serviria, e que se lhe desse muito cometeria uma espécie de roubo, dando-lhe o que era dos pobres.

Tinha poucas rendas, mas o zelo era muito. Sustentava uma multidão de pobres, que parecia deverem empobrecê-lo; poucas eram as famílias que não achassem socorro justo dele. Não só aumentou o número dos Cônegos de sua Catedral e criou vários lugares, a fim de que, os Ofícios divinos se celebrassem com esplendor; mas estabeleceu ainda grande número de Colegiadas nas igrejas da sua Diocese.

Fundou por sua parte, quinze casas religiosas que proveu de tudo; reformou o luxo dos hábitos e os costumes de toda a sua Diocese. O Papa Nicolau V, cheio de estima e de veneração por sua eminente virtude, procurava elevá-lo a algum posto, donde pudesse iluminar com mais extensão, quando morreu Dominic Michaeli, Patriarca de Grado em 1451. O Papa, prevendo que o senado e o povo de Veneza não consentiriam nunca que se lhes tirasse o Santo Prelado, transferiu o título de Patriarca de Grado para a Sé de Veneza, simplesmente por consideração do nosso Santo. Não foi coisa fácil levá-lo a aceitar esta nova dignidade; foi preciso toda a autoridade do Papa para vencer a sua repugnância; tudo o que podia dar-lhe brilho ofendia a sua modéstia.

Dizia Missa todos os dias com nova devoção; o seu amor a Jesus Cristo e a sua terna devoção a Maria cresciam todos os dias, por isso Deus o cumulava todos os dias de novas graças. Um santo eremita que vivia muito fervorosamente na ilha Corfú, asseverou a um nobre veneziano, que Deus estava extremamente irritado contra a cidade de Veneza, que certamente teria já experimentado os efeitos da sua cólera, se não O houvessem desarmado as preces do Santo Prelado.

Havia já algum tempo que as suas forças diminuíam, sem que fosse possível levá-lo a afrouxar em seus trabalhos apostólicos, em suas austeridades e abstinências, quando, ao celebrar a Missa da Festa de Natal, se sentiu fortemente abrasado do desejo de gozar de Deus e de O ver Face a face. Ao acabar a Missa tinha febre, que em poucos dias o reduziu à extremidade. Sempre se deitara na terra dura e nem ainda neste transe foi possível movê-lo a que se deitasse com mais comodidade.

Jesus Cristo morreu em uma Cruz, respondia aos que o aconselhavam a mudar de leito, e vós quereis que um pecador, como eu, morra na delicadeza?

Via com dissabor os incômodos e os cuidados que se empregavam para o aliviar. Enfim, depois de ter recebido os últimos Sacramentos, consolando ele próprio os seus domésticos que se desfaziam em pranto, dizendo-lhes, que o mais belo dia da sua vida não devia ser motivo de lágrimas, entregou tranquilamente o seu espírito ao Senhor, a 8 de janeiro de 1455, cheio de dias e de merecimentos, dotado do dom da profecia e dos milagres, que ainda depois da sua morte continuaram.

As obras que deixou publicadas são fruto de uma piedade sólida, antes do que de uma erudição estudada. É impossível lê-las e não sentir unção.

Foi preciso deixar o seu corpo por muitos dias exposto à veneração do povo que acudira em multidão de toda a parte à nova da sua morte. A contestação que se levantou a propósito da sua inumação entre o cabido e os religiosos de São Jorge, foi causa de que permanecesse durante 67 dias insepulto na Sacristia da grande igreja; e todavia, não apareceu o mais leve indício de corrupção ao fim desse tempo.

Deus tem tornado o seu túmulo glorioso por um grande número de milagres que, juntos à eminente santidade da sua vida, obrigaram o Papa Clemente VII, depois de todas as formalidades necessárias, a declará-lo Bem-aventurado; e o Papa Alexandre VIII canonizou-o solenemente no ano de 1690. A sua festa foi fixada por ordem da Santa Sé a 5 de setembro.



MEDITAÇÃO3

O Cristão deve ser discípulo de Jesus Cristo

1. Jesus Cristo veio do Céu à terra, para nos ensinar uma doutrina inteiramente divina. Devemos adquiri-la com perfeição. Nada mais belo nem mais necessário ao homem. Por que a desprezamos então? Para que deixamos esta fonte de água viva, para irmos matar a sede nas cisternas lodosas do Egito?

2. A ciência do cristão não é puramente especulativa; não basta admirar a doutrina, que o divino Mestre nos ensinou, é preciso pô-la em prática. Para bem a entender, é necessário imitar Jesus Cristo nosso Mestre, porque a Sua doutrina não é senão um resumo dos atos que praticou. Ó meu divino Mestre, ensinai-me a amar-Vos e a imitar-Vos. A religião cristã consiste em imitar o que honramosSanto Agostinho.

3. A vida do Salvador foi um ensinamento constante. No Presépio, pregou a pobreza; na Montanha, ensinou a humildade; do alto da Cruz, o amor dos sofrimentos. Fixemos bem na memória estas três grandes lições, e sobretudo, ponhamo-las em prática. Se ninguém nos crucifixa, crucifiquemo-nos nós por uma mortificação constante.São Pedro Crisólogo.

Imitação de Jesus Cristo.Orar pelos pregadores do Evangelho.

Oremos: Deus Onipotente, que a veneranda solenidade do Bem-aventurado Lourenço, vosso Confessor e Pontífice, aumente em nós o espírito de piedade e o desejo da salvação. Por Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.


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1.  Rev. Pe. Croiset, “Ano Cristão”. Volume IX, pp. 65-69. Traduzido do Francês pelo Rev. Pe. Matos Soares; O Tradutor - Seminário do Porto, Porto, 1923.

2.  Tuberculose Linfática.

3.  “Vida dos Santos – com uma Meditação para cada dia do Ano”, pelo Pe. João Estevam Grossez, S.J., Segunda Parte, 5 de Setembro, pp. 145-146. Edição Portuguesa, “União Gráfica”. Lisboa. 1928.


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