Dezembro 2, 2011
Publicado em Uncategorized às 12:28 pm por FBMV
Por
Elisabeth M. Thornton¹
Artigo publicado na Revista Le Cep (41
rue Patenôtre. Bât. 5, RAMBOUILLET 1010 – France. site: http://le-cep.org/
), revista interessante sob vários aspectos, mas que contêm também
artigos que merecem alguma reserva.
O centenário do nascimento de Freud, em
1956 tornou conhecido a uma nova geração o ensinamento do médico psicanalista
vienense, que então estava meio esquecido.
O interesse foi suscitado por uma
campanha de conferências, emissões de rádio e artigos de jornal, todos feitos
por amigos pessoais de Freud ou psicanalistas de renome.
As teorias psicanalistas foram
apresentadas como fatos tão bem estabelecidos, que se tratou Freud como um
gênio comparável a Copérnico, Newton ou Einstein. Sobretudo, Ernest Jones, amigo
íntimo e discípulo de Freud, publicou os primeiros volumes da biografia de seu
mestre.
Assim, foram vulgarizados os trabalhos
do célebre médico, em particular sua hipótese central segundo a qual a
repressão sexual seria a causa primeira da neurose e de todas as doenças
mentais.
Desde os anos sessenta, viu-se
constituir um grupo de universitários e escritores que pleiteavam a modificação
urgente dos comportamentos sociais relativos à moral sexual, “afim de evitar a
destruição da civilização”, como disse Alex Comfort. The Observer, de Londres,
reclamou a criação de uma cátedra na Universidade para que se estudasse o
inconsciente. E apesar de que Freud tenha qualificado a religião de “neurose
obsessional universal” (uma de suas numerosas expressões contraditórias),
clérigos “atualizados” apoiaram teses freudianas com entusiasmo. Veio
então Marcuse, que fez um amálgama das teorias de Karl Marx e de Sigmund Freud.
Houve até intelectuais que reclamaram a
incorporação do marxismo e do freudismo na doutrina da Igreja!
Hoje, mais de quarenta anos nos separam
desses dias de exaltação e a sociedade permissiva engendrada por este retorno
do freudismo fracassou. Os anos noventa viram emergir uma sociedade sem
alegria, acabrunhada pelos problemas que a revolução sexual deixou na sua
passagem. Não seria, portanto, bem-vinda a aceitação, sem reservas, das teorias
do médico vienense: a “terra prometida”, liberada da neurose e das doenças
mentais se revelou como um deserto rochoso.
Ora, olhando o passado, parece que muitos
dos recentes partidários das teorias psicanalíticas não leram jamais, os livros
de Freud com a caneta à mão para anotações.
Se o tivessem feito, teriam descoberto
que o autor não apoiava, com provas, nenhuma de suas ideias. No máximo ele
prometia que, em obras posteriores, mostraria as tão esperadas provas
decisivas. Mas esses textos anunciados não foram jamais redigidos.
Quando Freud citava suas primeiras
obras, como contendo a justificação de suas teorias, devemos crer que ele, ou
tinha lapsos de memória, ou que ele assumiu o risco calculado, achando que
ninguém se daria ao trabalho de verificar suas asserções.
Neste último caso, é preciso reconhecer
que o jogo valia a pena! As obras de juventude de Freud estão cheias de
contradições, de círculos viciosos, no meio dos quais pleiteia pelas suas
ideias sem as justificar. Assim, por exemplo, no mais famoso dos casos
dos anais da psicanálise, o caso de “Ana O.”, caso contado pela lenda como
sendo a cura psicanalítica primordial, que lançou Freud no caminho que ele
deveria seguir durante toda a vida.
Só depois de muitos anos é que a inconsistência
da história de Ana O. foi descoberta. Primeiramente, Jung (que se tinha
separado de Freud), num seminário em Zurique, em 1925, declarou que “quanto a
este caso famoso de um sucesso terapêutico brilhante, nada disto ocorreu (…) Na
verdade, não houve nenhuma cura da maneira como Freud apresentava”. Depois
disto, em 1953, na biografia de seu mestre, Ernest Jones revelou o verdadeiro
nome da doente. Não era uma desconhecida, ao contrário, tinha se tornado
célebre como pioneira da ajuda social, oradora do movimento feminista e autora
de diversas obras, sobretudo de sociologia.
Quando o eminente historiador H.F.
Ellenberger veio a Viena para trabalhar em seu livro sobre a psicanálise, pôde
recolher numerosos elementos biográficos dela. Os dados fornecidos pelo estado
civil levaram-no finalmente a descobrir, nos subterrâneos de um sanatório
suíço, o relatório médico e a correspondência relativa ao caso de Ana O. Tudo estava
esquecido ali há mais de 80 anos. Os documentos mostraram que a doente tinha
sido curada não por um tratamento “catártico”, e que Freud tinha consciência do
fato. Também se constatou que a doente não sofria de neurose, mas de histeria.
Os sintomas diagnosticados não podiam
ser de origem psíquica, mas resultavam pura e simplesmente de uma deficiência
orgânica do cérebro.
A publicação da correspondência de
Sigmund Freud com Wilhelm Fliess² foi um outro golpe, este mortal, na
reputação do inventor da psicanálise.
Estas cartas cobrem o período de
1892-1900, durante o qual Freud voltou as costas à medicina clássica, que ele
tinha até então praticado, afim de estabelecer as bases teóricas da
psicanálise. Trata-se de um apanhado de interesse inestimável sobre esses anos
críticos. E, no entanto, há décadas que a família de Freud recusava a consulta
destas cartas a historiadores e pesquisadores. Portanto, uma auréola de
mistério rodeava estas famosas cartas. Como a pressão dos curiosos se tornou
insuportável, a família autorizou enfim sua publicação completa. Da leitura
destas cartas se depreende uma estranha história.
Wilhelm Fliess era um
otorrinolaringologista berlinense. Tinha ficado amigo de Freud em 1892, ano
onde ele veio várias vezes a Viena, por causa de seu noivado e, depois, de seu
casamento com uma herdeira vienense, Ida Bondy. Tempos depois os dois homens se
encontraram várias vezes por ano para realizar o que eles chamaram “congressos
científicos”. Entre dois “congressos”, trocava numerosas correspondências.
Estas correspondências passaram por muitas vicissitudes,em particular
Freudtentou destruí-las, quando as viu reaparecer, logo depois da morte de
Fliess (1858-1928).
Nos anos oitenta, Freud tinha usado
várias vezes a cocaína, recentemente descoberta, mas de maneira esporádica e
por via oral. As cartas enviadas a Fliess provam que Freud usou cocaína em
1892, e desta vez por via nasal, o que é muito mais perigoso, e usou-a
regularmente.
Fliess tinha experimentado a cocaína
sobre as vias respiratórias dos seus doentes. Servia-se dela como anestesia
local e percebia seus efeitos sobre os sintomas de seus pacientes. Elaborou a
partir daí uma teoria audaciosa: a cocaína podia aliviar as dores dos órgãos
genitais e também as dores de cabeça, em particular a enxaqueca. Partindo
destes fatos, postulou que estas doenças não passavam de “neuroses nasais
reflexas” e que o remédio principal era a aplicação de cocaína no nariz. Fliess
e Freud sofriam de enxaqueca, e se constata na correspondência entre os dois
que, desde o final de 1892, ambos trataram os seus ataques de enxaqueca através
de aplicações repetidas de cocaína no nariz.
A “neurose nasal reflexa” não existia
somente na imaginação de Fliess. Muitos tratados de otorrinolaringologia da
época mencionavam esta hipótese. Tinha acabado de se descobrir o funcionamento
reflexo do sistema nervoso, e a caça aos reflexos era uma moda na
medicina, a tal ponto que um observador podia ironicamente escrever que se
tinha presumivelmente descoberto e descrito mais reflexos novos do que o corpo
humano podia comportar de nervos e músculos!
Na realidade, Fliess cometera o erro
colossal de se enganar sobre as propriedades da cocaína. Com efeito, quando a
droga é aplicada sobre as mucosas, ela penetra rapidamente no sistema sanguíneo
através da membrana. No caso do nariz, a droga afeta o cérebro em poucos
segundos. O que os dois homens supunham que era de natureza local e reflexa,
era em realidade o efeito de uma droga que agia poderosamente sobre
células nervosas muito sensíveis.
Ora,a cocaína tem outros efeitos. Ela é
altamente vaso-constringente, ou seja, ela provoca o estreitamento dos vasos
sanguíneos vizinhos ao seu ponto de aplicação. Entretanto, quando o efeito
desaparece, os vasos se dilatam rapidamente e um afluxo de sangue se produz.
Como a enxaqueca é causada pela
inflamação dos vasos sanguíneos na zona cerebral, uma primeira aplicação de
cocaína causava um alívio inicial. Mas a dor volta mais forte quando a droga
deixa de agir e a dilatação se repete. É preciso então mais cocaína para
aliviar a dor, formando-se assim um círculo vicioso.
Mais ainda, as inflamações nasais eram
consideradas, nesta época, como uma causa de todo um processo (ao invés de
serem consideradas como um efeito secundário do tratamento), e assim novas
doses de cocaína eram logo aplicadas.
Tendo a cocaína atacado as mucosas,
logo sintomas patológicos graves apareceram nos dois homens, como necroses e
úlceras. Mas eles viram nisto uma confirmação a mais de sua teoria do reflexo
nasal, e continuaram o tratamento com cocaína…
E assim, durante anos, durante os quais
elaborava suas principais teses, Freud estava sob o efeito de uma droga
altamente tóxica que afetava seletivamente o cérebro; a correspondência com
Fliess mostra isso de modo evidente, inegável. E este fato basta para explicar
muitos outros: as excentricidades de Freud nos anos 1880 (que Jones desculpava
como sendo pecadinhos inofensivos de um homem de gênio), as alterações de humor
que iam do orgulho exaltado até a depressão profunda, seguidos de períodos de
hiperatividade (interpretada por Ernest Jones como o sinal de uma “neurose
criativa”), seus misteriosos sintomas cardíacos que o atormentaram nos meados
desta década, os vazios de memória inexplicáveis, as contradições e inconsistências
nas suas obras que tanto perturbam seus tradutores e editores. Todos estes
sintomas são efeitos específicos da cocaína.
Quando Freud recusou tão bruscamente a
moralidade comum de seu tempo, para adotar a causa da liberdade sexual, ou
quando ele denunciou o mal suscitado pela repressão da agressividade, estes
comportamentos podem ser explicados pela influência da cocaína.
Hoje em dia é raro utilizar somente a
cocaína pura e concentrada. Mas a literatura do século XIX registra epidemias
de vício de cocaína que se espalharam muito nos Estados Unidos durante os anos
1880-1890, quando se considerava a cocaína uma droga benéfica, sem
perigos. Quem quiser emitir um julgamento a respeito das teorias de Freud deve
considerar dois efeitos desta droga.
O primeiro é o estímulo inicial das
funções sexuais, como aconteceu com o próprio Freud. No entanto, o uso repetido
da cocaína leva à redução da atividade sexual, redução esta que pode ir até à
cessação completa. também neste ponto, Freud nos dá o exemplo típico de um
viciado inveterado. E assim, o pan-sexualismo que infesta suas teorias é uma
consequência previsível de sua dependência à cocaína.
O segundo efeito, mais importante, é o
de um aumento da agressividade, que se traduziu no final do século XIX por uma
elevação notável das taxas de homicídio, até que a venda livre da cocaína foi
proibida. Então se pode compreender melhor porque Freud defendeu não somente a
liberdade sexual, mais ainda a não repressão das tendências agressivas.
Esta história deveria servir de lição
àqueles que recusam o ensinamento da Igreja em nome das “descobertas da ciência
moderna” de Sigmund Freud. As verdades eternas saídas da boca de Jesus Cristo
triunfarão sempre sobre as pretensas sabedorias na moda, por mais que elas pareçam
sedutoras e convincentes à primeira vista.
______________________________________________________________
¹ – E. M..
Thorntoné autora de Freud and Cocaina – The Freudian Fallacy (Blond and Briggs
Limited, Dataday House, Alexandra Road London Sw 19 75 Z).
² – Freud,
Sigmund, Lettres
a Wilhelm Fliess, Paris, PUF, 2006.
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