Sermão
de Santo Agostinho sobre a
Assunção da Santíssima e Sempre Virgem Maria
Antes
de falar do Santíssimo Corpo da Perpétua Virgem e da Assunção de
Sua Alma Sagrada, digamos primeiro que a Escritura não se refere a
Ela depois que o Senhor na Cruz recomendou-A ao Discípulo, a não
ser aquilo que Lucas relata nos Atos dos Apóstolos: “Todos
perseveravam, unanimemente, na prece com Maria, Mãe de Jesus”.
Que dizer, então, de Sua morte? Que dizer de Sua Assunção? Já que
a Escritura se cala, deve-se pedir à razão que nos guie para a
verdade. Portanto, que a verdade seja nossa autoridade, pois sem ela
sequer há autoridade. Baseados no conhecimento da condição humana
é que não hesitamos em dizer que Ela sofreu morte temporal, mas se
dizemos que Ela alimento da podridão, dos vermes e da cinza, devemos
considerar se esse estado convém à Sua santidade e às
prerrogativas desta Casa de Deus. Sabemos que foi dito ao nosso
primeiro pai: “Você
é pó e ao pó voltará”.
A
carne de Cristo escapou dessa condição pois não foi submetida à
corrupção, foi poupada da sentença geral da natureza que foi
tomada da Virgem. O Senhor disse também à mulher: “Multiplicarei
suas misérias e você dará à luz com dor”.
Maria teve sofrimentos, uma espada transpassou Sua Alma, contudo, deu
à luz sem dor. Assim, embora partilhando as tribulações de Eva,
Maria não partilhou as do parto com dor. Ela foi uma exceção da
regra geral, gozou de uma grande prerrogativa, sofreu a morte sem ser
aprisionada por ela. Não seria, então, uma impiedade dizer que Deus
não tenha querido poupar o Corpo de Sua Mãe da podridão, da mesma
forma que quis conservar intacto o pudor de Sua virgindade? Não
cabia à bondade do Senhor conservar
a honra de Sua Mãe, pois Ele viera não para destruir a Lei, mas
para cumpri-la? Se Ele a honrou durante a Sua vida mais que a
qualquer outra pessoa, pela graça que lhe fez de O conceber, é ato
piedoso crer que A honrou também em Sua morte com uma preservação
particular e uma graça especial. A podridão e os vermes são a
vergonha da condição humana, e se Jesus esteve isento desse
opróbrio, Maria também, já que Jesus nasceu d'Ela. A carne de
Jesus é a carne de Maria, que Ele elevou acima dos astros, honrando
com isso toda a natureza humana, mas sobretudo a de Sua Mãe. Se o
Filho tem a natureza da Mãe, é conveniente que a Mãe possua a
natureza do Filho, não quanto à unidade da pessoa, mas quanto à
unidade da natureza corporal. Se a graça pode fazer que haja
unidade sem que haja comunidade de natureza, com mais razão quando
há unidade na graça e no nascimento corporal. Há unidade de graça,
como a dos Discípulos com Cristo. Ele mesmo diz: “A
fim de que eles sejam um como Nós somos Um”,
ou, em outro lugar: “Meu
Pai, quero que eles estejam coMigo em todo lugar que Eu estiver”.
Se Ele quer ter consigo aqueles que, reunidos pela fé, formam com
Ele uma mesma pessoa, que dizer em relação à Sua Mãe, cujo lugar
digno para estar só pode ser em presença de Seu Filho? Tanto quanto
posso compreender, tanto quanto posso crer, a Alma de Maria é
honrada por Seu Filho com uma prerrogativa ainda superior, já que
Ela possui em Cristo o Corpo desse Filho que Ela gerou com os
caracteres da glória. E por que esse Corpo não seria Seu, já que
Ela O concebeu? Se uma autoridade maior não o negar, creio que foi
por Ele que Ela gerou, pois tão grande santidade é mais digna do
Céu que da Terra. O Trono de Deus, o Leito do esposo, a Casa do
Senhor e o Tabernáculo de Cristo tem o direito de estar onde Ele
próprio está. O Céu é mais digno que a Terra de conservar tão
precioso Tesouro.
Como a incorruptibilidade, a dissolução causada pela podridão é
consequência direta de tanta integridade, não imagino que esse
Santíssimo Corpo poderia ser abandonado como alimento dos vermes.
Mas as graças incomparáveis que lhe foram concedidas permitem-me
rejeitar esse pensamento, baseado em várias passagens da Escritura.
A Verdade disse a Seus Ministros: “Onde
estou, ali estará também Meu Ministro”.
Se
essa sentença geral refere-se a todos os que servem a Cristo por sua
crença ou por suas obras, aplica-se especialmente, sem a menor
dúvida, a Maria, que O ajudou por todas Suas obras: carregou-O em
Seu útero, colocou-O no mundo, alimentou-O, aqueceu-O, deitou-O na
manjedoura, ocultou-O na fuga para o Egito, guiou Seus passos na
infância, seguiu-O até à Cruz. Ela não podia duvidar de que Ele
fosse Deus, pois sabia tê-Lo concebido não por sêmen viril,
mas
pela aspiração Divina. Ela não duvida que Seu Filho tem poder de
Deus, daí ter-lhe dito: “Eles
não tem vinho”, sabendo
que Ele poderia, com um milagre, produzi-lo. Portanto, Maria foi, por
Sua fé e Suas obras, servidora de Cristo. Mas se Ela não está onde
Cristo quer que estejam Seus Ministros, onde então estaria? E se
está ali, é com a mesma graça que os outros? E se é com a mesma
graça, como fica a igualdade diante de Deus que dá a cada um
conforme seus méritos? Se foi por mérito que Maria recebeu em vida
tanta
graça, esta poderia ser menor quando morta? Certamente não! Se a
morte de todos os Santos é preciosa, a de Maria é preciosíssima.
Assim, penso que Maria, elevada às alegrias da eternidade pela
bondade de Cristo, foi ali recebida com mais honras que os outros,
porque Ele a honrou com Sua graça mais que aos outros, e Ela não
teve de sofrer depois da morte o mesmo que os outros homens,
podridão, vermes e pó, pois Ela gerou o Salvador de Si mesma e de
todos os homens. Se a Divina Vontade escolheu manter intactas no meio
das chamas as vestes das crianças, por que não preservaria as de
Sua própria Mãe? A misericórdia que quis manter Jonas vivo no
ventre da baleia não concederia a Maria a graça da incorrupção?
Daniel foi preservado apesar da grande fome dos leões, e Maria não
teria sido conservada pelos tantos méritos que a dignificavam?
Portanto, reconhecendo que tudo quanto dissemos ocorreu contra as
Leis da Natureza, não podemos duvidar de que a integridade de Maria
deveu-se mais à graça que à natureza. Cristo, como Filho de Maria,
fez com que a alegria dela decorresse da Alma e do Corpo de Seu
próprio Filho, que não A submeteu ao suplício
da corrupção para dar à luz íntegra, sempre incorrupta, cheia de
graça, e vivendo integralmente porque gerou aquEle que é a Vida
íntegra de todos. Se não falei a verdade, peço que você e os seus
me perdoem.
__________________________
Nenhum comentário:
Postar um comentário