Blog Católico, para os Católicos

BLOG CATÓLICO, PARA OS CATÓLICOS.

"Uma vez que, como todos os fiéis, são encarregados por Deus do apostolado em virtude do Batismo e da Confirmação, os leigos têm a OBRIGAÇÃO e o DIREITO, individualmente ou agrupados em associações, de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e por toda a terra; esta obrigação é ainda mais presente se levarmos em conta que é somente através deles que os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo. Nas comunidades eclesiais, a ação deles é tão necessária que, sem ela, o apostolado dos pastores não pode, o mais das vezes, obter seu pleno efeito" (S.S. o Papa Pio XII, Discurso de 20 de fevereiro de 1946: citado por João Paulo II, CL 9; cfr. Catecismo da Igreja Católica, n. 900).

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

UM DOS MAIORES MILAGRES DA IGREJA CATÓLICA: PORQUE VISÍVEL, PALPÁVEL E PERMANENTE.



1ª Parte


Perpetuidade dos Milagres de Ordem Física
no Seio do Catolicismo1

Já o observei: o Catolicismo oferece com plena confiança, a qualquer homem razoável e sincero, uma série contínua de milagres na ordem física, a partir de nossos dias até aos Apóstolos e a Jesus Cristo; série de milagres examinados, discutidos e como tais reconhecidos pelos homens mais consideráveis nos diversos séculos. É um fato notabilíssimo e que deve fazer refletir os espíritos sérios; porque evidentemente, o mais simples bom senso proíbe de pensar que, durante o longo período de mil e oitocentos anos (n.c. mais de 2000 anos, atualmente), multidão considerável de homens ilustrados e virtuosos tenham estado em alucinação permanente a tal respeito; ou que se hajam combinado, nos mais diversos países, para iludir os seus contemporâneos ou enganar-se voluntariamente a si mesmos. É certo, por discussão sábia e decisiva 2, que os antigos oráculos do paganismo não eram todos devidos à impostura dos sacerdotes dos ídolos, que abusavam da credulidade dos ignorantes; mas muitos eram fatos reais, que só explica a intervenção diabólica. É também certo que, se nessa massa enorme e incalculável de fatos miraculosos, proclamados como tais pela voz pública, pelos homens mais judiciosos e respeitáveis, em todas as partes do mundo, de século para século até ao berço da Religião de Jesus Cristo, há alguns a que faltam os caracteres que são exigidos para se reconhecer a autenticidade de um fato, existe todavia, uma multidão de outros que são revestidos desses critérios e podem desafiar o exame mais severo.

Milagres Juridicamente Provados
nos Processos de Canonização

Para só falar dos milagres, que se provaram nos Processos de Canonização dos Santos, nunca houve tribunal humano onde se exijam provas tão rigorosas. Esses tribunais humanos resolvem sobre a liberdade, a fortuna e a vida dos cidadãos, e apesar disso as precauções que tomam, estão longe das que emprega a Igreja Católica para evidenciar os fatos miraculosos em que assenta a declaração da santidade de algum dos seus filhos. Por certo, que há erros nos julgamentos dos tribunais; mas seria impossível concluir que suas investigações são todas falsas e errôneos todos os seus julgamentos; quando mesmo eu admitisse contra toda a justiça, e sob o ponto de vista puramente filosófico, a possibilidade que o erro se houvesse introduzido em algum Processo de Canonização, é impossível que todas as inquirições, tão minuciosas, severas e atentamente discutidas por juízes conscienciosíssimos só conduzissem a ter, por verdadeiros, fatos errôneos; ou como milagres fatos, que só podiam ser naturais, a despeito das ciências física, química e médica, às quais se apela para discernir perfeitamente o tipo do fato; seria negar o critério da sã razão não admitir que nessas inquirições se contestaram no seu conjunto fatos miraculosos de ordem física, absolutamente irrefragáveis. Mas se assim é, por meio de repetidos atos Deus se pronunciou em favor da Religião Católica; Deus sobre Ela e sobre os milagres de Jesus Cristo, seu Fundador glorificado na sua Ressurreição e Ascensão, aplicou o selo infalível, visível e palpável do seu poder e da sua veracidade.

De resto, quando só um fato desta ordem houvesse tido lugar, e que esse fosse bem provado e averiguado, ele bastaria para ser prova irrefutável da verdade da Religião Católica. Ora, mesmo independentemente das inquirições para Canonização, há muito mais do que um desses fatos, que deve forçar a aceitá-la qualquer homem razoável. Vejamos os seguintes:

Milagres Provados Fora dos Processos de Canonização3



4. Milagre da Trasladação da Santa Casa de Nazaré para o Loreto: Há, porém, outro fato ainda mais demonstrativo, porque é visível, palpável e permanente: é a trasladação miraculosa, da Ásia para a Europa, da Casa de Nazaré, onde se operou o inefável Mistério da Encarnação, convertida em Capela pela piedade dos primeiros fiéis. Cem vezes os Apologistas deste grande fato desafiaram os seus adversários para uma discussão em regra acerca dos títulos do augusto Santuário, e nunca eles levantaram a luva, contentando-se com alguns gracejos insulsos4, que nada provam, a não ser a impossibilidade de destruir por meio do raciocínio uma verdade histórica, incontestável contra a crítica mais severa. 5

Foi a 10 de maio de 1291, que Deus operou este grande prodígio para subtrair a Santa Casa às profanações dos ímpios (muçulmanos), que acabavam de invadir a Galileia, e a fim de torná-la mais sensível e irrecusável destacou (arrancou) o Santo edifício dos seus alicerces, que ficaram no seu lugar, fez-lhe transpor a enorme distância de oitocentas léguas, conservando-lhe a disposição integral de todas as suas peças, e fê-lo descansar de pé em um terreno desigual, não longe do mar, entre Tersatz e Fiume, nas praias da Dalmácia. Fica aí a Santa Casa durante três anos e meio, tempo de sobra para que o prodígio pudesse ser examinado, seriamente discutido nas suas minúcias, e provado por modo irrefragável. Renovando depois o milagre para lhe dar ainda mais força, Deus ergueu repentinamente esse mesmo edifício, conservando-o intacto, e transportando-o por cima do mar Adriático, na extensão de cinquenta léguas, para os Estados Pontifícios, para o território de Recanati. É aí onde ele se acha há seis séculos6 na célebre igreja do Loreto, que se construiu em torno desse primeiro Santuário.

Que esse duplo fato seja miraculoso no grau mais subido e que Deus o cumprisse em favor do Catolicismo, só poderia negar-se, rompendo com os ditames do bom senso. Trata-se, pois, tão somente de estabelecer aqui, por meio de provas irrecusáveis, a certeza dos fatos, cuja consequência legítima é este grande milagre. Ora, os fatos provam-se pelo testemunho humano, e esse testemunho recebe força especial ou pela importância e publicidade dos fatos de Nazaré, Tersatz e Loreto, ou pela facilidade com que podiam ser verificados pela vista e pelo tato, ou pela sua duração, que permitia o podê-los observar à vontade e fazer deles exame rigoroso.

Duas inquirições solenes e autênticas tiveram lugar a este respeito, logo depois da primeira e segunda trasladação.

Quando se realizou a primeira, o governador da Dalmácia, Nicolau Frangipani, o qual estava ausente, ao receber a notícia, que espantou a província inteira, deu-se pressa em ir a Tersatz. Aí, sem se deixar arrastar por um primeiro entusiasmo, tomou as medidas mais prudentes e informações, vendo e examinando por si mesmo. Para adquirir a certeza material e sem réplica da verdade, escolheu quatro emissários, e entre estes Alexandre, Bispo de Tersatz, encarregando-os de logo partirem para a Palestina, com os planos e dimensões da Casa miraculosa.

Eles deviam pessoalmente informar-se e declarar com juramento:

1.º Se a Casa da Santíssima Virgem de Nazaré, conhecida por toda a Cristandade desde doze séculos, desaparecera realmente, sem saber-se o que fora feito dela e a mão que a arrebatou;

2.º Se os alicerces ficaram no seu lugar;

3.º Se pela sua figura e dimensões condizem com os muros da Casa que chegara;

4.º Se a natureza da madeira e da pedra do país é a mesma; e se é absolutamente o mesmo gênero da construção.

Os quatro comissários chegaram à Palestina, interrogaram os cristãos de Nazaré, os quais, aflitos pela ausência do Santo edifício, cujo desaparecimento é um mistério para eles, lhes mostram o lugar onde estava, e os alicerces dilacerados pela separação violenta do edifício. Tomam os comissários todas as dimensões do alicerçamento, examinam a natureza dos materiais, a construção, comparam o tempo decorrido desde o desaparecimento do edifício e a sua chegada à Dalmácia, e tudo se acha de exatidão rigorosa. Redigem por escrito o seu depoimento, e voltando à pátria o confirmam com juramento; lavra-se ato público de tudo, para servir de monumento à posteridade.

Quando teve lugar a segunda trasladação e que os Dálmatas souberam que o venerável Santuário se achava na Itália, vieram em chusma7 reconhecer o tesouro cuja perda deploravam. Publicaram na Marca d'Ancona as maravilhas que presenciaram em Tersatz, e aumentaram mais e mais a devoção dos peregrinos.

Assim como na Dalmácia, as autoridades, quer as civis, quer as eclesiásticas querem conhecer a verdade; o Papa Bonifácio VIII recomenda ao Bispo de Recanati que olhe com toda a atenção pela conservação da Santa Casa. Este Bispo, junto com as pessoas mais importantes da província, reunidas em 1296 em assembleia geral, mandou à Dalmácia e a Nazaré uma deputação composta de dezesseis notáveis, cujos nomes conservaram os anais. Vão a Tersatz, asseguram-se da identidade do Santuário, cujo desaparecimento é objeto de pesares e lágrimas para os Dálmatas, que lhe erigem um monumento comemorativo no lugar, que ele ocupara durante três anos e meio; seguem depois para Nazaré, onde coligem com esmero tudo quanto a tradição lhes podia ensinar acerca da Casa da Santíssima Virgem; examinam em especial o lugar onde os habitantes do país afirmam que ela estivera; contestam a existência dos seus alicerces, a identidade das pedras da sua construção com a dos muros do Santuário do Loreto, a exatidão perfeita com que as dimensões dos mesmos muros se ajustam às bases deixadas em Nazaré.

Regressando à Itália, expõem minuciosamente o resultado da sua comissão, e confirmam por meio de juramento o seu testemunho, consignado em um processo para depor-se nos arquivos de Recanati. Numerosas cópias desse processo se espalham no público, e se conservam preciosamente como herança de muitas famílias.8

Ao resultado incontestável destas duas inquirições jurídicas, adicionam-se provas inúmeras, que encheriam volumes: conformidade perfeita não só das pedras e dimensões, mas das madeiras e cimento empregados na Palestina; permanência dos muros, tão antigos, que se sustentam de pé sem alicerces, sem apoio, sem estarem aprumados, contra todas as leis do equilíbrio, em condições nas quais, consoante a confissão dos arquitetos mais hábeis, deveriam forçosamente esfarelar-se9; os testemunhos dos historiadores e sábios10, – testemunho dos povos que enviam a esse miraculoso Santuário, há seis séculos, perto de duzentos milhões de peregrinos11; – testemunhos de quarenta e seis Papas, que confirmaram a verdade do prodígio, quer pelos seus atos, quer por decisões solenes12; – testemunho de Deus mesmo, que, por milagres autênticos, muitas vezes tem manifestado o seu braço.13

Finalmente, o prodígio da Santa Casa do Loreto acha-se provado pelas negações mesmo que se lhe tem oposto.

Uns contestaram-no por meio de gracejos estúpidos, opondo-lhe apenas a fatuidade de uma incredulidade cega, ou a necessidade de fugir a uma discussão, para escapar às consequências da verdade reconhecida.

Outros, obrigados a confessar o fato irrecusável, recorrem a razões que nada implicam com a realidade do fato.

Não recearam outros opor-lhe razões, em que a ignorância mais vil corre parelha com a má-fé mais indigna.

Tem-se querido explicar o fato permanente desse extraordinário edifício que se conserva de pé há tantos séculos sem alicerces, sem apoio, sem estar aprumado em terreno desnivelado, citando exemplos de terrenos transportados por forças naturais com as casas e as árvores que os cobriam; porém, esqueceram-se ou antes fingiram esquecer que esses transportes se fazem para terreno inferior e não perdem os seus fundamentos; ao passo que a Casa do Loreto está montada sobre o ponto culminante de uma colina que domina o país em redor, e aí se conserva de pé sem alicerces.

Nunca se quis além disto ver que essa pretendida explicação do fato permanente do edifício, fosse ela tão racional como é absurda, deixaria subsistir em todo o seu rigor a verdade da sua dupla trasladação miraculosa.

Um ministro protestante em 1856 quis ainda sustentar:

1.º Que desde o quarto até ao décimo sexto século nenhum historiador ou peregrino de Nazaré fala da Casa da Santa Virgem ou de São José; quando, além de outros testemunhos, temos o de Phocas, de Thomaz Celano, do Cardeal de Vitry e do historiador de São Luiz, que desmentem em absoluto esta asserção atrevida.

2.º Que não se fez menção alguma na Itália da trasladação miraculosa antes do século quinze; ao passo que, a partir de 1295, época da passagem do Santuário para a Itália, os atos das autoridades civis e eclesiásticas provam o fato, que desde então é atestado pela tradição invariável dos habitantes de Recanati e da Marca d'Ancona.

3.º Que a história da trasladação pela primeira vez se lê em uma Bula de Leão X, de 1518; quando o contrário, é manifestamente estabelecido por Diplomas e Bulas de Benedito XII em 1341, Urbano VI em 1388, Bonifácio IX em 1389, e pelos Papas Martinho V, Eugênio IV, Nicolau V, Pio II, Paulo II e Sixto IV, todos anteriores a Leão X, os quais referem a história desta trasladação.

4.º Que as pedras da Casa do Loreto são muito diversas das da Palestina; quando um sábio químico, Professor na Universidade Romana, reconheceu nas pedras da Santa Casa e nas da Palestina os mesmos caracteres físicos, e além disto pela análise química que fez, contestou que umas e outras são compostas de Carbonato de Cal, Carbôneo, Magnésia e Argila ferruginosa, e este testemunho da ciência é tanto mais irrecusável, quanto o professor as analisou sem saber qual era a sua origem.14

Tão grande deslealdade na agressão só podia demonstrar a impossibilidade absoluta de opor algum argumento racional ao fato miraculoso do Loreto, e para tornar cada vez mais esplêndida a verdade que o circunda. Por isso, deu ocasião a um trabalho eminentemente notável de Monsenhor Bartolini, que imprimiu a este fato o cunho supremo da certeza e evidência.

O milagre do Loreto é pois não só fato histórico averiguado, absolutamente incontestável, mas visível, palpável, permanente, de modo que vitoriosamente se pode responder a qualquer contraditor: “Ide ver e apalpar; e quando tiverdes visto e apalpado, negai ou duvidai, se isso vos é possível, sem que vos envergonheis disso e que a consciência vos acuse de má-fé na vossa incredulidade ou ceticismo”.



2ª Parte




Trasladação da Casa da Santíssima Virgem15
(Detalhes e Complementos)

Pelos fins do décimo terceiro século, a súbita e terrível notícia de que a Terra Santa fora perdida pelos cristãos, produziu uma profunda mágoa nas almas piedosas; mas simultaneamente, uma outra notícia veio entusiasmar as almas crentes. A Santa Casa de Nazaré, onde Maria concebeu o Verbo Incarnado, foi transportada pelos Anjos para a Dalmácia, e daí para a Marcha de Ancona, perto de Recanati, em Loreto, onde se conserva ainda.

Era em 1291; os lugares Santos da Palestina haviam sido invadidos; a magnífica igreja, que a Imperatriz Helena mandara edificar em Nazaré, acabava de ser demolida pelo martelo destruidor dos Maometanos (muçulmanos); a Santa Casa que encerrava, ia, dentro em breve, ter a mesma sorte, quando Deus ordenou aos seus Anjos que a transportassem para as felizes terras da fiel Dalmácia. Era a 10 de maio; na segunda vigília da noite, o Santuário de Nazaré havia sido deposto sobre as margens do Adriático, entre Tersatz e Fiume, num lugar chamado vulgarmente de Raunisa, pelos habitantes do país.

Governava então a Igreja Nicolau IV, e o Império Rodolfo de Habsburgo; a cidade de Tersatz obedecia a Nicolau Frangipani, descendente da antiga raça dos anicianos, cuja autoridade se estendia sobre os domínios da Croácia e da Eslovênia. Ao romper da aurora, alguns habitantes notaram com espanto um novo edifício colocado num lugar, onde até aí, nunca se tinha visto casa ou choupana. A nova do prodígio espalhou-se em breve; afluiu gente que examinou e admirou a misteriosa Casa, construída de pequenas pedras vermelhas e quadradas, que eram ligadas por cimento. Admirou-se a singularidade da construção, o aspecto de antiguidade, e a forma oriental; não era possível, sobretudo, explicar como permanecia de pé e firme, estando colocada sobre a terra, sem alicerce algum.

A surpresa, porém, aumentou quando penetraram no interior da Casa. Formava um quadrado oblongo o teto, encimado por um pequeno campanário, era de madeira, pintado em azul, e dividido em vários compartimentos, estava semeado aqui e além de estrelas douradas. À volta das paredes e debaixo dos tetos notavam-se vários semicírculos que se arredondavam uns perto dos outros e pareciam adornados de vasos, diversamente variados nas suas formas. As paredes com espessura de cerca de um côvado, construídas sem régua e sem nível, não seguiam exatamente a linha vertical. Nelas estavam pintados os principais mistérios deste lugar sagrado. Uma porta bastante larga, aberta numa das paredes laterais, dava ingresso nesta misteriosa habitação. À direita abria-se uma estreita e única janela. Em frente erguia-se um altar, construído em pedras fortes e quadradas, e sendo dominado por uma cruz grega e antiga, ornada de um crucifixo pintado sobre uma tela aderente à madeira, onde se lia o emblema da nossa salvação: Jesus Nazareno Rei dos Judeus.

Próximo do altar, via-se um pequeno armário, de uma admirável simplicidade, destinado a recolher os utensílios necessários a um pobre lar; continha alguns vasinhos semelhantes àqueles que as mães usam para alimentarem seus filhinhos. À esquerda, uma espécie de fogão ou fornalha encimada por um precioso nicho sustentado por colunas ornadas, e terminando por uma abóbada arredondada.

Ali estava colocada uma estátua de cedro, representando a Santíssima Virgem, de pé, e tendo em seus braços o Menino Jesus. Os rostos eram pintados com uma espécie de cor semelhante à prata, mas denegridos pelo tempo, e, sem dúvida, pelo fumo das velas queimadas diante destas santas imagens. Uma coroa de pérolas colocada sobre a cabeça da Santíssima Virgem acusava a nobreza da sua fronte; os seus cabelos divididos ao modo nazareno tremulavam sobre o pescoço e sobre os ombros. O corpo estava vestido com uma túnica dourada, que, sustentada por um largo cinto, caía ondulante até os pés, por cima um manto azul; uma coisa e outra eram cinzeladas, e formadas da mesma madeira que a estátua. O Menino Jesus, de uma estatura maior do que a dos meninos ordinários, com um rosto, em que se respirava uma divina majestade, aformoseado pelos cabelos divididos sobre a fronte, como os nazarenos, cujo vestir usava, levantava os primeiros dedos da mão direita como que para abençoar, e na mão esquerda sustentava um globo, símbolo do seu poder soberano sobre o universo. A imagem da Santíssima Virgem, no momento da sua chegada, estava coberta com um manto de lã, de cor vermelha. Tal era a disposição da Santa Capela quando apareceu na Dalmácia.

A admiração era universal; perguntava-se que habitação seria aquela, que não tinha aquelas imagens, e que potência havia feito aparecer subitamente aquele Santuário. Todos interrogavam e ninguém podia responder, quando de repente surge no meio do povo o venerando Pastor da igreja de São Jorge, o Bispo Alexandre, oriundo de Modruzia. A sua presença provocou um brado geral de surpresa; sabia-se que estava gravemente enfermo, quase sem esperança de cura; no entanto, ei-lo cheio de vida e de saúde, sem que a febre deixasse o mínimo vestígio.

De noite, no seu leito de dor, sentiu o mais vivo desejo de ir contemplar com seus olhos o prodígio de que acabava de ter conhecimento; neste momento, consagrou-se a Maria cuja imagem miraculosa se lhe havia descrito. De repente o Céu abriu-se a seus olhos, a Santíssima Virgem mostrou-se no meio dos Anjos que a rodeavam, e uma voz, cuja doçura arrebatava interiormente o coração, disse-lhe assim: “Meu filho, chamaste-me e eis-me aqui para te dar um eficaz auxílio, e revelar o mistério que desejas conhecer. Sabe que a Santa Casa, aparecida recentemente neste território, é a Casa em que nasci, e recebi quase toda a minha educação. Foi ali que, à saudação do Arcanjo Gabriel, concebi o Divino Menino por operação do Espírito Santo. Foi ali que o Verbo se fez Carne! Também, ali, depois da minha morte, os Apóstolos disputavam a honra de celebrar o Augusto Sacrifício. O altar transportado para o mesmo território é o que levantou o Apóstolo São Pedro. O crucifixo que ali se vê foi lá colocado pelos Apóstolos. A estátua de cedro é a minha imagem feita pelo Evangelista São Lucas, que, levado pelo amor que por mim sentia, exprimiu com os recursos da arte as semelhanças dos meus traços, tanto quanto era possível a um mortal. Esta Casa, amada do Céu, cercada de honras durante tantos séculos, na Galileia, mas hoje privada de homenagens, passou de Nazaré para estas regiões. O Autor deste grande acontecimento é Deus, ao qual nada é impossível. De resto, para que tu mesmo sejas testemunha e pregador, recebe a cura de teus sofrimentos. O regresso súbito à saúde, a tua cura repentina no meio de tão longa doença dará fé deste prodígio”.

Assim falou Maria, e, elevando-se em direção ao Céu, desapareceu, deixando o quarto embalsamado de um odor celeste. O ministro fiel sentiu o mal e a febre desaparecer, e voltarem as forças. Levantar-se, prostrar-se de joelhos, abençoar a sua benfeitora, e correr ao augusto Santuário, foi não só uma necessidade do seu reconhecimento, mas também uma prova de que esta visita sobrenatural não eram uma ilusão infantil num espírito desvairado pela dor.

Nicolau Frangipani, que governava então esta região, estava ausente, tinha seguido para a guerra com Rodolfo de Habsburgo. No meio desta expedição militar, recebeu a notícia deste prodigioso acontecimento. O Príncipe deu-lhe ordem de abandonar o acampamento para assegurar da verdade. A extensão do caminho não o deteve; foi em pessoa a Tersatz, onde, sem se deixar levar pelos primeiros entusiasmos, colheu as mais minuciosas informações.

Quatro indivíduos escolhidos por ele, homens sábios e prudentes, entre os quais se via o Bispo Alexandre, Segismundo Orsich e João Grégoruschi, foram a Nazaré para examinar e aproximar as circunstâncias deste fato extraordinário. A sua missão foi cumprida com tanta fidelidade como diligência. A sua informação será concludente: não encontraram em Nazaré da Galileia a Casa natal da Santíssima Virgem; havia sido separada de seus alicerces que existiam ainda; nenhuma diferença havia entre a natureza das pedras, que ficaram nos alicerces, e as que compunham o Santo edifício; havia conformidade perfeita nas medidas de comprimento e largura. O seu testemunho foi escrito, confirmado por um juramento solene e autenticado segundo as formas requeridas pela lei. Já não podia haver dúvidas ou incertezas. A devoção tomou um rápido incremento, e os povos correram de todas as partes. As províncias da Bósnia, da Sérvia, da Albânia, da Croácia, parecem despovoar-se para levar os seus habitantes a esta terra, favorecida do Céu. Para facilitar a afluência de peregrinos, Frangipani mandou cercar as benditas paredes de grossas traves, e empregou as ricas oferendas para o esplendor deste venerável Santuário, ao passo que o seu renome se espalhava cada vez mais.

Três anos e meio após o seu aparecimento em Tersatz, a Casa de Nazaré levada pelas mãos dos Anjos, levantou-se de novo nos ares, e desapareceu das vistas deste povo desolado. O Príncipe mandou construir no mesmo lugar e sobre os mesmos vestígios uma capela, onde se lê ainda hoje: “Este foi o lugar em que esteve outrora a Santa Casa da Virgem de Loreto, que presentemente é honrada nas terras de Recanati”. No caminho, mandou-se gravar esta inscrição em língua italiana: “A Casa da Santíssima Virgem veio para Tersatz no ano de 1291, a 10 de maio, e retirou-se a 10 de dezembro de 1294”. Os Soberanos Pontífices concederam várias graças à Capela comemorativa de Tersatz. O clero e o povo continuam a cantar aí este hino:



Ó Maria! Vieste aqui com a vossa Casa, a fim de dispensar a graça como piedosa Mãe de Cristo. Nazaré foi o vosso berço, mas Tersatz foi o vosso primeiro porto, ao procurardes uma nova pátria. Vós levastes para outro lugar a vossa Sagrada Casa, mas nem por isso nos abandonastes, ó Rainha de clemência! Felicitamo-nos por ter sido julgados dignos de conservar a presença da vossa Casa”.

Desde então, até nossos dias, veem-se os Dálmatas atravessarem aos bandos o mar Adriático e irem a Loreto, tanto para deplorar a sua viuvez como para venerar o berço de Maria. Repetem muitas vezes estas solenes palavras: “Voltai a nós, Maria, voltai a nós!” No ano de 1559, mais de trezentos peregrinos desta região com suas mulheres e filhos, chegaram a Loreto, levando tochas acesas, e pararam em primeiro lugar à porta grande, onde se prostraram para implorar o auxílio de Deus, e de sua Santa Mãe, indo em seguida de joelhos, e postos em ordem pelos Padres que consigo levaram, entraram assim no templo, bradando numa só voz e no seu idioma: “Voltai, voltai a nós, ó Maria! Maria, voltai a Fiúme!” A sua dor era tão viva, e a sua súplica tão fervorosa, que a testemunha que historiou tais fatos procurava impor-lhes silêncio, temendo, diz ele, que tão ardentes súplicas fossem ouvidas e que a Santa Casa fosse tirada à Itália para ir para Tersatz retomar a antiga posição.

O Sumo Pontífice também quis favorecer a devoção deste bom povo, fundando no Loreto um hospício para receber várias famílias da Dalmácia, que não foram capazes de regressar ao seu país abandonando a Virgem de Nazaré.

Quanto à história da nova trasladação, eis o que um ermita daquele país e daquele tempo, escreveu ao Rei de Nápoles, Carlos II: “No ano da Incarnação do Senhor 1294, sábado, 10 de dezembro, quando estava tudo mergulhado no silêncio, e à hora da meia-noite, uma luz saída do Céu veio ferir os olhos de vários habitantes das margens do mar Adriático, e uma harmonia divina despertou os mais adormecidos, para os fazer contemplar uma maravilha superior a todas as forças da natureza. Aproximaram-se e contemplaram demoradamente uma casa cercada dum esplendor celeste, sustentada pelas mãos dos Anjos, e transportada através dos ares. Os camponeses e os pastores detiveram-se estupefactos, à vista de tão grande maravilha, e caíram de joelhos em adoração, esperando o termo do prodígio. Entretanto, esta Santa Casa foi levada pelos Anjos para o meio de um bosque, e as árvores inclinaram-se como que para venerar a Rainha dos Céus. Hoje ainda se veem inclinadas e recurvadas como que para testemunhar a sua alegria. Diz-se que neste lugar existia outrora um templo dedicado a qualquer divindade falsa, o qual era cercado de uma floresta de loureiros, o que lhe fez dar o nome de Loreto. Logo que chegou a manhã os camponeses apressaram-se a ir a Recanati para referir o acontecimento e todo o povo procurou ir ao bosque dos loureiros a fim de se certificar da verdade da narração. Entre os nobres e o povo, uns ficavam mudos de espanto, e outros dificilmente acreditavam no milagre. Os mais dispostos choravam de júbilo, e diziam com o Profeta: “Nós o encontramos nos campos da floresta”; e ainda: “Não tratou assim todas as nações”.

Honraram esta pequena e Santa Casa, e penetrando no interior com devoção, prestaram as suas homenagens à estátua de madeira da Virgem Maria, que tinha seu Filho nos braços. No regresso a Recanati, encheram a cidade de alegria. O povo abandonava a cidade para irem venerar a Santa Capela; era um concurso contínuo de gente que se cruzava na estrada.

Entretanto, a Santíssima Virgem multiplicava os prodígios e os milagres. O rumo de tão grande maravilha estendia-se pelas regiões longínquas e pelas províncias vizinhas, e todos corriam à floresta dos Loureiros que em breve se povoou de diferentes habitações em madeira para dar guarida aos peregrinos. Enquanto se passavam estes acontecimentos, o leão infernal, que incessantemente procura alguma presa para devorar, suscitou bandidos, cujas mãos ímpias manchavam o bosque sagrado com roubos e homicídios, a ponto de esfriar a devoção de muitos, com o receio dos salteadores.

Ao cabo de 8 meses, o primeiro milagre foi confirmado por um segundo prodígio. A Santa Casa abandonou a floresta profanada, e foi colocada pelo ministério dos Anjos no meio de uma colina pertencente a dois nobres irmãos, os condes Estêvão e Simeão Rainaldo de Antiquis, de Recanati.

Entretanto, a devoção dos fiéis aumentava, e a Santa Casinha recebia grandes dádivas, e numerosas ofertas. Os nobres e piedosos irmãos eram os seus depositários, mas em breve cederam à avareza, apropriavam-se das ofertas, e deixaram perverter o seu sentimento até chegar a escandalosa discussões para saber qual dos dois prevalecia.

Então a Santa Casa retirou-se quatro meses após a sua chegada, da colina dos dois irmãos, e, por um terceiro milagre, foi levada pelos Anjos para um novo local, distante pouco mais ou menos um jato de pedra, no meio do caminho público que vai de Recanati à praia do mar e é aí ainda que eu vejo hoje, e contemplo com os meus próprios olhos as graças contínuas que concede aos que aí vão fazer suas orações”.

Entretanto, os habitantes de Recanati viam com inquietação a pouca consistência das santas paredes; colocadas na terra, não tinham alicerces para as sustentar. Na verdade, não seria para temer que, sofrendo lentamente os efeitos do tempo, viessem a cair e privar assim o país do seu melhor adorno. Aumentava ainda este temor a mesma situação do lugar, exposto a violentos tufões e a frequentes tempestades em que as chuvas pareciam conspirar com o furor dos ventos. Resolveram pois levantar à volta deste frágil edifício uma forte muralha estabelecida sobre sólidos alicerces, e construída em tijolos endurecidos ao fogo. Fizeram mais; conhecendo diariamente os numerosos milagres que Deus operava por virtude desta Santa Casa, chamaram hábeis pintores para representar na parede que servia de muralha, particularmente do lado do Norte, todos os detalhes da prodigiosa história, a fim de dar a todos e sobretudo aos ignorantes a facilidade de compreender esta maravilha e dar graças à Santíssima Virgem.

Eis o que aconteceu, segundo o testemunho de um historiador, o Padre Riera: “O rumor público propalou, nas províncias de Ancona, como um grande milagre, que, no momento em que terminava a obra, se encontraram novas muralhas tão separadas das antigas que uma criancinha podia passar, com uma tocha na mão para mostrar às multidões a verdade deste afastamento. Tal prodígio feriu vivamente os espíritos, e tanto mais quanto se sabia antes com certeza que estavam tão estreitamente unidas que não havia entre as duas a espessura de um cabelo. Daí esta opinião comum de que absolutamente nada podia estar ligado às paredes da Santa Casa de Loreto, segundo a vontade da Santíssima Virgem, para impedir assim que se julgue que ela carece dos homens para sustentar a sua Venerável Casa”.

Assim, é que quando no tempo de Clemente VII, Rainero Neruci, arquiteto da Santa Capela, que desde então ficou relacionado intimamente comigo, quis por ordem do Pontífice deitar abaixo esta parede de tijolos que o tempo havia já quase derribado, para levantar em seu lugar o magnífico monumento de mármore, que hoje se vê lá, notou com grande espanto que, contra as regras da arquitetura, e contra os planos da arte humana, todas as pedras estranhas à Santa Casa se haviam afastado como que para lhe prestar justas homenagens. O mesmo Rainero assim com outros contaram-me igualmente que as referidas paredes se haviam fendido de tal forma que por longas fendas se podia facilmente contemplar o antigo edifício.

No começo do século XVI, os habitantes de Recanati levantaram em Loreto um templo para encerrar a Santa Capela. Formou-se à volta uma cidade, a que os Soberanos Pontífices não cessaram de prodigalizar favores espirituais e temporais. No ano de 1464, o Papa Pio II ofereceu a Nossa Senhora do Loreto um cálix em ouro para obter a cura de uma doença, o que efetivamente conseguiu. No mesmo ano, seu sucessor, Paulo III, que levantou uma nova Basílica à volta da Santa Capela, dizia numa Bula de 15 de outubro: “Não se poderá duvidar que Deus, à oração da Santíssima Virgem, Mãe de seu divino Filho, concede todos os dias aos fiéis que se lhe dirigem piedosamente graças singulares, e que as igrejas dedicadas a honrar o seu Nome merecem ser honradas com a maior devoção; entretanto, devem receber homenagens particularíssimas aquela em que o Altíssimo, por intercessão desta Augusta Virgem, opera os milagres mais evidentes, mais estrondosos e mais frequentes. Ora, é manifesto pela experiência que a igreja de Santa Maria do Loreto, na Diocese de Recanati, por causa dos seus grandes e numerosos milagres, faz brilhar o poder desta Virgem, o que nós experimentamos na nossa própria pessoa, e chama ao seu seio povos de todas as partes do mundo”.

Sixto IV, sucessor de Paulo II, declarou Loreto propriedade da Santa Sé. Todas as pessoas ligadas ao serviço da igreja dependerão imediatamente da mesma, e serão isentos de outra qualquer jurisdição; duas pessoas idôneas serão nomeadas pelo Sumo Pontífice: uma para cuidar do espiritual com o nome de Vigário; outra para velar pelos interesses materiais com o título de governador. O Vigário nomeará oito capelães obrigados à residência e a cantar todos os dias uma Missa Solene, chamada depois Missa votiva; os penitenciários juntarão aos poderes de absolver já concedidos o de dispensar votos ou antes de os comutar em boas obras e socorros aplicados às necessidades da Santa Casa.

Os frades Carmelitas, encarregados da guarda dos Lugares Santos, na Palestina, foram chamados a guardar a Santa Casa da Mãe de Deus.

Clemente VII, realizou o plano sublime formado por seu predecessor e parente, Leão X, o plano das magníficas decorações que deviam revestir o exterior das humildes paredes da Santa Casa de esculturas de mármore branco. Chamou para este grande trabalho os mais afamados artistas. Constituiu arquiteto mór para a igreja e para o pórtico o famoso Neruci. Já os mármores tinham sido cortados e já os ornamentos estavam prestes a serem colocados no seu lugar, Neruci mandou deitar abaixo a parede antiga que se encontrou como se disse afastada das frágeis paredes da miraculosa casinha. Durante vários dias ficou exposta em toda a simplicidade aos olhares solícitos da devoção e da curiosidade popular. Todos se puderam assegurar de que estava colocada sem alicerces sobre o solo.

Via-se em baixo uma terra poeirenta e moída semelhante à de um caminho frequentado; tudo anunciava um caminho público conforme o testemunho constante da tradição. Entretanto, era necessário começar as escavações necessárias à construção dos alicerces que deviam sustentar os preciosos mármores; foi então fácil acreditar sem sombra de dúvidas que as santas paredes estavam colocadas (como que suspensas) sobre um terreno desigual e poeirento. Jerônimo Angelita na sua mensagem oficial ao mesmo Papa Clemente VII, faz uma referência particular a todos estes fatos prodigiosos, de modo que se torna difícil pô-los em dúvida.

Os alicerces saíam já da terra, mas o plano de Leão X, aprovado por Clemente VII, exigia que a única porta da Santa Casa fosse tapada, e que se abrissem outras três para evitar os acidentes de todos os dias em consequência do embaraço dos piedosos peregrinos, num espaço tão pequeno. Ao receber esta nova, o povo ficou consternado; um súbito clamor se ergueu de todas as partes. Quem ousaria violar com um audacioso martelo paredes que os séculos respeitaram? Todavia, a ordem do Papa era expressa; o bem comum exigia a sua execução; e a beleza do trabalho exigia-o imperiosamente. O arquiteto Neruci revestiu-se de coragem, levantou a mão e deixou cair a primeira pancada; no mesmo instante empalideceu, tremeu, e sentiu desfalecer-lhe as forças, caindo finalmente sem sentidos; levaram-no para casa, mas o perigo era eminente, e a vida parecia comprometida. A sua piedosa esposa, vendo-o neste estado, prostrou-se aos pés de Maria e invocou a Padroeira do Loreto; as suas súplicas foram ouvidas, dissipou-se em breve a mortal letargia, e o imprudente arquiteto foi restituído à família, e aos trabalhos. Entretanto, apressaram-se em participar ao Pontífice este maravilhoso acontecimento, e pedir-lhe a sua decisão num caso tão difícil. Este respondeu nos seguintes termos: “Não temais perfurar as paredes do Santuário Augusto e abrir as portas: assim o manda Clemente VII”. Uma ordem tão formal, e toda a autoridade da Sé apostólica não puderam levar o arquiteto Neruci a abandonar o medo e a obedecer. Em vão o excitam, em vão se esforçam para o persuadir, todas as tentativas resultam estéreis. De um lado a ordem do Papa urgia o trabalho; do outro o temor público impedia a execução. De repente, contra toda a expectativa apresentou-se um homem para uma obra que parecia tão perigosa; era clérigo, pertencia ao Coro do Santuário, e tinha o nome de Ventura Périni. Preparou-se com três dias de orações fervorosas e de jejum rigoroso para esta empresa; no último dia à tarde avançou para o lugar santo, cercado de uma inumerável multidão; dobrou os joelhos, osculou muitas vezes as santas paredes e tomou o martelo; antes de o deixar cair, com o braço suspenso no ar, dirigiu-se a Maria e disse-lhe com confiança: “Perdoai, ó Santa Casa da mais pura das Virgens, não sou eu quem te perfura, é Clemente, Vigário de Jesus Cristo, no ardor que o anima para o vosso embelezamento. Permiti-o, ó Maria, e satisfazei o bom desejo do seu coração”. A estas palavras deixou cair a primeira pancada, seguida de muitas outras, sem experimentar nenhum dano; os outros obreiros retomaram coragem, imitaram-no no trabalho e na devoção; abriram-se as portas e as pedras, recolhidas com respeito, foram empregadas para fechar a única abertura que antes dava ingresso no precioso Santuário. A viga que servia de arquitrave foi conservada na construção como um monumento e lembrança da antiga disposição deste lugar, e o novo plano com as magníficas esculturas foi executado.

Sixto V, eleito Papa em 1585, considerando, diz ele, que Loreto é célebre em todo o mundo, e que encerra no seu seio uma insigne igreja de colegiada sob a invocação da Virgem Maria; considerando quanto é venerável esta igreja, no meio da qual se ergue a Augusta Casa consagrada pelos Divinos Mistérios, onde esta Virgem Pura nasceu, foi saudada pelo Anjo e concebeu o Salvador do mundo por obra do Espírito Santo; considerando que esta Casa foi transportada pelo ministério dos Anjos, e os milagres que aí se operam todos os dias por intercessão e pelos méritos desta poderosa Padroeira, e que os fiéis servos de Jesus Cristo aí correm de todas as partes do mundo, para satisfazer a sua devoção em piedosas peregrinações, Sixto V elevou Loreto à categoria de cidade, deu à sua igreja o título de Catedral e estabeleceu aí um Bispado.

Clemente VIII, Papa em 1592, fez pessoalmente a peregrinação a Loreto, e proibiu que se cantassem outras ladainhas que não fossem as que a igreja usava, e que vulgarmente são chamadas Ladainha do Loreto, porque foi nesta igreja que foram cantadas pela primeira vez, segundo a redação do Cardeal Savelli a quem comumente se atribuem, por causa de uma lâmina de prata em que foram gravadas, no ano de 1483, com esta inscrição por baixo “Paulo Savelli, Príncipe do Albano e delegado imperial”.

Clemente IX, Papa em 1667, prescreveu depois de um rigoroso exame da Congregação dos Ritos, por um solene Decreto que se consignasse no Martirológio Romano, a 10 de dezembro, a história do grande prodígio de Loreto, por estas palavras: Em Loreto, no território de Ancona, trasladação da Casa de Maria Virgem, Mãe de Deus, em que o Verbo Incarnou” – Inocêncio XIII, em 1691, designou um Ofício e uma Missa particular para esta grande solenidade e mandou acrescentar no Breviário Romano no fim da Sexta Lição a história deste prodígio.

Defensor douto e zeloso da Santa Casa, Bento XIV, antes da sua exaltação à Santa Sé, tinha estabelecido brilhantemente a identidade da humilde e modesta habitação de Nazaré, contra as críticas do protestante Casaubon e de outros adversários da verdade. Não é pois para admirar que ele tenha conservado todos os privilégios de seus predecessores, e trabalhado no embelezamento do Augusto Santuário, pela ereção da grande torre e pelo complemento do belo terraço do Palácio Apostólico.

Mas o reinado deste grande Pontífice não oferece nada de mais notável no referente a Loreto, do que a restauração do pavimento da Santa Capela e as consequências do exame feito. Era no ano 1751; João Batista Stella, governava a cidade; prestes a pôr mãos à obra, julgou com razão que devia rodear-se dos testemunhos mais respeitáveis. Pediu a Monsenhor Alexandre Bórgia, que viesse assistir nesta importante ocasião, e chamou ao mesmo tempo outros quatro Prelados, os Bispos de Iési, Ascoli, Macerata, e Loreto. Mandou um arquiteto e quatro pedreiros, aos quais se juntaram três arquitetos estrangeiros, vindos à cidade para venerar a Santa Casa. Estando todos presentes começaram as escavações; chegaram em breve ao fim das santas paredes. Os arquitetos e os pedreiros, tendo, descido notaram uma terra superficial, e seca, misturada com pequenos seixos meio moídos, semelhantes aos que se encontram nos carreiros frequentados e nas vias públicas.

Entretanto, um dos mais hábeis arquitetos defende o plano de cavar mais fundo, para ver a que profundidade se encontrava terra virgem, sobre a qual se costumam estabelecer os alicerces para assegurar a solidez. Já estava de tal maneira enterrado sob um dos lados, que desaparecia por completo na escavação. O guarda Xavier Monti começou a tremer; a parede da Santa Casa é tão delgada!… Não cairá em ruínas? Não se abrirão fendas em alguns lugares? Em vão exprime os seus temores; o curioso artista continua as suas pesquisas. Os terraplanadores tinham já chegado à profundidade de oito a nove pés, quando se houve um grito: terra virgem! terra virgem! – Junta um punhado dela e saindo todo radiante, mostra-a a todos os assistentes, que se retiram bendizendo a Deus cuja mão sustenta, contra todas as leis da arquitetura, e há tantos séculos, apesar dos agitados tremores de terra, a simples e humilde habitação da Santa Mãe de Deus.

A Santa Casa não é construída como alguns pensaram em tijolo cozido no fogo, mas é composta de pedras vivas e trabalhadas, leves e avermelhadas, porosas e impregnadas de um certo odor de antiguidade. Está construída com materiais desconhecidos na Itália, e conhecidos em Nazaré; todos os objetos que encerra tem um caráter evidente de antiguidade e orientalismo que não nos permite fixar a sua origem no Ocidente; as dimensões da sua extensão referem-se com rigorosa exatidão aos alicerces que ficaram em Nazaré; subsiste de uma maneira miraculosa, permanecendo de pé no meio de ruínas de construções mais sólidas, e contudo, está sem alicerces, sobre a terra nua.

A Casa de Loreto, pois, não é uma construção ordinária; é um recanto protegido pela Mão Onipotente de Deus; não foi, pois, construída primitivamente na Itália, mas foi transportada de além dos mares, e é verdadeiramente o aposento de Maria, o aposento onde se realizou o mais Augusto dos Mistérios.

Para perpetuar a memória do prodígio da trasladação da Santa Casa da Virgem Maria, Clemente VII (1378-1394) permitiu que se lhe celebrasse a Festa na Basílica de Loreto. Urbano VII (1623-1644) estendeu esta Solenidade a todas as igrejas de Marca de Ancona. Inocêncio XII (1691-1700) aprovou um Ofício Próprio para esta Festa; em 1724, Bento XIII estendeu-a a todo o Estado Eclesiástico. Esta Festa é popular em França, e um grande número de Bispos desta nacionalidade mandaram-na inscrever no Próprio das suas Dioceses.

Por 1920, houve um pequeno incêndio na Santa Casa de Loreto, que destruiu a Imagem de Nossa Senhora, atribuída a São Lucas.

Fez-se outra exatamente igual que foi benzida por Pio XI e conduzida em triunfo para a Basílica de Loreto, onde ficou ocupando o lugar da primeira imagem.

Pio XI escolheu Nossa Senhora do Loreto, para Padroeira dos Aviadores.


Assista a esse belíssimo vídeo: https://gloria.tv/media/oVzf7xYksCL


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1.  Côn. E. Barthe, “Motivos da Minha Fé Religiosa”, III Parte, Cap. V, pp. 461-469; Tradução do original francês, 2ª Edição, Editor J. J. de Mesquita Pimentel, Porto, 1883.

2.  Respostas aos Oráculos de Fontenelle, por Baltus.

3.  Obs: e o autor passa a narrar os seguintes milagres: Da cura do coxo de nascimento em Jerusalém (At. 3, 1-11), do milagre dos Mártires de Typaso (cfr. http://cumpetroetsubpetrosemper.blogspot.com.br/2013/09/um-dom-das-linguas-um-tanto-inusitado.html), do milagre da ressurreição de Pedro Miles e do milagre da Trasladação da Santa Casa de Nazaré para o Loreto que, é o objeto desta postagem.

4.  Cfr. Insípido, insosso, sem graça...

5.  Veja-se a obra A Santa Casa do Loreto, pelo Padre Grillot, vigário de S. Pedro de Macon; Historia Critica, pelo Padre Cailau; Nazareth e Loreto, pelo Padre Milochau.

6.  Atualmente, mais de sete séculos.

7.  Multidão de pessoas.

8.  Os primeiros historiadores do Loreto, Angelita entre outros, Riera e Tursellin, tinham entre mãos esses atos autênticos, e os apresentavam aos seus contemporâneos como provas inegáveis da verdade das maravilhosas tradições da Santa Morada.

9.  Veja-se a obra do Padre Grillot, A Santa Casa do Loreto, Cap. VI.

10.  Id., Cap. XI.

11.  Id., Cap. X.

12.  Id., Cap. IX.

13.  Id., Cap. VII.

14.  Também sem lhe conhecer a procedência, analisou um pedaço de cimento da Santa Casa, e depois outro pedaço de cimento extraído dos alicerces da Gruta de Nazaré, e verificou-lhe a perfeita identidade. A operação deu em resultado que estes dois pedaços eram compostos dos mesmos materiais, isto é, de Sulfato de Cal misturado com Carvão vegetal em pó. É este o cimento empregado pelos orientais desde época imemorial, e difere absolutamente do que se usa na Itália, onde em toda a parte o solo abunda em substâncias vulcânicas, próprias para formar o melhor de todos os cimentos.

15.  Rev. Pe. J. Croiset, S.J., “Ano Cristão ou Devocionário Para Todos os Dias do Ano”, Vol. XII, 10 de Dezembro, pp. 122-132; traduzido do francês, revisto e adaptado às últimas Reformas Litúrgicas pelo Pe. Matos Soares, professor do Seminário do Porto, Tipografia “Porto Médico” Ltda, Porto, 1923.

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