1ª
Parte
Perpetuidade
dos Milagres de Ordem Física
no
Seio do Catolicismo
Já
o observei: o Catolicismo oferece com plena confiança, a qualquer
homem razoável e sincero, uma série contínua de milagres na ordem
física, a partir de nossos dias até aos Apóstolos e a Jesus
Cristo; série de milagres examinados, discutidos e como tais
reconhecidos pelos homens mais consideráveis nos diversos séculos.
É um fato notabilíssimo e que deve fazer refletir os espíritos
sérios; porque evidentemente, o mais simples bom senso proíbe de
pensar que, durante o longo período de mil e oitocentos anos (n.c.
mais de 2000 anos, atualmente), multidão considerável de homens
ilustrados e virtuosos tenham estado em alucinação permanente a tal
respeito; ou que se hajam combinado, nos mais diversos países, para
iludir os seus contemporâneos ou enganar-se voluntariamente a si
mesmos. É certo, por discussão sábia e decisiva ,
que os antigos oráculos do paganismo não eram todos devidos à
impostura dos sacerdotes dos ídolos, que abusavam da credulidade dos
ignorantes; mas muitos eram fatos reais, que só explica a
intervenção diabólica. É também certo que, se nessa massa enorme
e incalculável de fatos miraculosos, proclamados como tais pela voz
pública, pelos homens mais judiciosos e respeitáveis, em todas as
partes do mundo, de século para século até ao berço da Religião
de Jesus Cristo, há alguns a que faltam os caracteres que são
exigidos para se reconhecer a autenticidade de um fato, existe
todavia, uma multidão de outros que são revestidos desses critérios
e podem desafiar o exame mais severo.
Milagres
Juridicamente Provados
nos
Processos de Canonização
Para
só falar dos milagres, que se provaram nos Processos de Canonização
dos Santos, nunca houve tribunal humano onde se exijam provas tão
rigorosas. Esses tribunais humanos resolvem sobre a liberdade, a
fortuna e a vida dos cidadãos, e apesar disso as precauções que
tomam, estão longe das que emprega a Igreja Católica para
evidenciar os fatos miraculosos em que assenta a declaração da
santidade de algum dos seus filhos. Por certo, que há erros nos
julgamentos dos tribunais; mas seria impossível concluir que suas
investigações são todas falsas e errôneos todos os seus
julgamentos; quando mesmo eu admitisse contra toda a justiça, e sob
o ponto de vista puramente filosófico, a possibilidade que o erro se
houvesse introduzido em algum Processo de Canonização, é
impossível que todas as inquirições, tão minuciosas, severas e
atentamente discutidas por juízes conscienciosíssimos só
conduzissem a ter, por verdadeiros, fatos errôneos; ou como milagres
fatos, que só podiam ser naturais, a despeito das ciências física,
química e médica, às quais se apela para discernir perfeitamente o
tipo do fato; seria negar o critério da sã razão não admitir que
nessas inquirições se contestaram no seu conjunto fatos miraculosos
de ordem física, absolutamente irrefragáveis. Mas se assim é, por
meio de repetidos atos Deus se pronunciou em favor da Religião
Católica; Deus sobre Ela e sobre os milagres de Jesus Cristo, seu
Fundador glorificado na sua Ressurreição e Ascensão, aplicou o
selo infalível, visível e palpável do seu poder e da sua
veracidade.
De
resto, quando só um fato desta ordem houvesse tido lugar, e que esse
fosse bem provado e averiguado, ele bastaria para ser prova
irrefutável da verdade da Religião Católica. Ora, mesmo
independentemente das inquirições para Canonização, há muito
mais do que um desses fatos, que deve forçar a aceitá-la qualquer
homem razoável. Vejamos os seguintes:
Milagres
Provados Fora dos Processos de Canonização
4.
Milagre da Trasladação da Santa Casa de Nazaré para o Loreto:
Há, porém, outro fato ainda mais demonstrativo, porque é visível,
palpável e permanente: é a trasladação miraculosa, da Ásia para
a Europa, da Casa de Nazaré, onde se operou o inefável
Mistério da Encarnação,
convertida em Capela pela piedade dos primeiros
fiéis. Cem vezes os Apologistas deste grande fato desafiaram os seus
adversários para uma discussão em regra acerca dos títulos do
augusto Santuário, e nunca eles levantaram a luva, contentando-se
com alguns gracejos insulsos,
que nada provam, a não ser a impossibilidade de destruir por meio do
raciocínio uma verdade histórica, incontestável contra a crítica
mais severa.
Foi
a 10 de maio de 1291, que Deus operou este grande prodígio para
subtrair a Santa Casa às profanações dos ímpios (muçulmanos),
que acabavam de invadir a Galileia, e a fim de torná-la mais
sensível e irrecusável destacou (arrancou) o Santo edifício dos
seus alicerces, que ficaram no seu lugar, fez-lhe transpor a enorme
distância de oitocentas léguas, conservando-lhe a disposição
integral de todas as suas peças, e fê-lo descansar de pé em um
terreno desigual, não longe
do mar, entre Tersatz e Fiume, nas praias da Dalmácia. Fica aí a
Santa Casa durante três anos e meio, tempo de sobra para que o
prodígio pudesse ser examinado, seriamente discutido nas suas
minúcias, e provado por modo irrefragável. Renovando depois o
milagre para lhe dar ainda mais força, Deus ergueu repentinamente
esse mesmo edifício, conservando-o intacto, e transportando-o por
cima do mar Adriático, na extensão de cinquenta léguas, para os
Estados Pontifícios, para o território de Recanati. É aí onde ele
se acha há seis séculos
na célebre igreja do Loreto, que se construiu em torno desse
primeiro Santuário.
Que
esse duplo fato seja miraculoso no grau mais subido e que Deus o
cumprisse em favor do Catolicismo, só poderia negar-se, rompendo com
os ditames do bom senso. Trata-se, pois, tão somente de estabelecer
aqui, por meio de provas irrecusáveis, a certeza dos fatos, cuja
consequência legítima é
este grande milagre. Ora, os fatos provam-se pelo testemunho humano,
e esse testemunho recebe força especial ou pela importância e
publicidade dos fatos de Nazaré, Tersatz e Loreto, ou pela
facilidade com que podiam ser verificados pela vista e pelo tato, ou
pela sua duração, que permitia o podê-los observar à vontade e
fazer deles exame rigoroso.
Duas
inquirições solenes e autênticas tiveram lugar a este respeito,
logo depois da primeira e segunda trasladação.
Quando
se realizou a primeira, o governador da Dalmácia, Nicolau
Frangipani, o qual estava ausente, ao receber a notícia, que
espantou a província inteira, deu-se pressa em ir a Tersatz. Aí,
sem se deixar arrastar por um primeiro entusiasmo, tomou as medidas
mais prudentes e informações, vendo e examinando por si mesmo. Para
adquirir a certeza material e sem réplica da verdade, escolheu
quatro emissários, e entre estes Alexandre, Bispo de Tersatz,
encarregando-os de logo partirem para a Palestina, com os planos e
dimensões da Casa miraculosa.
Eles
deviam pessoalmente informar-se e declarar com juramento:
1.º
Se a Casa da Santíssima Virgem de Nazaré, conhecida por toda a
Cristandade desde doze séculos, desaparecera
realmente, sem saber-se o que fora feito dela e a mão que a
arrebatou;
2.º
Se os alicerces ficaram no seu lugar;
3.º
Se pela sua figura e dimensões condizem com os muros da Casa que
chegara;
4.º
Se a natureza da madeira e da pedra do país é a mesma; e se é
absolutamente o mesmo gênero da construção.
Os
quatro comissários chegaram à Palestina, interrogaram os cristãos
de Nazaré, os quais, aflitos pela ausência do Santo edifício, cujo
desaparecimento é um mistério para eles, lhes mostram o lugar onde
estava, e os alicerces dilacerados pela separação violenta do
edifício. Tomam os comissários todas as dimensões do
alicerçamento, examinam a natureza dos materiais, a construção,
comparam o tempo decorrido desde o desaparecimento do edifício e a
sua chegada à Dalmácia, e tudo se acha de exatidão rigorosa.
Redigem por escrito o seu depoimento, e voltando à pátria o
confirmam com juramento; lavra-se ato público de tudo, para servir
de monumento à posteridade.
Quando
teve lugar a segunda trasladação e que os Dálmatas
souberam que o venerável Santuário se
achava na Itália, vieram em
chusma
reconhecer o tesouro cuja
perda deploravam. Publicaram na Marca d'Ancona as maravilhas que
presenciaram em Tersatz, e aumentaram mais e mais a devoção dos
peregrinos.
Assim
como na Dalmácia, as autoridades, quer as civis, quer as
eclesiásticas querem conhecer a verdade; o Papa Bonifácio VIII
recomenda ao Bispo de Recanati que olhe com toda a atenção pela
conservação da Santa Casa. Este
Bispo, junto com as pessoas mais importantes da província, reunidas
em 1296 em assembleia geral, mandou à Dalmácia e a Nazaré uma
deputação composta de dezesseis notáveis, cujos nomes conservaram
os anais. Vão a Tersatz, asseguram-se
da identidade do Santuário, cujo desaparecimento é objeto de
pesares e lágrimas para os Dálmatas, que lhe erigem um monumento
comemorativo no lugar, que ele ocupara durante três anos e meio;
seguem depois para Nazaré, onde coligem com esmero tudo quanto a
tradição lhes podia ensinar acerca da Casa da Santíssima Virgem;
examinam em especial o lugar onde os habitantes do país afirmam que
ela estivera; contestam a existência dos seus alicerces, a
identidade das pedras da sua
construção com a dos muros do Santuário do Loreto, a exatidão
perfeita com que as dimensões dos mesmos muros se ajustam às bases
deixadas em Nazaré.
Regressando
à Itália, expõem minuciosamente o resultado da sua comissão, e
confirmam por meio de juramento o seu testemunho, consignado em um
processo para depor-se nos arquivos de Recanati. Numerosas cópias
desse processo se espalham no público, e se conservam preciosamente
como herança de muitas famílias.
Ao
resultado incontestável destas duas inquirições jurídicas,
adicionam-se provas inúmeras, que encheriam volumes: conformidade
perfeita não só das pedras e dimensões, mas das madeiras e cimento
empregados na Palestina; permanência dos muros, tão antigos, que se
sustentam de pé sem alicerces, sem apoio, sem estarem aprumados,
contra todas as leis do equilíbrio, em condições nas quais,
consoante a confissão dos arquitetos mais hábeis, deveriam
forçosamente esfarelar-se;
os testemunhos dos
historiadores e sábios,
– testemunho dos povos que enviam a esse miraculoso Santuário, há
seis séculos, perto de duzentos milhões de peregrinos;
– testemunhos de quarenta e seis Papas, que confirmaram a verdade
do prodígio, quer pelos seus atos, quer por decisões solenes;
– testemunho de Deus mesmo, que, por milagres autênticos, muitas
vezes tem manifestado o seu braço.
Finalmente,
o prodígio da Santa Casa do Loreto acha-se provado pelas negações
mesmo que se lhe tem oposto.
Uns
contestaram-no por meio de gracejos estúpidos, opondo-lhe apenas a
fatuidade de uma incredulidade cega, ou a necessidade de fugir a uma
discussão, para escapar às consequências da verdade reconhecida.
Outros,
obrigados a confessar o fato irrecusável, recorrem a razões que
nada implicam com a realidade do fato.
Não
recearam outros opor-lhe razões, em que a ignorância mais vil
corre parelha com a má-fé mais indigna.
Tem-se
querido explicar o fato permanente desse extraordinário edifício
que se conserva de pé há tantos séculos sem alicerces, sem apoio,
sem estar aprumado em terreno desnivelado, citando exemplos de
terrenos transportados por forças naturais com as casas e as árvores
que os cobriam; porém, esqueceram-se ou antes fingiram esquecer que
esses transportes se fazem para terreno inferior e não perdem os
seus fundamentos; ao passo que a Casa do Loreto está montada sobre o
ponto culminante de uma colina que domina o país em redor, e aí se
conserva de pé sem alicerces.
Nunca
se quis além disto ver que essa pretendida explicação do fato
permanente do edifício, fosse ela tão racional como é absurda,
deixaria subsistir em todo o seu rigor a verdade da sua dupla
trasladação miraculosa.
Um
ministro protestante em 1856 quis ainda sustentar:
1.º
Que desde o quarto até ao décimo sexto século nenhum historiador
ou peregrino de Nazaré fala da Casa
da Santa Virgem ou de São José; quando, além de outros
testemunhos, temos o de Phocas, de Thomaz Celano, do Cardeal de Vitry
e do historiador de São Luiz, que desmentem em absoluto esta
asserção atrevida.
2.º
Que não se fez menção alguma na Itália da trasladação
miraculosa antes do século quinze; ao passo que, a partir de 1295,
época da passagem do Santuário para a Itália, os atos das
autoridades civis e eclesiásticas provam o fato, que desde então é
atestado pela tradição invariável dos habitantes de Recanati e da
Marca d'Ancona.
3.º
Que a história da trasladação pela primeira vez se lê em uma Bula
de Leão X, de 1518; quando o contrário, é manifestamente
estabelecido por Diplomas e Bulas de Benedito XII em 1341, Urbano VI
em 1388, Bonifácio IX em 1389, e pelos Papas Martinho V, Eugênio
IV, Nicolau V, Pio II, Paulo II e Sixto IV, todos anteriores a Leão
X, os quais referem a história desta trasladação.
4.º
Que as pedras da Casa do Loreto são muito diversas das da Palestina;
quando um sábio químico, Professor na Universidade Romana,
reconheceu nas pedras da Santa Casa e nas da Palestina os mesmos
caracteres físicos, e além disto pela análise química que fez,
contestou que umas e outras são compostas de Carbonato de Cal,
Carbôneo, Magnésia e Argila ferruginosa, e este testemunho da
ciência é tanto mais irrecusável, quanto o professor as analisou
sem saber qual era a sua origem.
Tão
grande deslealdade na agressão só podia demonstrar a
impossibilidade absoluta de opor algum argumento racional ao fato
miraculoso do Loreto, e para tornar cada vez mais esplêndida a
verdade que o circunda. Por isso, deu ocasião a um trabalho
eminentemente notável de Monsenhor Bartolini, que imprimiu a este
fato o cunho supremo da certeza e evidência.
O
milagre do Loreto é pois não só fato histórico averiguado,
absolutamente incontestável, mas visível, palpável, permanente, de
modo que vitoriosamente se pode responder a qualquer contraditor:
“Ide ver e apalpar; e quando tiverdes visto e apalpado, negai ou
duvidai, se isso vos é possível, sem que vos envergonheis disso e
que a consciência vos acuse de má-fé na vossa incredulidade ou
ceticismo”.
2ª
Parte
Trasladação
da Casa da Santíssima Virgem
(Detalhes
e Complementos)
Pelos
fins do décimo terceiro século, a súbita e terrível notícia de
que a Terra Santa fora perdida pelos cristãos,
produziu uma profunda mágoa nas almas piedosas; mas simultaneamente,
uma outra notícia veio entusiasmar as almas crentes. A Santa Casa de
Nazaré, onde Maria concebeu o Verbo Incarnado, foi transportada
pelos Anjos para a Dalmácia, e daí para a Marcha de Ancona, perto
de Recanati, em Loreto, onde se conserva ainda.
Era
em 1291; os lugares Santos da Palestina haviam sido invadidos; a
magnífica igreja, que a Imperatriz Helena mandara edificar em
Nazaré, acabava de ser demolida pelo martelo destruidor dos
Maometanos (muçulmanos); a Santa Casa que encerrava, ia, dentro em
breve, ter a mesma sorte, quando
Deus ordenou aos seus Anjos que a transportassem para as felizes
terras da fiel Dalmácia. Era a 10 de maio; na segunda vigília da
noite, o Santuário de Nazaré havia sido deposto sobre as margens do
Adriático, entre Tersatz e Fiume, num lugar chamado vulgarmente de
Raunisa, pelos habitantes do país.
Governava
então a Igreja Nicolau IV, e o Império Rodolfo de Habsburgo; a
cidade de Tersatz obedecia a Nicolau Frangipani,
descendente da antiga raça dos anicianos, cuja autoridade se
estendia sobre os domínios da Croácia e da Eslovênia. Ao romper da
aurora, alguns habitantes notaram com espanto um novo edifício
colocado num lugar, onde até aí, nunca se tinha visto casa ou
choupana. A nova do prodígio espalhou-se em breve; afluiu gente que
examinou e admirou a misteriosa Casa, construída de pequenas pedras
vermelhas e quadradas, que eram ligadas por cimento. Admirou-se a
singularidade da construção, o aspecto de antiguidade, e a forma
oriental; não era possível, sobretudo, explicar como permanecia de
pé e firme, estando colocada sobre a terra, sem alicerce algum.
A
surpresa, porém, aumentou quando penetraram no interior da Casa.
Formava um quadrado oblongo o teto, encimado por um pequeno
campanário, era de madeira, pintado em azul, e dividido em vários
compartimentos, estava semeado aqui e além de estrelas douradas. À
volta das paredes e debaixo dos tetos notavam-se vários semicírculos
que se arredondavam uns perto dos outros e pareciam adornados de
vasos, diversamente variados nas suas formas. As
paredes com espessura de cerca de um côvado, construídas sem régua
e sem nível, não seguiam exatamente a linha vertical.
Nelas estavam pintados os principais mistérios deste lugar sagrado.
Uma porta bastante larga, aberta numa das paredes laterais, dava
ingresso nesta misteriosa habitação. À direita abria-se uma
estreita e única janela. Em frente erguia-se um altar, construído
em pedras fortes e quadradas, e sendo dominado por uma cruz grega e
antiga, ornada de um crucifixo pintado sobre uma tela aderente à
madeira, onde se lia o emblema da nossa salvação: Jesus Nazareno
Rei dos Judeus.
Próximo
do altar, via-se um pequeno armário, de uma admirável simplicidade,
destinado a recolher os utensílios necessários a um pobre lar;
continha alguns vasinhos semelhantes àqueles que as mães usam para
alimentarem seus filhinhos. À esquerda, uma espécie de fogão ou
fornalha encimada por um precioso nicho sustentado por colunas
ornadas, e terminando por uma abóbada arredondada.
Ali
estava colocada uma estátua de cedro, representando a Santíssima
Virgem, de pé, e tendo em seus braços o Menino Jesus. Os rostos
eram pintados com uma espécie de cor semelhante à prata, mas
denegridos pelo tempo, e, sem dúvida, pelo fumo das velas queimadas
diante destas santas imagens. Uma coroa de pérolas colocada sobre a
cabeça da Santíssima Virgem acusava a nobreza da sua fronte; os
seus cabelos divididos ao modo nazareno tremulavam sobre o pescoço e
sobre os ombros. O corpo estava vestido com uma túnica dourada, que,
sustentada por um largo cinto, caía ondulante até os pés, por cima
um manto azul; uma coisa e outra eram cinzeladas, e formadas da mesma
madeira que a estátua. O Menino Jesus, de uma estatura maior do que
a dos meninos ordinários, com um rosto, em que se respirava
uma divina majestade, aformoseado pelos cabelos divididos sobre a
fronte, como os nazarenos, cujo vestir usava, levantava os primeiros
dedos da mão direita como que para abençoar, e na mão esquerda
sustentava um globo, símbolo do seu poder soberano sobre o universo.
A imagem da Santíssima Virgem, no momento da sua chegada, estava
coberta com um manto de lã, de cor vermelha. Tal era a disposição
da Santa Capela quando apareceu na Dalmácia.
A
admiração era universal; perguntava-se que habitação seria
aquela, que não tinha aquelas imagens, e que potência havia feito
aparecer subitamente aquele Santuário. Todos interrogavam e ninguém
podia responder, quando de repente surge no meio do povo o venerando
Pastor da igreja de São Jorge, o Bispo Alexandre, oriundo de
Modruzia. A sua presença provocou um brado geral de surpresa;
sabia-se que estava gravemente enfermo, quase sem esperança de cura;
no entanto, ei-lo cheio de vida e de saúde, sem que a febre deixasse
o mínimo vestígio.
De
noite, no seu leito de dor, sentiu o mais vivo desejo de ir
contemplar com seus olhos o prodígio de que acabava de ter
conhecimento; neste momento, consagrou-se a Maria cuja imagem
miraculosa se lhe havia descrito. De repente o Céu abriu-se a seus
olhos, a Santíssima Virgem mostrou-se no meio dos Anjos que a
rodeavam, e uma voz, cuja doçura arrebatava interiormente o coração,
disse-lhe assim: “Meu
filho, chamaste-me e eis-me aqui para te dar um eficaz auxílio, e
revelar o mistério que desejas conhecer. Sabe que a Santa Casa,
aparecida recentemente neste território, é a Casa em que nasci, e
recebi quase toda a minha educação. Foi ali que, à saudação do
Arcanjo Gabriel, concebi o Divino Menino por operação do Espírito
Santo. Foi ali que o Verbo se fez Carne! Também, ali, depois da
minha morte, os Apóstolos disputavam a honra de celebrar o Augusto
Sacrifício. O altar transportado para o mesmo território é o que
levantou o Apóstolo São Pedro. O crucifixo que ali se vê foi lá
colocado pelos Apóstolos. A estátua de cedro é a minha imagem
feita pelo Evangelista São Lucas, que, levado pelo amor que por mim
sentia, exprimiu com os recursos da arte as semelhanças dos meus
traços, tanto quanto era possível a um mortal. Esta Casa, amada do
Céu, cercada de honras durante tantos séculos, na Galileia, mas
hoje privada de homenagens, passou de Nazaré para estas regiões. O
Autor deste grande acontecimento é Deus, ao qual nada é impossível.
De resto, para que tu mesmo sejas testemunha e pregador, recebe a
cura de teus sofrimentos. O regresso súbito à saúde, a tua cura
repentina no
meio de tão longa doença dará fé deste prodígio”.
Assim
falou Maria, e, elevando-se em direção ao Céu, desapareceu,
deixando o quarto embalsamado de um odor celeste. O ministro fiel
sentiu o mal e a febre desaparecer, e voltarem as forças.
Levantar-se, prostrar-se de joelhos, abençoar a sua benfeitora, e
correr ao augusto Santuário, foi não só uma necessidade do seu
reconhecimento, mas também uma prova de que esta visita sobrenatural
não eram uma ilusão infantil num espírito desvairado pela dor.
Nicolau
Frangipani, que governava então esta região, estava ausente, tinha
seguido para a guerra com Rodolfo de Habsburgo. No meio desta
expedição militar, recebeu a notícia deste prodigioso
acontecimento. O Príncipe deu-lhe ordem de abandonar o acampamento
para assegurar da verdade. A extensão do caminho não o deteve; foi
em pessoa a Tersatz, onde, sem se deixar levar pelos primeiros
entusiasmos, colheu as mais minuciosas informações.
Quatro
indivíduos escolhidos por ele, homens sábios e prudentes, entre os
quais se via o Bispo Alexandre, Segismundo Orsich e João
Grégoruschi, foram a Nazaré para examinar e aproximar as
circunstâncias deste fato extraordinário. A sua missão foi
cumprida com tanta fidelidade como diligência. A sua informação
será concludente: não encontraram em Nazaré da Galileia a Casa
natal da Santíssima Virgem; havia sido separada de seus alicerces
que existiam ainda; nenhuma diferença havia entre a natureza das
pedras, que ficaram nos alicerces, e as que compunham o Santo
edifício; havia conformidade perfeita nas medidas de comprimento e
largura. O seu testemunho foi escrito, confirmado por um juramento
solene e autenticado segundo as formas requeridas pela lei. Já não
podia haver dúvidas ou incertezas. A devoção tomou um rápido
incremento, e os povos correram de todas as partes. As províncias da
Bósnia, da Sérvia, da Albânia, da Croácia, parecem despovoar-se
para levar os seus habitantes a esta terra, favorecida do Céu. Para
facilitar a afluência de peregrinos, Frangipani mandou cercar as
benditas paredes de grossas traves, e empregou as ricas oferendas
para o esplendor deste venerável Santuário, ao passo que o seu
renome se espalhava cada vez mais.
Três
anos e meio após o seu aparecimento em Tersatz, a Casa de Nazaré
levada pelas mãos dos Anjos, levantou-se de novo nos ares, e
desapareceu das vistas deste
povo desolado. O Príncipe mandou construir no mesmo lugar e sobre os
mesmos vestígios uma capela, onde se lê ainda hoje: “Este
foi o lugar em que esteve outrora a Santa Casa da Virgem de Loreto,
que presentemente é honrada nas terras de Recanati”. No
caminho, mandou-se gravar esta inscrição em língua italiana: “A
Casa da Santíssima Virgem veio para Tersatz no ano de 1291, a 10 de
maio, e retirou-se a 10 de dezembro de 1294”.
Os Soberanos Pontífices concederam várias graças à Capela
comemorativa de Tersatz. O clero e o povo continuam a cantar aí este
hino:
“Ó
Maria! Vieste aqui com a vossa Casa, a fim de dispensar a graça como
piedosa Mãe de Cristo. Nazaré foi o vosso berço, mas Tersatz foi o
vosso primeiro porto, ao procurardes uma nova pátria. Vós levastes
para outro lugar a vossa Sagrada Casa, mas nem por isso nos
abandonastes, ó Rainha de clemência! Felicitamo-nos por ter sido
julgados dignos de conservar a presença da vossa Casa”.
Desde
então, até nossos dias, veem-se os Dálmatas atravessarem aos
bandos o mar Adriático e irem a Loreto, tanto para deplorar a sua
viuvez como para venerar o berço de Maria. Repetem muitas vezes
estas solenes palavras: “Voltai
a nós, Maria, voltai a nós!”
No ano de 1559, mais de trezentos peregrinos desta região com suas
mulheres e filhos, chegaram a Loreto, levando tochas acesas, e
pararam em primeiro lugar à porta grande, onde se prostraram para
implorar o auxílio de Deus, e de sua Santa Mãe, indo em seguida de
joelhos, e postos em ordem pelos Padres que consigo levaram, entraram
assim no templo, bradando numa só voz e no seu idioma: “Voltai,
voltai a nós, ó Maria! Maria, voltai a Fiúme!”
A sua dor era tão viva, e a sua súplica tão fervorosa, que a
testemunha que historiou tais fatos procurava impor-lhes silêncio,
temendo, diz ele, que tão ardentes súplicas fossem ouvidas e que a
Santa Casa fosse tirada à Itália para ir para Tersatz retomar a
antiga posição.
O
Sumo Pontífice também quis favorecer a devoção deste bom povo,
fundando no Loreto um hospício para receber várias famílias da
Dalmácia, que não foram capazes de regressar ao seu país
abandonando a Virgem de Nazaré.
Quanto
à história da nova trasladação, eis o que um ermita daquele país
e daquele tempo, escreveu ao Rei de Nápoles, Carlos II: “No
ano da Incarnação do Senhor 1294, sábado, 10 de dezembro, quando
estava tudo mergulhado no silêncio, e à hora da meia-noite, uma luz
saída do Céu veio ferir os olhos de vários habitantes das margens
do mar Adriático, e uma harmonia divina despertou os mais
adormecidos, para os fazer contemplar uma maravilha superior a todas
as forças da natureza. Aproximaram-se e contemplaram demoradamente
uma casa cercada dum esplendor celeste, sustentada pelas mãos dos
Anjos, e transportada através dos ares. Os camponeses e os pastores
detiveram-se estupefactos, à vista de tão grande maravilha, e
caíram de joelhos em
adoração, esperando o termo do prodígio. Entretanto, esta Santa
Casa foi levada pelos Anjos para o meio de um bosque, e as árvores
inclinaram-se como que para venerar a Rainha dos Céus. Hoje ainda se
veem inclinadas e recurvadas como que para testemunhar a sua alegria.
Diz-se que neste lugar existia outrora um templo dedicado a qualquer
divindade falsa, o qual era cercado de uma floresta de loureiros, o
que lhe fez dar o nome de Loreto. Logo que chegou a manhã os
camponeses apressaram-se a ir a Recanati para referir o acontecimento
e todo o povo procurou ir ao bosque dos loureiros a fim de se
certificar da verdade da narração. Entre os nobres e o povo, uns
ficavam mudos de espanto, e outros dificilmente acreditavam no
milagre. Os mais dispostos choravam de júbilo, e diziam com o
Profeta: “Nós o encontramos nos campos da floresta”; e ainda:
“Não tratou assim todas as nações”.
Honraram
esta pequena e Santa Casa, e penetrando no interior com devoção,
prestaram as suas homenagens à estátua de madeira da Virgem Maria,
que tinha seu Filho nos braços. No regresso a Recanati, encheram a
cidade de alegria. O povo abandonava a cidade para irem
venerar a Santa Capela; era um concurso contínuo de gente que se
cruzava na estrada.
Entretanto,
a Santíssima Virgem multiplicava os prodígios e os milagres. O rumo
de tão grande maravilha estendia-se
pelas regiões longínquas e pelas províncias vizinhas, e todos
corriam à floresta dos Loureiros que em breve se povoou de
diferentes habitações em madeira para dar guarida aos peregrinos.
Enquanto se passavam estes acontecimentos, o leão infernal, que
incessantemente procura alguma presa para devorar, suscitou bandidos,
cujas mãos ímpias manchavam o bosque sagrado com roubos e
homicídios, a ponto de esfriar a devoção de muitos, com o receio
dos salteadores.
Ao
cabo de 8 meses, o primeiro milagre foi confirmado por um segundo
prodígio. A Santa Casa abandonou a floresta profanada, e foi
colocada pelo ministério dos Anjos no meio de uma colina pertencente
a dois nobres irmãos, os condes Estêvão e Simeão Rainaldo de
Antiquis, de Recanati.
Entretanto,
a devoção dos fiéis aumentava, e a Santa Casinha recebia grandes
dádivas, e numerosas ofertas. Os nobres e piedosos irmãos eram os
seus depositários, mas em breve cederam à avareza, apropriavam-se
das ofertas, e deixaram perverter o seu sentimento até chegar a
escandalosa discussões para saber qual dos dois prevalecia.
Então
a Santa Casa retirou-se quatro meses após a sua chegada, da colina
dos dois irmãos, e, por um terceiro milagre, foi levada pelos Anjos
para um novo local, distante pouco mais ou menos um jato de pedra, no
meio
do caminho público que vai de Recanati à praia do mar e é aí
ainda que eu vejo hoje, e contemplo com os meus próprios olhos as
graças contínuas que concede aos que aí vão fazer suas orações”.
Entretanto,
os habitantes de Recanati viam com inquietação a pouca consistência
das santas paredes; colocadas na terra, não tinham alicerces para as
sustentar. Na verdade, não seria para temer que, sofrendo lentamente
os efeitos do tempo, viessem a cair e privar assim o país do seu
melhor adorno. Aumentava ainda este temor a mesma situação do
lugar, exposto a violentos tufões e a frequentes tempestades em que
as chuvas pareciam conspirar com o furor dos ventos. Resolveram pois
levantar à volta deste frágil edifício uma forte muralha
estabelecida sobre sólidos alicerces, e construída em tijolos
endurecidos ao fogo. Fizeram mais; conhecendo diariamente os
numerosos milagres que Deus operava por virtude desta Santa Casa,
chamaram hábeis pintores para representar na parede que servia de
muralha, particularmente do lado do Norte, todos os detalhes da
prodigiosa história, a fim de dar a todos e sobretudo aos ignorantes
a facilidade de compreender esta maravilha e dar graças à
Santíssima Virgem.
Eis
o que aconteceu, segundo o testemunho de um historiador, o Padre
Riera: “O
rumor público propalou, nas províncias de Ancona, como um grande
milagre, que, no momento em
que terminava a obra, se encontraram novas muralhas tão separadas
das antigas que uma criancinha podia passar, com uma tocha na mão
para mostrar às multidões a verdade deste afastamento. Tal prodígio
feriu vivamente os espíritos, e tanto mais quanto
se
sabia antes com certeza que estavam tão estreitamente unidas que não
havia entre as duas a espessura de um cabelo. Daí esta opinião
comum de que absolutamente nada podia estar ligado às paredes da
Santa Casa de Loreto, segundo a vontade da Santíssima Virgem, para
impedir assim que se julgue que ela carece dos homens para sustentar
a sua Venerável Casa”.
Assim,
é que quando no tempo de Clemente VII, Rainero Neruci, arquiteto da
Santa Capela, que desde então ficou relacionado intimamente comigo,
quis por ordem do Pontífice deitar abaixo esta parede
de tijolos que o tempo havia já quase derribado, para levantar em
seu lugar o magnífico monumento de mármore, que hoje se vê lá,
notou com grande espanto que, contra as regras da arquitetura, e
contra os planos da arte humana, todas as pedras estranhas à Santa
Casa se haviam afastado como que para lhe prestar justas homenagens.
O mesmo Rainero assim com outros contaram-me igualmente que as
referidas paredes se haviam fendido de tal forma que por longas
fendas se podia facilmente contemplar o antigo edifício.
No
começo do século XVI, os habitantes de Recanati levantaram em
Loreto um templo para encerrar a Santa Capela. Formou-se à volta uma
cidade, a que os Soberanos Pontífices não cessaram de prodigalizar
favores espirituais e temporais. No ano de 1464, o Papa Pio II
ofereceu a Nossa Senhora do Loreto um cálix em ouro para obter a
cura de uma doença, o que efetivamente conseguiu. No mesmo ano, seu
sucessor, Paulo III, que levantou uma nova Basílica à volta da
Santa Capela, dizia numa Bula de 15 de outubro: “Não
se poderá duvidar que Deus, à oração da Santíssima Virgem, Mãe
de seu divino Filho, concede todos os dias aos fiéis que se lhe
dirigem piedosamente graças singulares, e que as igrejas dedicadas a
honrar o seu Nome merecem ser honradas com a maior devoção;
entretanto, devem receber homenagens particularíssimas aquela em que
o Altíssimo, por intercessão desta Augusta Virgem, opera os
milagres mais evidentes, mais estrondosos e mais frequentes. Ora, é
manifesto pela experiência que a igreja de Santa Maria do Loreto, na
Diocese de Recanati, por causa
dos seus grandes e numerosos milagres, faz brilhar o poder desta
Virgem, o que nós experimentamos na nossa própria pessoa, e chama
ao seu seio povos de todas as partes do mundo”.
Sixto
IV, sucessor de Paulo II, declarou Loreto propriedade da Santa Sé.
Todas as pessoas ligadas ao serviço da igreja dependerão
imediatamente da mesma, e serão isentos de outra qualquer
jurisdição; duas pessoas idôneas serão nomeadas pelo Sumo
Pontífice: uma para cuidar do espiritual com o nome de Vigário;
outra para velar pelos interesses materiais com o título de
governador. O Vigário nomeará oito capelães obrigados à
residência e a cantar todos os dias uma Missa Solene, chamada depois
Missa votiva; os penitenciários juntarão aos poderes de absolver já
concedidos o de dispensar votos ou antes de os comutar em boas obras
e socorros aplicados às necessidades da Santa Casa.
Os
frades Carmelitas, encarregados da guarda dos Lugares Santos, na
Palestina, foram chamados a guardar a Santa Casa da Mãe de Deus.
Clemente
VII, realizou o plano sublime formado por seu predecessor e parente,
Leão X, o plano das magníficas decorações que deviam revestir o
exterior das humildes paredes da Santa Casa de esculturas de mármore
branco. Chamou para este grande trabalho os mais afamados artistas.
Constituiu arquiteto mór para a igreja e para o pórtico o famoso
Neruci. Já os mármores tinham sido cortados e já os ornamentos
estavam prestes a serem colocados no seu lugar, Neruci mandou deitar
abaixo a parede antiga que se encontrou como se disse afastada das
frágeis paredes da miraculosa casinha. Durante vários dias ficou
exposta em toda a simplicidade aos olhares solícitos da devoção e
da curiosidade popular. Todos se puderam assegurar de que estava
colocada sem alicerces sobre o solo.
Via-se
em baixo uma terra poeirenta e moída semelhante à de um caminho
frequentado; tudo anunciava um caminho público conforme o testemunho
constante da tradição. Entretanto, era necessário começar as
escavações necessárias à construção dos alicerces que deviam
sustentar os preciosos mármores; foi então fácil acreditar sem
sombra de dúvidas que as santas paredes estavam colocadas (como que
suspensas) sobre um terreno desigual e poeirento. Jerônimo Angelita
na sua mensagem oficial ao mesmo Papa Clemente VII, faz uma
referência particular a todos estes fatos prodigiosos, de modo que
se torna difícil pô-los em dúvida.
Os
alicerces saíam já da terra, mas o plano de Leão X, aprovado por
Clemente VII, exigia que a única porta da Santa Casa fosse tapada, e
que se abrissem outras três para evitar os acidentes de todos os
dias em consequência do embaraço dos piedosos peregrinos, num
espaço tão pequeno. Ao receber esta nova, o povo ficou consternado;
um súbito clamor se ergueu de todas as partes. Quem ousaria violar
com um audacioso martelo paredes que os séculos respeitaram?
Todavia, a ordem do Papa era expressa; o bem comum exigia a sua
execução; e a beleza do trabalho exigia-o imperiosamente. O
arquiteto Neruci revestiu-se de coragem, levantou a mão e deixou
cair a primeira pancada; no mesmo instante empalideceu, tremeu, e
sentiu desfalecer-lhe as forças, caindo finalmente sem sentidos;
levaram-no para casa, mas o perigo era eminente, e a vida parecia
comprometida. A sua piedosa esposa, vendo-o neste estado, prostrou-se
aos pés de Maria e invocou a Padroeira do Loreto; as suas súplicas
foram ouvidas, dissipou-se em breve a mortal letargia, e o imprudente
arquiteto foi restituído à
família, e aos trabalhos. Entretanto, apressaram-se em participar ao
Pontífice este maravilhoso acontecimento, e pedir-lhe a sua decisão
num caso tão difícil. Este respondeu nos seguintes termos: “Não
temais perfurar as paredes do Santuário Augusto e abrir as portas:
assim o manda Clemente VII”. Uma
ordem tão formal, e toda a autoridade da Sé apostólica não
puderam levar o arquiteto Neruci
a abandonar o medo e a obedecer. Em vão o excitam, em vão se
esforçam para
o persuadir, todas as tentativas
resultam estéreis. De um lado a ordem do Papa urgia o trabalho; do
outro o temor público impedia a execução. De repente, contra toda
a expectativa apresentou-se um homem para uma obra que parecia tão
perigosa; era clérigo, pertencia ao Coro do Santuário, e tinha o
nome de Ventura Périni. Preparou-se com três dias de orações
fervorosas e de jejum rigoroso para esta empresa; no último dia à
tarde avançou para o lugar santo, cercado de uma inumerável
multidão; dobrou os joelhos, osculou muitas vezes as santas paredes
e tomou o martelo; antes
de o deixar cair, com o braço suspenso no ar, dirigiu-se a Maria e
disse-lhe com confiança: “Perdoai,
ó Santa Casa da mais pura das Virgens, não sou eu quem te perfura,
é Clemente, Vigário de Jesus
Cristo, no ardor que o anima para o vosso embelezamento. Permiti-o, ó
Maria, e satisfazei o bom desejo do seu coração”. A
estas palavras deixou cair a primeira pancada, seguida de muitas
outras, sem experimentar nenhum dano; os outros obreiros retomaram
coragem, imitaram-no no trabalho e na devoção; abriram-se as portas
e as pedras, recolhidas com respeito, foram empregadas para fechar a
única abertura que antes dava ingresso no precioso Santuário. A
viga que servia de arquitrave foi conservada na construção como um
monumento e lembrança da antiga disposição deste lugar, e o novo
plano com as magníficas esculturas foi executado.
Sixto
V, eleito Papa em 1585, considerando, diz ele, que Loreto é célebre
em todo o mundo, e que encerra no seu seio uma insigne igreja de
colegiada sob a invocação da Virgem Maria; considerando quanto é
venerável esta igreja, no meio da
qual se ergue a Augusta Casa consagrada pelos Divinos Mistérios,
onde esta Virgem Pura nasceu, foi saudada pelo Anjo e concebeu o
Salvador do mundo por obra do Espírito Santo; considerando que esta
Casa foi transportada pelo ministério dos Anjos, e os milagres que
aí se operam todos os dias por intercessão e pelos méritos desta
poderosa Padroeira, e que os fiéis servos de Jesus Cristo aí correm
de todas as partes do mundo, para satisfazer a sua devoção em
piedosas peregrinações, Sixto V elevou Loreto à categoria de
cidade, deu à sua igreja o título de Catedral e estabeleceu aí um
Bispado.
Clemente
VIII, Papa em 1592, fez pessoalmente a peregrinação a Loreto, e
proibiu que se cantassem outras ladainhas que não fossem as que a
igreja usava, e que vulgarmente são chamadas Ladainha do Loreto,
porque foi nesta igreja que foram cantadas pela primeira vez, segundo
a redação do Cardeal Savelli a quem comumente se atribuem, por
causa de uma lâmina de prata em que foram gravadas, no ano de 1483,
com esta inscrição por baixo “Paulo Savelli, Príncipe do Albano
e delegado imperial”.
Clemente
IX, Papa em 1667, prescreveu depois de um rigoroso exame da
Congregação dos Ritos, por um solene Decreto que se consignasse no
Martirológio Romano, a 10 de dezembro, a história do grande
prodígio de Loreto, por estas palavras: “Em
Loreto, no território de Ancona, trasladação da Casa de Maria
Virgem, Mãe de Deus, em que o Verbo Incarnou”
– Inocêncio XIII, em 1691, designou um Ofício e uma Missa
particular para esta grande solenidade e mandou acrescentar no
Breviário Romano no fim da Sexta Lição a história deste prodígio.
Defensor
douto e zeloso
da
Santa Casa, Bento XIV, antes da sua exaltação à Santa Sé, tinha
estabelecido brilhantemente a identidade da humilde e modesta
habitação de Nazaré, contra as críticas do protestante Casaubon e
de outros adversários da verdade. Não é pois para admirar que ele
tenha conservado todos os privilégios de seus predecessores, e
trabalhado no embelezamento do Augusto Santuário, pela ereção da
grande torre e pelo complemento do belo terraço do Palácio
Apostólico.
Mas
o reinado deste grande Pontífice não oferece nada de mais notável
no referente a Loreto, do que a restauração do pavimento da Santa
Capela e as consequências do exame feito. Era no ano 1751; João
Batista Stella, governava a cidade; prestes a pôr mãos à obra,
julgou com razão que devia rodear-se dos testemunhos mais
respeitáveis. Pediu a Monsenhor Alexandre Bórgia, que viesse
assistir nesta importante ocasião, e chamou ao mesmo tempo outros
quatro Prelados, os Bispos de Iési, Ascoli, Macerata, e Loreto.
Mandou um arquiteto e quatro pedreiros, aos quais se juntaram três
arquitetos estrangeiros, vindos à cidade para venerar a Santa Casa.
Estando todos presentes começaram as escavações; chegaram em breve
ao fim das santas paredes. Os arquitetos e os pedreiros, tendo,
descido notaram uma terra superficial, e seca, misturada com pequenos
seixos meio moídos, semelhantes aos que se encontram nos carreiros
frequentados e nas vias públicas.
Entretanto,
um dos mais hábeis arquitetos defende o plano de cavar mais fundo,
para ver a que profundidade se encontrava terra virgem, sobre a qual
se costumam estabelecer os alicerces para assegurar a solidez. Já
estava de tal maneira enterrado sob um dos lados, que desaparecia por
completo na escavação. O guarda Xavier Monti começou a tremer; a
parede da Santa Casa é tão delgada!… Não cairá em ruínas? Não
se abrirão fendas em alguns lugares? Em vão exprime os seus
temores; o curioso artista continua as suas pesquisas. Os
terraplanadores tinham já chegado à profundidade de oito a nove
pés, quando se houve um grito: terra virgem! terra virgem! – Junta
um punhado dela e saindo todo radiante, mostra-a a todos os
assistentes, que se retiram bendizendo a Deus cuja mão sustenta,
contra todas as leis da arquitetura, e há tantos séculos, apesar
dos agitados tremores de terra, a simples e humilde habitação da
Santa Mãe de Deus.
A
Santa Casa não é construída como alguns pensaram em tijolo cozido
no fogo, mas é composta de pedras vivas e trabalhadas, leves e
avermelhadas, porosas e impregnadas de um certo odor de antiguidade.
Está construída
com materiais desconhecidos na Itália, e conhecidos em Nazaré;
todos os objetos que encerra tem um caráter evidente de antiguidade
e orientalismo que não nos permite fixar a sua origem no Ocidente;
as dimensões da sua extensão referem-se com rigorosa exatidão aos
alicerces que ficaram em Nazaré; subsiste de uma maneira miraculosa,
permanecendo de pé no meio de ruínas de construções mais sólidas,
e contudo, está sem alicerces, sobre a terra nua.
A
Casa de Loreto, pois, não é uma construção ordinária; é um
recanto protegido pela Mão Onipotente de Deus; não foi, pois,
construída primitivamente na Itália, mas foi transportada de além
dos mares, e é verdadeiramente o aposento de Maria, o aposento onde
se realizou o mais Augusto dos Mistérios.
Para
perpetuar a memória do prodígio da trasladação da Santa Casa da
Virgem Maria, Clemente VII (1378-1394) permitiu que se lhe celebrasse
a Festa na Basílica de Loreto. Urbano VII (1623-1644) estendeu esta
Solenidade a todas as igrejas de Marca de Ancona. Inocêncio XII
(1691-1700) aprovou um Ofício Próprio para esta Festa; em 1724,
Bento XIII estendeu-a a todo o Estado Eclesiástico. Esta Festa é
popular em França, e um grande número de Bispos desta nacionalidade
mandaram-na inscrever no Próprio das suas Dioceses.
Por
1920, houve um pequeno incêndio na Santa Casa de Loreto, que
destruiu a Imagem de Nossa Senhora, atribuída a São Lucas.
Fez-se
outra exatamente igual que foi benzida por Pio XI e conduzida em
triunfo para a Basílica de Loreto, onde ficou ocupando o lugar da
primeira imagem.
Pio
XI escolheu Nossa Senhora do Loreto, para Padroeira dos Aviadores.
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