Tratado
de Teologia Mística
Regras
da Vida Espiritual
Para
Meditação e Estudo
das
Sinceras e Devotadas Filhas de Maria
e
de Todos os seus Diretores Espirituais
Os
Três Graus do Amor de Deus
1º
Grau: Permanece e vive no
primeiro grau, a alma que julga de si amar já suficientemente a
Deus, praticando os Mandamentos da Lei, e procura evitar o Pecado
Mortal, para não cair no Inferno.
2º
Grau: Permanecem e vivem no
segundo grau do amor de Deus, todas aquelas pessoas devotas, que
desejam serem sempre, e só agradáveis a Deus, e que Nosso Senhor
goste delas, com elas esteja contente e as tenha sempre na conta de
servas suas, ou filhas espirituais. Estas almas vivem tranquilas,
pois, buscam a sua felicidade só em Nosso Senhor, esperando receber
d'Ele, de sua divina liberalidade, de seu Coração dadivoso, terno e
amante, a abundância das suas graças, dos seus dons e das suas
divinas recompensas.
3º
Grau: Vivem, tendo atingido o
terceiro grau do amor de Deus, aquelas almas que amam a Nosso Senhor
só pelo gosto e prazer espiritual de O amarem e servirem, pois, tem
íntima consciência e pleno conhecimento de quanto Ele gosta de ser
amado pelas suas criaturas, acima de todas as coisas criadas. Este é
já o amor sutil, puríssimo e enlevante dos Santos, sendo preciso
para alcançá-lo,
que a alma arranque do fundo do seu coração, as raízes mais miúdas
que nele existam ainda do amor-próprio,
bem como de todas as inclinações naturais para o mundo e seus
prazeres enganadores.
Princípio
da Vida Espiritual
Na
estrada mística que a ela conduz, caminham primeiro os crentes,
as almas vindas do plano moral do endurecimento, da malícia, ou da
ignorância, que os conservava no estado, no plano tenebroso do
Pecado Mortal. Ainda neste estado, há também vários graus, pois
que, uma alma rebelde à
graça de Deus, ao contrário de uma alma fiel, também pode resvalar
de precipício em precipício, de abismo em abismo, até as
profundezas insondáveis do mal. Assim aconteceu com Davi. Ele
agradecia a Nosso Senhor, tê-lo libertado do inferno
inferior, isto é, do horrível
estado de adultério em que caíra, seguido do horroroso pecado da
morte de Urias.
“Porque
grande foi, Senhor, a tua misericórdia para comigo, pois,
libertastes a minha alma do inferno inferior”.
A
alma endurecida rejeita todas as graças; a sua obstinação no
pecado, a sua infidelidade tenaz e a sua resistência impassível à
prática do bem, da virtude, acaba por aniquilar nela até os
próprios remorsos, apagando-se, então, inteiramente no seu espírito
o último lampejo da fé, vindo em seguida assenhorearem-se dele as
paixões mais exigentes e avassaladoras. Já não há razões que
demovam, que despertem a insensibilidade desta alma; resvala sobre
ela a voz da verdade, como a água sobre o mármore, sem que possa
penetrar, ou abrandar a sua dureza, pois o mal não está no
entendimento, mas sim na vontade de uma alma que rejeita de antemão
todos os argumentos, julgando desonrar-se, aceitando-os. É este o
estado de obstinação de uma alma às influências da graça de
Deus, obstinação que a conduzirá à impenitência final, à morte
horrível em Pecado Mortal, sem arrependimento.
Quando,
porém, uma alma começa a sentir-se movida por uns sinceros desejos
de viver na graça de Deus, no amor de Jesus Cristo, diz-se que essa
alma entrou na vida purgativa, isto
é, no primeiro grau da Caridade,
ou do amor de Deus.
Como esta caridade das almas incipientes na vida espiritual, é ainda
muito contrariada pelos vícios e paixões, que a mortificação dos
sentidos ainda não pode apagar nelas, então, elas se sentem também,
ainda muito atormentadas por essas mesmas paixões, ainda em brasa,
pelo que não prelibam ainda, o mel das consolações espirituais com
que é inebriada a alma, que atingiu já os graus mais adiantados da
perfeição. Estas almas ainda correm muito perigo, de voltarem a
cair no estado tenebroso do Pecado Mortal. É
um estado de alma, de luta bem definida: chamam-lhe os Místicos a
Vida Purgativa, pois que o
principal dever e trabalho destas almas, que se encontram em tais
disposições, é resistirem aos seus apetites, mortificando as suas
paixões, fomentando, nutrindo e saciando a sua alma com o alimento
forte, a água cristalina da caridade. É esta a doutrina do eminente
teólogo Suarez,
bem como do Anjo das Escolas,
São Tomás.
Santa
Teresa de Jesus, a Serafina do Carmelo,
que é, uma eminente escritora mística, trata maravilhosamente este
mesmo assunto em seu livro célebre O Castelo.
Nesta obra-prima de teologia mística, ensina a ilustre Santa, que a
porta única por onde poderemos entrar nele, é a da oração e da
meditação, tanto vocal, como mental, pensando atentamente no que
somos e quem é Aquele com quem falamos.
Para
Santa Teresa o Castelo
é o lugar onde Deus mora, sendo este a alma justa e santificada pela
caridade. É este o paraíso onde Deus tem o seu deleite,
habitando-o. Neste Castelo
distingue a Santa sete mansões, ou moradas, cada qual sempre mais
formosa, à medida que a alma, cada vez mais fiel, se vai unindo mais
intimamente com Deus, que lhe dá sucessivamente um brilho novo,
consoante d'Ele a alma mais se vai aproximando.
O
Beato Suzo, em seu Dialogo dos nove penhascos,
fala também, dos moradores deste primeiro penhasco,
ou primeiro grau, ou morada da vida espiritual, dizendo serem os que
nela moram ou caminham, os tíbios e os covardes que não trabalham
dedicadamente para a sua perfeição, contentando-se, apenas em não
cometerem Pecado Mortal,
pensando não ser possível ir mais longe. Eles se salvarão se
não morrerem em Pecado Mortal; estão, porém, muito expostos a
caírem nele, pois julgam nesciamente poder obedecer e agradar ao
mesmo tempo a Deus e ao mundo, bem como à sua própria natureza.
Nestes é muito difícil a perseverança, acrescenta o pio escritor;
se perseverarem, porém, salvar-se-ão; aguarda-os, todavia, um
terrível Purgatório, no qual, enquanto não se purificarem
totalmente, sofrerão longos e cruéis castigos e dores em expiação
da satisfação que deram a todos os seus caprichos, subindo, depois
de purificados, ao Céu, onde receberão a sua coroa, mui pequena e
pobre, contudo, em comparação da que será dada às almas nobres e
generosas que viveram pelejando denodadamente, heroicamente para
conquistarem na vida terrena o mais alto grau da perfeição, o pleno
amor de Deus.
Tratemos,
porém, dos diversos graus de formação espiritual de uma alma, que
busca a perfeição, o puro amor de Deus.
Já
em suas Obras, reflete São Dionísio Areopagita, que esse trabalho
se opera e completa em três fases sucessivas: a
da purificação, a da iluminação, a qual se segue a da perfeição.
São os três estados de alma que mais tarde os Místicos da Idade
Média denominariam Vida Purgativa, Vida Iluminativa e Vida Unitiva.
Em
seu Stromates,
Clemente de Alexandria, um dos mais eminentes Padres da Igreja
primitiva, ensina também, já que a ascese do cristão para a gnose,
isto é, para chegar ao
conhecimento da doutrina secreta e perfeita, se efetua por três
graus, dominando no primeiro o temor, no segundo a esperança de
alcançar o Sumo Bem e no terceiro a caridade, que é o conhecimento
perfeito.
A
mesma doutrina ensinam São Basílio, São Gregório Nazianzeno e
muitos outros Padres e Doutores da Igreja fazendo, como nota Fénelon,
a mesma divisão entre os que buscam o caminho da vida perfeita:
escravos, mercenários e filhos, enquanto são levados e conduzidos
nele, ou pelo temor, ou pelo interesse, ou pelo amor.
Na
Idade Média esta mesma divisão era clássica entre todos os
Teólogos. Eles distinguiam os mesmos três graus porque passa a alma
que busca a perfeição: principiantes, ou incipientes (Vida
Purgativa), adiantados (Vida Iluminativa), proficientes ou perfeitos
(Vida Unitiva). A Santa Igreja aprova e aprovou sempre esta doutrina,
pois, condenou uma célebre proposição do teólogo Molina que a
rejeitava.
Santa
Catarina de Sena, em seu livro de título o Diálogo,
ensina, também, a mesma doutrina sobre os três graus que passa a
alma em sua subida para Deus, acrescentando-lhes, porém, um quarto,
a que chama desposório místico,
ou a união perfeita e
consumada, adotando, também, esta mesma doutrina dos quatro graus,
São Francisco de Sales, no seu Tratado do Amor de Deus.
Esta mesma doutrina é seguida
por Santa Teresa de Jesus em seu livro Castelo Interior.
Ela o desenvolve aí mui largamente, ajudada não só pelo seu
engenho natural, como pela sua grande experiência e pelas
superabundantes luzes que Deus lhe comunicava.
O
conhecimento perfeito, o estudo completo de todas estas fases
sucessivas da vida ascética, forma o fundo da ciência a que
chamarei Psicologia Espiritual,
que é muito necessária e indispensável estudar para uma perfeita
direção da alma no caminho da perfeição, pois, mui diverso é o
ensino e mui diversa é a direção a dar aos incipientes, ou aos
adiantados, ou aos perfeitos.
É
esta a doutrina de todos os Autores Místicos.
Pouco
faltou a Santa Teresa para deter-se no caminho da perfeição, só
porque um seu Confessor a quis fazer caminhar nele mais depressa do
que convinha.
Muitas
almas, porém, puras, generosas e dedicadas, têm deixado de subir ao
mais alto grau da perfeição, só porque não tiveram a felicidade
de serem encaminhadas por um Confessor prático, sábio, prudente e
experimentado.
Todavia,
confesso não ser fácil, possível mesmo, determinar regras e
limites claros e precisos entre todos estes deveres gerais do caminho
da perfeição, pois, que em todos os sujeitos, tanto pecadores, como
almas fiéis e fervorosas, se encontram e contrariam as mais variadas
qualidades, disposições e sentimentos morais, como sejam a
ignorância, a fraqueza, o descuido, a negligência, e a malícia,
disposições, qualidades e sentimentos todos sempre mais ou menos
distantes ou próximos da perfeição, entrecruzando-se e tornando
mui difícil o juízo do Confessor. A regra a prevalecer, então,
resume-se na sentença clássica: “judicium fertur ex
communiter contingentibus”.
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Todos
os seres criados, piedosas e devotíssimas Filhas de Maria, tendem
pela sua própria natureza a um fim determinado. Não há ser,
criatura alguma na criação universal, que não tenha bem fixa e
determinada a sua finalidade. Na ordem da natureza, como na ordem da
graça, tudo é perfeito, equilibrado, harmonioso, dependente,
maravilhoso. Cantam os Céus a glória de Deus, diz o salmista
inspirado: canta o universo inteiro, na sua ordem e beleza admirável,
a maravilha de todas as obras saídas das mãos de Deus.
As
almas dos justos, nos ensinam as Sagradas Escrituras, estão nas mãos
de Deus, não lhes transmudando o seu destino o tormento da morte.
Ligeira foi a sua aflição; será eterna a sua recompensa. Eles
brilharão, cintilarão eternamente no firmamento azul da eternidade,
como fachos deslumbrantes de fulgor e de luz.
Na
ordem da natureza, dizem os sábios, nada se aniquila, mas tudo se
transforma; um dia anuncia sempre outro dia que lhe há de suceder,
bem como a noite anuncia anoite seguinte. Eis o mesmo fenômeno na
ordem da graça: tal como os seres materiais, assim todos os seres
espirituais tendem à perfeição, isto é, à sua união com Deus. O
homem ao nascer vem das mãos de Deus; pela morte volta ao seio de
Deus, donde teve o seu princípio e origem. Assim como todos os rios
vão desaguar nos seios dos mares, donde novamente voltam pela
evaporação e através dos canais secretos do centro da terra, aos
seus leitos de rosas abertos através das planícies floridas, ou aos
seus leitos de espinhos, estrangulados entre os desfiladeiros
aspérrimos das montanhas,
assim também, na infinita jornada da vida, as almas voltam ao seio
puríssimo e carinhoso de Deus, pela depuração de suas impurezas
morais e pelo desejo ardente e insaciável que as abrasa de possuírem
o Bem absoluto, eterno!
Estas
verdades sublimes são demonstradas pela teologia e pela filosofia,
pela razão e pela revelação, pois elas nos ensinam que, sempre que
o ser inteligente, liberto das trevas dos erros e das paixões
humanas, deseja a posse da felicidade pura que não pode encontrar-se
na terra, logo a sua vontade se torna comparticipante da Vontade
divina, que só deseja a nossa perfeição e a nossa maior glória.
Este
é, pois, o primeiro passo a dar no caminho da perfeição
espiritual: uma vez dado, logo começa a desenvolver-se em nossa alma
uma tendência constante e eficaz, um desejo ardente, um desejo
irresistível de conseguirmos praticar a virtude no mais alto grau
possível. A graça de Deus coopera já na alma que O busca. Eis a
razão porque diz Nosso Senhor: Bem-aventurados são os que
têm fome e sede de justiça
e a Virgem Santíssima, vossa
Mãe amorosa e excelsa Padroeira, exclama: Encheu de bens o
Senhor os que tinham fome.
Sim, os que tinham fome de
amor, de graça, de bênção, de perfeição!
O
grande e santo varão hebreu Daniel foi ouvido em sua oração,
porque era um varão de desejos.
Também Salomão, porque desejou a sabedoria, um bem melhor
– foi enriquecido mesmo com os bens deste mundo.
São
Tomás, chamado o Doutor Angélico pela sublimidade e transcendência
dos seus ensinos, diz que o desejo torna o homem apto para
receber o que deseja.
Também,
a Águia real de Hipona, Santo Agostinho, escreve: Tota
vita cristiani boni, sanctum desiderium est.
Agora
me perguntais, devotíssimas Filhas de Maria, qual é, então, o meio
principalíssimo para chegardes à perfeição? Dir-vos-ei: é a
Oração.
Da
Oração
Para
obtermos a salvação eterna necessitamos orar, como nos ensinam as
Sagradas Escrituras; a oração é, porém ainda, um meio
indispensável para o nosso adiantamento espiritual.
Eis
porque diz Nosso Senhor: “Pedi
e recebereis”.
E ainda: “Sem
Mim nada podeis fazer”;
e ainda: “Vigiai
e orai para não cairdes na tentação”.
O
mesmo Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou a orar, ensinando-nos o
Pater
– o Pai Nosso. A oração é absolutamente indispensável às almas
que ainda permanecem no primeiro grau da vida espiritual, na vida
purgativa. Só pela oração é que foram justificados Davi,
o filho pródigo
e o publicano.
Eles saíram do estado de Pecado Mortal em que se encontravam só
depois do seu arrependimento e da oração que fizeram ao Senhor.
Digo-vos que este
voltou justificado,
diz o Senhor, falando do publicano, que fizera com verdadeira
humildade a sua oração no Templo.
São
João Crisóstomo ensina que a oração não só limpa a alma do
pecado, mas também afasta os perigos de cair nele.
O
mesmo Santo Doutor da Igreja, ensina que a oração é um colóquio
com Deus.
E
São João Damasceno, diz ser a oração uma elevação da nossa
mente, ou espírito para Deus.
Dividem-na
os místicos em mental e vocal, exercendo-se a primeira só por
intermédio das potências interiores da alma, terminando a segunda
nas exteriores.
A
oração deve ser animada de uma reta intenção, tendendo a um fim
santo, espiritual e puro aos olhos de Deus, isto é, feita só com a
intenção de obter-mos as graças de que necessitamos para alcançar
a salvação, a nossa santificação pessoal e a dos nossos
semelhantes e o perdão dos nossos pecados.
Ensina
São Boaventura, serem três as espécies dos que oram: os que oram
só com os lábios, os que oram com o coração, e os que oram com os
lábios e o coração.
Santo
Agostinho costumava dizer ser a sua maior alegria e gozo a recitação
do Saltério.
As
almas pias e devotas oram também muitas vezes orações breves, que
são aspirações fundas da alma contrita e amante que suspira pelo
Esposo celeste. São orações mentais, como que instantâneas e
ainda vocais, resumindo um afeto da alma, doce, terno e piedoso.
Chamam-lhe comumente os místicos e escritores ascéticos
jaculatórias.
Santo Agostinho nos diz que estas orações tiveram a sua origem dos
monges da Tebaida.
Enfim,
grandes e maravilhosos são os efeitos da oração para as almas que
ainda permanecem na vida purgativa. Para os que, porém, já entraram
na vida iluminativa ela é, ainda, eficacíssima para o seu progresso
espiritual. Ela iluminou Moisés na montanha, como nos ensina o
Eclesiástico,
iluminou sucessivamente o varão justo chamado Daniel,
e tem iluminado sempre todos os varões e santos que a têm praticado
com fervor, como canta em sua maviosa lira o Cantor dos Salmos: Olhai
para Ele, a fim de vos alegrardes.
Assim
como o sol dá luz ao corpo, assim a prece, a oração, é a luz da
alma, diz São João Crisóstomo.
Oh!
Quão admiráveis são os efeitos da oração balbuciada pelos lábios
daquelas almas que atingiram já a vida unitiva! Por virtude e poder
dela desceu o Santo Espírito, o consolador ótimo, como lhe chama a
Igreja Santa, sobre as cabeças dos Doze Apóstolos de Jesus, no
sempre memorável dia de Pentecostes, transformando-os a todos em
varões perfeitos, como nos narram os Atos,
continuando sempre a repetir-se invisivelmente, o mesmo fenômeno
maravilhoso e divino em todas as almas santas, que
oram com fervor e pureza espiritual, recebendo por intermédio da
oração a abundância de todos os dons da sabedoria e da graça de
Deus, como no-lo ensina São Tiago, Apóstolo intemerato de Nosso
Senhor Jesus Cristo: E
se algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus e ser-lhe-á
dada.
É,
pois, necessário, como nos ensina o mesmo já citado ilustre e
grande Doutor da Igreja, São João Crisóstomo, já acima por vezes
citado, que quem deseja ter familiaridade com Deus, tornar-se santo e
sábio, ore fervorosamente ao Pai das luzes, de todas as ciências,
de todas as perfeições e de todas as graças, como sempre tem orado
todos os sábios e todos os Santos.
Santo
Agostinho diz que a oração é a chave do Céu; Santo Ambrósio diz
que ela é o escudo da alma; São João Crisóstomo diz que ela é a
arma poderosa; São Boaventura, que ela é o açoite do Diabo e São
Tomás, finalmente, afirma que ela é a armadura do soldado
espiritual.
Ensina,
ainda, o mesmo Santo Doutor Angélico, ser a oração o único meio
que nos dá a Divina Providência para obtermos os favores do Céu e
podermos alcançar a virtude perfeita, sendo, ainda, absolutamente
necessária para podermos vencer todas as dificuldades da vida e
todos os perigos de cairmos no pecado.
Se
a oração perfeita é a mental,
também a vocal
é necessária, pois que, como nos ensina a Escritura Santa, para
louvarmos ao Senhor é que nos foi dada a língua.Não
é só a nossa alma que pertence a Deus, mas também o corpo: é,
pois, pela oração vocal que se completa o nosso sacrifício de ação
de graças a Deus. Além do mais, a oração vocal constitui a base
da oração pública, ou social, pois de outra maneira não se podem
comunicar os homens nesta vida, como ensina, ainda, São Tomás.
Quantas
lágrimas não verteram os meus olhos, Senhor, quando comovido ouvi
os hinos e os cânticos que com tanta
suavidade entoava a tua Igreja Santa, exclama Santo Agostinho!
Corriam de meus olhos abundantes lágrimas, sendo então a minha alma
inundada de um inefável gozo!
A
oração humilde, fervorosa, saída do fundo do coração, como o
grito pungente de um filho que pede socorro a seu pai, ou a sua mãe,
é sempre ouvida por Deus. Ela é sempre eficaz quando ao nosso bom
Pai celestial pedimos a sua graça, a sua misericórdia, a sua
bênção, o seu perdão, o seu amor: sempre que com o coração
contrito lhe pedimos as graças que mais convém à nossa salvação,
ou sejam mesmo os bens materiais deste mundo, ou os bens morais, a
saúde, a felicidade, a alegria de viver, a inspiração, a
inteligência, o gênio, o sentimento elevado da arte, ou os
desprezos e vilipêndios do mundo, os sofrimentos físicos, as dores
fundas e dilacerantes do coração e da alma, sim, tudo quanto a Deus
pedimos, ou diretamente como um filho a seu pai, ou indiretamente por
intermédio dos seus Santos gloriosos, de todos os seus Santos e
Benditos Espíritos, e, sobretudo, de seu Filho Unigênito, Jesus,
nosso Salvador e sua Mãe divina e seu Esposo amantíssimo São José,
como nos ensina Santa Teresa, como na terra, no mundo material
fazemos aos nossos Superiores, por intermédio de seus e nossos
amigos, tudo alcançaremos, desde que a nossa prece seja feita com
uma intenção pura, desinteressada de outro bem, de outro fim que
não seja a nossa eterna salvação, desde que seja inteiramente
confiada na sua eficácia, e sustentada por uma fé inabalável na
infinita bondade, misericórdia e amor de Deus para com todas as
criaturas criadas.
Notai,
porém, piedosas e devotas Filhas de Maria, que Nosso Senhor Jesus
Cristo, nos aconselha muito particularmente a dirigirmos as nossas
súplicas e preces diretamente, sempre em todas as nossas
necessidades temporais e espirituais, a seu Eterno Pai.
É
de fé, que Nosso Senhor nos concede sempre todas as suas graças,
quando as lhes suplicamos com humildade, fé, confiança e amor:
assim mesmo nos ensina Nosso Senhor nas páginas das Sagradas
Escrituras,
que devereis ler e meditar muitas vezes, pois, a leitura diária,
assídua, pia e devota das Sagradas Escrituras, do Novo Testamento,
bem como do livro sublime da Imitação de Cristo, devem ser o pão
espiritual, a água que dá a vida eterna, que todos os dias devem
comer e beber as almas fiéis que buscam os caminhos do Céu, que
vivem entre os homens na vida da piedade cristã.
É
preciso, porém, advertir que não basta orarmos, pedirmos uma só
vez, ou dez, ou vinte, ou até cem vezes, as graças de Nosso Senhor,
para logo termos a certeza de sermos ouvidos. Não é assim. A
principal qualidade da oração – e nisto está o seu verdadeiro
mérito e eficácia – consiste em orarmos sempre e
perseverantemente em todos os dias da nossa vida, ainda mesmo que
sempre nos pareça que Nosso Senhor em nada do que lhe pedimos, nos
atende compassivo.
Nosso
Senhor não está surdo: Ele está simplesmente experimentando a
nossa perseverança, esta perseverança, esta virtude sobrenatural,
filha da Fé que tem sempre força, poder, e eficácia para obtermos
do Senhor o deferimento das nossas súplicas, deferimento que é
muitas vezes demorado para que melhor nos possam aproveitar as graças
divinas, como o mesmo Nosso Senhor nos ensina.
Não
necessito, piedosas Filhas de Maria, de vos advertir ainda que um dos
requisitos principais da oração vocal é a atenção. Ela
deve ser atenta, isto é, deveis pôr nela todo o vosso entendimento,
como nela deveis pôr toda a vossa vontade, para que ela seja devota
e piedosa. As orações maquinais, saídas apenas dos lábios, mas
não sentidas pelo coração, como as orações dos hipócritas, não
tem valor algum para o Senhor: perdem-se no ar, como as
fosforescências fátuas. Os Teólogos místicos ensinam, que a
atenção na oração é de três espécies: ad verba, ad sensum e
ad Deum – atenção às palavras, ao sentido, com a mente em
Deus.
___________________
Vamos,
agora, piedosas Filhas de Maria, discorrer algum tempo sobre a Oração
Mental, enumerando os três modos como ela pode desenvolver-se,
pois, já vimos que esta espécie de oração tem sempre mais
eficácia para nos fazer progredir no caminho da vida espiritual.
As
almas que ainda se encontram na vida purgativa, isto é, no primeiro
grau da ascese, do amor de Deus, geralmente não praticam a oração
mental. Vós, porém, que desejais amar mais Nosso Senhor, do que O
amam essas almas frias, tíbias e frívolas, que apenas pensam em não
ofender a Nosso Senhor, cometendo o Pecado Mortal, deveis com todo o
esmero cultivar no jardim das vossas almas esta mimosa flor da oração
mental, cujos fragrantes odores embalsamam o Céu. Atendei, pois,
muito à doutrina que sobre esta matéria vou expor-vos.
O
primeiro modo como podereis orar mentalmente, é o afetivo, isto é,
fazendo a oração mental afetiva. Se não compreendeis lá muito bem
este ensino, este modo de orar, eu vo-lo explico por comparação,
por meio de uma ilustração mais clara. Imaginai, por exemplo, que
estais vendo Nossa Senhora lá no Céu, sentada junta de seu amado
Filho, no lugar mais distinto, junto mesmo ao trono excelso da
Beatíssima Trindade. Meditai, agora, como para Ela lá chegar, como
para Ela ser cheia de tanta glória e grandeza foi necessário que
sofresse tanto e tanto na sua alma divina, no seu primoroso Coração
de Mãe, de Filha e Esposa; alma pungida no Calvário das mais
acerbas dores, Coração dilacerado junto à Cruz por sete espadas
penetrantes.
Colocai
na vossa imaginação o Calvário mesmo em frente desse Trono de
glória, pois foi lá que o seu Coração tão terno e sensível, o
mais terno e sensível de todos os corações humanos, mais
dolorosamente ressangrou a mais intensa dor, a mais inconfortável
angústia humana.
Ah!
Demorando-vos vós nesta contemplação dizei-me se não inunda a
vossa alma uma grande onda de sentimentos e afetos comovidos
sentimentos e afetos de ternura, de compaixão e amor para com a
Virgem Santíssima, no Mistério das suas Dores?
Sim,
piedosas Filhas de Maria, essa é a oração mental afetiva, oração
de afeto, de sentimento íntimo.
Podeis,
porém, também fazer de outra forma a oração mental, pelo processo
do entendimento, e então ela se chama Progressiva, ou de
entendimento. Fazeis esta oração, por exemplo, pensando no mesmo
ponto em que haveis pensado para fazer a oração afetiva, mas
pensando agora de um modo diferente. Assim, ao passo que ides
meditando em todos os sofrimentos e angústias da Santíssima Virgem,
em todos os Mistérios Dolorosos da sua existência na terra, na sua
fugida para o Egito, em tantas tribulações, apertos, ansiedades e
perigos que Ela sofre nessa viagem áspera e longínqua, discorrendo
sempre assim por todos os passos da sua vida até ao dia tormentoso,
à tarde caliginosa do Calvário, perguntai: E por que foi que a
Santíssima Virgem tanto e tanto sofreu, padeceu e chorou?
Refleti depois, que Ela tudo sofreu resignada com a vontade de Deus,
para santificar-se mais ainda, pois já nascera Santa, concebida sem
Pecado Original, e para que assim preparada, depurada no crisol do
sofrimento e da dor, honrasse de uma maneira ainda mais particular a
Paixão de Nosso Senhor.
Pois
é fazendo, piedosas Filhas de Maria, estas reflexões, considerações
e interrogações, passando assim o vosso pensamento sucessivamente
de um a outro ponto deste discurso mental, que estais fazendo a
oração que os Místicos chamam oração mental discursiva,
ou de entendimento.
Podeis
ainda, piedosas Filhas de Maria, fazer uma outra espécie de oração,
a que chamam os Místicos oração contemplativa, ou oração de
quietação e recolhimento, ou ainda de contemplação sensível, ou
de silêncio e de sepulcro, na frase da Bem-aventurada Madre Santa
Teresa de Jesus. Qual o método, porém, o processo, o meio de
fazerdes esta espécie de oração, me perguntais? Respondo-vos
primeiramente que, para fazerdes esta espécie de oração,
necessitais viver já na vida iluminativa, que é o segundo grau da
vida espiritual, a segunda etapa do caminho da perfeição. E
é muito simples o processo de fazer esta oração contemplativa,
ou de recolhimento, ou de quietação, ou de silêncio,
ou de sepulcro, como assim, por vários termos, a designam os
Autores ascéticos. Por exemplo: pensai assim, dizendo convosco
mesma, no silêncio do templo santo, ou mesmo no recanto tranquilo da
vossa casa, ou do vosso quarto: ora, eu sempre sou, ainda, muito
soberba e vaidosa: ou, então, – bendito seja Nosso Senhor Jesus
Cristo, que tanto sofreu por meu amor – ou ainda: – eu não faço
nada que preste em comparação com o que para se salvarem fizeram os
Santos – ou ainda, imaginando que estais vendo na vossa frente um
monte alto e áspero de pedras soltas, de urzes bravas e empinadas
rochas, figurai-vos que esse monte é o Calvário, que no seu topo
estão levantadas três cruzes, da qual pendem três crucificados,
sendo na do meio Jesus, estando ao lado, em pé, olhando o Senhor,
Nossa Senhora – deixai-vos ficar inteiramente presas pelos laços
da vossa imaginação, da vossa fé e da vossa piedade a esses
pensamentos, a essas visões, sem pensardes em mais nada do mundo
exterior, ou do mundo interior da vossa alma e já estais fazendo a
oração contemplativa, ou de sepulcro.
Preza
a vossa alma só a esse pensamento, ela não ora, nem balbucia
jaculatória alguma; está como que adormecida nesse pensamento,
nessa contemplação.
Figurai-vos,
ainda, que estais vendo e assistindo à Santa Ceia do Senhor, Jesus,
ao centro da mesa, fala em voz doce e amorosa com João. No rosto de
todos os outros Apóstolos resplende o fulgor de uma celestial
alegria. Que cena tão tocante e comovedora!
Os
Anjos do Céu, vestindo túnicas longas, alvas como as neves,
irradiando raios de luz vivíssima em torno de Jesus, assistem em pé,
rodeando toda a mesa, a este espetáculo sublime, a este banquete
fraterno, símbolo perpétuo do amor e da fraternidade humana!
Pois,
olhando e vendo assim com os olhos da vossa fé e da vossa
imaginação, vós podeis ficar mesmo como que esquecidas de tudo o
que se passa em roda de vós, a ponto que, quem assim vos vir, chega
a pensar que até estais semelhantes às pessoas patetas que ficam
pasmadas a contemplar um edifício suntuoso, por exemplo, numa grande
cidade, por estarem habituadas, apenas a ver as cabanas pobres dos
seus campos. Ficam as pessoas do mundo muitas vezes como que
esquecidas a contemplarem um jardim muito lindo, um campo florido,
uma paisagem dos mais suaves tons de luz e cor, um rosco poente, a
ponto de que lhes perguntam outros: em que estais pensando?
Pois,
alegrai-vos quando vos perguntarem: “em que estais pensando?”,
de dizer a essa pessoa: estou fazendo a minha oração ao Senhor.
Sim, as pessoas que só pensam e cuidam nas coisas que são de Nosso
senhor, não se admirem de que muitas vezes fiquem assim, como que
esquecidas, inteiramente presas a Ele. Assim como Nossa Senhora
estava de pé, no monte Calvário, em oração contemplativa, ou de
silêncio, também vós deveis estar sempre de pé no vosso Calvário,
isto é, quando Nosso Senhor vos manda alguma tribulação, deveis
resignar-vos com a sua Divina Vontade. Não digo que não vos doa
esta ou aquela afronta, ou ofensa recebida, principalmente quando é
injusta, ou filha da ingratidão; não digo que não vos queixeis,
porque Nosso Senhor também se queixou e por três vezes o fez e foi
a primeira no Horto, quando pediu alívio a seu Pai celeste, e a
segunda, quando o soldado da coorte do Pontífice lhe deu uma
bofetada, pois lhe perguntou, porque era que O feria, e a terceira,
já quando estava pregado na Cruz, foi quando exclamou: Meu Pai, meu
Pai, porque Me desamparastes. – Bem sei que, a quem lhe pisam,
chora, mas não é razão bastante para desfalecerdes sob o peso da
vossa cruz; Nossa Senhora, vossa Mãe e Padroeira, também não
sucumbiu sob o peso da cruz dos seus exulcerantes martírios, na hora
extrema das fundas amarguras da sua alma divina, no Calvário.
Aí
tendes, vós, piedosas Filhas de Maria, bem explicada a oração
contemplativa, que só praticam as almas que entraram já na vida
iluminativa. Ela é já o último progresso nas vias da oração que
conduzem à santidade perfeita da alma.
Santa
Teresa comparava a alma que se entrega toda à prática assídua
desta oração, que ela chamava de sepulcro, ou quietação,
como já vos disse, a uma criança que está junto ao peito de sua
mãe e com o calor do mesmo adormece, sem nunca o largar: se lh'o
tiram docemente, logo chora, porque sentiu a falta dele.
Assim
acontece à alma que se entrega amorosamente à oração
contemplativa, pois ela tem sempre a Nosso Senhor em seu pensamento.
É,
pois, piedosas Filhas de Maria, nestas três espécies de oração e
só nelas que a vossa alma se pode tornar de um modo especial mais
agradável a Deus, aumentando dia a dia e inflamando-se continuamente
em amor para com Ele, recebendo a luz das suas graças, aprendendo
cada vez mais a chegar à perfeição da sua alma. E esta oração
mental, em suas três espécies, ou modos, os podeis fazer, com toda
a facilidade, a toda a hora, mesmo nos vossos trabalhos, em meio da
vossa costura, ou do vosso bordado; sem ser preciso recolher-vos ao
vosso quarto, irdes à igreja, ou ao ermo silencioso da caverna de
Gethsêmani, ou das ribas poéticas do rio Jordão, como os antigos
penitentes dos desertos da Tebaida faziam: nem mesmo precisais meter
a cabeça entre as mãos, ou conservá-la pendida ao lado. Em todo o
lugar podeis concentrar o vosso espírito e fazer a vossa oração
contemplativa.
A
menina leviana também faz a sua contemplação, ainda que não seja
aquela que agrada a Nosso Senhor. Está ela bordando, costurando, ou
fazendo qualquer outro serviço doméstico e, em que pensa ela? Está
pensando na cor dos cabelos do seu noivo, ou do seu namorado, se são
ruivos, ou pretos, ou castanhos, ou na cor dos seus olhos e está tão
embebecida neste pensamento que até muitas vezes lhe cai a agulha
das mão e o dedal dos dedos!
Também
o rapaz estouvado que está pensando na sua menina, qual a cor dos
seus olhos, o feitio dos seus vestidos, ou o corte da sua blusa de
pregas, parecendo mesmo um pateta, um boi mudo a olhar para um
palácio, faz a sua oração contemplativa, ainda que não seja essa
a oração que melhor lhe possa abrir e iluminar o caminho da
perfeição espiritual!
A
vossa oração contemplativa, ditosas Filhas de Maria, – e notai
que vos chamo ditosas, pois, suponho que o sois pela devoção
piedosa e pelo afeto enternecido das vossas almas, para com a Virgem
Santíssima, – seja pois, – como os mais floridos jardins, o são
pelos aromas das rosas, – embalsamada pelos perfumes suaves das
mais peregrinas virtudes cristãs, imitando a prática delas, da
vossa Padroeira e Mãe.
Assim,
se pensais no Calvário e estais ouvindo as blasfêmias do povo e até
do mau ladrão crucificado contra o Senhor, pensai e refleti que
Nossa Senhora nada diz, nem mesmo se queixa, de onde deveis concluir,
que também vos deveis calar, quando vos ofendem e que se Nosso
Senhor permitiu que a Virgem Santíssima sofresse tanto, foi para que
Ela mais se sublimasse, ainda, em méritos aos olhos de seu Eterno
Pai.
Se,
por exemplo, ainda meditardes, depois da leitura do Sermão, ou
Homilia sobre o Evangelho, no passo em que ele fala da mulher
cananeia, a quem o Senhor cura da sua enfermidade, refleti bem sobre
a humildade daquela mulher e, na recompensa que ela lhe atraiu da
parte de Jesus, e conhecereis então que só as pessoas humildes são
dignas de se aproximarem da Sagrada Mesa de Nosso Senhor. Eis como
podereis fazer uma útil e proveitosa oração contemplativa, quer
meditando sobre um ponto qualquer dos Sagrados Evangelhos, ou das
áureas páginas da Imitação de Cristo.
A
alma que faz oração contemplativa, está durante ela, inteiramente
presa a Nosso Senhor: neste estado permanece, às vezes, horas
seguidas; é uma paz, um sossego tão tranquilo e manso, inebriando e
envolvendo a sua alma, que ela insensivelmente aprende a ser
recolhida, sossegada e refletida, qualidades estas que mais
dignificam a mulher e a tornam apta para conseguir os grandes
triunfos da perfeição espiritual.
E
se, por exemplo, ainda, fazeis uma visita ao Santíssimo Sacramento,
pensai bem: é só por meu amor que Nosso Senhor ali está preso…
Deixai-vos ficar assim o maior tempo possível presas a este
pensamento, não pensando em mais nada, a não ser na humildade,
dedicação e amor de Nosso Senhor, que assim se constituiu nosso
Prisioneiro, nos cárceres dos Sacrários, nas âmbulas, nos
ostensórios, nas píxides sagradas dos Tabernáculos e dos Tronos
Eucarísticos, e vós tereis feito uma fervorosa e santificante
oração mental contemplativa.
Se
pensais, ainda, que estais vendo Nosso Senhor pregado na Cruz, no
monte Calvário, também aí podeis ficar presas aos pés de Nosso
Senhor e tão presas que até podeis adormecer presas a esta ideia. É
então que a alma devota aprende a virtude do recolhimento, do
sossego e da paciência em todas as provações que Deus lhe envia,
ficando assim a ser uma alma sossegada, madura, ajuizada, recolhida e
paciente. Mas este adiantamento no caminho da perfeição, bem como a
verdadeira disposição para fazer uma verdadeira e frutuosa oração
contemplativa, só se alcançam com muito trabalho e tempo no
exercício da piedade cristã, sob a direção de um Confessor
experimentado nas lutas do espírito contra a sedução do mundo, e,
sobretudo, também ele santificado pela contínua e fervorosa oração
contemplativa, cujos frutos de bênção e salvação para ele são a
humildade, a caridade e a renúncia a todos os bens materiais deste
mundo, às suas pompas, vaidades e glórias.
___________________
Um
mal quero corrigir, ainda, piedosas Filhas de Maria, que pode vir e
vem sempre, – pois nunca Satanás descansa no seu trabalho maligno
de perder as almas, – também a inquietar as vossas,
prejudicando-as e atrasando-as no caminho da perfeição.
Eu
quero dizer que todas as vossas orações, de qualquer espécie
que sejam, devem tender sempre unicamente a vossa santificação e
não a tornar-vos, ou a fazer ainda de vós doutoras em teologia
mística, de forma que vos constituais a vós mesmas em mestras das
outras, como quem tem mais valor e superioridade aos olhos de Nosso
Senhor.
Sim,
estamos diante de um caso grave, de um perigoso impedimento para a
salvação e santificação de uma alma. Sim, porque sobre isso,
sobre este ponto de mestras e doutoras em ciência de perfeição,
estamos entendidos! O certo é que tão ruins criaturas, querendo
ser doutoras, é só para censurarem as outras; domina-as o orgulho e
a soberba, pelo que se tornam semelhantes, senão piores do que o
Demônio! E andam, infelizmente, nesta vida da piedade, na
frequência diária dos Sacramentos, alistadas, também, na
Pia União das Filhas de Maria, muitas meninas, novas ou já
adiantadas na idade, que se tem por doutoras, por mais sábias do que
as outras nos caminhos, nos meandros da perfeição espiritual! Pois
a tais criaturas eu nem mesmo garanto a sua alvação, quanto mais a
sua perfeição, pois, se elas não tem perfeição alguma!
Se
alguma há que deseje adiantar-se na perfeição e no conhecimento da
ciência espiritual, faz muito bem e não a repreendo por isso, pois
em verdade as pessoas patetas e ignorantes nunca podem adiantar-se
muito no caminho da perfeição.
Seja,
porém, essa pessoa, ou sejam essas pessoas, edificantemente humildes
e caritativas, aniquilando em si o amor-próprio e a vaidade,
julgando-se sempre indignas das graças de Deus! Que as veja eu
beijar as chagas dos leprosos, como fazia São Pedro Claver, na
Colômbia, ou repartir metade da sua capa pelo velho andrajoso, como
fazia São Martinho de Tours, e então eu lhes direi que terão
alcançado já os altos cumes da montanha da perfeição, sobre a
qual Deus habita.
Esta
ciência divina da perfeição espiritual só se adquire, porém,
depois que a alma devota entrou no templo sagrado, no santuário
recôndito onde só conseguem penetrar as raras almas eleitas que se
habituaram já a fazer diariamente, e a bem-dizer permanentemente, a
oração discursiva e a contemplativa.
Não
sabia ler Santo Antão, Patriarca dos Monges da Tebaida e iam
consultá-lo à sua gruta os homens de letras, os sábios mais
afamados do seu tempo. A um destes que, por curiosidade, o fora
visitar, perguntou o Santo: “qual era melhor: ter juízo, ou ser
homem de letras?” Ele lhe respondeu: “que era ter juízo”.
Volve-lhe o Santo: “E o juízo vem das letras, ou são as letras
que vem do juízo?” Respondeu-lhe ele: “que as letras
vinham do juízo”. Então, lhe volve o Santo: “Vai-te,
então, pois não preciso das tuas letras”.
Vem
estas considerações a propósito de eu dizer que, para que uma
pessoa seja santa e fervorosa, é necessário que não seja
inteiramente ignorante das coisas de Deus, isto é, da ciência
ascética, mas é também necessário que não seja, que não
se arrogue a si mesma a honra de doutora nessa
ciência.
É
necessário que seja uma pessoa de juízo, sim; mas é preciso,
ainda, que não seja teimosa e caturra. Há certas criaturas que não
aceitam outros pensamentos e ideias que não sejam as suas próprias:
resistem mesmo às admoestações de um santo e sábio Confessor.
Tais pessoas devotas não tem devoção nenhuma agradável ao Senhor;
não são pessoas santas, mas caturras; não são pessoas de
perfeição, pois não tem juízo. Nosso Senhor não está para
aturar pessoas caturras, nem faz santos e santas de pessoas patetas e
de cabeças tontas.
_________________
E
já que falamos em ciência mística, deveis saber, piedosas Filhas
de Maria, é conveniente aprenderdes algumas noções gerais desta
ciência, em que foram eminentes e mestres consumados S. Basílio, S.
João Crisóstomo, S. Jerônimo, S. Gregório Magno, S. Isidoro, S.
Anselmo, S. Bernardo, S. Boaventura, S. Tomás de Aquino, S. João
Clímaco, S. Teresa de Jesus, S. Agostinho, S. Francisco de Sales, S.
Hildegardes (Abadessa Beneditina), S. Gertrudes, S. Brígida, S.
Catarina de Sena, S. Vicente Ferrer, S. João da Cruz, S. Inácio de
Loyola, a Venerável Maria de Ágreda, S. Matilde, S. Ângela de
Foligno, S. Afonso Maria de Ligório, e os grandes varões, ilustres
pela sua virtude e ciência, Hugo e Ricardo da abadia de S. Víctor,
em Paris, Guilherme de Pariz, João de Ruysbroeck, Tomás de Kempis,
João Gérson, S. João de Ávila, Luís de Granada, S. Afonso
Rodrigues, Beato Fr. Bartolomeu dos Mártires, S. Roberto Belarmino,
o Beato Luís de la Puente, Bossuet, Fénelon, o Cardeal Bona, o
Padre Faber, S. Antônio Maria Claret, Sandreau, Meynard, Woiss, e
muitos outros antigos, e, principalmente ainda, espanhóis modernos,
como Arbiol, La Reguera, Scoramelli, Miguel Godinez, Morotio, Alvarez
de Paz,Valgonera, e outros ainda, que nos legaram preciosos Trabalhos
de Teologia Ascética, entre os quais, deveis escolher para vossa
leitura, as Revelações de S. Gertrudes, e as de S. Brígida,
Os Diálogos de S. Catarina de Sena, a Introdução à Vida
Devota de S. Francisco de Sales, os Exercícios Espirituais
de S. Inácio de Loyola, a Imitação de Cristo de Tomás de
Kempis, Tudo por Jesus do Padre Faber, Oratoriano, pois
existem edições modernas destas Obras Místicas, como dos
Exercícios Espirituais de S. Afonso Rodrigues.
Assim
esta palavra Mística, formada etimologicamente da palavra
grega mistikios, significa uma coisa oculta, secreta, de
mistério. A palavra ascética significa exercício,
pois é formada da palavra grega askeris, que tem esse
sentido.
Tanto
a ciência mística, como a ascética, se podem entender e dividir em
dois sentidos: o teológico e o prático e experimental.
Mística,
sob o ponto de vista teológico, define-se: Sabedoria secreta,
como a chama S. João da Cruz, que é o príncipe dos Místicos, em
seus livros: Subida do Monte Carmelo, lib. 2º, cap. 8, e
Noite Escura, lib. 2º, cap. 17. Como ciência prática e
doutrinal definem-na os Autores: A ciência que tem por objeto a
perfeição cristã e a direção das almas em ordem a conduzi-las à
perfeição espiritual.
Sob
o ponto de vista prático e experimental, ela é o conhecimento
experimental de Deus pelo amor prático ao mesmo, levado ao mais alto
grau possível. Foram eminentes místicos experimentais e
teóricos Henrique Suso e João Tauler.
A
Ascética é, também, experimental e doutrinal.
Como
ciência experimental ela é o conhecimento e o amor de Deus
obtidos pelos meios ordinários, com a meditação e a contemplação
ativas. Como ciência doutrinal é a ciência que trata da
perfeição cristã e da direção das almas em ordem à mesma,
obtida pelos meios ordinários da divina Providência.
Como
vedes, é melhor para vós estudardes a Ascética experimental, do
que a doutrinal. A compunção, ou o arrependimento íntimo é uma
parte desse estudo. Eis porque o sublime místico Tomás de Kempis
diz, no lib. 1º, cap. 1º da Imitação de Cristo: Antes
quero sentir a compunção, do que saber-lhe a definição (“Opto
magis sentire compuentionem, quam scire ejus definitionem”).
Assim deveis pensar vós também.
_________________
Como
tão difusamente vos tenho ensinado já, notai ainda e gravai bem na
lâmina de ouro da vossa alma esta suprema verdade, que repito mais
uma vez: Sem oração é impossível uma alma ser agradável a
Deus, ter disposições para ser perfeita.
Ainda
vou desenvolver mais largamente esta matéria, para que fiqueis
possuindo toda a ciência e conhecimento experimental da oração,
tanto contemplativa, como discursiva, na qual se nutre a alma e
aprende as coisas que são de Nosso Senhor, tornando-se assim apta
para melhor se santificar.
Lendo
os Santos Evangelhos, encontrará sempre a vossa alma campo vasto
para a sua instrução, pois nessa leitura, vaga sempre um esquisito
e raro perfume celestial que a inebria e a deixa cada vez mais
inclinada a buscar e amar Nosso Senhor.
Se,
por exemplo, lerdes e meditardes aquela passagem do Evangelho de S.
Lucas,
em que se lê: E aconteceu que, como fossem de caminho, entrou
depois Jesus em uma aldeia e, uma mulher, por nome Marta, o hospedou
em sua casa. E esta tinha uma irmã chamada Maria, a qual assentada
aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra. Marta, porém, andava toda
afadigada, na contínua lida da casa: a qual se apresentou diante de
Jesus e disse: Senhor, a Ti não se te dá que minha irmã me
deixasse andar servindo só? Dize-lhe, pois, que me ajude.
E,
respondendo o Senhor, disse-lhe: Marta, Marta, tu andas muito
inquieta e te embaraças com o cuidado em muitas coisas.
Entretanto, só uma coisa é necessária: Maria escolheu a melhor
parte, que não lhe será tirada – não compreendeis logo quão
grande mal e defeito é tirarmos as almas que estão aos pés de
Nosso Senhor, pois cada uma segue só o que Nosso Senhor lhe pede e
quer e lhe faz sentir. Não se diz, é certo, no Evangelho que Marta
fizesse ou fazia mal, mas diz-se muito claramente que Maria fazia
melhor estando aos pés de Nosso Senhor.
Mas,
quantas meninas e Filhas de Maria, quantas pessoas devotas não há
que são como Marta! Sempre andam espiando a vida das outras,
procurando observar e saber se esta foi ou não hoje, ou ontem à
Missa, à Comunhão, se falou com o Confessor e quanto tempo com ele
se demorou e isto tudo espreitam e querem saber, até para irem
dizê-lo a outros Confessores!
Tais
pessoas que andam na vida da piedade e assim procedem, andam muito
mal: melhor lhes seria deixarem-se ficar em casa, bordando, cosendo,
ou cozinhando, ou pensando em outras coisas mais alegres, agradáveis
e distrativas para si próprias, do que andarem assim na vida da
devoção, do confessionário para a mesa da Comunhão e desta para
as sacristias, sempre em colóquios particulares, ora com os Padres,
ora umas com as outras; elas nada aproveitam com a sua estéril
piedade para o Céu, para a sua salvação; são umas bilhardeiras,
cuja devoção e piedade é de borra, como ouvi classificá-las
já a um piedoso e experimentado Diretor de consciências.
E
aqui tendes o fruto da oração contemplativa e discursiva que podeis
colher, depois da leitura do Evangelho sobre o caso de Marta.
E
se me perguntardes, se para serdes santas tendes necessidade de estar
sempre de joelhos aos pés de Nosso Senhor, como Maria,
responder-vos-ei que não, pois Marta também foi Santa.
Não
censureis, porém, os que estão sempre aos pés de Nosso Senhor,
como Maria, pois cada pessoa segue as inclinações naturais do seu
coração e sempre é melhor estar aos pés de Jesus do que em outra
parte. Nunca deveis omitir o cumprimento dos vossos deveres
domésticos para fazerdes as vossas devoções espirituais, pois
mesmo cumprindo-os, podeis fazer a vossa meditação, por isso mesmo
mais frutuosa ainda. E como fareis a meditação neste caso, sem
omitirdes os vossos deveres domésticos? Fazei assim: ao acenderdes,
por exemplo, a luz para o vosso almoço, se vos achardes e sentirdes
impacientes e zangadas, por não poderdes ir à igreja, meditai
assim: – olha que estas soberbinhas e faltas de paciência e
respeito, ó minha alma inquieta, ó meu coração desassossegado,
para com tua mãe, ou o teu esposo, ou a tua avó, ou a tua tia, a
tua aspereza e impertinencia para com os domésticos da casa, os irás
expiar num lume, num fogo bem pior, bem mais ardente do que este!
Posso eu meter o dedo neste lume, como posso meter uma lenha!
Ainda
se vais a levar a comida ao cevado, reflete assim: Não serei eu,
também, como este animal, que sempre traz a cabeça voltada para o
chão e só tem gosto em fuçar a lama? Não sou eu, também, como
ele pensando apenas nas coisas terrenas, nos bens materiais, no que
hei de comer e no que hei de beber?
E
se não tens este animal imundo em tua casa, tens ao menos flores,
cravos e rosas, nos canteiros da tua porta, ou do teu jardim. Pensa
então assim, olhando esses cravos viçosos, essas flores gentis,
essas rosas da cor dos topázios: “E se eu também fosse um dia uma
flor nos jardins do Céu!” Se é o mar que se estende diante dos
teus olhos, medita, então, assim: “a minha alma também anda
desassossegada e sem paz, como as ondas daquele vasto e dilatado mar!
Se
eu verdadeiramente buscasse só a Jesus teria a paz, pois só Ele é
o Rei da paz e da alegria”.
Ora,
aí tendes vós, piedosas Filhas de Maria, vários métodos de oração
discursiva, que podeis aproveitar, pois sempre se oferecem-nos
oportunidades para fazê-la.
Ainda
vos quero fazer uma reflexão, a propósito daquelas palavras de
Nosso Senhor a respeito de Maria, quando disse a Marta “que ela
escolhera a melhor parte”. Essa linguagem de Nosso Senhor é
figurativa e simbólica, tendendo simplesmente a ensinar-nos que
nunca devemos deixar perder a ocasião de ouvirmos a Palavra de Deus,
quando ela se nos oferece, como aconteceu com Maria. Se Nosso Senhor
voltasse a aparecer no meio de nós, decerto que tudo deixaríamos
ficar para ouvi-lO; Nosso Senhor, porém, seria o primeiro a
advertir-nos, depois de ouvirmos o Sermão que Ele nos pregasse, a
que fossemos cuidar dos nossos deveres e obrigações domésticas,
dos nossos deveres de família e de relação para com o nosso
próximo. Para bem amarmos Nosso Senhor não é necessário cortarmos
todas as nossas relações com o mundo: Nosso Senhor se contenta com
a nossa íntima convivência com Ele, inteiramente separados dos
homens e do mundo, apenas por alguns dias, como seja durante uma
semana de Retiro espiritual, ou durante o tempo de uma Missão. A
vida religiosa nos claustros é apenas um Conselho do Senhor para
podermos atingir o derradeiro grau da vida espiritual. Todos são
chamados, mas poucos são os escolhidos, diz Nosso Senhor, isto é,
justos aos olhos de Deus pela prática dos Mandamentos, todos
podemos ser; porém, perfeitos pela prática dos três Conselhos
Evangélicos, nem todos.
Obrigações
e deveres materiais e morais todos temos a cumprir na vida: deles
mesmo não estão livres as pessoas que vivem em clausura. O
cumprimento, porém, dos nossos deveres não nos impede de cuidarmos
conjuntamente da salvação da nossa alma; antes, é no meio do
cumprimento dos nossos deveres e obrigações temporais que
aprenderemos a praticar as virtudes da paciência, da mortificação,
da humildade e da obediência, sendo até essa a melhor ocasião para
praticarmos todas essas virtudes.
E
não me digais que esse cumprimento dos nossos deveres e obrigações
temporais perturba a alma e lhe faz perder o sentimento da presença
de Deus; quem assim pensa é porque não sabe regular-se bem na
prática delas. Tenhamos sempre Nosso Senhor no nosso pensamento,
para sempre lhe pedirmos a sua ajuda e teremos achado o remédio para
essa perturbação. É também remédio para ela conservar sempre o
nosso espírito sossegado, pensando só naquilo que estamos fazendo
presentemente e não em muitas outras coisas ao mesmo tempo. Este é
o conselho que nos dá Nosso Senhor: “A cada dia e a cada hora
basta-lhe o seu peso e o seu cuidado”.
Tudo
devemos fazer com sossego e paz, método e oportunidade. Assim, por
exemplo: Se estás bordando o teu lenço, ou cosendo à máquina, ou
à mão a tua costura e ouves tocar ao meio-dia, ponto certo em que
costumas fazer em pensamento, mesmo sem saíres de casa, a tua visita
ao Santíssimo Sacramento, não penses mais em acabar o restinho do
bordado, ou da costura que falta.
Diz
contigo mesma: “agora é a Visita, vou fazê-la e depois venho
acabar o meu lenço”. Mas esta pontualidade rigorosa só a deves
guardar, quando não fores forçada a faltar ao dever.
Então,
entra no teu quarto e aí, no teu cantinho, fala assim a Nosso
Senhor: “Meu Deus, não vedes como eu estava aferrada àquele
restinho de lenço para não Vos visitar! Como eu sou tão defeituosa
e má!” Reza, então, um Pai Nosso à Nosso Senhor e uma Ave Maria
a sua divina Mãe e tua Mãe e Protetora, e vai depois acabar o teu
lencinho, ou a tua costura.
Um
outro exemplo ainda: Se alguma tua amiguinha te vier dizer que tem
para te dar, ou logo ou amanhã, uma novidade muito importante, não
te preocupes em sabê-la sem demora; faz o que estás fazendo e a
tarde, é à tarde e o dia de amanhã, é amanhã, e o momento de
agora, é agora: é isto, é o serviço que estais fazendo. E assim,
dominarás o mau espírito da curiosidade que é a tinta que desfeia
muitas almas que andam na vida da piedade. Assim adquirirás o hábito
de viver sempre sossegada e de tudo fazeres a tempo e horas,
santificando-te cada vez mais em cada dia que passa.
É
assim que fazem todos os bons Padres das Ordens Religiosas, pois,
tendo sempre muitos trabalhos, sempre andam sossegados e tranquilos.
E quem sabe guardar o silêncio tem adquirido e encontrado o segredo
de se santificar muito depressa, pois não há pior defeito, do que o
da murmuração. Raramente deixará de cair nele quem não ama a
virtude do silêncio.
Conheceis,
acaso, Filhas de Maria, a história de João o Silencioso?
Pois, vivendo no deserto quarenta anos, nada mais dizia do que:
“Senhor, eu te amo?” Mas, perguntar-me-eis: Então, sr.
Padre, deverei eu ir para os montes passear e bordar para não
encontrar ninguém?
Não,
vos respondo. É, porém, guardando o silêncio quando tendes
companhia, que melhor vos podeis santificar. Também as tentações
que tanto fazem afligir as almas pias, não são, afinal, mais do que
graças de Nosso Senhor, para que elas se possam santificar,
combatendo-as. Pode acaso o lavrador colher fruto do seu campo, se o
não lavrar com muita fadiga, regando-o com o seu suor? Assim são as
tentações para as almas piedosas; são como o orvalho do Céu para
as terras áridas.
Uma
pessoa verdadeiramente piedosa deve aprender a calar e a falar só
quando é preciso, a sofrer com paciência um defeito alheio,
desculpando-o, sendo, porém, rigorosa com os seus próprios
defeitos.
Mas,
esta alta virtude só se pode adquirir no trato com os homens.
Sim,
me direis, mas eu cai em dizer esta palavra e assim, eu que era tida
na qualidade de uma rapariga boa e virtuosa, agora que dirão de mim?
Melhor era não falar para ninguém. Este que é, agora, o ponto da
nossa meditação. Não te aflijas porque caíste nessa fraqueza;
aprende a humilhar-te e não condenes o trato social, porque não é
esse que ofende a Nosso Senhor, mas sim a nossa vontade de O ofender,
ou não.
Quando
Nosso Senhor disse de Maria, irmã de Marta, “que ela escolhera a
melhor parte”, não queria dizer que Marta não fazia bem, tanto
que ela também é santa; Nosso Senhor só quis significar por essas
palavras que lhe agradam, mais do que todos os obséquios exteriores
e materiais, os afetos e sentimentos delicados do nosso coração
para com Ele; afetos de amor, afeição e generosidade.
Mas,
sr. Padre, direis ainda, melhor seria não falar com pessoa alguma
para me santificar e ser feliz, pois ainda ontem fui à Missa e
recebi Nosso Senhor e senti na minha alma tal delícia, doçura,
suavidade, alegria e paz, que me parecia mesmo estar já no Céu.
Quando, porém, cheguei em casa, disse-me minha mãe: ainda agora
vens? Minha irmã também me disse não sei que e também a vizinha:
sabes, olha! Fulana disse isto de ti! E eu fiquei, então, com o meu
coração tão alvoroçado e a arder tanto que, se pusessem sobre ele
a panela ou a cafeteira, logo ferveriam mais depressa do que sobre o
fogo e lá se me foi toda a doçura e suavidade, alegria e a paz da
alma que sentira de manhã.
Respondo-te,
querida Filha de Maria, dizendo-te: Então, tu querias achar o Céu
na terra? O que sentistes foi, apenas, uma graça que Nosso Senhor te
fez, para te fortalecer e ajudar a venceres o teu coração nessas
ocasiões e tribulações que passastes.
Esse
fervor, como dizem os Místicos, que se adquire, só costuma durar
aproximadamente dois anos; depois vem a noite da alma, a secura, a
aridez, de que fala Santa Teresa.
Somos
chegados, agora, a tratar de um assunto místico da mais alta
importância: – A paz da Consciência.
Da
Paz da Consciência
A
paz da consciência é o fruto sazonado da oração contemplativa.
Tiveram-na íntegra e plena todos os grandes Santos que chegaram aos
altos picos do Himalaia da perfeição espiritual, após
a mais profunda meditação contemplativa: – S. Inácio de Loyola,
como S. Bento, como S. Francisco de Assis, só lançaram os
fundamentos das três grandes Ordens Religiosas da Igreja, depois de,
à semelhança da contemplação e penitência de Jesus durante
quarenta dias no deserto da montanha judaica, terem passado pela
grande prova da perfeita vida mística adquirida pela oração
contemplativa, – Inácio, na cova de Manresa, Bento, na gruta do
Subiáco, Francisco, o Poverelo
sublime da Úmbria, na encosta do Monte Alverne.
Tê-la-ão
todas as almas que, pelo exercício da piedade tiverem atingido o
terceiro grau da perfeição espiritual: – a vida unitiva.
As que tiverem entrado,
apenas, no primeiro grau da ascese,
saídas da noite do pecado para a vida da graça de Deus e que se
contentam em evitar a culpa mortal, confessando-se, por exemplo, só
uma vez cada mês, não conhecem sequer a doçura, o enebriamento
espiritual em que vivem mergulhadas as almas que são capazes de
praticar, de fazer a oração contemplativa, com as mesmas
disposições interiores com que a faziam os Santos.
Nem
mesmo são capazes de fazer, ainda, esta espécie de oração as
almas entradas já no segundo grau da ascese
e que são as que se esforçam por evitar os próprios pecados
veniais, conduzindo-se já na vida cristã dentro de um regulamento
espiritual, como seja: ouvir Missa diária, a Confissão semanal e a
Comunhão quotidiana, a Visita ao Santíssimo Sacramento e a
recitação do Terço, ou do Rosário de Nossa Senhora. Nestas almas,
ainda não pode afirmar-se que exista já a verdadeira piedade, mas
só que elas praticam os atos próprios que a ela conduzem.
Estas
almas, tem já muito desejo de agradar a Nosso Senhor: o seu
progresso na virtude, ao caminho da perfeição depende agora,
apenas, da direção que a esta alma dará o Confessor. Este é o
grande escolho em que naufragam muitas almas que buscam ansiosas
Nosso Senhor. Mas como
poderá avançar a nau no solitário oceano sem bússola?
Orem
fervorosamente a Deus as almas pias, para que lhes depare um Diretor
idôneo, isto é, prudente, sábio e virtuoso. Infelizmente, como já
dizia Santa Teresa, “a
maior parte dos Confessores de pessoas beatas, ou piedosas, nunca
chegam a ser canonizadas pela Igreja, pois, já o foram pelas beatas,
suas confessadas”.
A
verdadeira piedade consiste no
sentimento íntimo de agradar a Deus acima de todas as coisas. Esta
perfeição espiritual, que é já o terceiro grau da ascese,
só se adquire, porém, depois de largo tempo no exercício dos atos
de piedade, que não devem ser, apenas, atos de devoção passional,
como são as Novenas, os Terços, as Confissões, as Comunhões, para
a maior parte das pessoas que andam na vida devota, mas sim, atos
sinceros, reais e públicos de humildade, caridade, perdão,
benevolência e amor para com todos, de forma que essa pessoa
seja para
todas as outras um exemplo vivo e edificante de doçura e de
suavidade em todas as suas palavras, como em todas as suas relações
diretas com o seu próximo. A alma que não renda inteira obediência
à vontade dos seus Superiores, pais, mães e Confessores, que não
visite solicitamente, para agradar a Nosso Senhor, os enfermos
pobres, os órfãos e as viúvas desamparadas, dispensando-lhes, a
proteção moral e material que lhe é possível, que não renunciou
ainda inteiramente às vaidades, riquezas e gozos do mundo, que
transige ainda com as modas do século em seu vestuário, com grave
ofensa e escândalo da modéstia cristã,
que não pratica a frugalidade, a sobriedade e a temperança na sua
alimentação, que não
sente arder em seu peito o zelo pela salvação dos seus irmãos, o
amor pelo trabalho e sofrimento, sentindo alegria e contentamento em
meio dos vilipêndios e dos desprezos do mundo, bem como em meio das
suas próprias doenças e enfermidades corporais, que
deve espiritualmente considerar, apenas, como dádivas, como graças
de Deus, que lhe são enviadas como provações, ou expiações de
seus pecados, que só Ele conhece e que são absolutamente
necessárias para a sua santificação, tal alma, por mais devota e
fervorosa que pareça, está muito longe, ainda, de atingir o
terceiro grau da ascese,
de entrar no grande
fervor, como lhe chamam
os Místicos, e que é esse estado de alma em que, aquela que já o
atingiu, pode orar em contemplação,
em quietação de espírito, profunda, insondável, beatífica já.
É,
então, que ela adquire a posse, o gozo inalterável da paz
de consciência. Nestas
alturas a alma busca Deus com a ânsia com que O buscava Davi: “Quem
me dera a mim asas, como as das pombas, para voar para Ti e descansar
em Teu seio!” exclamava o ungido do Senhor. Chegada a este alto
grau da ascese
a alma sente o tormento da fome e da sede de alimentar-se e
dessedentar-se com o pão divino e a água puríssima da leitura das
Escrituras Santas, da Imitação de Cristo, da Vida devota, dos
suaves e perfumados Livros ascéticos dos grandes Santos místicos.
Todavia,
a alma que atingiu este último grau da ascese
deve limitar o mais possível a leitura espiritual, pois deve orar,
agora, mais em espírito, mentalmente,
pois já está em condições de receber a iluminação divina de
Jesus que se comunica diretamente neste estado pelas efusões da Sua
graça e pelas misteriosas operações da graça do Espírito Santo.
Este
trabalho, porém, piedosas Filhas de Maria, esta ceifa ubérrima das
messes de Jesus, leva sempre muitos anos a amadurecer, e só pode
chegar à plena maturidade, aquecida pelo sol fecundante da oração
contemplativa, dos mais puros e fervorosos atos de piedade interior e
exterior, não só em relação direta com Nosso Senhor, como
indireta para com todos os nossos semelhantes.
Mas
ainda, se não pode dizer que a pessoa devota que atingiu este estado
de alma possua já a verdadeira e inalterável paz
da consciência, ou
quietação de espírito,
pois, como dizem os Santos, os Autores místicos, ainda Nosso Senhor
quer fazer passar pelo
crisol da última prova a alma que Ele verdadeiramente ama.
Dizem
eles, então, que a pessoa que já passou alguns anos no estado
de fervor, ou de oração
contemplativa, que é o da verdadeira piedade e não o da prática,
apenas, dos exercícios de piedade, entra num quarto estado de alma,
que é o da secura,
como lhe chamam.
Num
momento toda essa suavidade e doçura que a alma gozava no exercício
da oração contemplativa desaparece, bem como o ardente fervor
místico que a abrasava e ela fica, como que seca e escura; todo o
fervor e amor, toda a delícia que ela sentia no serviço de Deus,
esvai-se e desaparece. É um abalo moral que desconjunta todo o
edifício da vida espiritual quando parecia faltar pôr nele, apenas,
a cúpula dominante!
Santa
Teresa, a Mestra sublime da Mística, chama a este novo estado de
alma a primeira noite da
vida religiosa. A alma
pensa, então, não terem já mérito algum todos os seus exercícios
de piedade; pensa e julga que Nosso Senhor a abandonou e que em nada
lhe agrada já; sobrevêm-lhe, então, uma indizível aflição e
angústia, pois crê-se abandonada da graça de Deus.
A
estas almas nobres, sinceras e devotadas no exercício espiritual da
devoção e da piedade, faz ainda Nosso Senhor passar por muitas
tentações, das mais horríveis e impuras e, ainda, contra a fé,
contra o Santíssimo Sacramento, a ponto de as deixar inteiramente
desoladas. Este é, porém, nelas um sinal
infalível da sua eterna predestinação.
Este
período, todavia, das tentações do Maligno é transitório; dele
triunfam sempre todas as almas que sinceramente buscam a perfeição;
depois de passada esta tempestade é que, então, a alma adquire o
sossego e a paz duradoura e inalterável.
É,
agora, que para ela começa a definitiva paz
de consciência que já
na terra lhe faz prelibar a doçura dos bens celestiais, dos frutos
preciosos da bem-aventurança.
É,
então, que pela primeira vez essa alma triunfante tem o sentimento
íntimo da presença de Deus em si mesma; da inteira posse que Deus
dela faz. Para ela, agora, a oração contemplativa é o átrio do
templo sagrado e místico onde ela é arrebatada em espírito pelos
êxtases, pelas visões; ela pode ver já, bem nítidas e luminosas,
as imagens divinas de Jesus, de Maria, dos Anjos e dos Santos,
refletindo-se na retina dos olhos da sua alma.
A
oração pura e fervorosa que agora brota, como um fio de mel do
Hymetto, dos seus lábios trêmulos de amor espiritual, é já a
oração de quietação,
de recolhimento,
ou de sepulcro,
como lhe chama Santa
Teresa.
Esta
alma tem, agora, a coragem heroica dos mais nobres sacrifícios, das
mais sublimes dedicações; ela mergulhará nas ondas do mar, ou nas
chamas dos incêndios para salvar os seus irmãos aflitos, certa de
que, nem o oceano, nem o fogo tocarão um só dos seus cabelos; ela
derramará o seu sangue até a última gota por amor de Jesus, em
holocausto à sua doutrina e ao amor apaixonado, fervido e ardente
que lhe consagra; esgotará todas as energias do seu coração e
todas as suas forças e recursos materiais para acender a luz da fé
e da esperança cristã nas almas entenebrecidas e desoladas e
ministrar o pão substancial ao faminto, bem como o vestido protetor
ao órfão, à viúva, ao velho, ao mendigo roto e abandonado; dará
aos corruptos filhos do mundo os exemplos mais edificantes da candura
e da humildade, da resignação e da conformidade com a vontade de
Deus em meio de todas as contrariedades, afrontas, vilipêndios e
sofrimentos físicos e morais do seu corpo e da sua alma; sentirá
inefável delícia em ser desprezada, abandonada, perseguida,
vilipendiada.
E
assim, piedosas Filhas de Maria, ficais conhecendo agora que são
cinco os graus da ascese,
ou do caminho da perfeição espiritual, dividindo-se em cinco
classes as almas cristãs que o seguem, a saber: primeira – as
almas crentes –
segunda – as almas boas
– terceira – as almas
piedosas – quarta –
as almas fervorosas
– quinta – as almas
perfeitas. E assim,
também, ficais sabendo que a oração, ou a
ligação da alma com Deus
é ou simples, ou humilde, ou confiada, ou fervorosa, ou extática,
segundo corresponde a cada um dos cinco graus da ascese.
As
almas que pertencem ao primeiro grau, chamam-se as
almas crentes e são
elas os bons cristãos que, procurando evitar o pecado mortal, nenhum
desejo, porém, alimentam de adiantarem-se no caminho da perfeição.
As
que pertencem ao segundo grau são as almas boas, porém, débeis,
tíbias, fracas, apenas com intermitências de desejos de progredirem
no caminho da perfeição, ainda que procuram evitar já também as
faltas veniais. São muitas as almas, escreve o profundo teólogo
Suarez, que passam toda a sua vida neste estado de alma. Elas estão
ainda muito longe da perfeição e, se não houver nelas
muita vigilância e atenção para as coisas celestiais correm,
ainda, estas almas o perigo de caírem no hábito puramente material
de receberem os Sacramentos e fazerem oração, esquecendo
inteiramente a prática das boas obras, principalmente da caridade,
da justiça, da bondade e da mansidão, tornando-se fanáticas,
supersticiosas, hipócritas, vaidosas e orgulhosas da sua própria
piedade, bisbilhoteiras da Igreja, das Sacristias, dos Presbitérios,
dos Adros, dos grupos congêneres em que se reúnem, atribuindo-se só
a si próprias a virtude e a amizade de Deus, julgando ver só
réprobos, condenados às penas do Inferno em todos e todas as que
não vão na corrente das suas ideias, sentimentos e práticas
religiosas!
São
estas as pseudo-devotas de que falam os Místicos e que os pecadores,
os filhos do século, os escravos das paixões humanas, vilipendiam
com o epíteto antinômico e irônico de beatas,
termo para eles sinônimo de impostoras,
pois nestas pessoas não veem o exemplo, ou o espelho da prática das
virtudes cristãs. Estas almas correm maior perigo de condenação,
ainda, do que as almas
crentes, diz o piedoso
teólogo, que pertencem ao primeiro grau da ascese.
Muito melhor lhes seria não passarem dele. É uma experiência
desoladora que nos mostra serem estas almas que se encontram no
segundo grau da ascese
e nada progridem no caminho da perfeição, estagnando numa devoção
artificial e sem fruto para a salvação, em grande número entre as
almas boas.
As
almas piedosas
que são as que pertencem já ao terceiro grau de ascese,
tem já uma vontade firme de adiantarem-se cada vez mais na
perfeição. E, em verdade, elas se esforçam nesse propósito, lendo
livros de Mística como leitura quotidiana de meditação, como sejam
a Imitação de Cristo, a
Introdução à Vida
Devota, do Santo Bispo
Francisco de Sales, o Tratado
da Perfeição espiritual, de
São Vicente Ferrer, a Perfeição
Cristã, de Santo Afonso
Rodrigues e outras substanciosas obras de virtuosos Autores Místicos.
Estas almas presas já por um grande afeto a estas leituras e que se
esforçam em progredir no caminho da perfeição, tanto pela prática
das devoções pias, como pela das obras de zelo, caridade e amor do
próximo, encontram-se já na vida iluminativa, isto é, no terceiro
grau de ascese.
A
ascensão aos dois graus superiores da ascese
é obra do trabalho persistente e perseverante de muitos anos de
exercício e prática das obras pias e das obras de zelo e de luta
contra as mil tentações do Maligno, através da fase, na marcha da
vida espiritual, que os Místicos chamam de secura
e Santa Teresa a primeira
noite da alma, como já
notamos. É, então, que chega o fervor, mas como sentimento de uma
natureza diversa do primeiro experimentado nos graus inferiores, pois
é muito mais suave, íntimo e espiritual. Todos os Santos passaram
por estas fases da vida ascética.
Não
penseis, pois, piedosas Filhas de Maria, que não vos contentais em
permanecer no segundo grau de ascese,
embora vigilantes para não cairdes no fanatismo, na superstição e
na hipocrisia de que atrás falei, mas que desejais progredir no
caminho da perfeição espiritual, não penseis que ela se pode
atingir de um salto, nem mesmo que, depois de atingido o terceiro, ou
o quarto grau, vivereis embaladas sempre numa
atmosfera sutil, diáfana e pura de luz, de sonho místico, de
suavidade e doçura. O caminho do Céu não é semelhante ao caminho
que leva a uma romaria, para a qual o romeiro leva um cavaquinho, ou
uma viola, para alegrar e animar os outros e uma cabacinha de vinho
para se alegrar a si mesmo, de forma que sai e entra outra vez em sua
casa sempre alegre e contente, tocando e cantando. O
caminho do Céu é o caminho da Cruz;
quem o segue tem que levar a sua cruz, como Jesus levou a sua até ao
alto do monte, onde O crucificaram nela.
Não
é quando estás contente e o mundo te sorri venturas e felicidades
que deves pensar no caminho do Céu; antes, pelo contrário,
desconfia muito de estares fora dele, quando tudo te vai correndo a
teu gosto: teme muito quando não tiveres sofrimento a afligir-te.
O
verdadeiro sinal do verdadeiro amor de Deus está em que uma alma que
sinceramente O ama, possa dizer a toda a hora: Hoje mesmo que Nosso
Senhor me chamasse a contas, eu aceitaria a morte com alegria,
confiando inteiramente a minha alma à sua Divina bondade e
misericórdia. Esta alma é obediente já à voz de Jesus, que disse
e ensinou: “Se alguém deixar pai, mãe, parentes, amigos, todos os
bens, honras e glórias deste mundo por amor d'Ele, este sim, é um
verdadeiro discípulo e terá uma larga recompensa no Céu”.
Ela entrou já, vencedora do
mundo e dos seus laços, no caminho real da perfeição.
*
* *
Notai
bem, piedosas Filhas de Maria, que para se ser santo, ou santa,
segundo o modo de falar humano, pois no Céu todos são espíritos do
Senhor, sem diferença de sexo, como ensinou o Divino Mestre,
é preciso aproveitar todas as primeiras graças que Nosso Senhor nos
dá, não desprezando nunca nenhuma das que nos veem pelo exercício
da paciência, da humildade e da oração: a Nosso Senhor pertence
depois aumentar essas e novas graças, ou dons celestes. Não penseis
que se pode ficar santa de um dia para o outro, de hoje por exemplo,
em que sentistes muito fervor no amor de Nosso Senhor, até amanhã
já, ou até daqui a três dias, ou ao fim de um mês. De hoje até
amanhã podem ser dois anos e até quarta-feira, três anos e até
sábado, ou até ao fim do mês, podes contar que sejam, cinco, ou
seis, ou até dez anos e mesmo vinte.
Esse
tempo leva muitas vezes a construir uma obra de arte, dessas com que
se honra o engenho dos homens; quanto mais tempo não levará a
construir essa obra de arte
espiritual a que podemos chamar uma pessoa santa, que é o esplendor
do Céu e da terra?
Quantos
anos não passaram na penitência os grandes Santos? Uma pessoa que
quisesse assim ser santa tão apressadamente era como se fosse um
estudante que quisesse aprender a filosofia, sem primeiro aprender a
gramática, cujo conhecimento é imprescindível para se aprender a
filosofia? Custa muito aprender a gramática? Pois, não há outro
remédio para se aprender a filosofia senão aprender primeiro a
gramática. Assim são as almas que entram na vida devota: elas devem
primeiro aprender a cumprir os seus deveres cristãos, cujo
conhecimento é a gramática que primeiro devem aprender; só depois,
sofrendo com paciência e humildade as tribulações e provas que
Nosso Senhor lhes mandar, é que alcançarão graças maiores.
Bem
sei que de princípio custa muito a aprender a gramática dos nossos
deveres cristãos: sofrer com resignação e paciência inalteráveis
as afrontas e vilipêndios, resistir sem desfalecimentos às
tentações mais fragueiras e impetuosas, fugir heroicamente de todas
as ocasiões de pecado, de ir a um certo lugar, a uma certa reunião
de amigas que nos solicitam
vivamente a nossa assistência, a uma Missa, ou Sermão, porque nosso
pai, ou nossa mãe nesse dia nô-lo proíbem e ainda outros atos da
mortificação da nossa vontade, ou dos nossos sentidos. Mas, não há
outro remédio; parece que até estes sacrifícios nos rasgam no
coração uma chaguinha que nos dói tanto, tanto, que, com a
violência da dor, lhe pomos em cima umas papinhas a ver se passa um
pouco, e ainda que passa, custa muito a sarar esta ferida de alma,
esta chaga do coração que parece estar sempre doendo e purgando.
Mas
não há outro remédio, como vinha dizendo, para se aprender a
gramática da vida da perfeição, senão aprender, até se ser
mestra, o exercício e a prática perfeita das santas virtudes da
paciência, da humildade e da obediência.
Aprendei,
piedosas Filhas de Maria, aprendei a sofrer com a vossa celestial
Padroeira, a Virgem Maria, pois foi pelo sofrimento e pela saudade
que tão resignadamente Ela sofreu de Nosso Senhor, durante vinte e
três anos depois da sua morte, que Ela passou na humildade, na
oração e no recolhimento, não falando com ninguém, a não ser com
São João, vivendo só da saudade de ir unir-se a seu bendito Filho,
que Ela se tornou a Mestra exímia, o espelho cristalino do exemplo e
da prática das sublimes virtudes do recolhimento, da humildade e da
resignação cristã.
Imitai
Nossa Senhora na prática dessas sublimes virtudes; a santidade
perfeita só se obtém pela caridade ardente e pelo espírito de
abnegação e sacrifício, aliados ao culto da justiça, da humildade
e do zelo prudente e inflamado pela instrução e salvação dos
nossos irmãos.
* * *
Desejo,
também, falar-vos num assunto muito importante que diz respeito à
maior, ou menor facilidade com que podereis caminhar na vida da
piedade, para chegardes à perfeição.
Refiro-me
ao ponto da Emenda dos
Defeitos.
Não
deveis afligir-vos porque não podeis corrigi-los tão
depressa como desejais,
porque essa emenda leva sempre muito tempo a fazer-se, meses, anos e
até muitos anos. O que é necessário, é terdes sempre muita
paciência, muito boa vontade de emendá-los e muita confiança em
Deus de que vos haveis de emendar deles.
Aumentar,
ou agravar na Confissão os nossos próprios defeitos e faltas morais
é um grande mal e defeito
que deveis inteiramente corrigir, pois, as pessoas que assim fazem
dão prova de que não têm verdadeiro amor a Nosso Senhor, e, de que
andam fora da graça de Deus, pois, não há outro caminho para
alcançarmos a graça de Deus, senão a verdade.
As
pessoas que se afligem e perturbam por não poderem emendar os seus
defeitos tão depressa quanto desejavam, não têm verdadeira
confiança na bondade, na longanimidade, na misericórdia e no amor
infinito de Nosso Senhor para com todas as suas criaturas. Elas
parecem ter mais temor de Nosso Senhor, do que amor. Ora, quem tem
medo não tem amor. Se temos confiança com uma pessoa, é porque lhe
temos amor; pois, acontece o mesmo com Nosso Senhor. E, isto mesmo,
já nos ensinou S. João,
quando disse: “Aquele
que não ama, não conhece a Deus, porque Deus é a caridade”.
Aquelas
almas, porém, que tem verdadeira confiança em Nosso Senhor, também
lhe tem verdadeiro amor e gozam, então, de uma paz inalterável,
doce e tranquila na sua alma. Elas não temem os escrúpulos;
confessando-se só nos tempos marcados, vão com muita facilidade
corrigindo pouco a pouco os seus defeitos e imperfeições. E assim
fazem porque possuem já a verdadeira humildade cristã, o verdadeiro
espírito da oração e da paciência; elas crescerão sempre em
virtude; aumentará a graça de Deus sempre em suas almas; chegarão,
finalmente, a alcançar a graça da vida contemplativa ordinária e
simples em meio dos seus múltiplos afazeres e assim gozarão sempre
de um verdadeiro sossego e tranquilidade da alma, sentindo-se sempre
na presença de Deus, pois, O colocaram acima de todos os afetos e
sentimentos sensíveis do seu coração. Assim acontecia com aquele
camponês, que todos os dias vinha orar em horas certas diante do
Santíssimo Sacramento. Perguntou-lhe o Santo Cura d'Ars o que fazia
assim, sem nada dizer, tanto tempo, diante do Sacrário, e ele lhe
respondeu: Eu estou aqui: “Ele
olha para mim e eu olho para Ele!”
Esta
ingênua e simples alma do campo, tinha alcançado já, pela sua
ilimitada confiança em Deus, o quarto grau de ascese,
– dom da oração
contemplativa. Como vedes, piedosas Filhas de Maria, não é
necessária a vida da clausura para se obter a perfeição
espiritual, como acontecia com esse humilde camponês. Antes, com
maior mérito o podeis alcançar em meio do mundo, pois, como o
soldado no campo de batalha cercado de perigos, vós a atingis. E
para alcançardes tão assinalada vitória, nada mais vos é preciso
do que ter inteira confiança em Deus.
* * *
Com
relação a vossa
Comunhão diária, quero dizer-vos e ensinar-vos, que nunca a deveis
omitir, desde que a vossa consciência não vos acuse de pecado
mortal. O Santo Padre Pio X, manda e recomenda muito expressamente,
proibindo que se discuta ou contradiga esta sua determinação, que
todos os cristãos, desde que não estejam em pecado mortal,
comunguem diariamente, mesmo sem confessar-se, embora tenham a
consciência de terem cometido pecados veniais.
As
pessoas muito escrupulosas, logo correm a confessar as faltas
leves, como sejam uma
impaciência, uma palavra inconveniente, e outras comuns e sempre
inevitáveis da fraqueza humana.
Pois, é este um defeito que é preciso corrigir por causa dos
escrúpulos e dúvidas em que elas vem a cair, confessando-se
imediatamente por qualquer motivo leve.
Dessas
imperfeições nem os Santos estavam livres;
o remédio é pedirmos logo a Deus perdão delas de joelhos, no nosso
próprio quarto mesmo, ou então, à própria pessoa a quem
ofendemos, sendo este ato de humildade muito mais agradável a Nosso
Senhor. Este ato de humildade é a verdadeira pedra de toque da nossa
perfeição espiritual, como também o é reconhecermos sempre a
nossa miséria diante de Nosso Senhor.
Ainda
com relação à Santa Comunhão quero dizer-vos que, por mais fria e
desolada que se encontre uma alma, mesmo que lhe pareça estar
inteiramente abandonada de Deus, ainda assim deve ir sempre
ajoelhar-se à Sagrada Mesa, pois, Nosso Senhor a não instituiu como
prêmio a dar aos Santos, mas sim como remédio e alívio para as
nossas misérias. Mas esta doutrina se entende, apenas, como
verdadeira só quando a consciência não nos acuse claramente de
havermos cometido culpa grave e que ela se refere também, apenas às
almas sinceras, de boa vontade e reta intenção e não a essas
criaturas frívolas, bisbilhoteiras e desobedientes, que, para maior
condenação sua, fingem andar na vida devota.
A
emenda dos nossos defeitos mais predominantes e habituais é, ainda,
trabalho aspérrimo de muitos anos, pois que, quando mesmo se atingiu
já o quarto grau da ascese, ainda são grandes as tentações
que assaltam a alma, correndo ela mesmo o risco de perder todos os
louros conquistados.
Distingamos,
porém, nitidamente, defeito de pecado. Defeitos, são
imperfeições, filhas da mísera condição da fragilidade, da
fraqueza humana. Pecados, são os frutos do orgulho, da
soberba, da ambição, da cupidez, da malícia da alma. Ora, os
defeitos, ou imperfeições, se corrigem sempre que há boa
vontade e temor de Deus e viça (aumenta) na alma a flor perfumada do
amor e desejo da perfeição. Se os pecados, geralmente, só se
corrigem pelo temor do castigo que eles atraem, a sua emenda e
correção exige uma boa vontade perseverante de os eliminar da nossa
vida moral. Caímos um, dois, três anos nele? Não importa: haja
sempre boa vontade de os corrigir, de os extirpar como raízes,
daninhas do jardim da nossa alma, e um dia virá, em que eles
desaparecerão.
E
assim é oportuno dizer, ainda, que se já é verdadeiramente piedosa
a alma que tem um regulamento certo de vida espiritual, como seja a
Confissão em dias certos e a Comunhão diária, a Visita ao
Santíssimo e o Exame Geral de Consciência, também diário e em
horas certas, particularmente todas as noites, a meditação e
leitura espiritual, todavia, é preciso que todos estes atos de
devoção sejam feitos unicamente com o fim de ganhar a estima e a
amizade de Nosso Senhor, para que se possa dizer que esta pessoa,
esta alma, é já uma alma piedosa, que ela está já no terceiro
grau da ascese, aonde ainda não chegaram as almas crentes e
as almas boas, que formam o primeiro e o segundo grau do caminho da
perfeição.
Se
é para agradar ao mundo, que uma pessoa piedosa pratica os atos de
devoção que distinguem dos graus inferiores as pessoas que já
atingiram o terceiro grau da ascese, então, melhor seria a
essa pessoa deixar-se ficar em casa trabalhando, do que andar a
juntar lenha, para no meio dela, arder no Fogo do Purgatório.
Notai,
também, que no terceiro grau da ascese, são sempre certas
muitas tentações, dúvidas e desânimos, faltas de contrição nas
confissões, distrações na oração, e mesmo até muitas quedas na
humildade, na obediência e na mortificação dos sentidos. Não vos
aflijais, porém. Dizem os Santos, que Nosso Senhor permite ainda
neste estado que o Diabo assalte as almas com muitas dores, aflições
e tentações horríveis.
O
remédio é nunca desanimar, nem desesperar, esperando que passe a
tempestade, certos sempre de que Nosso Senhor vela por nós e nos
quer experimentar. Nunca se deve perder a calma.
Quando
Nosso Senhor disse a São Pedro, que perdoasse até setenta vezes
sete vezes, quis ensinar-nos esta doutrina das quedas, dos
desfalecimentos, dos naufrágios contínuos da nossa alma.
Nosso
Senhor permite todas essas tribulações a fim de nos fazer perder o
amor-próprio, pois, é ele o pior defeito, a raiz mais funda que,
ainda até a morte, conserva vida latente, nas almas mais puras.
Enfim,
piedosas Filhas de Maria, sejam as três virtudes teologais, a Fé, a
Esperança e a Caridade, as três gemas do mais cintilante brilho,
que fuljam engastadas na vossa coroa de servas de Maria Imaculada.
É
a Fé uma virtude sobrenatural e infusa,
como ensinam os Teólogos, pela qual rendemos o nosso espírito,
obediente e humilde, às verdades que Deus nos revelou. Ela funda-se
na autoridade Divina que não se engana, nem pode enganar-nos.
Ela
é viva, quando unida à Caridade, isto é, ao amor de Deus
acima de todas as criaturas, e morta, quando a alma está
separada de Deus pelo pecado mortal. Ela é a primeira das virtudes
teologais. Quando as Santíssimas Escrituras nos ensinam as verdades
necessárias para a nossa salvação, é o próprio Deus que nos
ensina por intermédio dos seus Enviados. Se errarmos, digamos, como
o profundo teólogo escolástico, Ricardo de São Vitor:
Domine, si error est quod credimus, a te decepti sumus: Senhor,
se estamos em erro, fostes Vós que nos enganastes.
Sem
fé é impossível agradar a Deus, nos ensina São Paulo.
E em outro ponto, diz ainda: O justo, porém, vive da fé.
O que não crê, já está condenado ensina, ainda, São João.
A
fé, ensina, finalmente, São João Crisóstomo, é a origem da
justiça, a cabeça da santidade, o princípio da devoção e o
fundamento da religião: origo justitiae, sanctitatis caput,
devotionis principium, religionis fundamentum.
A
Esperança é, igualmente, uma virtude infusa, isto é,
vem diretamente de Deus. É São Paulo, ainda, quem no-lo
ensina quando escreve aos Romanos: “O Deus, pois, de esperança vos
encha de todo o gozo e de paz na vossa crença, para que abundeis na
esperança e na virtude do Espírito Santo”.
O Santo Apóstolo chama-lhe, ainda, uma âncora segura e firme da
alma.
É,
fortalecidas por esta virtude sobrenatural, que vós deveis caminhar
resolutamente na estrada real da perfeição, absolutamente certas de
que caminhais para alcançar segurissimamente o vosso fim último: a
posse da bem-aventurança eterna.
Nas
horas passageiras dos vossos desalentos repeti, como São Paulo:
“Porque na esperança é que temos sido feitos servos”.
A
Caridade é, também,
uma virtude sobrenatural e infusa, que leva a alma ao amor de Deus.
São Paulo nos ensina que esta virtude é maior ainda, do que as
outras duas, a Fé
e a Esperança.
Ela
é o vínculo de toda a perfeição, diz ainda o
Santo Apóstolo de Jesus.
Vós amareis já a Deus intensivamente, quanto a nossa miséria
humana O pode amar, quando puderdes dizer verdadeiramente, como o
mesmo Santo Apóstolo: “Quem nos separará, pois, do amor de
Cristo? Será a tribulação? Ou a angústia? Ou a fome? Ou a nudez?
Ou o perigo? Ou a perseguição? Ou a espada?”
A
Caridade para com o vosso
próximo praticai-a
sempre em nome e por amor de Deus, para que seja meritória. Foi
Nosso Senhor que assim nos ensinou, quando disse: “Aquele que der
um copo de água em Meu nome, terá a sua recompensa”.
Por
amor de Deus perdoai sempre todas as afrontas e ofensas que
receberdes dos vossos semelhantes, quando eles, delas vos pedirem
perdão. Assim fez o Apóstolo São Tiago ao seu delator, que o
acusara ao rei de Jerusalém de ser cristão. Caminhava
já para a morte este Santo Apóstolo de Jesus, cheio de coragem e
esperança nas divinas recompensas. Então um homem lhe sai ao
encontro, prostra-se a seus pés, e, banhado em lágrimas, lhe pede
perdão de o ter denunciado. O
Apóstolo de Jesus, levanta-o carinhosamente, abraça-o e lhe diz:
“Sim, eu te perdoo; o teu
arrependimento apaga
a tua culpa. Eu te abençoo! Queira também, Aquele com quem me vou
juntar breve no Céu, esclarecer com a Sua luz a tua alma”.
João
Gualberto, nobre florentino, que
resplandece em nossos altares, vê um dia na sua frente, inteiramente
descarnado, o assassino de seu irmão Hugo. Cheio de furor, pronto já
a vingar o sangue de seu irmão que fora derramado pela espada desse
seu inimigo, este estende para ele os braços em cruz e lhe suplica
que lhe poupe a vida e lhe perdoe, em memória da Santa Cruz onde
morrera o Divino Salvador. Então, Gualberto, ferido pela graça do
Céu, não só lhe perdoa, mas com ele vai a uma igreja próxima
ratificar esse perdão
generoso e a nova aliança de paz que fazia dali em diante com aquele
seu inimigo. Pois foi este perdão compassivo e cristão que arrancou
Gualberto das cadeias do mundo e o fez ingressar no caminho da
perfeição cristã, cuja meta atingiu.
Ainda
desejo lembrar-vos, piedosas Filhas de Maria, que não são as
penitências corporais os meios mais eficazes para alcançardes a
perfeição. Jesus deseja mais particularmente de vós o exercício,
a prática ativa e perseverante das penitências morais.
Ora,
entre elas, avulta essa
virtude sublime do perdão de todas as ofensas. Se vós só
castigásseis o vosso corpo com penitências físicas e não
praticásseis as virtudes morais no perdão, da bondade, da
indulgência e da misericórdia, que são leis eternas e sagradas por
Deus, postas como diretivas da nossa existência terrestre, vós não
serieis dignas das Suas celestes bênçãos. São Francisco de Assis
à hora da morte, pediu perdão ao seu corpo dos maus tratos que lhe
dera em vida.
Ele
não teria sido um Santo tão admirável se não tivesse também
subido ao mais alto grau de todas as virtudes morais e evangélicas.
* * *
A
ideia fixa, como a estrela polar, que deve dirigir a vossa vontade,
há de ser, devotas Filhas de Maria, só fazerdes sempre e em tudo a
vontade de Deus. “Todos quantos quiserem fazer na vida só a
vontade de Deus, devem caminhar na terra, indiferentes tanto às
honras, como aos desprezos do mundo”, disse um dia Nosso Senhor à
Venerável Anna de S. Barthelemy.
E
à Soror Francisca da Mãe de Deus, disse também Jesus um dia, no
momento em que o Sacerdote descia a Sagrada Custódia do Trono para a
recolher ao Tabernáculo santo: “Vede, Eu me deixo erguer e baixar
como querem”.
Por
estas palavras Jesus aludia e respondia à repugnância que ela tinha
em aceitar o cargo de Mestra das Noviças que lhe impunha a sua
Superiora. Jesus lhe ensinou, ainda, de outra vez, que os três
fundamentos da Sua morada nas almas eram: uma inclinação reta e
pura do coração para Ela; o desprendimento completo de todas as
coisas materiais; e o desprezo de si mesmo.
A
Santa Catarina de Sena, disse também um dia Jesus sobre o juízo dos
justos e o dos pecadores: “Tanto uns, como outros, não tem depois
da morte outros juízes senão a si mesmos; o juiz de cada um é a
sua própria consciência. Os maus morrem no ódio, os justos no
amor, os arrependidos na confiança da misericórdia Divina.
Após
a morte, cada um segue instintivamente o seu destino, que eles
pressentem já antes mesmo de haverem abandonado inteiramente o
corpo. Aos bons, guia-os a luz do amor, da fé e da esperança no
Sangue do Calvário; os arrependidos, confiados na misericórdia
Divina, seguem para o Purgatório; os condenados são seguidos pelo
ódio e pelo desespero. Muitos pecadores há, que na hora da morte
obtém tal contrição, que até o Purgatório mesmo lhes é
perdoado”.
À
esta mesma Santa revelou um dia Nosso Senhor os terríveis suplícios,
porque passam no Inferno as desgraçadas almas que lá caem. “Minha
filha, lhe disse Jesus, a língua não pode jamais exprimir o que aí
sofrem as desgraçadas almas. Aí vão e levam, o orgulho, o ódio, o
amor-próprio, a cupidez, a voluptuosidade, a ambição, a injustiça,
as crueldades e as devassidões.
São
quatro os seus suplícios: primeiro, privação da visão
de Deus; segundo, o verme do remorso; terceiro,
a visão do Demônio; quarto, o fogo que arde e não
consome e que arde eternamente. O Demônio aí é visto em toda a
sua realidade e a sua figura é tão espantosa e medonha, que jamais
pode ser concebida pela imaginação humana.
À
estes suplícios, se juntam ainda: o frio, o calor, e o ranger dos
dentes. Todos estes sofrimentos esperam os pecadores que, não se
convertem à hora da morte. O ódio dos condenados é tão forte, que
eles não desejam bem algum, mas blasfemam sem cessar o Santo Nome de
Deus. E porque? Porque o livre arbítrio dura até a morte. Passou já
para eles o tempo de merecer”.
E
à Santa Maria Madalena de Pazzi, disse também Jesus: “Reina entre
os condenados, um ódio eterno. Quanto mais aumenta o seu número,
mais os seus sofrimentos aumentam, pois que os novos que chegam
aumentam a raiva que os anima uns contra os outros.
Estando
um dia Santa Matilde em oração, viu o Inferno aberto sob os seus
pés, e viu que aí reinava uma miséria e horror infinitos;
semelhantes a serpentes e escorpiões, a cães, a leões e bestas
ferozes, aí se despedaçavam, os que lá estavam, uns aos outros.
“Estes
são, lhe disse Jesus, os que não se lembraram de Mim, nem uma hora
sequer na sua vida”.
Santa
Verônica Juliana, em 14 de Fevereiro de 1694, viu também, o Inferno
aberto. Ela via que muitas almas aí caíam e que elas eram tão
feias e negras, como medonhas. Precipitavam-se umas após outra e
desapareciam no meio das chamas.
Do
meio do fogo que as engolia, elevavam-se cutelos, navalhas e diversos
instrumentos de suplício, que caíam sobre todos esses desgraçados.
Entre essas almas, ela vê muitas de Religiosas, culpadas de violação
das suas Regras. Ela só vê aí trevas e ouve blasfêmias e gritos;
um horrível cheiro a estonteia. O fumo e o fogo é negro e espesso.
Vê, ainda, muitos Demônios envoltos em fogo, ferindo os condenados.
O Salvador lhe aparece então flagelado, coroado de espinhos,
conduzindo a Cruz e lhe diz: “Olha para esse horror, que não terá
jamais fim. Aí se exerce a Minha justiça e a Minha terrível
cólera”.
De
outra vez, ela sentiu-se como que colocada sobre uma fornalha ardente
e sofre penas atrozes, como de lanças que a penetravam, ferros em
brasa, chumbo derretido sobre todo o seu corpo. Ela vê o Inferno tão
vasto, como toda a máquina do mundo; ela vê, ainda, uma mó imensa
de pedra, que sobe e desce continuamente esmagando os condenados. Ela
sente todos os seus ossos despedaçados como que por rodas de
navalhas; sente-se picada por alfinetes e agulhas, queimada por
ferros em brasa, despedaçada por instrumentos cortantes.
Todos
esses sofrimentos, atormentavam os condenados.
Em
27 de Janeiro de 1716, Maria aparece-lhe e, chamando dois Anjos que
lhe serviam de guarda, lhes manda que a conduzam em espírito ao
Inferno. A Mãe de Jesus abençoou-a e lhe diz: “Nada temas, minha
filha, Eu serei contigo e te ajudarei”.
Ela,
então, de repente encontra-se num lugar escuro, profundo e
nauseante; aí ela ouve bramidos de touros e rugidos de leões,
assobios de serpentes, muitas vozes confusas e espantosas e rugidos
de trovões que a enchem de pavor. Ela aí vê relâmpagos e um fumo
muito espesso. Ela vê uma grande montanha cheia de serpentes,
víboras e basiliscos, entrelaçados uns nos outros e em número
incalculável. Ela ouve vozes de maldição que saem de debaixo deste
montão de répteis repugnantes; ela pergunta aos seus Anjos da
Guarda de quem eram aquelas vozes. Responderam-lhe que eram das almas
que ali se acham em tormentos. A montanha, então, abre-se e ela vê
dentro tudo cheio de almas de Demônios. Eles estavam todos amarrados
uns aos outros, formando uma massa só; estavam ligadas as almas aos
Demônios, por cadeias de ferro e fogo; cada uma das almas tinha
muitos Demônios em volta de si.
Depois
ela foi transportada a uma outra montanha coberta de touros e cavalos
furiosos, que se mordiam como cães danados. Saía-lhes o fogo dos
olhos, do nariz e da boca; os seus dentes eram como lanças agudas e
espadas cortantes, reduzindo num instante a migalhas todo quanto
mordiam.
E
ela compreendeu, então, que eles mordiam, devoravam almas.
Ela
vê ainda, outras montanhas onde há tormentos ainda mais cruéis,
mas que ela diz ser impossível descrever. Ao centro desta morada
infernal, ela vê, um trono muito alto; é este o assento do Demônio,
príncipe e chefe dos Demônios. Aí está Lúcifer, horrível e
espantoso, ultrapassando em horror todos os outros Demônios. Ele
parece ter cem cabeças, cheias todas de lanças, em cuja extremidade
brilha como que um olho, que lança setas inflamadas, que fazem arder
todo o Inferno.
Todos
os Demônios e todos os condenados, ainda que em número
incalculável, veem esta cabeça medonha e recebem tormentos sobre
tormentos, deste medonho Lúcifer.
Então,
os Anjos lhe explicam que, assim como no Céu, a vista de Deus torna
felizes todos os eleitos, também esta medonha figura de Lúcifer, o
monstro infernal, é um tormento contínuo para todos os condenados.
O seu maior sofrimento é terem perdido Deus. Esta pena atormenta
Lúcifer e todos os réprobos. E se ele blasfema, todos blasfemam; se
ele maldiz, todos maldizem.
Ela
vê ainda, a alma de Judas debaixo dos pés de Satanás; vê, também
aí, por indicação dos Anjos, as almas de muitas Religiosas.
O
trono abre-se, e ela vê no meio dos Demônios, grande número de
almas de Prelados, de Dignitários da Igreja, de Superiores de Ordens
Religiosas e de Conventos! Ela pensa que teria morrido de dor e de
pavor se não fosse a proteção dos Anjos e de Maria. Tudo que ela
diz é nada, conclui, como tudo que ela tem ouvido aos pregadores é
nada, em face do que viu!
Não
toquei neste assunto, piedosas Filhas de Maria, para perturbar a
vossa alma, mas sim, para despertar nela um sentimento mais vivo
ainda do amor a Deus. Deus é amor, e, só por amor quer ser servido,
honrado e amado. Mesmo tais visões terríveis não são dogmas de
fé. Apenas como verdade revelada é a existência do Inferno, onde,
como ensinou Nosso Senhor, há prantos, choros e ranger de dentes.
Ainda,
também, estas expressões de Jesus se podem tomar, como ensinam
eminentes Teólogos, num sentido figurado. S Tomás de Aquino
estudando a questão da natureza do fogo do Inferno, diz que Santo
Ambrósio e outros Padres antigos creram ser ele espiritual,
outros real, outros eterno e outros, ainda, não
eterno.
Também, resolvendo a questão evangélica tão debatida sobre a
Comunhão de Judas, na saudosa tarde do Cenáculo, o mesmo excelso
Doutor diz que, Santo Epifânio e outros Padres afirmam que ele
comungou e outros que não. Santo Tomás, porém, ensina que sim,
pois Jesus não quis que se descobrisse o segredo da sua traição,
pois estava ainda oculta e sem testemunha, para assim dar exemplo aos
Prelados, para que nunca condenassem o súdito sem que o delito fosse
testemunhado.
Sim,
não foi para perturbar a vossa alma que eu abordei esta doutrina das
penas e castigos do Inferno, valendo-me, para melhor vos
impressionar, do relato feito por alguns Santos extáticos.
Também
ensinam ilustres Místicos, que se estas visões, ou êxtases, são
fenômenos raros, graças especiais só concedidas a raras pessoas,
que chegaram a alcançar a posse perfeita da oração contemplativa
sensível, também muitas vezes são alucinações místicas, ou
trevas, ou ainda, como querem os Cientistas, fenômenos patológicos
do amor místico, resultantes, ou do temperamento, ou de uma especial
organização da vidente, modificados segundo as circunstâncias
ambientes.
Também
são por vezes pias fraudes, introduzidas nos livros místicos,
principalmente, nas Vidas dos Santos extáticos, como o confronto das
suas várias edições tem revelado. Eis porque a Mestra infalível
da verdade, a Santa Igreja, não condenando tais visões e êxtases,
também não os impõe à nossa fé, como verdades reveladas.
A
meditação, porém, do Inferno exerce sempre uma santa e boa
influência para a salvação de uma alma e principalmente para a
santificação de uma piedosa Filha de Maria, que deve lembrar-se
sempre de que, como disse Jesus, a quem muito foi dado, muito será
pedido.
Não
há dúvida de que, como escreve o piedoso místico Padre Faber,
a meditação daquele lugar de horrores não deixa de exercer uma boa
influência na salvação de uma multidão de almas, por causa do
santo e salutar pavor que nelas excita. Quem dera, que não existisse
um recanto só no universo, que não estivesse cheio todo da glória
de Deus! Ah! Mas existe um lugar de onde a glória do Senhor parece
não ter nada já a esperar, um sitio de onde não saem nem orações,
nem bênçãos, nem louvores, nem ações de graças, nem aspirações,
nem desejos. É a morada daqueles cujo processo está concluso e que
perderam a sua causa, perdendo a Deus.
Para
eles a graça não produziu frutos, ou se os produziu, apodreceram na
árvore; os Sacramentos ficaram sem efeito; a Cruz foi por eles
ultrajada; os desígnios de um Deus ardente de amor encontraram neles
resistência pertinaz e foram levados de vencida.
Quem
duvidará que no Céu estão agora milhares de almas, que lá não
teriam entrado, se não houvesse Inferno! Ah! Assim como da
superfície estéril do oceano, que não produz pão nem vinho, se
elevam vapores que vão formar as nuvens e que, em seguida, caem em
chuva fecundante sobre montes e vales, assim do seio daqueles abismos
de fogo e maldição, eleva-se a misericórdia Divina, como nuvem
benéfica, para derramar ondas de graças sobre as almas viventes.
Sim,
é bom, é salutar pensar no Inferno e no milagre da bondade Divina,
que faz com que lá não estejamos a estas horas. Fez um dia Nosso
Senhor ver à Irmã Francisca do Santíssimo Sacramento, Carmelita
espanhola, o estado de uma alma condenada, e, tendo-a obrigado por
diferentes vezes em uma visão, a estudar os diversos suplícios
daquele lugar de dor, repreendeu-a por ela chorar, dizendo-lhe:
“Francisca, porque choras?” Prostrando-se ela a seus pés,
respondeu: “Senhor, choro a condenação desta alma e a maneira
como foi condenada”. Jesus dignou-se responder-lhe: “Minha filha,
esta alma está condenada, porque ela assim o quis: ofereci-lhe os
múltiplos recursos da graça, para que se salvasse, mas repeliu-os.
A tua compaixão é agradável aos meus olhos, mas preferiria que
adorasses a minha justiça”. E, em outra ocasião, como ela fosse
obrigada a ter a vista fixa nos suplícios do Inferno, os Anjos
disseram-lhe: “Francisca, trabalha para meter em teu coração o
santo temor de Deus”.
Eis,
piedosas Filhas de Maria, o segredo da nossa salvação e
santificação: guardar sempre em nossos corações o santo temor da
justiça de Deus, aliado a uma doce esperança na sua bondade e
misericórdia infinitas.
Quem
tiver caído nos abismos da culpa ainda pode levantar-se a tempo.
Cada novo dia que chega, nos oferece a oportunidade da salvação.
Hoje, nos diz o Santo Profeta Davi, se ouvirdes a palavra
de Deus, se ouvirdes a sua voz, não queiras endurecer os vossos
corações.
Cada
dia que vem, é um refrigerante começo; cada manhã, o mundo nos
aparece como que criado de novo. Ó tu, que gemes sob o peso das tuas
tristezas e das tuas culpas, aí tens uma esperança para ti; para ti
e para mim. Passadas estão todas, as passadas coisas, as labutas
angustiosas e as lágrimas vertidas. Deixa que o dia de ontem se
cubra com os erros de ontem; as feridas de ontem, bem como a sua dor
candente e hemorragia, secaram já com a medicina que verteram.
Deixemo-las, já que não as podemos mais expiar, nem desfazer. Só é
nosso agora, o novo dia. Aí estão os Céus brunidos de esplendor,
aí está a morta terra outra vez renascida; os teus cansados membros
participam novamente, com o raiar da manhã, do batismo do rocio e
da frescura da alvorada.
Sim,
repito, cada dia é um refrigerante começo. Escuta, minha alma, os
alegres cantos do Céu e da terra, dos seres e das coisas; põe fora
as antigas tristezas, os velhos pecados, as ideias angustiosas, as
sensíveis penas. Toma alento com o dia que amanhece e começa de
novo a tua tarefa. Começa-a ao alvorecer do novo dia que surge para
ti com todas as suas glórias e riquezas, com todas as suas sublimes
e eternamente determináveis possibilidades e tu chegarás à
realização da mais alta vida que possa conceber-se, pois nada há
que não possa realizar-se como cada um queira e quando queira.
Deste
modo, se chega ao amor e à aliança com o mais alto e elevado amor
do universo, e assim, o mais alto e elevado amor do universo, chega a
estar também em aliança e amor com quem tão altos cumes alcança.
Fecho
agora, piedosas Filhas de Maria, estas considerações breves, mas
verdadeiramente instrutivas sobre os diversos modos, regras e métodos
de oração, com que podereis chegar ao mais alto cume da montanha da
perfeição espiritual, isto é, a serdes santas, dignas da
canonização, a serdes verdadeiras Esposas de Cristo, que é o
Espelho da eterna beleza, a Fonte do amor eterno e a Luz
inextinguível, como lhe chama um Místico.
Acompanhá-Lo-eis um dia, coroadas de grinaldas, de jasmins e rosas,
seguindo todos os seus passos.
Borboletas
divinas no seio da luz imensa, roçareis, vivereis nela, sem nela vos
queimardes; o fogo vos tornará ainda mais belas, ó almas santas,
esposas do mavioso Cordeiro.
“Sim,
exclama um Místico, ó doce Pastor das almas, das ovelhas
desgarradas, quando, à hora do meio-dia te deténs a gozar o
repouso, junto a uma nascente de água viva, elas impacientes de
amor, rodeiam as claras fontes.
O
delicioso perfume que exala a tua boca, ó terno Amante, atrai-as e o
doce amor que palpita em teu seio as impele para Ti, porque aquele
que uma vez Te viu, ama-Te para sempre.
Tu
caminhas rodeado por elas espargindo mil claridades, como o sol no
meio das estrelas, iluminando os altos cumes dos montes eternos.
Ó
meu doce Amigo, eu sinto a tua presença e minha alma nada mais
deseja do que ir para Ti. Vejo o teu rosto, ouço a tua voz mais
suave do que a das cítaras dos Anjos. O meu espírito como que
desperta de um sonho; cumpriu-se o meu voto, vejo-Te, ouço-Te,
toco-Te, e possuo-Te.”
“Ó
abismo do amor insondável, exclama João d’Ávila, ilimitado
oceano de amor, pode alguém deixar de considerar-se mais rico do que
todos os reis da terra, quando tem a felicidade de possuir o teu
amor?”
Fala
por sua vez o místico Diogo de Stella: “O amor divino, único amor
verdadeiramente unitivo, é, também, o único que pode nos salvar e
só por ele cada um dispõe da salvação. Deus não prescreveu que
nos salvássemos pela esmola; seriam então excluídos os pobres; nem
pelo jejum, impossível aos doentes; nem pela ciência, ou sabedoria;
que seria dos ignorantes e dos pobres de espírito? Nem pela
virgindade; que seria das pessoas casadas? Nem pela pobreza; que
seria dos ricos? Mas, o amor é nosso; depende de nós, é comum a
todos os estados, a todas as idades e sexos; ninguém está doente,
nem é pobre, nem velho para amar. Cristo promulgou para todos a Lei
Nova, a Lei do Amor.”
Dirigindo-se
a Deus, ele celebra assim o Amor divino: “Todas as criaturas,
Senhor, me dizem que Te ame, e cada uma delas tem a sua linguagem
para publicar a Tua grandeza e a Tua bondade.
A
beleza dos Céus, a claridade do sol e da lua, os fogos das estrelas
e dos planetas, o curso dos rios, a verdura dos campos, o brilho e
diversidade das flores, tudo que Tuas divinas mãos produziram, ó
Deus do meu coração, Esposo da minha alma, tudo isto me ordena que
Te ame, tudo o que eu vejo me convida ao Teu amor…”
* * *
Dou-vos,
piedosas Filhas de Maria, um derradeiro conselho espiritual: abreviai
sempre o mais possível as vossas confissões; perfeitas sejam sim,
mas sejam simplesmente a acusação das vossas culpas, recebendo sem
demora a absolvição sacramental, com o coração verdadeiramente
repungido pela dor de haverdes ofendido a Deus e a mente inteiramente
determinada a corrigir todos os defeitos da alma. Dizia Santa Teresa
de Jesus, “que tinha quase a certeza de que acabavam sempre mal as
confissões demoradas.”
Outro
aviso e conselho vos dou ainda: cultivai com esmero e devoção o
Canto Sacro nas igrejas. Depois do Sinal da Cruz, dizia
São Gregório Magno, grande Papa, grande Santo e Doutor da Igreja,
que era ele a arma mais terrível contra Satanás.
Também
assim cumprireis o preceito do Apóstolo São Paulo: “Falando entre
vós mesmas em Salmos e Hinos e Canções espirituais, cantando e
louvando ao Senhor em vossos corações.”
Orai
ao Senhor por mim, ó almas piedosas e compassivas, que lerdes estas
páginas escritas em nome de Jesus, e só para a sua glória e do seu
e nosso Eterno Pai, que está no Céu.
A
Lei da Sub-rogação,
ou
da Substituição nos Santos Místicos
– ESTIGMAS
E VISÕES –
Como
complemento necessário a este pequeno Tratado, da dissertação
sobre Teologia Mística, dir-vos-ei ainda, piedosas Filhas de Maria,
pois esta doutrina muito interessa às almas entregues à prática de
uma vida cristã verdadeiramente fervorosa, que, todos os fenômenos
físicos e extraordinários manifestados em vida, ou após a sua
morte, parecendo mesmo contrariarem as leis da natureza, em muitas
almas que atingiram a perfeição espiritual e que mereceram as
honras dos altares, devem ter para vós, apenas, uma importância
secundária, pois a Igreja não os considera, geralmente, como base
necessária para a sua canonização.
Perante
a inefável prudência da Igreja, esses dons, esses privilégios,
esses fenômenos, essas maravilhas manifestadas em alguns Santos,
nada provam de superioridade de uns sobre os outros. São as
qualidades e não os atos extraordinários, que determinam a
Beatificação dos Santos. Sim, repito, perante o criterioso e
inflexível juízo da Igreja, muitas vezes os milagres não passam de
provas secundárias, porque Ela sabe muito bem que o Espírito do Mal
os imita.
Há
nas biografias de muitos Beatificados, fenômenos mais perturbadores,
ainda, do que nas de muitos Santos e, no entanto, a Igreja tem
diferido por muito tempo a sua promoção a tão soberana dignidade.
O
argutíssimo espírito de Santa Teresa escreveu: “É preciso não
se imaginar que uma pessoa, pelo fato de ser favorecida de graças,
seja melhor que as que o não são, porque Nosso Senhor dirige cada
um, segundo a sua necessidade particular”.
Nós
vemos, por exemplo, o arroubamento em muitos Santos, o dom do
arrebatamento do corpo aos ares, como em Santa Teresa, em Santa
Cristina, a Admirável, em São Pedro de Alcântara, em Domingas de
Maria e Jesus, em Inêz da Bohemia, em Margarida do Ss. Sacramento,
na Bem-aventurada Gorardesca de Pisa e em São José de Cupertino,
que se elevava do solo quando queria.
Vemos
noutros Santos a supressão do estômago, que se transforma,
recusando todo o alimento terrestre, consumindo, apenas, as Espécies
Eucarísticas. Santa Catarina de Sena e Ângela de Foligno viveram
exclusivamente, durante anos e anos do Sacramento, e este dom foi,
igualmente concedido a Santa Coleta, a Domingas do Paraíso, à Beata
Maria Bagnesi, a Francisca de Serrane, a Luíza da Ressurreição, a
Santa Colomba de Rietti, a Santa Rosa de Lima, a São Pedro de
Alcântara, ao Beato Nicolau de Flue (hoje, São Nicolau), à Madre
Inêz de Langeac e a muitos outros.
O
olfato e o gosto sofrem e apresentam estranhas metamorfoses em São
Filipe Nery, em Santa Margarida de Cortona, que reconhecem um gosto
especial no pão ázimo, quando, depois da Consagração, deixava de
ser uma simples pasta de farinha de trigo, para se transformar na
própria Carne de Cristo.
São
Pacômio distinguia os heréticos pelo seu mau cheiro; Santa Catarina
de Sena, São José de Cupertino, a Madre Inêz de Jesus, descobriam
os pecados pelo seu odor fétido; Santo Hilário, Santa Lutigarda,
Gentil de Ravena, São Filipe Nery podiam dizer às pessoas com quem
se encontravam, cheirando-as, apenas, as faltas que haviam cometido!
E
há Santos que exalam em vida e depois de mortos, embriagantes
perfumes. Quando São Francisco de Paula e Venturini de Bérgamo
celebram Missa, rescendem aos bálsamos; São José de Cupertino
segregava tais fragrâncias que por elas se lhe podiam seguir os
passos; Santa Rosa de Viterbo rescendia à violeta e Santa Teresa de
Jesus à violeta e ao lírio, símbolos da sua humildade e castidade.
E
estes fenômenos extraordinários dão-se e manifestam-se em muitos
Santos nas suas doenças. São João da Cruz e o Bem-aventurado
Didio, coberto de úlceras, Bartholo, o terciário, roído e comido
pela lepra até aos ossos, exalam de seus corpos virginais as
essências dos lírios desabrochados; Santa Coleta, Ida de Louvain,
Salomoni de Veneza, a clarissa Joanna Maria da Cruz e Santa Fina da
Toscana, que passou a vida sobre um leito, Santa Humiliana, Maria
Vitória de Gênova, Domingas do Paraíso, Santa Lydwina de Schiedam,
todas elas cobertas de úlceras, escalavradas pelas chagas esvurmando
pus, embalsamam a atmosfera envolvente, como se fossem turíbulos de
incenso redolente!
E
há os Myroblitas, os Celícolas, cujos cadáveres destilam essências
e bálsamos. Tais foram São Nicolau de Myre, São Wllibrord, o
apóstolo da Holanda, São Vitaliano, Santa Lutigarda, Santa
Walburgia, Santa Rosa de Viterbo, a Beata Maria de Nazaré, Santa
Hedwiges, Santa Eustáquia, Santa Inêz de Montepulciano, Santa
Teresa, Santa Madalena de Pazzi, a carmelita Margarida Van
Valkenissen, a Beata Arcangela Girlani, prioresa em Mântua, cujo
cadáver incorruptível, teve a especialidade de curar pelo seu
contato, as mulheres atacadas de cancros no rosto e na garganta, e
outros ainda.
E
há outros Deícolas que viveram sem a refeição do sono, como foram
Santa Cristina, a Admirável, Santa Coleta, Santa Catarina de Ricci,
a Beata Águeda da Cruz, Santo Elpídio e Santa Flora, hospitaleira
da Ordem de São João.
E
há muitos Santos, cujos corpos voltaram de novo, depois da sua
morte, à sua mocidade, como foram São Francisco de Assis, Santo
Antônio de Lisboa, São Lourenço Justiniano, Santa Lutigarda, Santa
Catarina de Sena, Santa Catarina de Ricci, Santa Madalena de Pazzi, a
Venerável Francisca Doroteia, Maria Villani de Nápoles, Santa Rosa
de Lima e outros ainda.
Há
Santos que possuíram o dom da bilocação, o poder de se
desdobrarem, de se geminarem, o poder de estarem ao mesmo tempo e no
mesmo momento em dois lugares diversos. São Francisco Xavier e Maria
de Ágreda estavam ao mesmo tempo no seu convento de Espanha e no
México, onde pregavam aos infiéis; a Madre Inêz de Jesus, sem sair
do seu convento de Langeac, vinha visitar, em Paris, M. Olier. Quem
não conhece o fato célebre de Santo Antônio de Pádua que, estando
a pregar na cidade de Milão, na Itália, de repente apareceu na
cidade de Lisboa e aí, no Tribunal, defendeu e provou a inocência
das acusações que faziam a seu pai?
E
o que sucedeu com Santo Afonso Maria de Ligório que, achando-se em
Arienzo, tendo-se sentado, depois de dizer Missa numa cadeira de
braços, ficou como que adormecido e assim permaneceu um dia e uma
noite, narrando, depois de voltar a si, que tinha ido assistir ao
Papa Clemente XVI, que acabava de morrer?
Outros
Santos tinham o seu coração tão ardente e abrasado, que até as
roupas se lhes crestavam; o fogo que consumia Úrsula Benincasa,
fundadora das Teatinas, era tão vivo que esta Santa expirava colunas
de fumo, todas as vezes que abria a boca; Santa Catarina de Gênova
mergulhava os pés e as mãos em água gelada, que depois ficava a
escaldar; a neve derretia-se em torno de São Pedro de Alcântara, e,
um dia em que o Bem-aventurado Gerlach atravessava uma floresta, em
pleno inverno, aconselhou ao seu companheiro que caminhava atrás de
si e que não podia avançar mais, porque as suas pernas se
enregelavam, a que pusesse os pés sobre as suas pegadas, e este
deixou logo de sentir mais frio!
A
missão de uns Santos foi toda ruidosa e expansiva, pregando às
multidões, correndo o mundo, convertendo idólatras, reformando os
costumes, regenerando as sociedades, como São Vicente Ferrer,
chamado o Anjo do Apocalipse, Santo Antônio de Lisboa, ou São
Leonardo de Porto Maurício; a missão de outros foi toda passiva, a
missão do sofrimento, a de serem vítimas expiatórias e
propiciatórias dos pecados do seu tempo.
O
mundo não sabe compreender, nem conhece sequer os desígnios de Deus
sobre ele. Em verdade, é preciso ser-se bem um santo,
quase um São Francisco de Assis, um São João da Cruz, ou uma Santa
Teresa de d’Ávila, para compreender-se essa lei sempre em vigor
da substituição, que a Justiça imutável de Deus exige para o
equilíbrio do mundo. Quando Moisés no alto da montanha afrouxa
os braços, que sustenta no ar em penitência, logo o castigo de Javé
cai sobre os acampamentos do povo hebreu.
As
almas sublimes que percorreram já as diversas etapas da mística,
sabem muito bem, como tudo isto é verdadeiro. Nós não o
compreendemos, mas compreenderam-no nitidamente os Santos e Santa
Teresa, nos seus admiráveis Castelos d’Alma, deixou
bem definida essa suprema lei da estabilidade do mundo.
Exclamar:
“sofrer ou morrer”, como Santa Teresa de Jesus, ou
“sempre sofrer e não morrer”, como Santa Madalena
de Pazzi, ou “ainda mais, Senhor, ainda mais”,
como São Francisco Xavier, agonizando de dores nas praias da
China, ou “queria ser despedaçado pelos sofrimentos, a fim
de provar a Deus o meu amor”, como a Venerável Maria da
Trindade, carmelita do século XVII, ou “o desejo de sofrer é
um verdadeiro suplício; eu iria ao mercado comprar dores, se
elas lá se vendessem”, como às freiras do seu mosteiro
dizia a Serva de Deus, a Madre Maria du Bourg; – eis as grandes
fórmulas da substituição. Todos esses admiráveis Santos tiveram
bem a intuição dessa inflexível lei da Justiça e da Misericórdia
divinas. Todos os escritores supra elevados que cultivaram a fragrante
açucena da mística nos canteiros da ascese cristã,
tiveram a mesma compreensão dessa lei divina da sub-rogação,
todos, desde São Boaventura até Santa Teresa d’Ávila, passando
por São João da Cruz, Santa Catarina de Gênova, Santa Catarina de
Sena, Santa Ângela de Foligno, Maria de Ágreda, Ruysbroeck, Suzo,
Tauler, soror Emmerich e muitos outros.
E
o que mais nos espanta, é vermos, ainda, que Deus vai recrutar estas
almas entre os leigos, fazendo-os, a eles, os herdeiros dessa graça,
que jorrou a flux sobre a Igreja, na Idade Média.
Aonde
está, pois, nos planos divinos da salvação do mundo, aonde fica o
Padre, o rendeiro das almas, o cultivador dos alfobres celestiais?
Ah! Parece que Deus se desviou dele, que Deus lhe retirou a
sua confiança, e como que para lhe exprobrar a sua frieza e o seu
egoísmo, faz apelo ao concurso dos leigos, para operar a obra da
salvação dos homens!
Esta
é a verdade manifesta; o Clero vai perdendo toda a sua influência
sobre o patriciado das almas; os Eclesiásticos raras vezes operam
conversões; a indiferença social por esta classe tão prestimosa e
tão benemérita avoluma-se dia a dia e, punge-me dizê-lo, a não
ser nos claustros e nas Ordens religiosas, que o Padre até,
geralmente, aborrece, e as quais são verdadeiramente os únicos
baluartes da Igreja, o Padre secular vive numa grande ignorância,
numa grande e plena ininteligência e incompreensão da mística, da
ascese cristã, da liturgia e da arte religiosa, que são os divinos
e misteriosos eflúvios que atraem as almas a Cristo, ao seio do
Salvador.
Ultimamente,
morreu no Porto uma religiosa alemã, Superiora do recolhimento do
Bom Pastor, a soror Maria do Divino Coração Droste Zu Vischering,
cujos últimos anos da sua existência foram um verdadeiro inferno,
de males e sofrimentos. Foi-lhe revelado, que ela sofria em expiação
das culpas e dos sacrilégios cometidos pelos Padres portugueses.
Esta mesma lei da
substituição, foi bem conhecida da dominicana Santa Catarina de
Sena. Ela foi verdadeiramente terrível para os Padres do seu tempo.
Ela verifica os seus delitos, exprobra-lhes claramente, de venderem o
Espírito Santo, de serem cupidos e orgulhosos, de praticarem
sortilégios, de se servirem do Sacramento para praticarem
malefícios!
E
ela não suaviza as suas palavras quando
os acusa dos excessos que cometiam nos pecados da carne, ameaçando-os
em nome do Senhor, porque ela era verdadeiramente inspirada por Ele.
A sua doutrina era haurida nas nascentes divinas – Doctrina
ejus infusa, non acquisita
– diz a Igreja, na lição
sexta do seu Ofício.
E, na flora mística das vítimas reparadoras, que expiaram em seus
corpos inocentes as prevaricações do mundo, não faltam as que são
particularmente votadas, a dar satisfação a Deus pelos pecados dos
Padres.
A
todas essas sublimes
compensadoras foi revelado o fim especial da sua missão de
sofrimentos na terra. Santa Colomba de Rieti, uma italiana, da Ordem
Terceira Dominicana, foi encarregada pelo Senhor para intimar o Papa,
a corrigir os seus costumes e a depurar a sua corte; ela foi
submetida em Roma às mais impiedosas e minuciosas investigações e
às mais cruéis sevícias; foi uma estigmatizada que compensou por
meio de doenças, os crimes da sua época e morreu no seu posto, em
1501.
Uma
outra grande compensadora foi Santa Ludovina, natural de
Schiedam, na Holanda. Era ela
uma donzela de extraordinária beleza que, aos quinze anos, após uma
terrível doença, que a flagelara, se tornou feia. Algum tempo
depois, já restabelecida, quando se divertia com algumas
companheiras, patinando no inverno sobre os canais gelados da cidade,
dá uma queda e quebra uma costela. A partir deste acidente, fica
estendida num leito até a
morte; os males mais terríveis precipitaram-se, então, sobre ela. O
seu corpo cobriu-se de chagas; a gangrena corria nelas e, das suas
carnes em putrefação, nasciam bichos! Depois, veio-lhe o mal temido
da Idade Média, o fogo
sagrado, que a devora,
apoderando-se-lhe do braço direito e consumindo-lhe as carnes até
aos ossos; os tendões dos seus músculos torceram-se e acabaram por
estalar, exceto um que segurava o braço, impedindo-o de se destacar
do tronco; desde então, ela não pode mais voltar-se sobre esse lado
e só lhe fica livre o braço esquerdo, para erguer a cabeça que,
era também, por sua vez, pasto da podridão!
Assaltavam-na,
nevralgias horrorosas, que lhe trespassavam as fontes como pregos,
como pancadas de martelo; a fronte fendeu-se-lhe desde a raiz dos
cabelos até ao nariz; o queixo deslocou-se-lhe por baixo do lábio
inferior e a boca inchou-lhe de um modo horrível; apagou-se-lhe a
luz do olho direito e o outro ficou tão sensível, que não podia
suportar o menor clarão de luz, sem verter sangue; sofria dores
violentíssimas, que lhe duravam semanas e que quase a deixavam
louca; por vezes o sangue jorrava da sua boca, nariz e ouvidos em
tanta quantidade, que chegava a escorrer do leito!
Dir-se-ia,
que todas as doenças da terra se pastavam nela, que ela havia
percorrido todo o ciclo das dores e das enfermidades humanas! Mas,
não era tudo ainda.
Pouco
tempo depois, o seu peito, até então indene,
apareceu afetado de equimoses lívidas, de furúnculos e pústulas
acobreadas; a doença da bexiga, de que sofrera na infância e que
havia desaparecido, sobreveio, ainda, e ela evacuou cálculos do
tamanho de ovos pequenos; cariaram-se-lhe seguidamente os pulmões e
o fígado; depois um cancro cavou um buraco profundo, que acabou de
corroer as carnes e, para excesso de todos estes males medonhos, a
peste que, então, abatera sobre a Holanda, escolheu-a como, a
primeira a ser afetada; dois bubões irromperam, um na virilha e
outro sobre o coração. – “Dois
só, bem está, exclamou
ela então, mas se for a
vontade de Nosso Senhor, três seriam melhor, em honra da Santíssima
Trindade” – e,
imediatamente, um terceiro lhe rebentou no rosto. Sobreveio depois a
hidropsia, e Ludovina
inchou medonhamente.
Por
espaço de trinta e cinco anos, viveu assim num quarto sem luz, não
tomando alimento algum sólido, orando e chorando sempre! Tão
tolhida estava de frio no inverno, que pela manhã as suas lágrimas
formavam dois regos de água gelada ao longo das suas faces! E os
seus tormentos corporais pareciam crescer todos os dias.
Às
vezes, os rangidos dos seus dentes tornavam-se tão ferozes, que a
sua cabeça tremia; as febres minavam-na com as suas alternâncias de
calores violentos e de grandes frios e, quando estes acessos atingiam
os graus extremos, ela expectorava um líquido avermelhado e caía
num enfraquecimento tal, que lhe era impossível proferir uma só
palavra, ou ouvir falar as pessoas que a rodeavam!
Quando
lhe perguntavam, se ela desejava ser curada, respondia: “não,
não, eu não desejo ser despojada das minhas penas e das minhas
dores”!
As
úlceras de Ludovina
eram piras de perfumes;
Jesus fazia que emanassem delas as efluências tênues,
os odores raros e esquisitos das rosas e das especiarias; Ele vinha
vê-la muitas vezes com os seus Anjos e a sua Mãe Santíssima e ela
comungava pelas suas próprias mãos; assistiu aos seus últimos
momentos e, depois da sua morte, restituiu ao se corpo virginal a sua
primitiva beleza. Chegaram os enfermos e curaram-se muitos só com se
aproximarem dela.
Ludovina
morreu no ano do Senhor de 1433. Expiou pelas Almas do Purgatório,
pelos pecadores e pelos maus Padres.
Seria
longa, se eu pensasse escrevê-la, a lista das vítimas sublimes da
sub-rogação, cujos nomes os Hagiógrafos se cansam em
transmitir-nos para nosso exemplo, edificação e temor.
Dentre
todas as flores desse fragrantíssimo horto, que perfumam o
hagiológio, demonstrarei, apenas, num
bouquet, algumas das
suas mais olorosas violetas, o qual ofereço, como dádiva
inapreciável, aos corações cristãos que me leem, às almas
piedosas, que são vasos alabastrinos, onde floresce, como em terra
divina, a rosa mística da fé e do amor à Paixão do nosso amado
Salvador.
A
Beata Osana, a Padroeira da cidade de Mântua, Religiosa da Ordem
Terceira de São Domingos, foi também, uma compensadora sublime. Aos
sete anos, pôs-lhe Jesus aos ombros a Sua Cruz e predisse-lhe uma
vida de torturas. A sua existência foi toda cheia de dores e
sofrimentos; ela foi bem o vaso aonde Nosso Senhor derramou todas as
iniquidades do seu tempo, para as lavar e
purificar na fermentação das suas lágrimas. Faleceu em 1505.
Santa
Catarina de Gênova foi, a princípio, uma mundana para quem Nosso
Senhor lançou um dia os seus olhos de misericórdia, atraindo-a à
sua graça. Depois que desposou Jesus, ela tornou-se o modelo das
doentes sobrenaturais; ela foi, segundo a sua própria expressão
“despedaçada da cabeça
aos pés”; sofreu em
vida o fogo do Purgatório, para salvar as almas e deixou sobre esta
mansão de dores e de suplícios, um tratado transcendente. Ela
morreu em 1510, depois de ter vivido uma existência de macerações
e sofrimentos, cuja narrativa espanta. O seu cadáver ver-se,
ainda hoje, em estado de incorrupção, em Gênova.
A
Beata Maria Bagnesi, uma italiana, da Ordem Terceira de São
Domingos, sofreu, para reparar as perversidades dos homens, tudo
quanto é possível sofrer-se; por espaço de quarenta e cinco anos,
foi torturada por males da cabeça, quebrantada pela febre, ferida de
mutismo e de surdez; dizem os Bolandistas, que não teve um único
dos seus membros que ficasse intacto à dor; morreu de um cálculo,
em 1577.
Santa
Teresa d’Ávila, a reformadora das Carmelitas, foi outra grande
expiadora, cuja história é bastante conhecida, para que se torne
necessário reproduzi-la. Basta dizer, que ela esteve constantemente
doente e expiou, como Santa Ludovina, pelas Almas do Purgatório,
pelos pecadores e pelos maus Padres; morreu em 1582.
Santa
Catarina de Ricci, é uma italiana, pertencente a uma família
ilustre de Florença. Entrou num convento da Ordem Terceira
franciscana, e pediu a Jesus para sofrer no seu corpo e na sua alma
os castigos merecidos pela expansão das heresias e pelo
desregramento dos costumes do seu tempo. Foi atendida e a sua
existência foi um inferno de males; o Senhor insculpiu
nas suas carnes os instrumentos da sua Paixão, afirma a Bula da sua
Canonização; faleceu em 1590.
Archangela
Tardéra, foi uma italiana, da Ordem Terceira franciscana; esteve
doente durante trinta e seis anos e passou no leito os últimos vinte
e dois da sua vida; a sua missão foi a de expiadora das ofensas dos
ímpios. Alvoreceu-lhe o dia do Paraíso, no ano de 1599.
Santa
Maria Madalena de Pazzi, é também, uma italiana, carmelita; pediu
ao Senhor para expiar os pecados do mundo e o Senhor satisfez-lhe o
pedido. Viveu sempre doente e quase num estado permanente de êxtase;
foi dotada de espírito profético e escreveu obras espirituais,
cheias de apóstrofes, exclamações e
antíteses, aonde há páginas sublimes e soberanas sobre a
Circuncisão, o Espírito Santo, a deificação da Alma Humana, a sua
união com o Céu e o papel assinado nesta operação às Chagas do
Verbo.
Foi
ela quem exaltou a potência da fé e da graça, escrevendo, ao falar
do Senhor: “Se eu vos
visse com os meus olhos deixava de ter a Fé, porque a Fé cessa
justamente no ponto aonde se encontra a evidência”.
Faleceu em 1607.
Pudenciana
Zagnoni, italiana, terceira de São Francisco, natural de Bolonha,
foi neste mundo esmagada por enfermidades, cuja origem sobrenatural
foi reconhecida pelos médicos; era arrastada pelos cabelos e
fustigada cruelmente pelos Demônios; nove semanas antes de morrer
foi visitada pelos nove Coros dos Anjos, cada um por sua Ordem;
faleceu em 1608.
A
Beata Passidea de Sena, italiana, da Ordem das Capuchinhas, expiou os
pecados de impureza do seu tempo. Sobre as suas moléstias, que
remédio algum suavizava, infligia em si mesma, espantosas
penitências; fustigava-se até verter sangue com varas de zimbro e
espinheiro e lavava
seguidamente com sal e vinagre quente, as suas carnes laceradas pelos
açoites; andava pela neve com os pés nus e deitava grãos de chumbo
no calçado; mergulhava-se em tinas de água gelada no inverno e no
estio, pendurava-se com a cabeça para baixo sobre o fogo; foi
visitada por Jesus, por sua Mãe, pelos Anjos, e os seus êxtases
eram tão frequentes, que “a
faziam viver mais no Paraíso do que na terra”,
escreve o seu historiador, o P. Venturi. Expirou em 1615.
Uma
outra expiadora que caminha nesta sangrenta via dos holocaustos, é a
Venerável Estefânia dos Apóstolos, carmelita espanhola; obteve do
Senhor a graça de se sub-rogar aos pecadores; viveu uma vida de
jejuns, de cilícios, de cadeias e círculos de ferro. Acabou a sua
missão purificadora em 1617.
Venerável
Úrsula Benincasa, uma
italiana, fundadora da
Congregação das Teatinas, é outra sublime penitente, que evitou
pelas suas torturas os perigos que ameaçavam a Igreja; a sua
existência foi horrível; ardia nas chamas do Purgatório e o amor
Divino incendiava-a de tal modo, que lhe saia uma coluna de fumo pela
boca fora; foi submetida em Roma aos mais duros tratos e morreu em
1618.
Águeda
da Cruz, é uma espanhola, terceira da Ordem de São Domingos; a seu
pedido a Jesus, por desejo de imolação, tornou-se estropiada e
cega. As suas carnes caiam de podridão sobre a palha e também foi
consumida pelo fogo do Purgatório. Faleceu em 1621.
Mariana
Escobar, é outra espanhola, reformadora da Regra de Santa Brígida;
esteve cinquenta anos doente e passou trinta estendida sobre a sua
cama; exalava os mais delicados aromas. Quando se lhe mudava a roupa,
conta o seu biógrafo, espalhava-se no ambiente um perfume
embriagante; sucumbiu em 1633.
Margarida
do Ss. Sacramento, é uma francesa, carmelita; suportou torturas
extraordinárias; sofreu tais dores no crânio que, depois de o terem
picado com pregos de ferro em brasa, os cirurgiões fizeram-lhe a
trepanação;
não experimentou alívio
algum com estas sevicias; só a aposição das Santas Relíquias lhe
atenuava o sofrimento. Expiou mais particularmente as ofensas feitas
a Deus pela dureza de coração dos ricos; participou do suplício de
diferentes mártires, durante quinze meses e ofereceu-se ao Salvador
como vítima para livrar a França, da invasão dos exércitos
alemães; o seu sacrifício terminou em 1648.
Paula
de Santa Teresa, é uma italiana, da Ordem Terceira de São Domingos;
tomava à sua conta os pecados dos
maus Padres; viveu na cama e foi visitada pelo Salvador; libertou,
também, pelos seus sofrimentos muitas almas do Purgatório, que a
sitiavam e imploravam de todas as partes o seu auxílio expiador;
morreu em 1567.
Maria
Ock, é uma belga, carmelita; sofria penas apropriadas aos excessos
das pessoas, a quem ela supria nas suas penitências; pagava os
castigos das Almas do Purgatório e era molestada por golpes, rolada
pelas escadarias, mergulhada em poços
pelos Demônios. Quando não estava de cama, percorria as más
pousadas para retirar delas as suas moradoras; sucumbiu no seu posto
em 1684.
Joanna
Maria da Cruz, italiana, terceira franciscana, constantemente doente
e torturada por dores atrozes nos rins, teve de sofrer os tratamentos
mais bárbaros dos médicos, que acabaram por fim, em reconhecer a
origem supranatural dos seus males; recebeu o anel místico do Esposo
e exalava de si, inexplicáveis perfumes; curava os enfermos com a
sua bênção e multiplicou os pães. Imolou-se, mais especialmente,
para combater a heresia protestante e entrou no Céu, no ano de 1673.
Maria
Angélica da Providência, foi uma francesa, carmelita terceira;
intercedeu mais particularmente pelas Comunidades relaxadas e pelos
maus Padres. O Senhor indicava-lhe os pecadores, cujas faltas, Ele
queria que ela expiasse; foi uma grande adoradora do Santíssimo
Sacramento e uma das vítimas
sobre quem mais se encarniçaram os Demônios. Eles batiam-lhe
furiosamente, arremessavam-na contra as paredes e calcavam-na aos
pés. A sua existência foi
um livro de dores, que se fechou em 1685.
Mas,
Deus meu! Aonde me leva a fluência das ideias, manando a flux da
mente extasiada! Já os lírios e os jasmins enchem, cobrem o altar
dos holocaustos, e o jardim das flores místicas da expiação, ainda
nem sequer mondado
está!
Os
ciriais da penitência, os candelabros da oração, as cruzes
vertendo o sangue de todos os martírios, desfilam ininterruptas a
nossos olhos deslumbrados! Estão passando todas as Santas
personagens da Igreja Militante purgativa;
passam Inêz de Langeac, francesa, enferma, arrastando-se sobre
muletas, suportando todos os tormentos do Purgatório, para libertar
as almas; morreu em 1634; – Santa Verônica Giulani, italiana,
Clarissa, imagem viva de Cristo crucificado, gritando: “viva
a Cruz, toda só e toda nua, viva o sofrimento”;
ela paga os pecados cometidos nas orgias dos dias do Carnaval; recebe
a transverberação do coração, como Santa Teresa e a impressão
dos instrumentos do Calvário, como Santa Clara de Montefalco e morre
em 1727; – Santa Maria Francisca das Cinco Chagas de Jesus,
italiana, da Ordem Terceira de São Francisco, cuja vida é um tecido
de enfermidade; ela transvasava sobre si mesma, as doenças do
próximo; foi perseguida pela sua família, pelo seu Confessor e
visitada pelos Anjos; morreu em 1791, tendo estalado o seu coração
de dor, ao serem-lhe mostrados e revelados os sofrimentos da Igreja,
nos tempos da Revolução Francesa; – Marcellina Pauper, francesa,
irmã da caridade em Nevers; é uma reparadora das profanações do
Santíssimo Sacramento e dos roubos de hóstias; era ela quem dizia:
“a
minha vida é um purgatório delicioso, onde o corpo sofre e a alma
goza”; morreu em
1708;
– Maria Josepha Kumi, suíça, dominicana, uma vítima expiatória
da Igreja, dos pecadores, das Alma do Purgatório, de quem partilhou
os tormentos; todo o seu corpo era uma chaga viva; morreu em 1817; –
Anna Catharina Emmerich, uma alemã, agostiniana, a maior vidente dos
nossos tempos; ela sofre dores sem nome, sofre pelos outros e
apodera-se dos seus males; suprimido o seu convento em 1811, sob o
governo de Jerônimo Bonaparte, rei
de Westphalia, ela é transportada para o quarto de um albergue e aí
sofre todas as curiosidades e todos os insultos; recebe de Cristo os
sagrados estigmas e depois não pode mais levantar-se, nem sentar-se
sequer; não se nutre mais do que com o sumo de uma cereja; segue, em
visões sublimes, a Via Dolorosa da Paixão do seu Salvador e, ao
vê-lo expirar, brada: “deixai-me
morrer na ignomínia com Jesus sobre a Cruz”,
e morre, arroubada de alegria, agradecendo ao Céu a sua vida de
suplícios;
– Isabel Canori Móra, uma italiana, da Ordem Terceira das
Trinitárias Descalças, falecida em 1825, tendo amortizado a dívida
dos perseguidores da Igreja; – Anna Maria Taigi, como a
antecedente, da mesma pátria e Religião, cujos olhos vertiam sangue
quando feridos pelo mínimo clarão, falecida em 1837, depois de ter
sofrido torturas físicas, cefalalgias,
febres, gota e asma, que não lhe deixavam um só momento de
repouso;
– Maria Rosa Andriani, italiana, da Ordem Terceira franciscana; foi
desde a idade de cinco anos uma mártir e o Senhor agravava-lhe os
tormentos, não a consolando sequer; arrancava do peito ossos sãos;
foi sustentada durante vinte e cinco só com a Eucaristia, e veio a
falecer em 1848; – Maria Domingas Lazzari, falecida, como a
antecedente, no mesmo ano, teve uma existência que foi uma agonia
prolongada; também se alimentou durante quatorze anos, unicamente
com as Sagradas Espécies; foi uma das estigmatizadas do Tirol; –
Maria de São Pedro da Santa Família, uma francesa, carmelita, cuja
vida ela mesma resumia nesta frase: “foi
para a reparação que eu vim ao mundo, e é por ela que eu morro”;
sucumbiu no mesmo ano de 1848; – Maria Inêz Steiner, uma alemã,
Clarissa num mosteiro da Úmbria, sofreu para bem da Igreja, as mais
cruéis moléstias e exalava celeste aroma; faleceu em 1862;
– Maria de Moerl, terceira da Ordem de São Francisco;
– Barbara de São Domingos, espanhola, dominicana, inumada aos
trinta anos, em 1872; –
Luíza Lateau, belga, que viveu sempre deitada, expiando as culpas
dos outros e tendo como único alimento, durante doze anos, a Sagrada
Eucaristia;
– Maria Catharina Putigny, francesa, visitandina, uma vítima
reparadora que sofreu as mais lancinantes torturas pelas Almas do
Purgatório; ela viu, como a soror Emmerich, todos os quadros da
Paixão, morreu no seu convento de Metz, em 1885; – e outras que
cesso de citar, para não protelar indefinidamente esta monografia
modestíssima.
Quem
não conhece a Sociedade de Maria Reparadora, fundada pela Venerável
soror Maria de Jesus, no século Emilia D’Oultremont, baronesa
D’Hooghworsth, cuja divisa é a da sua santa instituidora: “ao
lado de Maria e pelo seu Coração, tudo na nossa vida será por
Deus, para a sua glória e reparação”.
Satisfazer
a Deus pelos negligentes, pelos ingratos, pelos pecadores, fazer
entrar novamente nas almas negligentes, ingratas e pecadoras a
lembrança de Deus e do seu
amor, eis o duplo fim da Sociedade de Maria Reparadora.
A
reparação na Sociedade, efetua-se por meio da Adoração do
Santíssimo Sacramento. Todos os dias o Rei Imortal dos Séculos, é
exposto, logo de manhã, à Missa da comunidade, e, assim fica, até
à Bênção, que se soleniza ao fechar do dia. Diante do Santíssimo
Sacramento, as adoradoras se sucedem ininterruptamente, de meia em
meia hora. E, em reparação ainda das ofensas que Nosso Senhor
recebe durante a noite, duas religiosas fazem uma hora de adoração,
seguidamente à meia-noite.
E,
em todas as quintas-feiras do ano, em memória da Instituição da
Santíssima Eucaristia, o Santíssimo Sacramento permanece exposto
toda a noite, bem como nos três dias de Carnaval.
Além
das adorações contínuas, da oração da manhã, da Missa, dos
exames, da bênção, da meia hora de leitura espiritual, da
recitação do terço e das Ladainhas da Virgem e dos Santos, as
religiosas da Sociedade de Maria Reparadora, recitam todos os dias o
Ofício do Sagrado Coração de Jesus, ainda no espírito de
reparação. Os mesmos Sacramentos que elas recebem, a Penitência, a
Eucaristia e a Extrema-unção devem ser recebidos com o mesmo fim.
São
as seguintes, as instruções dadas às suas Filhas, pela Venerável
fundadora da Sociedade:
“Que
nenhuma ocasião de reparação se perca para vós. Ao romper do dia,
um ato de amor para com Nosso Senhor, em reparação daqueles cujo
primeiro pensamento é só para o mundo, será o vosso primeiro
cuidado.
O
incômodo de nos levantarmos de manhã, será a reparação da
indolência e ociosidade dos que perdem o seu tempo no leito.
Suportaremos
o frio e o calor, em reparação daqueles que se molestam com as
alternativas do tempo.
Ouviremos
com o maior respeito e recolhimento, a Santa Missa, em reparação
daqueles que só a ouvem para serem vistos. Comungaremos com todo o
amor, fé e pureza da alma, em reparação das comunhões sacrílegas.
Adoraremos o Santíssimo Sacramento, em reparação daqueles que O
insultam. Reparação em todos os momentos do dia e da noite; em
todas as palpitações do nosso coração, em todas as aspirações
da nossa alma, em todos os movimentos dos nossos lábios”.
A
Venerável soror Maria de Jesus, faleceu, em odor de santidade, em
Florença, a 21 de Fevereiro de 1878. Sua Santidade o Para Leão
XIII, numa audiência particular, concedida à Superiora Geral
da Sociedade Reparadora e às suas Assistentes, disse-lhes “que
tinha conhecido na Bélgica, Maria de Jesus, antes e depois do seu
casamento e que a tinha tornado a ver em Roma, depois da fundação
da Sociedade Reparadora; que ela fora sempre uma alma de Deus, uma
alma de eleição”.
Quem
ignora a existência de tantas Ordens expiadoras e reparadora que
viçam, como flores lapidadas, nos jardins da Igreja, para
contrabalançarem o peso das iniquidades do mundo?
Quem
não conhece entre muitas outras, e
só para citar ao acaso, as Carmelitas, as Agostinianas, as
Clarissas, as Calvarianas, Ordens todas austeríssima, de dura
observância e de sub-rogação, entre as quais mais se destaca a das
Beneditinas, expiadoras que se revezam dia e noite,
ininterruptamente, com uma corda ao pescoço, diante
de uma tocha acesa, para repararem os insultos que, sob a forma
Eucarística, Jesus sofre? Quem desconhece as obras de penitência e
sub-rogação das Trapistinas? E o mundo imbecil, apoda essas
admiráveis místicas de histéricas e de loucas, a impiedade
insulta-as, brutaliza-as com expulsões e perseguições e
arrola-lhes os cilícios e as cadeias dos seus resgates!
Meu
Deus, perdão! Os vossos desígnios são insondáveis e o homem não
os pode penetrar. Não falha a vossa hora de reparação e de
justiça.
A
nós, só nos resta, curvarmo-nos na vossa presença supra-Adorável,
e admirar a infinidade da vossa misericórdia e
do vosso amor, para com os desgraçados pecadores.
(Do
Revisor).
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