O
que pensavam os Santos Padres.
Maria
Santíssima, a Mãe de Jesus, foi perpetuamente Virgem ou não foi?
Maria terá tido outros filhos além de Jesus?
Teremos
naturalmente que examinar todos os textos da Bíblia que giram em
torno desta questão. Antes disto, porém, temos uma pergunta a
fazer: Quem está mais autorizado a nos dar uma segura informação a
este respeito, a nos dizer o que se deve pensar sobre a Virgindade de
Maria: a Igreja Católica, que vem dos tempos de Cristo, que recebeu,
portanto, na sua fonte, o ensino dos Apóstolos, ou os Protestantes
que só vieram a aparecer no século XVI? A Igreja Católica, que
jamais teve a mínima dúvida sobre este assunto ou o Protestantismo
em cujo seio, têm aparecido sobre esta própria matéria, como sobre
tantas outras, opiniões bastante desencontradas?
O
único fundamento em que se baseiam os adversários para duvidar da
Virgindade de Maria Santíssima, é a interpretação que dão a
certas passagens do Evangelho. Mas este mesmo Evangelho que os
protestantes hoje leem e comentam, não era também lido, manuseado,
estudado cuidadosamente pelos Santos Padres? Se os protestantes veem
tão claro nos Evangelhos que Maria perdeu um dia a sua Virgindade,
seriam os Santos Padres tão cegos, tão loucos e ignorantes que não
o tivessem visto?
Quando
aparece no século 5º um tal Helvídio, “homem rústico e mal
conhecedor das primeiras letras”, como diz São Jerônimo, querendo
negar que Maria Santíssima tivesse sido Virgem depois do parto, São
Jerônimo, além do exame que faz dos textos alegados, apresenta como
argumento a unanimidade dos Santos Padres a respeito da Virgindade
perpétua de Maria. E quando lhe alegam Tertuliano, que teria escrito
alguma coisa neste sentido, admitindo que Maria não foi Virgem
depois do parto, São Jerônimo observa muito bem que, contra o
testemunho dos Santos Padres, o de Tertuliano nada vale, porque ele
não foi um “homem da Igreja”. De fato, Tertuliano era cristão,
era um grande escritor, mas afastou-se da Igreja, abraçando a
doutrina do Montanismo.
Mais
ainda: hoje, quando um pastor protestante tem a ousadia de falar de
público atacando a Virgindade de Maria Santíssima, o povo católico
se toma de indignação e o obriga a calar-se. Os protestantes veem
nisto apenas um sinal de ignorância, de pieguice e de
sentimentalismo.
Pois
bem, esta mesma indignação aparece igualmente bem clara nos
escritos dos Santos Padres e de grandes escritores dos primeiros
tempos da Igreja, o que é sinal de que não se trata de ignorância,
mas de bom senso.
Santo
Ambrósio diz assim: “Houve quem negasse que Ela (Maria)
tivesse permanecido Virgem. Desde muito tempo temos preferido não
falar sobre este tão grande sacrilégio. Maria não broma (brinca);
não broma aquela que é Mestra da Virgindade; nem podia acontecer
que aquela que em Si tinha trazido Deus resolvesse andar às voltas
com um homem. Nem José, varão justo, cairia nesta loucura de querer
misturar-se com a Mãe do Senhor em relação carnal”.
Santo
Hilário não só afirma que Maria permaneceu sempre Virgem, mas
também observa que os que pensam de maneira diversa são
“irreligiosos e alheios à doutrina espiritual”.
Santo
Epifânio exclama: “Donde é que surgiu esta perversidade?
Donde é que irrompeu tamanha audácia? Porventura o próprio nome
não é suficiente atestado? Quem houve jamais em tempo algum que
ousasse proferir o nome de Maria e espontaneamente não acrescentasse
a palavra Virgem?… O nome de Virgem foi dado a Santa Maria, nem se
mudará nunca, Ela sempre permaneceu ilibada”.
Genádio
diz o seguinte: “Com fé íntegra se deve crer que a Bem-aventurada
Maria, Mãe de Cristo Deus, não só gerou como Virgem, mas
permaneceu Virgem depois do parto e não se há de concordar com a
blasfêmia de Helvídio que disse: Virgem antes do parto, mas não
virgem depois do parto”.
E
é com veemência que São
Jerônimo se lança contra este Helvídio que, embora admitindo a
Virgindade de Maria antes do
parto e no parto, afirmava que Ela tivera outros filhos depois. Após
citar os vários textos em que se baseia a sua argumentação para
provar que aqueles “irmãos” de Jesus não são filhos de Maria,
São Jerônimo acrescenta: “Ó o mais imperito dos homens, não
tinhas lido estas coisas; e lançaste no pélago das Escrituras a tua
raiva para injúria da Virgem, a exemplo daquele que, segundo contam,
sendo desconhecido do povo e nada de bom podendo fazer, imaginou um
crime para se tornar famoso: incendiou o templo de Diana. E não
tendo dado resultado o sacrilégio, ele próprio saiu a público,
afirmando aos gritos que fora ele o autor do incêndio. E perguntando
os magistrados de Éfeso por que motivo teria querido fazer isto,
respondeu: para que, se não por bem, ao menos por mal me
tornasse de todos conhecido. É,
pelo menos, o que nos narra a história grega. Tu incendiaste o
Templo do Corpo do Senhor; contaminaste o Santuário do Espírito
Santo, do qual pretendes ter saído uma quadra de irmãos e um montão
de irmãs. Argumentas com o que dizem os judeus: Porventura,
não é este o filho do oficial? Não se chamava sua mãe Maria e
seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E suas irmãs, não
vivem elas todas entre nós?
Todos, só se diz de
uma multidão. Pergunto: quem te ensinou semelhante Blasfêmia? Quem
é que te levava em conta? Mas agora conseguiste o que querias; tu te
tornaste famoso no crime”.
Por
aí se vê, que o fato de indignar-se o povo cristão e católico,
quando alguém nega ou põe em dúvida a Virgindade da Mãe de Deus,
não é sinal de ignorância das Sagradas Letras, pois gente muito
bem entendida nelas também mostrou a mesma indignação e revolta
contra tão ousada blasfêmia. E a Virgindade perpétua de Maria é
doutrina comum e unânime dos Santos Padres.
Para
não falarmos mais nos já citados:
Assim
diz Santo
Efrém:
“Ó Virgem Senhora, imaculada deípara, Senhora minha
gloriosíssima, mais sublime que os Céus, muito mais pura que os
esplendores, raios e fulgores solares… vara de Arão que germina,
apareceste como verdadeira vara e a flor foi o teu Filho verdadeiro,
nosso Cristo Deus e Criador meu; Tu segundo a carne geraste Aquele
que é Deus e Verbo, conservando a Virgindade antes do parto, Virgem
depois do parto, e fomos reconciliados com Deus, teu Filho”.
Referindo-se
a Maria, diz Santo
Agostinho: “Virgem que
concebe, Virgem que dá a luz, Virgem grávida, Virgem que traz o
feto, Virgem perpétua”.
“Virgem
concebeu, Virgem deu a luz, Virgem permaneceu” – é uma fórmula
usual referente a Maria Santíssima, empregada, não só nos escritos
de Santo Agostinho,
mas também nos de outros
Santos Padres, como São Pedro Crisólogo,
São Leão Magno,
por exemplo.
Esta
sempre foi desde o começo a doutrina firme e universal da Igreja.
Nem se venha dizer que esta opinião dos Santos Padres é motivada
pelo fato de ser a Virgindade perpétua de Maria definida pela Igreja
como dogma de fé, pois esta definição só veio a dar-se no século
7º, no Concílio de Latrão e todas estas citações aqui
apresentadas não ultrapassam o século V.
Portanto,
está o leitor diante de 2 fatos: 1º)
Há muitos protestantes que leem a Bíblia e querem apresentar como
certo, certíssimo, que Maria Santíssima não conservou a sua
Virgindade. 2º)
Os Santos Padres tinham também à mão a mesma Bíblia e a seguiam
fielmente e achavam que ela era infalível e já desde o princípio
vem afirmando como certo, certíssimo, muito antes que isto fosse
definido pela Igreja, que Maria Santíssima concebeu como Virgem, deu
à luz como Virgem e como Virgem permaneceu até o fim de sua vida.
É
o caso de dizer o leitor: Deve haver qualquer engano nesta afirmativa
dos protestantes, tanto mais que eles próprios já não estão de
acordo entre si. Seria interessante examinar atentamente se têm
valor ou não as alegações protestantes, comentando os textos
bíblicos que eles nos apresentam.
– É
o que vamos fazer, leitor amigo. E veremos se esses protestantes que
se mostram tão anchos (orgulhosos)
com seu conhecimento superficial da Bíblia e que por isso mesmo
tacham de ignorantes os que afirmam a Virgindade perpétua de Maria
Santíssima, veremos se eles conseguem realmente passar aos Santos
Padres da Igreja este atestado de burrice e ignorância.
Noiva
ou Casada?
A
Bíblia não nos diz com estas mesmas palavras, que Maria Santíssima
foi Virgem antes do parto, no parto e depois do parto. Mas nos dá um
sinal bem claro, bem evidente da Virgindade perpétua de Maria
Santíssima. É na cena da Anunciação do Anjo, narrada por São
Lucas.
Mas,
antes de comentarmos esta cena e as palavras da Virgem nela
proferidas, temos que fazer o leitor ficar ao par de uma pequena
controvérsia, que existe entre os intérpretes da Bíblia.
Narra-nos
São Lucas, descrevendo a Anunciação, que foi
enviado por Deus o Anjo Gabriel a uma cidade da Galileia, chamada
Nazaré, a uma Virgem desposada com um varão, que se chamava José,
da casa de Davi; e o nome da Virgem era Maria.
Que
significa esta palavra desposada?
O
termo correspondente no texto grego é o particípio passado passivo
do verbo Mnestéuo, que tem 2 sentidos:
Mnestéuo
= casar, adquirir para si uma esposa.
Mnestéuo
= dar em casamento, prometer em casamento.
Assim
o particípio Emnesteuméne, aí empregado em referência a Maria,
pode ter dois 2 sentidos.
Emnesteuméne
= que já se casou, que já está casada;
Emnesteuméne
= que já noivou, que já foi dada ou prometida em casamento.
Não
se sabe pelo texto se Maria, ao receber a Anunciação do Anjo estava
já casada com São José, habitando com ele na mesma casa ou se era
apenas uma noiva, prometida em casamento e aguardando o dia em que
iria com ele habitar em conjunto. Mais adiante, ao relatar o
Nascimento, São Lucas, dizendo que José foi à cidade de Davi, para
se alistar com a sua esposa Maria,
emprega a mesma palavra (Emnesteuméne) e aí evidentemente já estão
casados, morando na mesma casa. Mas disto não se conclui que na hora
da Anunciação, esta palavra tenha o mesmo sentido, uma vez que
servia para designar uma coisa ou outra: ou noiva
ou casada.
Os
melhores intérpretes se dividem nesta questão: S. Hilário, S.
Basílio, Orígenes são de opinião que Maria era, então,
simplesmente noiva; S. Ambrósio, S. João Crisóstomo, S. Pedro
Crisólogo, S. Bernardo, Suarez são de opinião que Ela já era
casada, quando recebeu a visita do Anjo.
Os
modernos também se dividem neste particular.
Não
nos compete emitir parecer numa questão em que os grandes mestres
discutem. Apenas queremos fazer menção de uma dúvida que logo
ocorre ao espírito do leitor: Como podia Maria ser apenas uma
simples noiva no momento da Anunciação, se desde esse momento Ela
vai conceber e depois vai mostrar sinais de gravidez? Os partidários
da opinião de que se tratava apenas de simples noivado, apelam para
a diferença entre os nossos costumes, os dos tempos de hoje e os
costumes dos judeus de outrora, em que o noivado era já um contrato
firmado dando aos noivos plenos direitos matrimoniais, tendo menor
importância a cerimônia da realização do casamento, em que a
noiva era introduzida na casa do noivo. Demos a palavra ao Pe. Denis
Buzy: “Todo o mundo reconhece hoje que os noivos judeus gozavam dos
mesmos direitos matrimoniais que os esposos propriamente ditos. As
provas se tornaram clássicas: a noiva infiel era punida com o
apedrejamento, do mesmo modo que a esposa culpada; a noiva que perdia
seu noivo era assemelhada a uma viúva; a noiva, como a esposa, não
podia ser desprezada senão por
uma carta de divórcio; o filho concebido no tempo do noivado era
olhado legítimo. Segundo a palavra de Calmet, o noivado, quase
igualmente como o casamento, era uma cobertura suficiente para a
reputação da mãe e do filho. Além disto, não precisamos que nos
venham persuadir que Deus não podia prejudicar a honra daquela que
Ele dava por Mãe a seu Filho”.
Mencionamos
esta questão, porque ela vai influir na compreensão de certos
textos.
Vejamos
agora.
A
Cena da Anunciação.
Aparecendo
a esta Virgem desposada com
um varão que se chamava José,
a esta Virgem chamada Maria, o Anjo a saúda: Deus
te salve, cheia de graça: o Senhor é contigo.
Diante
da saudação do Anjo, a Virgem se perturba; na sua humildade
profunda não pode compreender tão alto elogio, tão honrosa
saudação feita por um Anjo, admira-se como o Senhor podia assim pôr
os olhos
na baixeza de sua escrava;
em
vez de envaidecer-se, confunde-se ante a mensagem que vem do Céu,
tão longe está de se julgar em tão privilegiada situação perante
Deus: Ela,
como o ouviu, turbou-se do seu falar e discorria pensativa que
saudação seria esta.
O
Anjo então a tranquiliza e aproveita a ocasião para lhe dar a
grande notícia: Não
temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis conceberás no
teu ventre e darás à luz um filho e por-Lhe-ás o nome de Jesus.
Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor
Deus Lhe dará o trono de seu pai Davi; e reinará eternamente na
casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.
O
grande ideal das filhas de Israel era ser mãe; que se dirá então
deste ideal mil vezes mais elevado de ser mãe do Messias Prometido,
daquele que iria reinar
eternamente na casa de Jacó?
Qual a moça judia que pensaria em opor dificuldades a esta
perspectiva de se tornar mãe de uma maneira tão gloriosa?
Maria
Santíssima, entretanto, vê uma grande dificuldade diante de si:
Como
se fará isso, pois Eu não conheço varão?
Ora,
estas palavras revelam claramente uma resolução decidida de
conservar perpetuamente a sua Virgindade.
Maria
Santíssima que já está casada ou, no mínimo, que já é noiva de
S. José, fica sem compreender como pode ter um filho, se
não conhece varão. É evidente que Ela não se refere ao fato de
não ter conhecido varão até a data presente, pois isto de maneira
alguma representaria um empecilho ou uma impossibilidade. Pois não
estava Ela já casada com José? Ou, na hipótese de um simples
noivado, não estava Ela de contrato firmado com José para se casar
dentro de pouco tempo? O Anjo não diz que Ela já concebeu, nem que
Ela vai conceber naquele mesmo dia ou naquela mesma semana, apenas
fala, sem determinação de tempo, numa coisa que irá acontecer para
o futuro: Conceberás.
Para uma noiva, esta revelação é o que há de mais natural;
nenhuma noiva, em circunstâncias normais, acharia impossível este
acontecimento. Como bem observa Cornélio A Lápide, Ela diz: Não
conheço varão
assim
como dizem os abstêmios Não
bebo vinho,
querendo significar com isto, não só que não bebem vinho
presentemente, mas que não pretendem bebê-lo. Está Maria não
diante de uma impossibilidade física, mas sim de uma impotência
moral; se Ela vê aí que é um problema tão difícil o nascimento
de um filho, é porque está ligada a Deus pelo voto
de virgindade.
E se existe este voto de virgindade nela que está comprometida com
S. José, é sinal de que houve entre ambos um pacto de perfeita
continência.
E
a prova de que a dificuldade que vê Maria Santíssima para ser a Mãe
do Messias é a sua inabalável resolução de conservar-se Virgem,
está na resposta dada pelo Anjo. Maria deve tranquilizar-se a este
respeito, porque o Filho nascerá por um prodígio, sem quebra
absolutamente de sua Virgindade: O
Espírito Santo descerá sobre ti e a virtude do Altíssimo te
cobrirá da sua sombra. E por isso mesmo o Santo que a há de nascer
de ti será chamado Filho de Deus. Que aí tens tu a Isabel, tua
parenta, que até concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto
mês da que se diz estéril, porque a Deus nada é impossível.
Resolvida
a dificuldade, explicado
pelo Anjo como se podem conciliar as 2 coisas, a virgindade e a
maternidade (Deus, a quem nada é impossível, e que se encarregará
de conciliá-las), só então é que Maria Santíssima dá o seu sim:
Eis
aqui a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.
Uma
pergunta naturalmente nos há de fazer o leitor: Tendo Maria
Santíssima esta inabalável resolução de conservar resolução de
conservar a sua Virgindade, como se explica que a vemos esposa ou,
pelo menos, noiva de S. José? Se Ela queria permanecer Virgem, não
pareceria, humanamente falando, mais seguro ficar em casa sem ser
noiva ou sem casar-se, do que procurar um casamento com pacto de
continência?
– Nas
circunstâncias em que estava Maria, dados os costumes e a
mentalidade do povo judaico, o mais seguro para Ela era casar-se com
pacto de continência, tanto mais que na sua intuição tinha bem
compreendido a castidade admirável de S. José. E explicaremos por
quê.
Entre
os judeus daquele tempo não se concebia que uma moça ficasse
solteira. Quando a mulher chegava à idade de casar-se, os pais, os
parentes lhe arranjavam um casamento e a moça tinha que submeter-se.
O povo judeu, pequeno povo no mundo, mas povo eleito do Senhor, que
cultuava o Deus Verdadeiro, sentia-se na necessidade absoluta de
propagar-se.
Pelo
seu casamento com
S. José, Maria Santíssima não só satisfazia à imposição de
seus parentes, como também ficava livre das possíveis importunações
dos pretendentes à sua mão, ao mesmo tempo que realizava o seu
ideal de Virgindade.
E
Deus que inspirara em ambos, em Maria e José este alto ideal de
castidade, preparava admiravelmente a realização de seus desígnios.
Queria que o Messias Prometido nascesse de uma Virgem, mas era
preciso que fosse uma Virgem
casada,
para que se salvaguardasse perante o público o bom nome, a reputação
da mãe e do filho. E no meio de tantas filhas de Israel que
ambicionavam a glória de ser Mãe do Messias, foi premiar justamente
aquela que em tal preço punha a sua Virgindade que renunciaria de
bom grado a pretensão de ser a Mãe do Salvador. Nem Maria nem José
podiam ter a mínima ideia de que do seu lar abençoado e casto
haveria de sair o Redentor do mundo; o seu desprendimento, a sua
renúncia haviam conquistado o Coração de Deus.
Voltemos,
porém, à nossa argumentação.
Pelo
colóquio entre Maria e o Anjo Gabriel se vê claramente que Maria
conservava uma resolução inabalável de conservar a sua Virgindade;
tão firma era esta resolução que Maria, ao receber a comunicação
do Anjo, se lembra logo do seu voto feito a Deus, prestando mais
atenção a este seu compromisso do que à mensagem do Anjo, por mais
tentadora que esta seja. Daí se conclui com toda lógica, que Maria
foi Virgem antes do parto, no parto e depois do parto.
1º
– Virgem Antes do Parto.
Isto não necessita de grandes demonstrações. Nem os protestantes
entram em discussão sobre este ponto. Tanto as palavras do Anjo
ditas a Maria na Anunciação, como a declaração explícita do
Evangelista S. Mateus, segundo veremos daqui a pouco, são claras em
afirmar, que Jesus nasceu sem intervenção humana e que Maria estava
intacta por ocasião de seu Nascimento.
2º
– Virgem no Parto.
Uma vez manifestado o desejo de Maria de conservar a sua Virgindade,
não seria o seu próprio Filho, Ele que nos ensina a honrar pai e
mãe, que haveria de destruir no Nascimento esta Virgindade, da qual
Ela fazia tanta questão.
Além
disto, o Evangelista S. Mateus apresenta o Nascimento de Jesus, como
a realização da profecia de Isaías: Tudo
isto aconteceu para que se cumprisse o que falou o Senhor pelo
profeta que diz: Eis, uma virgem conceberá e dará à luz um filho e
apelidá-lo-ão pelo nome de Emanuel, que quer dizer: Deus conosco.
Ora,
essa profecia anunciava um grande
prodígio,
pois Isaías tinha dito a Acaz: Pede
para ti, ao Senhor teu Deus, algum sinal que chegue
ao profundo do inferno ou ao mais alto do Ceu,
e Acaz se
recusara a pedi-lo: Não
pedirei tal, nem tentarei ao Senhor.
Deus vai anunciar o grande prodígio, prodígio que Acaz não
entenderá, como bem o merece a sua incredulidade; mas que S. Mateus
mostra cumprido no Nascimento de Jesus: Eis,
que uma virgem conceberá e dará à luz um filho e será chamado o
seu nome Emanuel.É
claro que este
grande prodígio
ficaria incompleto, se Maria pudesse conceber, permanecendo Virgem e
não pudesse dar à luz sem perda de sua integridade. E o texto
afirma uma coisa e outra; diz: Eis
que uma virgem conceberá
e acrescenta: E
dará à luz.
Ir
perguntar aos médicos, como isto pode acontecer, quais são as suas
explicações sobre o caso, seria muito fora de propósito: seria o
caso também de perguntar aos sábios, como pode Jesus entrar numa
casa estando as portas fechadas,
ou
como pode um morto ressuscitar no terceiro dia.
3º
– Virgem Depois do Parto.
Se Maria Santíssima manifestou diante do Anjo aque firmíssimo
propósito de conservar-se Virgem, não se pode conceber que aquela
que S. Isabel, inspirada pelo Espírito Santo, chamou bendita entre
as mulheres,
tivesse a fraqueza de quebrar o seu voto. Se diante da própria
perspectiva de ser a Mãe do Messias, se diante da própria mensagem
do Céu Ela vê, no seu empenho de permanecer Virgem, um obstáculo
muito grande para aceitar a grande missão, que lhe era confiada e só
dá o seu consentimento quando o Anjo a tranquiliza a respeito, como
é que depois do Nascimento de Jesus Ela não se contentaria com um
Filho tão nobre e tão sublime e procuraria ter outros? O mesmo se
diga de S. José, que a Escritura abertamente chama um homem justo.
Não
se concebe que, após o Nascimento do Redentor, quisesse forçar ou
induzir a sua esposa a quebrar a sua inabalável resolução, quando
a segurança com que Maria declara
que não conhece varão Ela que demonstra assim conhecer as leis do
matrimônio), mostra claramente que S. José estava de pleno acordo
com o seu propósito, e voto de Virgindade. Bem, como seria grande
presunção de sua parte, querer violar o Corpo virginal de Maria,
que servira de Templo ao Redentor.
Para
quem sabe tirar logicamente as conclusões de um fato, para quem lê
os Evangelhos com o desejo sincero de conhecer a verdade, e não com
a ideia preconcebida de contradizer a Igreja, para quem considera a
Mãe de Deus como Ela o era realmente, uma criatura Santa e fiel aos
seus compromissos assumidos para com Deus, o diálogo entre Maria e o
Arcanjo S. Gabriel, é uma prova cabal de sua perpétua
Virgindade.
Antes
de Coabitarem.
Vejamos
agora os textos do Evangelho, sobre os quais se enganam redondamente
os protestantes, julgando ver neles uma prova de que Maria não foi
Virgem depois do parto.
Um
deles é o seguinte: Estando
já Maria, sua mãe, despojada com José, antes de coabitarem, se
achou ter ela concebido por
obra do Espírito Santo.
Tanto
a palavra portuguesa coabitar,
como a palavra grega a ela correspondente no texto, isto é, o verbo
synérchomai,
têm 2 sentidos, um inocente e outro não.
Synérchomai
= reunir-se em um mesmo lugar, habitar junto.
Synérchomai
= ter relações carnais.
Se
modernamente no português o verbo coabitar
já começa a ser empregado mais neste 2º sentido, isto nada tem que
ver com a questão. Não deixa de haver em português o 1º sentido;
consulte-se para isto qualquer
dicionário. Além disto a Bíblia não foi escrita em português; o
texto do Pe. Pereira que aí damos não é mais que a tradução da
Vulgata, que por sua vez traduz o texto grego, e no grego há os dois
sentidos.
Fica,
portanto, a questão: Antes
de coabitarem
aí no caso quer dizer: Antes
de morarem juntos ou quer dizer antes de terem relações carnais?
Para
se resolver esta questão, seria
preciso, porém, resolver a outra, a qual não ficou devidamente
elucidada: Desposada
no texto da Anunciação quer dizer casada
ou quer dizer apenas noiva,
dada em casamento?
Se
desposada
quer dizer simplesmente
noiva,
como opinam muitos bons intérpretes, então antes
de coabitarem
significa simplesmente: antes que o noivo José tivesse levado Maria
para a sua casa e começassem a morar juntos sob o mesmo teto. Não
há, portanto, nenhuma prova contra a Virgindade de Maria Santíssima.
– Mas,
dirão os protestantes: O Sr. mesmo disse que também são muitos os
bons intérpretes que afirmam que quando o Anjo anunciou a Maria, Ela
já estava casada, morando com José na mesma casa. Nesta hipótese
então antes
de coabitarem
quer dizer evidentemente antes
de terem relações sexuais.
Ora, dizendo isto, o Evangelista mostra que de fato tiveram estas
relações depois.
– Quer
dizer então que a objeção de Vocês vale somente sob condição.
Está de pé a objeção somente no caso em que desposada
queira dizer casada
e
morando
na mesma casa.
Mas
vamos supor mesmo como certo o que é discutido. Vamos supor como
assentado de pedra e cal, que Maria recebeu a mensagem do Anjo,
quando já estava morando com S. José na mesma casa e que, portanto,
antes
de coabitarem
quer dizer
antes
de terem relações carnais.
Mesmo
assim, é inteiramente falha a argumentação de Vocês.
Daí
não se segue forçosamente que houve tais relações depois. O fito
do Evangelista é apenas frisar que não houve intervenção humana
no Nascimento de Jesus; e ele podia muito bem ter dito isto, mesmo
sem cogitar de maneira alguma no que sucedeu ou podia ter sucedido
depois. Nem sempre quando se diz: Antes
de fazer
uma coisa, se segue que a coisa depois foi feita.
Podemos
citar inúmeros exemplos.
Já
S. Jerônimo, argumentando contra Helvídio, apresentava as seguintes
frases:
Antes
de almoçar naquele porto,
embarquei para a África.
Paulo
Apóstolo, antes
de chegar à Espanha,
foi preso.
Helvídio,
antes
de fazer penitência,
morreu.
Daí
não se segue que depois voltei àquele porto para almoçar. Não se
segue que Paulo tivesse chegado à Espanha, nem que Helvídio, depois
de morto, tivesse feito penitência.
Cornélio
A Lápide lembra as seguintes frases:
Ele,
antes de envelhecer, estava cheio de cabelos brancos.
Este
menino, antes de atingir a idade viril, já é um sábio.
Daí
não se conclui que ele tenha envelhecido, pode até ter morrido
antes disto, mas o fato é que teve cabelos brancos antes de
envelhecer. Nem se conclui que o menino tenha que atingir a idade
viril para a frase ser verdadeira: a frase exprime apenas o que o
menino é de inteligência precoce, pode muito bem morrer antes de
tornar-se homem, como muitas vezes acontece com os precoces.
Observa
Calmet:
“Diz-se
todos os dias que:
Um
homem morreu antes de executar seus projetos.
Segue-se
daí que os tenha executado depois da morte?
Que:
Um juiz condenou o réu, antes de ouvi-lo.
Segue-se
que o tenha ouvido, depois de condená-lo?”
Realmente,
caros amigos, nós dizemos:
Os
alunos, antes de prestarem o exame, foram aprovados e
diplomados;
O
trem espatifou-se, antes de chegar à estação de tal
cidade.
Quando
é claro que, depois de diplomados, os alunos não prestarão mais
exames e que o trem espatifado não chegou ao seu destino.
E
quando dizemos: Os protestantes, antes de estudarem a fundo as
questões bíblicas, se põem a doutrinar; não cogitamos se no
caso eles irão depois estudar a fundo ou não estas questões
bíblicas.
Em
todos estes casos antes de fazer equivale apenas a sem
fazer:
Embarquei
para a África sem almoçar; Paulo foi preso sem ter
chegado à Espanha, Helvídio morreu sem fazer penitência;
ele, sem envelhecer, estava com cabelos brancos; o menino, sem
ser homem feito, já é um sábio; o homem morreu sem executar
os seus projetos; o juiz condenou o réu sem ouvi-lo; os
alunos foram diplomados sem prestarem exame; o trem
espatifou-se sem chegar àquela estação e os protestantes se
põem a doutrinar sem estudarem a fundo as questões bíblicas.
A
frase do Evangelho quer dizer apenas: Estando já Maria, sua Mãe,
desposada com José, sem coabitarem, se achou ter Ela
concebido do Espírito Santo. Seja qual for o sentido que se queira
dar à palavra coabitar, isto em nada atinge no caso a
Virgindade de Maria Santíssima.
Não
Temas Receber Maria, Tua Mulher.
Uma
vez averiguado por S. José o estado de gravidez de Maria Santíssima,
isto não deixou de ser um caso doloroso para ele. Não tinha nenhuma
dúvida sobre a virtude de Maria e por outro lado aparecia aquele
fenômeno tão estranho. Observa Calmet: “Ele creu que, o que via
nela, provinha antes de alguma violência que Ela teria sofrido ou de
alguma outra causa que lhe era desconhecida”. Maria, por sua vez,
guardava o segredo da revelação do Anjo, entregando-se
confiantemente à Divina Providência que tudo solucionaria.
Nesta
situação angustiosa, resolve José deixá-la secretamente. Foi a
atitude que se lhe afigurou mais prudente e acertada. Um Anjo, então,
em sonhos lhe explica o ocorrido. É a melhor solução e a que não
podia faltar; o papel de José como preservador da reputação de
Maria é indispensável; e por outro lado a revelação feita pelo
Céu torna-se mais honrosa para a Santíssima Virgem.
O
Anjo diz a José: Não temas receber a Maria, tua mulher, porque o
que nela se gerou é obra do Espírito Santo.
E diz o Evangelho que despertando José do sono, fez como o Anjo
do Senhor lhe havia mandado e recebeu a sua mulher.
Que
significa este verbo receber aí expresso duas vezes?
Corresponde
ao verbo grego:
Paralambáno
– receber ao pé de si ou consigo (como mulher ou companheira, como
filho adotivo ou como auxiliar ou aliado); acolher, dar
hospitalidade; tomar a seu cargo; aceitar, admitir.
Na
hipótese de que S. José, ao receber o aviso em sonhos, estivesse
simplesmente noivo, a palavra do Anjo quer dizer: Não temas realizar
com Maria a cerimônia do casamento e levá-la para tua casa.
Na
hipótese de que já estivessem casados, quer dizer: Não temas
aceitá-la como tua mulher, não a abandones.
Talvez
o protestante queira tirar desta palavra Tua Mulher, uma
conclusão contra a Virgindade de Maria Santíssima. Tudo é possível
na cabeça de um leitor malicioso. Mas chamando-a Tua Mulher,
o Evangelista quer referir-se apenas ao que Ela é legalmente,
ou melhor, perante a lei, perante o público, sem cogitar daquilo que
se passa na intimidade conjugal. E é assim que sempre procedem os
Evangelhos. O próprio S. Mateus, neste mesmo capítulo, começa o
seu Evangelho fazendo a genealogia de Jesus Cristo pelo lado de S.
José, embora sabendo perfeitamente que ele não é o pai de Jesus.
Quando o Menino é apresentado no templo, José e Maria ficam
encantados com as palavras de Simeão, e o Evangelista os chama de
Pai e Mãe do Menino: E seu Pai e Mãe estavam admirados daquelas
coisas que dEle se diziam.
E a própria Maria Santíssima chamou a José de Pai do
Menino, quando Ele se perdeu, com doze anos e foi achado no templo de
Jerusalém: Sabe que teu Pai e eu te andávamos buscando cheios de
aflição.
Alguns querem tirar daí argumento para dizer que José foi pai
verdadeiro (biológico) de Jesus, e não pai adotivo. Mas os próprios
protestantes não concordam com isto, porque está evidente nos
Evangelhos que a concepção de Cristo foi virginal. Faz-se a
genealogia de José, chama-se a José de Pai, porque perante a lei
ele é o pai do Menino.
Assim
também, perante a lei Maria é a mulher de José; se há entre eles
um pacto de continência, se ambos espontaneamente renunciam na
intimidade os seus direitos matrimoniais, não é por isto que Maria
deixa de ser realmente a mulher de José.
O
Primogênito.
Outro
argumento que os adversários da Virgindade perpétua de Maria acham
fortíssimo, mas que na realidade não prova coisa alguma, é o fato
de Jesus ser chamado Primogênito.
Isto
acontece 2 vezes no texto da Vulgata: em S. Mateus e em S. Lucas.
E
ele não na conheceu enquanto ela não deu à luz ao seu Primogênito;
e Lhe pôs por nome Jesus.
… E
deu à luz o seu filho Primogênito e O enfaixou e O reclinou em uma
manjedoura.
Queremos
notar, não para nos descartarmos desta palavra Primogênito,
o que não é possível, pois aparece em S. Lucas (nem há
necessidade disto, como veremos), mas por simples informação ao
leitor, que a palavra Primogênito
não aparece no texto greco de S. Mateus.
Ouk
(não)
egínosken
autén
(a conhecia)
heós
(até que)
éteken
(deu à luz)
hyión
(um filho)
kai
(e)
ekálesen
(chamou)
tó
ónoma autóu
(o nome dEle)
iesóun
(Jesus).
A
palavra deve ter sido acrescentada por distração de algum copista
influenciado pelo fato de aparecer a mesma em S. Lucas. Como
testemunho insuspeito, temos a tradução da Sociedade Bíblica do
Brasil, a qual não traz aí no texto de S. Mateus esta palavra: E
não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o
nome de Jesus.
O
fato, porém, é que no Evangelho de S. Lucas se diz que Maria deu à
luz seu Filho Primogênito.
Ora,
dizem os protestantes, Primogênito
quer dizer o primeiro que foi gerado; logo, nasceram outros. Além
disto, S. Lucas escreveu o seu Evangelho não no tempo em que o
Menino nasceu, porém, muitos anos depois da Morte de Cristo; se o
Evangelho diz Primogênito
e não Unigênito, isto é sinal de que o Evangelista sabia da
existência de outros filhos. Logo, Maria não foi Virgem depois do
parto.
– Toda
esta argumentação se baseia num falso fundamento:
o protestante, no caso, não tem uma ideia exata do que quer dizer
Primogênito.
E
a questão não está em saber qual a impressão que vai produzir
esta palavra no espírito de um herege, que está ansioso por
encontrar argumentos, a fim de provar que Maria Santíssima perdeu um
dia a sua Virgindade. A
questão está em saber qual o significado que davam os hebreus à
palavra Primogênito,
pois é neste sentido que a empregam os Evangelhos.
Primogênito
era simplesmente isto: aquele antes do qual não tinha nascido outro.
Nascessem outros depois ou não, isto não importava no caso; o
primeiro que nascia era Primogênito
sempre e, como tal, tinha uma especialidade, era consagrado a Deus:
Falou mais o
Senhor a Moisés e lhe disse: Consagra-Me todos os Primogênitos que
abrem o útero de sua mãe entre os filhos de Israel, assim de homens
como de animais, porque todos eles são Meus.
Todo o macho que
abre o útero de sua mãe será Meu; os de todos os animais, assim de
vacas como de ovelhas, serão Meus.
E
é precisamente porque vai descrever depois a apresentação do
Menino no templo, na sua qualidade de Primogênito,
ao relatar o Nascimento de Jesus, O chama
deste modo: E
depois que foram concluídos os dias da purificação de Maria,
segundo a lei de Moisés, O levaram a Jerusalém para O apresentarem
ao Senhor, segundo o que está escrito na lei do Senhor: Todo o filho
macho que for Primogênito será consagrado ao Senhor.
Quanto
a S. Mateus, como vimos, o texto grego não traz esta palavra, mas
ainda mesmo que a trouxesse, isto em nada afetaria o caso. Se
primogênito
é
o Primeiro que é
gerado,
como a própria palavra está dizendo, se primogênito era uma classe
especial de homens consagrados a Deus, pouco importa que depois dele
tenham nascido outros ou não, aquele que antes de si não teve
nenhum irmão é eternamente e para todos os efeitos o primogênito.
Quando Deus, como se conta no Êxodo
fez morrer no Egito todos os Primogênitos,
é claro que mesmo aqueles que já eram homens feitos e não tinham
tido mais nenhum irmão ou irmã, e mesmo que os não pudessem ter
mais, por haverem morrido seus pais, ainda assim estravam no rol: e
eram os primeiros filhos, se antes deles não tinham nascido nenhum,
era o quanto bastava para serem irrevogavelmente primogênitos e,
como tais, condenados ao extermínio.
Esta
era a significação da palavra Bekor
ou primogênito entre os hebreus: o primeiro que nasce,
independentemente da consideração se depois dele nascem outros ou
não. Uma antiga inscrição judia encontrada em Tell-el-Yedouhieh,
fala-nos de uma jovem mulher chamada Arsinoé que morreu “entre
as dores do parto do seu filho Primogênito”.
Aliás, o mesmo se podia dizer em
nossa língua, sem que nisto houvesse nenhuma falta de lógica, uma
vez que não repugna que haja Primeiro
sem Segundo,
porque alguém pode dizer, por exemplo: Este foi o meu primeiro
discurso, aliás Primeiro
e Último,
porque não falarei mais em público. Como se vê, a noção de
Primeiro
e a noção de Último
não implicam necessariamente uma contradição.
E
fazendo ressaltar em Jesus a sua qualidade de Primogênito,
o Evangelista quer relembrar apenas que, pela lei mosaica, Ele era,
como todos os primogênitos, consagrado a Deus.
O
Uso de Enquanto e Até Que entre os Hebreus.
Mas
onde se mostra bem claramente um modo bem diverso de expressar-se,
entre o nosso idioma e a linguagem usada antigamente entre os
hebreus, é na frase empregada por S. Mateus, referindo-se a S. José:
E
ele não na conhecia Enquanto
ela não deu à
luz
o seu primogênito; e Lhe pôs por nome Jesus.
Ferreira
de Almeida e Pe. Matos Soares apresenta a conjunção subordinativa
de um modo ainda mais conforme ao texto grego e ao latim da Vulgata:
Ferreira
de Almeida:
E
não a conheceu Até
que deu
à luz seu filho, o primogênito; e pôs-lhe por nome Jesus.
Pe.
Matos Soares:
E
não a conhecia Até
que
deu à luz seu filho primogênito; e pôs-Lhe o nome de Jesus.
Não
há dúvida que isto dito assim em nossa língua, parece dar a
entender que José a conheceu depois; mas a questão está em saber
se no modo de falar dos hebreus
daquele tempo, se no modo de falar da Bíblia
se tira esta conclusão. E aí se vê o perigo de pôr-se a Bíblia,
um livro escrito há tantos séculos e apresentando uma linguagem bem
diversa da nossa, nas mãos de qualquer pessoa, com o direito de
interpretá-la como lhe vem à cabeça, sem ter o conhecimento da
índole das línguas antigas.
Segundo
o modo de falar dos hebreus (e S. Mateus é um hebreu da gema, e
aliás escreveu o Evangelho na sua própria língua, sendo o texto
grego uma tradução e quem traduz a Escritura, o faz palavra por
palavra, para respeitar o texto sagrado, além disto é certo que o
grego do Novo Testamento está repleto de hebraísmo), segundo o modo
de falar das línguas semíticas:
não
a conheceu Enquanto
ela não deu à luz;
não
a conheceu Até
Que
ela deu à luz;
quer
dizer simplesmente isto: sem que a tivesse conhecido, ela deu à luz
– sem nenhuma preocupação com o que aconteceu ou não aconteceu
depois.
O
leitor naturalmente exige provas, quer que se apresentem frases
semelhantes nas Escrituras.
Pois
bem, não será difícil apresentá-las.
Vejamos
o Gênesis.
Houve
o dilúvio em que caiu
a chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites.
As
águas cresceram e engrossaram prodigiosamente por cima da terra, e
todos os mais elevados montes que há debaixo do Céu ficaram
cobertos; tendo a água chegado ao cume dos montes, elevou-se ainda
por cima deles quinze côvados.
E
as águas tiveram a terra coberta cento e cinquenta dias.
Noé
e os seus estão na arca. Depois dos 150 dias começam as águas a
diminuir: E
as águas… começaram a diminuir-se depois de cento e cinquenta
dias.
É natural agora, portanto, a curiosidade de Noé em saber a marcha
em que se
vai processando esta diminuição das águas e quanto tempo mais ou
menos irá durar aquela moradia dentro da arca, que por certo não
deve ser lá muito cômoda.
Solta
então um corvo que não volta mais;
solta
depois uma pomba que, não achando onde pousar, volta bem depressa
para a arca;
sete
dias depois, solta outra pomba e esta volta para
Noé sobre a tarde, trazendo no seu bico um ramo de oliveira com as
folhas verdes.
É
já um bom sinal;
espera
Noé mais sete dias e solta outra pomba que não torna mais a ele.
O
corvo não se mostrou bom mensageiro; enrascou-se no meio das águas
e não acertou o caminho para voltar. Daí o ditado entre os hebreus
de se chamar corvo mensageiro ao portador que não dá conta de seu
recado.
Pois
bem, em lugar de dizer, como nós diríamos, que a arca pousou em
terra, sem
que o corvo tivesse voltado,
a Escritura diz da seguinte maneira: abriu
Noé a janela que tinha feito na arca e soltou um corvo, o qual saiu
e não tornou mais, Até
Que as águas que
estavam sobre a terra se secaram.
Ora,
é evidente que o corvo não voltou mais à arca, depois que ela
pousou em terra; nem isto interessa mais ao narrador, que quis
mostrar apenas a marcha dos acontecimentos enquanto estavam na arca.
Mas é o modo de falar deles naquele tempo. Assim
também, em vez de dizer: Maria deu à luz, sem que José a tivesse
conhecido, S. Mateus diz que José não a conheceu, Até
Que
ela deu à luz. O que interessa ao narrador no caso é simplesmente
mostrar que a concepção de Jesus foi virginal.
Mas
vamos a outros exemplos.
Em
vez de dizer: Reduzirás a pó os reis, sem
que ninguém te possa resistir,
a Bíblia diz: Entregar-te-á
nas tuas mãos os seus reis, e fará que não fique memória de seus
nomes debaixo do Céu; ninguém te poderá resistir, Até
Que os tenhas feito em pó.
É claro que, depois de reduzidos a pó os reis, com maioria de razão
ninguém poderá resistir. Mas este é o modo de falar dos antigos:
ninguém resistirá Até
Que
os tenhas feito em pó.
Em
vez de dizer: Micol, filha de Saul, morreu Sem
Ter tido filhos,
a Bíblia diz: Micol,
filha de Saul, não teve filhos Até
o dia da sua morte.
Em
vez de dizer: Morrereis, sem que esta iniquidade vos seja perdoada,
Isaías diz: Não
se vos perdoará por certo esta iniquidade Até
Que morrais,
diz o Senhor Deus dos exércitos.
Vê-se muito bem que Deus não quer dizer aí que, depois de mortos,
vai dar-lhes o perdão; mas sim, que morrerão sem alcançá-lo. E no
mesmo profeta Isaías, em vez de se dizer: Estabelecerá a justiça
sobre a terra, Sem
Precisar ser triste nem turbulento,
se diz assim: Não
será triste nem turbulento, Até
Que
estabeleça
na terra a justiça.
É
evidente que, se o libertador de Isaías não foi triste nem
turbulento antes do estabelecimento da justiça, muito menos o será
depois de estabelecê-la. Mas este é o estilo da Bíblia. O Até
Que,
e o Enquanto
Não,
não têm na Bíblia o mesmo sentido que têm na nossa linguagem
comum, não exprimem absolutamente uma restrição. Não há,
portanto, restrição à Virgindade de Maria naquela frase de S.
Mateus.
Outros
exemplos em que o Até
Que
não exprime nenhuma restrição, temos nos Salmos:
Como
os olhos da escrava nas mãos de sua senhora, assim os nossos olhos
estão fitos no Senhor nosso Deus, Até
Que
tenha misericórdia de nós.
Quer dizer então que, depois que Deus tiver misericórdia, não
olharemos mais
para Ele e nEle não teremos mais os olhos fitos? Não é este
absolutamente o sentido do Salmista.
Diz
o Salmo 109: Disse
o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha mão direita, Até
Que ponha a teus inimigos por escabelo de teus pés.
Quer dizer que depois de ter os inimigos debaixo de seus pés, aquele
Triunfador não estará mais sentado à direita do Senhor?
Absolutamente não; porque aí é que vai começar a época melhor de
reinar, de sentar-se glorioso, com os inimigos vencidos e subjugados
a seus pés.
Mas
é este o estilo da Bíblia.
Não
podemos, portanto, tomar uma frase bíblica e querer à fina força
interpretá-la de acordo com o nosso modo de falar de hoje, dentro da
nossa língua; ela tem que ser vista como realmente é, uma palavra
da Escritura que tem o seu estilo próprio, a sua linguagem peculiar.
E
argumentar, muito entusiasmado, com estas frases que enganam à
primeira vista, é mostrar apenas falta de conhecimento do que é a
Bíblia.
José
não conheceu a Maria, até que ela deu à luz o seu filho, quer
dizer simplesmente, segundo o modo de falar das Escrituras, a
afirmação de que Maria era Virgem por ocasião de seu abençoado
parto; esta afirmação absolutamente não é destruída por esta
outra que também é verdadeira: Maria continuou Virgem a sua vida
inteira, Até
Que
morreu, o que por sua vez também não quer dizer que ela tenha
perdido a Virgindade depois da morte.
Os
Irmãos de Jesus.
Diante
da frase de S. Mateus vista no número anterior, o leitor ainda
poderá compreender como se tenham equivocado os protestantes,
iludindo-se com as aparências.
Mas,
agora vai pasmar ao ver a malícia, a precipitação com que esses
enfatuados intérpretes da Bíblia, que a leem continuamente e
procuram aprendê-la de cor, ainda vão tirar da expressão Irmãos
de Jesus, uma conclusão contra a Virgindade perpétua de
Maria Santíssima, vejamos.
Sabemos
que a Escritura não somente designa com o nome de Irmãos
aqueles que são filhos do mesmo pai ou da mesma mãe, como eram Caim
e Abel, Esaú e Jacó, S. Tiago Maior e S. João Evangelista (que
eram filhos de Zebedeu), etc.; mas também, aqueles que são parentes
próximos, como tios e primos.
A
Escritura está cheia destes exemplos.
Abrão
chama de irmão a Lot: Peço-te que não haja rixas entre mim e
ti, nem entre os meus pastores e os teus, porque somos
irmãos.
Mais adiante a própria Bíblia o chama assim: Abraão, tendo
ouvido que Lot, seu irmão, ficara
prisioneiro...
Pois bem, Lot era apenas sobrinho de Abraão, pois já antes disto se
lê no Gênesis: Tinha Abraão setenta e cinco anos quando saiu de
Harã. E ele levou consigo a Sarai, sua mulher, a Lot, filho
de seu irmão, e todos os bens que possuíam.
Labão
diz a Jacó: Acaso, porque tu és meu irmão,
deves tu servir-me de graça?
E no entanto, Jacó era sobrinho de Labão: Isaque
chamou a Jacó e o abençoou e lhe pôs por preceito dizendo:
Não tomes mulher da geração de Canaã; mas vai e parte para a
Mesopotâmia… e desposa-te com uma das filhas de Labão,
teu tio.
Realmente, Jacó era filho de Isaque com Rebeca
e Rebeca era irmã de Labão: Rebeca, porém, tinha um irmão
chamado Labão.
E, no entanto, não só, como vimos acima, seu tio o chama Irmão,
mas também quando Jacó se encontra com Raquel, que é filha de
Labão,
diz à moça que é Irmão de Labão: E lhe
manifestou que era Irmão de seu pai e filho de
Rebeca.
Lê-se
no Levítico, que Nadab e Abiu, Filhos de
Arão
são mortos por castigo, por terem oferecido um fogo estranho nos
seus turíbulos. Moisés chama os primos dos que faleceram: Misael
e Elisafã, Filhos de Oziel, Tio de
Arão
e lhes diz: Ide, tirai vossos Irmãos de
diante do santuário e levai-os para fora do campo.
Lê-se
no livro de Paralipômenos, que Eleazar e Cis são filhos de Moholi:
Filhos de Moholi: Eleazar e Cis,
portanto, irmãos no verdadeiro sentido da palavra. Eleazar só teve
filhas e não filhos; as filhas dele se casaram com os filhos de Cis.
Espera-se que a Escritura diga: casaram-se com os filhos de Cis, que
eram seus primos; mas ela diz: com os filhos de Cis, seus Irmãos.
E Eleazar morreu e não teve filhos, senão filhas; e casaram com
os filhos de Cis, seus Irmãos.
É
dentro deste costume hebreu de designar com o nome de Irmãos,
não só os que têm os mesmos pais, senão também os parentes
próximos como tios, primos e sobrinhos, pois o hebraico não possuía
palavras próprias para designar esses parentescos, que o Novo
Testamento fala em Irmãos de Jesus; daí nada se
conclui contra a perpétua Virgindade de Maria Santíssima, pois
jamais a Bíblia em parte alguma afirma que estes irmãos de Jesus
sejam filhos de Maria.
Os
protestantes objetam que o Novo Testamento foi escrito em grego; no
grego Adelphós significa Irmãos exatamente como em
português, e quando o grego quer dizer primos ou tios, não é como
o hebraico, tem palavras própria para isto, como p. ex.: Saúda-nos
Aristarco, que é meu companheiro na prisão e Marcos, Primo
de Barnabé.
Aí o texto grego tem o cuidado de dizer não Adelphós
= irmão, mas Anepsiós = primo. Logo, se aqueles
irmãos de Jesus fossem primos ou tios, o Novo Testamento escrito em
grego yeria meios para dizer isto com toda a clareza; se diz Irmãos,
é porque eram irmãos mesmo, no sentido rigoroso do texto.
Os
protestantes falam como se o grego do Novo Testamento não estivesse
cheio de hebraísmos, ou seja, perfeitas imitações do modo de falar
hebreu. A expressão Irmãos do Senhor, é uma frase
feita, uma expressão com que se costumava designar um certo grupo de
pessoas: assim como os outros Apóstolos e os Irmãos do
Senhor e Cefas.
Sendo usada esta expressão num meio aramaico, em que o povo
costumava chamar irmãos todos os parentes próximos,
era muito natural que os escritores do Novo Testamento a traduzissem
ao pé da letra, assim como também os autores da Versão dos Setenta
escrevem em grego, é verdade, mas usam a palavra Adelphós
= irmão em todos aqueles trechos do Antigo Testamento em que Irmão
significa tio ou primo ou qualquer outro parente próximo.
Ter
sido esta também a sua norma, é o que o próprio Novo Testamento se
encarrega de demonstrar.
Querem
ter a prova os nossos amigos protestantes?
Dá
alguma vez o Evangelho os nomes desses irmãos de Jesus, para
que possamos identificá-los?
Sim,
dá. Sabe-se dos nomes, pelo menos de 4: Tiago, José, Judas e Simão:
Não é este o oficial, filho de Maria, irmão
de Tiago e de José e de Judas e de Simão? Não vivem aqui entre nós
também suas irmãs?
Porventura, não é este o filho do oficial? Não se chamava sua
mãe Maria, e seus irmãos Tiago e José e Simão
e Judas? E suas irmãs não vivem elas todas entre nós?
Pois
bem, este Tiago que encabeça a lista é um Apóstolo, pois
diz S. Paulo na Epístola aos Gálatas: E dos outros Apóstolos
não vi a nenhum, sendo a Tiago, Irmão do Senhor.
Quer
dizer então que, segundo a opinião desses protestantes, este Tiago
Apóstolo era filho de Maria, Mãe de Jesus; e de Maria e de José,
porque, como os próprios protestantes reconhecem, Maria nunca teve
filhos antes de seu casamento com José. E não se casou com outro
depois da morte de José, pois na hora da morte de Cristo, Ela está
sozinha, sem marido e Cristo a entrega a S. João Evangelista; além
disto se Maria tivesse casado outra vez, seus filhos estariam
pequenos, não estariam em idade de ser Apóstolos.
Temos
2 Apóstolos com o nome de Tiago: Tiago Maior e Tiago Menor. Vamos
ver se algum deles era filho de José com Maria.
S.
Tiago Maior, era irmão de S. João Evangelista, e ambos Filhos
de Zebedeu: Da mesma sorte havia deixado atônitos a Tiago e a
João, Filhos de Zebedeu.
S.
Tiago Menor, que era irmão de
Judas, era filho de Alfeu.
Entre os Apóstolos, que são enumerados por S. Mateus, estão:
Tiago, Filho
de Zebedeu e Tiago Filho
de Alfeu.
Que tem que ver Maria Santíssima com este Alfeu
ou com este Zebedeu?
Logo, este Tiago, Irmão do Senhor,
não é seu filho.
Além
disso, comparando-se os Evangelhos, se vê claramente que este Tiago
e este José que encabeçam a lista são Primos de Jesus,
e o Tiago, é o Apóstolo Tiago Menor. Enumerando as mulheres que
estavam, juntamente, com Maria ao pé da Cruz, S. Mateus, S.
Marcos e S. João as identificam da seguinte maneira:
S.
Mateus: Maria, mãe de Tiago e
de José, Maria Madalena; a mãe dos filhos de Zebedeu.
S.
Marcos: Maria, mãe de Tiago
Menor e de José; Maria Madalena; Salomé.
S.
João: A irmã de sua mãe,
Maria, mulher de Cléofas; Maria Madalena.
Por
aí se vê que a mesma Maria que é apresentada por S. João como
tia de Jesus (irmã de sua mãe), é apresentada por S. Mateus e S.
Marcos como mãe de Tiago Menor e de José. E é claro que, não se
trata de Maria Salomé, que é a mãe dos filhos de Zebedeu e,
portanto, é mãe de Tiago Maior.
Tiago
Menor e José são, portanto, Primos de Jesus,
e são os primeiros que encabeçam aquela lista.
Tiago,
José, Judas e Simão.
E
de fato, o Apóstolo S. Judas Tadeu era irmão de S. Tiago Menor,
pois ele diz no começo de sua Epístola: Judas,
servo de Jesus Cristo e irmão de Tiago.
Tanto o Evangelho de S. Lucas
como os Atos dos Apóstolos
para diferenciarem Judas Tadeu de Judas Iscariotes, chamam a Judas
Tadeu: Judas,
irmão de Tiago.
E
assim, cai por terra fragorosamente a alegação dos protestantes de
que Maria teve outros filhos além do Divino Salvador, alegação
baseada em que o Evangelho fala em Irmãos
de Jesus.
Não só provamos que entre os hebreus se chamavam Irmãos
os parentes próximos, mas também, mostramos que a lista dos nomes
apresentados como sendo destes Irmãos,
é logo encabeçada por Dois
Primos,
filhos da irmã da Mãe de Jesus. Logo, não tem nenhum valor a
alegação.
A
única dificuldade, esta agora já sem importância, que pode fazer o
protestante, é que Tiago Menor é filho de Alfeu, e sua mãe é
apresentada como Mulher
de Cléofas.
Sem
precisar recorrer a nenhum argumento de tradição (porque talvez os
protestantes não gostem disto) temos que observar o seguinte:
1º
–
O
texto original não diz Mulher
de Cléofas,
mas diz simplesmente: a
irmã de sua mãe, Maria, a do Cléofas;
podia
chamar-se Maria, a do Cléofas, por causa do pai ou por outro qualquer
motivo;
2º
– não repugna que a mesma Maria se tenha casado com Alfeu e dele
tenha tido S. Tiago Menor e depois se tenha casado com Cléofas e tido
outros filhos ou mesmo deixado de ter. Tiago é o único que é
apontado nos Evangelhos como filho deste Alfeu, pois o Alfeu, pai de
S. Mateus
já deve ser outro;
3º
– não repugna que o próprio Alfeu seja o mesmo Cléofas. É muito
comum nas Escrituras uma pessoa ser conhecida por 2 nomes diversos: O
sogro de Moisés é chamado Raguel
e logo depois é chamado Jetro.
Gedeão,
depois de ter derrubado o altar de Baal é chamado também Jerobaal.
Osias, rei de Judá é chamado também Azarias.
E no Novo Testamento o mesmo Mateus é chamado Levi: Viu
um homem, que estava assentado no telônio, chamado Mateus;
viu a Levi, filho de Alfeu, assentado no telônio.
O mesmo que é chamado José é chamado Barsabas.
Ainda
hoje mesmo, entre nós, nas nossas localidades do interior,
principalmente, é muito comum esta duplicidade de nomes.
Seja
Alfeu o mesmo Cléofas ou não seja, isto pouco importa. O que é
fato, é que Maria de Cléofas é irmã de Maria, Mãe de Jesus, e é
ao mesmo tempo mãe de Tiago e de José, que são chamados Irmãos
do Senhor.
Queremos
ainda chamar a atenção do leitor para o seguinte: esses hereges que
negam a Virgindade perpétua de Maria Santíssima, e que dizem que
Irmãos
de Jesus quer dizer Filhos
de Maria,
atribuem à Santíssima Virgem uma filharada enorme.
Além
de Tiago, José, Judas e Simão, estão as Irmãs
de Jesus,
sobre as quais S. Mateus apresenta os judeus dizendo: E
suas irmãs não vivem elas todas entre nós?
Ora,
para se dizer assim Todas,
é preciso que sejam de 3 para cima.
Além
disso Tiago e Judas eram Apóstolos. Mas S. João no seu Evangelho já
fala em Irmãos
que são hostis a Jesus e Lhe dizem: Sai
daqui e vai para a Judeia, para que também teus discípulos vejam as
obras que tu fazes.
Ali na Galileia o ambiente não estava de todo favorável ao Divino
Mestre, porque nem
ainda seus Irmãos
criam nEle.
É, portanto, mais outra tropa de irmãos a engrossar a fileira dos
filhos de Maria…
E
no entanto, o Evangelho, descrevendo a vida de família em Nazaré,
relatando a ida de Jesus ao templo de Jerusalém, quando o Menino
Deus já tinha doze anos,
não faz a mínima referência a irmão
nenhum que Jesus tivesse. Se Maria teve assim tantos filhos, nessa
ocasião já deveria ter alguns.
Os
Evangelhos só vêm a falar em Irmãos
de Jesus,
quando Ele aparece na sua vida pública.
Mais
ainda: na hora de sua Morte, é a S. João Evangelista, filho de
Zebedeu e de Salomé, que Ele encarrega de ficar tomando conta de sua
Mãe Santíssima: Jesus,
pois, tendo visto sua Mãe e ao discípulo que Ele amava, o qual
estava presente, disse a sua Mãe: Mulher, eis aí teu filho. Depois
disse ao discípulo: Eis aí tua Mãe. E desta hora em diante a tomou
o discípulo para sua casa.
Se
Maria teve tantos filhos e filhas, como se explica que Ela tenha sido
entregue aos cuidados de S. João Evangelista e que este a tenha
levado para sua casa? Dizer que esses irmãos
do Senhor
tenham morrido dentro daqueles três anos da vida pública do Mestre,
não é possível, pois, S. Paulo continua a falar em irmãos
do Senhor,
que ainda estão vivos depois da Morte de Jesus.
É
inqualificável esta audácia,
esta temeridade,
com que um protestante lê a sua Bíblia, assim tão às pressas, tão
descuidadamente e sai depois, sem o menor escrúpulo, a blasfemar
daquilo que ignora.
E
é assim que se faz a interpretação protestante.
Uma
interpretação superficial, que não aprofunda o sentido dos textos,
que se ilude facilmente com as aparências, que não é baseada em
nenhum princípio de lógica, que não se dá ao trabalho de
confrontar e harmonizar uma passagem com outra, e que usa
frequentemente de truques, de estéril jogo de palavras. Não estamos
falando sem provas; o leitor já teve ocasião de sobra para apreciar
tudo isto no decurso deste livro: já vimos quanto valem os seus
argumentos, quando querem estabelecer a tese de que a Fé Salva Sem
as Obras, quando querem derrubar as teses do Primado de Pedro, do
Poder e Autoridade da Igreja, dos Efeitos do Batismo, do Sacramento
da Penitência, da Presença de Jesus na Eucaristia, ou quando querem
apresentar a Igreja como idólatra, por causa de suas Imagens etc.,
etc.
É
com esta interpretação superficial que eles se armam para procurar
atingir o seu objetivo, que é combater a Igreja Católica, fundada
por Jesus Cristo para ser a Coluna
e Firmamento da Verdade,
e que tem a seu favor as divinas promessas de que jamais falhará,
por mais encarniçadas que sejam as guerras desencadeadas contra ela
pelas potestades infernais.
Nesta
ânsia de combater a Igreja, pouco lhes importa o valor ou a
qualidade das objeções; a quantidade, sim, é o que lhes interessa.
Acumular objeções sempre mais e mais; se forem bem resolvidas, eles
não cessarão a luta, terão sempre novas objeções a apresentar;
estas nunca lhes faltarão, pois se a Bíblia apresenta dúvidas e
dificuldades mesmo para os verdadeiros, sinceros e preparados
intérpretes, quanto mais para quem vai manuseá-la sem a necessária
sinceridade ou sem a devida competência.
E
enquanto a razão humana se mostra assim tão fraca diante da Bíblia
– mais fraca ainda, é claro, quando é perturbada pelo ódio
sectário e pela ânsia de querer forçar os textos sagrados, para
amoldá-los aos interesses de religiões inventadas pelos homens –
a Igreja continua firme e serena no seu posto; só ela é que recebeu
a missão divina de ensinar a todos os povos e, por isto, só ela é
que possui a chave da legítima interpretação da Bíblia.
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Fonte:
Lúcio Navarro, “Legítima Interpretação da Bíblia”, 4ª
Parte, Cap. 17, pp. 573-596; 2ª Edição, Campanha de Instrução
Religiosa, Brasil-Portugal, Recife, 1959.
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