O
Montanismo
(Heresia
do séc. II-III)
Uma
doutrina de todo ponto contrária ao gnosticismo e tão exagerada
como ele, formulou-se no Montanismo. Assim como o gnosticismo tinha
substituído aos fatos históricos e às ideias reveladas do
Evangelho as extravagâncias do pensamento e as fantasias da
imaginação, assim também o Montanismo pretendeu que a objetividade
do Cristianismo devia absorver completamente o indivíduo com o seu
pensamento e vontade. Só a inspiração pode dar ao homem uma
certeza pessoal e verdadeira. Daí o caráter exterior da seita, que
ameaçava transformar o Cristianismo num monaquismo exagerado, do
mesmo modo como o gnosticismo o convertera em uma teologia mística.
Montano,
seu fundador, nascido em Pepusa, na Frígia (pelo ano de 170 d.c.),
provavelmente, antigo sacerdote de Cibele, logo que foi recebido no
seio do Cristianismo, apresentou-se como inspirado pelo Espírito
Santo, como o órgão mais poderoso do Paráclito, que até então
aparecera, ameaçando com os castigos mais severos e mais próximos
aqueles, que se insurgissem contra ele e o perseguissem. A
inspiração, de que Montano se dizia dotado, era só momentânea;
eram uns como arrebatamentos passageiros, que lhe roubavam toda a
reflexão e consciência de si mesmo. “Eis o Deus, eis o
Espírito Santo, que fala”,
exclamava Montano nos seus êxtases proféticos (necesse est excidat
sensu). Mas o viver do pretendido profeta estava bem longe de se
assemelhar à vida pura e celeste dos que, nos tempos Apostólicos,
recebiam os dons da visão e da profecia. Suas revelações tinham
principalmente por objeto preceitos morais muito rigorosos, cuja
realização levaria a Igreja à sua idade madura e viril. Era
preciso renunciar a toda a atividade científica, evitar todos os
gozos terrestres e procurar o martírio. A impureza, o assassínio,
as segundas núpcias excluíam
para sempre da Igreja. O espírito de profecia devia ser permanente
na verdadeira Igreja do Novo Testamento, assim como o tinha sido na
do Antigo; e os discípulos de Montano eram os seus depositários e
seus órgãos. Dos Apóstolos, esse dom passara para Ágabo, Judas,
Silas, para as filhas do Apóstolo Filipe em Hierápolis, para
Ananias de Filadélfia, para Quadrato, para Montano e para as duas
santas mulheres Priscila e Maximila. Pretendendo conservar a Doutrina
da Igreja Católica (Tertull., de Virginib. Veland., c. 2), Montano
dizia: “A moral carece de se aperfeiçoar; deve tornar-se mais
rigorosa; o próprio Deus mostrou bem claramente esta gradação,
passando do Velho para o Novo Testamento, através das instituições
e dos meios de salvação progressivos de um e outro”. Os Bispos
católicos reunidos em diversos Sínodos opuseram-se a este espírito
de ilusão e de mentira, a este rigorismo moral. Declararam Montano e
as duas mulheres “falsos profetas, possessos” e quiseram
submetê-los aos exorcismos eclesiásticos. Então, Montano e seus
aderentes separaram-se da Igreja Católica, e os Montanistas,
Perpusianos ou Catafrígios, constituíram uma igreja própria na
Ásia e na Frígia, sua sede principal, espalharam-se pelo Ocidente.
O altero Tertuliano foi
seduzido na África (por volta de 205) pela severidade destes
Princípios morais, até o ponto de expor com maior clareza o que
Montano entrevia em sua fantástica imaginação, e tornar conhecido
o erro dogmático do Montanismo, que negava a cooperação do
Espírito Santo na Obra de Jesus Cristo (cfr. Dieringer, Sist. dos
fatos divinos, T. II, p. 206; Tillemont, T. III, pp. 211-220).
“Cristo, dizia ele, prometendo aos Apóstolos a descida do Espírito
Santo, não queria por certo significar por esse modo que a revelação
não estava completa n’Ele e por Ele, porque diz positivamente:
‘Ela receberá do que é Meu e vo-lo anunciará (Jo. 16, 13-14;
cfr. XIV, 26; XV, 21); Ele vos dará testemunho de Mim e vos fará
lembrar tudo o que Eu vos tenho dito’; isto é, que o Espírito
Santo devia explicar, desenvolver e acomodar ao mundo o que Jesus
Cristo já tinha ensinado”. Mas Tertuliano, interpretando mal as
palavras do Salvador: “Ainda tenho muitas coisas que dizer-vos,
porém, não as podeis compreender agora” Jo. 16, 12), pretendia
que era passando o tempo em que Jesus Cristo tomava em consideração
a fraqueza dos homens; que o Espírito Santo tinha descido sobre
Montano e as duas profetisas; que tinha completado a revelação
interior para elevar a vida humana à sua perfeição,
e que por consequência aos fiéis corria o imperioso dever de
observarem os novos mandamentos do Espírito Santo.
Os
católicos mostraram-se pouco dispostos a abraçar este erro, já
condenado por muitos Sínodos reunidos na Ásia Menor desde os tempos
Apostólicos. Os Montanistas deram-lhes o nome de ‘carnais’, ao
passo que a si próprios se chamavam ‘espirituais’. Apelaram para
Roma, confiados nas recomendações dos Confessores de Lião e de
Viena. O Papa (Eleutério ou Vítor?), sendo iludido, já se mostrava
favorável a esta doutrina, quando o Confessor Praxeas, vindo
apressadamente a Roma, lhe descobriu todos os erros, e o obrigou a
rejeitá-los. A sua polêmica tornou-se então ilimitada e febril, e
chegaram ao extremo de repelir a Autoridade Doutrinal da Igreja
Católica (Tertull., de Pudicitia, c. 21, p. 744).
O
gnóstico egípcio Hieracas (Epiph. Haer. 67) desenvolveu princípios
de um rigorismo e severidade ainda mais exagerados do que os dos
Montanistas, com quem aliás tinham muitas afinidades.
Uma
seita contrária ao iluminismo dos Montanistas nasceu da polêmica
apaixonada, que eles excitaram. Esta
nova seita, menos numerosa, não só negava o dom de profecia dos
Montanistas, mas todo e qualquer dom do Espírito em geral. Tão
superficial na doutrina, como exagerada na reação, rejeitou o
Evangelho e o Apocalipse de São João, porque os Montanistas
lançaram mão deles para fundamentar a sua opinião acerca do
Espírito Santo e o seu ‘chiliasmo’ chegou a combater a Divindade
de Cristo e as relações do Verbo Divino (Logos) com a natureza
humana, de onde lhes veio o nome irônico de Aloges (cfr. Hèfélé,
Os Aloges e suas relações com os Montanistas – Revista trim. de
Tub., 1851, p. 564 ss), dado por Santo Epifânio. Eram
anti-montanistas, porém, antes de tudo, inimigos da Divindade do
Verbo”.
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Fonte:
Dr.
João Alzog, Professor da Universidade de Friburgo em Brisgau,
“História Universal da Igreja”, Tom. I, 2º Período, Part. II,
Cap. II, Art. LXXIII, pp. 199-201. Trad. de José Antônio Freitas;
Ernesto
Chardron, editor. Porto. 1882.
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