LSN: A quem essa agenda está 
beneficiando? Como fiéis católicos, estamos surpresos e preocupados com o
 surgimento súbito desses temas.
CB: Bem, essa agenda não pode ser 
benéfica para ninguém, porque ela não é verdadeira: ela não é a verdade.
 E, portanto, ela só está prejudicando a todos. Ela pode ser percebida 
como um benefício, por exemplo, para as pessoas que, por qualquer 
motivo, são flagradas em situações imorais. Alguns podem percebê-la como
 se, de alguma forma, ela os justificasse. Porém, ela não pode 
justificá-los, porque os próprios atos não podem ser justificados.
LSN: Em algum lugar o senhor 
mencionou a resistência firme a respeito desses pontos por parte de 
muitos padres sinodais. Será que esse não é um grande sinal de 
esperança? Essa resistência o surpreendeu?
CB: Não, não me surpreendeu, embora eu tenha me sentido muito grato por essa resistência, porque em dado momento quando a relatio post disceptationem
 foi entregue, por exemplo, quando observamos a direção que claramente 
estava sendo dada ao sínodo, receamos que talvez os padres sinodais não 
falassem claramente, mas eles o fizeram. E eles falaram com firmeza, 
vários deles, e agradeço a Deus por isso. Espero que esses mesmos padres
 sinodais – espero que muitos deles sejam nomeados para a sessão de 
setembro de 2015 – também sejam fortes nesse cenário.
LSN: Há ainda alguma confusão
 sobre o significado dos votos nos três artigos que não obtiveram 
maioria absoluta de dois terços. Eles foram incluídos no relatório final
 e nos Lineamenta. Eles efetivamente obtiveram
 maiorias simples de mais da metade, mas o que me chama a atenção é que 
os parágrafos foram redigidos de tal forma que realmente não podemos 
saber o que o voto significa. Será que a minha impressão está 
equivocada?
CB: Isso é muito confuso. Creio que já 
participei de cinco sínodos, e em todos eles, exceto neste, uma 
proposição – nesse caso, um parágrafo – que não tivesse recebido os dois
 terços de votos necessários era simplesmente eliminada; ela não era 
publicada, e não se tornava parte do documento sinodal. Nesse caso, eles
 insistiram em publicar o documento com todos os parágrafos, 
simplesmente indicando o número de votos. E, por isso, muitas pessoas 
consideram isso como uma indicação de que esses parágrafos são mais ou 
menos tão aceitáveis quanto os demais. Porém, na verdade, eles foram 
excluídos pelos membros do sínodo. Infelizmente, eles receberam uma 
maioria simples de votos, o que me preocupa muito – ou seja, que tantos 
padres sinodais tenham votado em favor dos textos que estavam confusos, e
 alguns simplesmente continham erro.
LSN: Muitas vezes, até mesmo 
os padres sinodais que elogiaram temas como “recasamento” de divorciados
 e uniões de homossexuais ou de pessoas não casadas têm reiterado que a 
questão não é doutrinal, mas pastoral. Qual é a sua resposta a essa 
afirmação?
CB: Que essa é simplesmente uma falsa 
distinção. Não pode haver coisa alguma que seja verdadeiramente sã do 
ponto de vista pastoral que não o seja do ponto de vista doutrinal. Em 
outras palavras: não se pode separar o amor da verdade. Ainda em outras 
palavras: não existe amor fora da verdade. Assim, é falsa a afirmação de
 que estaríamos fazendo apenas mudanças pastorais que nada têm a ver com
 a doutrina. Se admitirmos pessoas que estão vivendo em uniões 
matrimoniais irregulares à Sagrada Comunhão, então, estaremos 
diretamente fazendo uma declaração sobre a indissolubilidade do 
matrimônio, porque Nosso Senhor disse: “Aquele que repudia sua mulher e 
se casa com outra, comete adultério”. E a pessoa que se encontra em uma 
união matrimonial irregular está vivendo publicamente em estado de 
adultério. Se dermos a Sagrada Comunhão a essa pessoa, então, de alguma 
forma, estamos dizendo que isso está correto em termos doutrinais. Mas 
não pode ser assim.
LSN: Sendo assim, o simples fato de colocar esse tema em discussão já é um erro.
CB: Sim. Na verdade, pedi mais de uma vez
 que esses temas que nada têm a ver com a verdade sobre o matrimônio 
fossem retirados da agenda do sínodo. [Se as pessoas quiserem discutir 
essas questões, tudo bem, mas elas não têm nada a ver com a doutrina da 
Igreja sobre o matrimônio.] E o mesmo vale para a questão dos atos 
sexuais entre pessoas do mesmo sexo, e assim por diante.
LSN: Como católicos, sabemos 
que o matrimônio é vinculante para toda a vida e que ele é um “sinal” da
 união de Cristo com a Igreja, e também sabemos da sua profunda ligação 
com a Eucaristia. A “teologia do corpo” do Papa João Paulo II lançou uma
 luz particular sobre esse assunto, mas sua obra não foi citada nos 
sucessivos documentos sinodais. Qual é a sua opinião sobre essa omissão,
 e será que a popularização dessa obra não ofereceria respostas 
concretas para os problemas contemporâneos?
CB: Sim, sem dúvida. O ensinamento de São
 João Paulo II é tão luminoso, e ele se dedicou com tanta atenção e 
intenção à questão da verdade sobre a sexualidade humana e a verdade 
sobre o matrimônio, como vários de nós dissemos nas discussões sinodais e
 nos pequenos grupos de discussão. Pedimos um retorno daquele magistério
 do Papa João Paulo II, que é uma reflexão sobre o que a Igreja sempre 
ensinou e praticou. Mas, na verdade, alguns poderiam ter a impressão de 
que a Igreja não tinha doutrina alguma nessas áreas.
LSN: Isso é muito extraordinário …
CB: Isso é muito extraordinário. Isso é 
assombroso. Custei a crer no que estava vendo. Na verdade, acredito que 
algumas pessoas se recusam a crer que isso seja verdade, porque é um 
absurdo.
LSN: São João Paulo II respondeu efetivamente à ideologia de gênero antes que ela se tornasse bem conhecida.
CB: Sim, sem dúvida. Ele estava tratando 
de todas essas questões em um nível muito profundo e lidava com elas 
estritamente nos termos da lei moral natural, o que a razão nos ensina e
 o que a fé nos ensina, obviamente em união com a razão, mas elevando e 
iluminando o que a razão nos ensina sobre a sexualidade humana e sobre o
 matrimônio.
LSN: Os pontos de vista do 
Cardeal Kasper e, mais recentemente, do Bispo Bonny, de Antuérpia, e de 
outros prelados, incluíam a consideração de que homossexuais “fiéis”, 
divorciados “recasados” e casais não casados demonstram qualidades de 
auto-sacrifício, generosidade e dedicação que não podem ser ignoradas. 
Porém, através de sua escolha de estilo de vida, eles se encontram em 
uma condição que precisa ser percebida por estranhos como estado de 
pecado mortal objetivo: um estado de pecado mortal escolhido e 
prolongado. O senhor poderia nos recordar o ensinamento da Igreja sobre o
 valor e o mérito da oração e das boas ações nesse estado?
CB: Se estivermos vivendo publicamente em
 estado de pecado mortal, não há qualquer ato bom que possamos fazer que
 justifique essa situação: a pessoa continua em pecado grave. 
Acreditamos que Deus criou todo mundo bom, e que Deus quer a salvação de
 todos os homens, mas isso só pode acontecer pela conversão de vida. E 
assim temos que chamar à conversão as pessoas que vivem nessas situações
 gravemente pecaminosas. Dar a impressão de que, de alguma forma, existe
 algo bom a respeito de viver em estado de pecado grave é simplesmente 
contrário a tudo o que a Igreja sempre ensinou em todos os lugares.
LSN: Então, será que não 
basta quando alguém diz: “sim, é verdade que essas pessoas são amáveis, 
são dedicadas, elas são generosas”?
CB: É claro que não é. É como a pessoa que assassina alguém e, no entanto, é gentil com as outras pessoas …
LSN: Que cuidado pastoral 
verdadeiro o senhor recomendaria às pessoas nessas situações, e o que 
elas podem obter praticando sua fé, na medida do possível, quando elas 
não puderem obter absolvição ou receber a Sagrada Comunhão?
CB: Em minha própria experiência pastoral
 já trabalhei com pessoas que se encontram nessas situações e tentei 
ajudá-las, com tempo, no que diz respeito também às obrigações que por 
dever de justiça elas precisam cumprir, para que mudem o rumo de suas 
vidas. Por exemplo, no caso daquelas pessoas que estão em uniões 
matrimoniais inválidas, tentar ajudá-las a se separar, se for possível, 
ou viver como irmão e irmã em um relacionamento casto, se houver filhos e
 se eles forem obrigados a educá-los.
LSN: Será que no caso de 
casais recasados que têm seus próprios filhos e filhos de um casamento 
anterior, isto não cria situações muito difíceis?
CB: Claro que sim. Na verdade, estou 
profundamente preocupado com a discussão a respeito do processo de 
nulidade matrimonial: as pessoas têm a impressão de que só existe uma 
parte envolvida, ou seja, a pessoa que está pedindo a declaração de 
nulidade. O fato é que existem duas partes envolvidas, há crianças 
envolvidas e há todos os tipos de outros relacionamentos envolvidos em 
qualquer matrimônio. E, portanto, o assunto é extremamente complexo, ele
 nunca poderá ter algum tipo de solução fácil.
LSN: A questão da Comunhão 
espiritual tem sido levantada para essas pessoas que estão vivendo em 
matrimônios inválidos ou uniões impossíveis. Não entendo muito bem como 
se pode ter uma comunhão espiritual nesse tipo de estado.
CB: Essa expressão foi utilizada de 
maneira imprecisa. Para fazer uma comunhão espiritual é preciso ter 
todas as disposições necessárias para realmente receber a Sagrada 
Comunhão. A pessoa que faz uma comunhão espiritual encontra-se 
simplesmente em uma situação em que ele ou ela não tem acesso ao 
Sacramento, mas está totalmente disposta a receber o Sacramento, e assim
 a pessoa faz um ato de comunhão espiritual. Acho que aqueles que 
utilizavam essa expressão tinham em mente o desejo das pessoas que se 
encontram em situação pecaminosa de abandonarem essa situação. Então, 
elas rezam e pedem a ajuda de Deus para dar a volta por cima, mudar de 
vida e encontrar uma nova maneira de viver, de modo que possam viver em 
estado de graça. Poderíamos chamar isso de desejo pela Santa Comunhão, 
mas não se trata de uma comunhão espiritual. Não pode ser. A propósito, a
 natureza da comunhão espiritual foi definida no Concílio de Trento: ele
 deixou bem claro que ela exige todas as disposições, e isso faz 
sentido.
LSN: Como a Igreja pode 
efetivamente ajudar todas as pessoas envolvidas: cônjuges abandonados, 
filhos de matrimônios legítimos que são prejudicados pelo divórcio de 
seus pais, pessoas que estão lutando contra tendências homossexuais ou 
que de certa forma tenham “caído na armadilha” de uma união ilegítima? E
 qual deve ser a nossa atitude, a atitude dos fiéis?
CB: O que a Igreja pode fazer, e isso é o
 maior ato de amor por parte da Igreja, é apresentar a doutrina sobre o 
matrimônio, o ensinamento que resulta das próprias palavras de Cristo, a
 doutrina constante na tradição, para todos, como um sinal de esperança 
para as pessoas. E também, ajudá-las a reconhecer o pecado da situação 
em que se encontram e, ao mesmo tempo, exortá-las a abandonar a situação
 de pecado e encontrar uma maneira de viver de acordo com a verdade. E 
essa é a única maneira que a Igreja pode ajudar. Essa foi a minha grande
 esperança para o sínodo: que o sínodo defendesse perante o mundo a 
grande beleza do matrimônio, e essa beleza é a verdade acerca do 
matrimônio. Sempre digo às pessoas: a indissolubilidade não é uma 
maldição, ela é a grande beleza do relacionamento conjugal. É isso que 
confere beleza ao relacionamento entre um homem e uma mulher: a união 
indissolúvel, fiel e procriativa. Mas agora as pessoas praticamente 
começam a ter a sensação de que de alguma maneira a Igreja se envergonha
 do tesouro belíssimo que temos no matrimônio, como Deus criou o homem e
 a mulher desde o início.
LSN: Às vezes, alguns pastores parecem ter vergonha de falar sobre o pecado ou sobre castidade.
CB: Isso também foi mencionado no sínodo.
 Um dos padres sinodais disse: “Será que não existe mais pecado?” As 
pessoas têm essa impressão. E, infelizmente, desde a queda de nossos 
primeiros pais, há sempre a tentação de pecar, e o pecado está presente 
no mundo. Temos que reconhecer essa realidade, chamá-la pelo nome 
apropriado e tentar superá-la.
LSN: Será que não existe um 
apelo especial para que os pais católicos e cristãos eduquem seus filhos
 para a modéstia e a decência? Isso desapareceu completamente em muitos 
lugares.
CB: Sim, é bem verdade que sim. Parte do 
Evangelho da Vida é ensinar às crianças no lar e nas escolas as virtudes
 fundamentais que demonstram respeito pela nossa própria vida e pela 
vida de outras pessoas, assim como por nossos próprios corpos, ou seja, a
 modéstia, a pureza e a castidade, formando os jovens dessa maneira 
desde cedo. Mas isso também encontra-se em grande perigo, simplesmente, 
porque a catequese na Igreja tem sido muito fraca e, em alguns casos, 
confusa e errônea. Tem havido uma desintegração tão grande na vida 
familiar, que as crianças estão sujeitas a uma educação que as deixa 
despreparadas para viver a verdade sobre o matrimônio, a verdade sobre 
seus próprios corpos e a verdade sobre suas próprias vidas.
LSN: O que deveríamos fazer com mais urgência para evitar a desordem do divórcio e de todas as uniões inaceitáveis?
CB: Creio realmente que isso começa na 
família. Precisamos fortalecer as famílias, formar marido e esposa em 
primeiro lugar para viver a verdade do matrimônio em seu próprio lar, 
que então se torna não somente a fonte de salvação para eles, mas também
 uma luz no mundo. Um matrimônio vivido na verdade é tão atraente e tão 
belo que leva à conversão de outras almas. Precisamos formar as crianças
 dessa maneira e, especialmente em nossos dias, as crianças precisam ser
 educadas de maneira que possam opor-se à cultura dominante. Elas não 
podem, por exemplo, aceitar essa teoria de gênero que está infectando 
nossa sociedade; elas têm que ser criadas para rejeitar essas falsidades
 e viver a verdade.
LSN: Entendo que existe um 
vínculo entre contracepção e divórcio: 30% a 50% dos casais que praticam
 contracepção irão se divorciar, ao passo que menos de 5% das pessoas 
que não a praticam, sejam elas cristãs ou não, ou que praticam o 
planejamento familiar natural, irão se divorciar. O senhor concorda que 
uma linguagem clara e um envolvimento pastoral maior por parte da Igreja
 no sentido de promover a Humanae Vitae são fundamentais para lograr mais uniões estáveis?
CB: Sim, sem dúvida. E o bem-aventurado Papa Paulo VI deixou isso bem claro em sua Carta Encíclica Humanae vitae,
 afirmando que a prática da contracepção conduziria à desintegração da 
vida familiar, à perda do respeito pelas mulheres. Precisamos 
simplesmente refletir sobre o fato de que um casal que pratica a 
contracepção já não se entrega totalmente um ao outro. A contracepção já
 introduz um elemento de desagregação no matrimônio e se isso não for 
corrigido e reparado poderá facilmente levar ao divórcio.
LSN: Quanto à questão do 
tamanho da família e da liberdade dos pais, o senhor se preocupa de modo
 especial com o movimento “ecológico” mundial e a promoção internacional
 do planejamento familiar e do controle populacional?
CB: Sim, esses temas me preocupam 
bastante porque as pessoas estão sendo conduzidas a um falso modo de 
pensar, no sentido de que devem praticar alguma forma de controle da 
natalidade para que sejam administradores responsáveis do planeta. Para 
falar a verdade, a taxa de natalidade na maioria dos países está muito 
aquém do necessário para substituir a população atual. Deixando tudo 
isso de lado, a verdade é que se Deus chama um casal para o matrimônio, 
então, Ele os está chamando também para serem generosos no acolhimento 
do dom de uma nova vida humana. E, por isso, precisamos de muitas 
famílias numerosas hoje em dia, e, graças a Deus, atualmente, percebo 
entre alguns casais jovens uma notável generosidade no que diz respeito 
às crianças. Outra coisa que raramente ouço ser mencionada hoje em dia, 
mas que sempre era enfatizada quando eu era jovem, assim como na 
tradição da Igreja, é que os pais devem ser generosos em ter filhos, de 
modo que alguns de seus filhos possam receber um chamado ao sacerdócio 
ou à vida consagrada e ao serviço da Igreja. E essa generosidade dos 
pais certamente vai inspirar uma generosa resposta no filho que tiver 
uma vocação.
LSN: Muitos dirão que o 
matrimônio monogâmico para a vida inteira é muito bom para os católicos,
 mas que a “dureza de coração” dos não católicos deve permitir o 
divórcio e um novo casamento nas legislações civis. Por outro lado, 
nações cristãs têm se empenhado muito para trazer estabilidade social e 
dignidade ao matrimônio natural em muitos lugares do mundo. Será que a 
vinda de Cristo mudou a situação de todos os homens e será que é certo 
promover e até mesmo impor essa visão do matrimônio natural mesmo em 
sociedades não católicas?
CB: Creio que é preciso salientar 
exatamente que a doutrina de Cristo sobre o matrimônio é uma afirmação, 
uma confirmação, da verdade sobre o matrimônio desde o início, usando 
Suas próprias palavras, ou aquela verdade sobre o matrimônio inscrita no
 coração de cada ser humano. E assim, quando a Igreja ensina sobre o 
matrimônio monogâmico, fiel e duradouro, ela está ensinando a lei moral 
natural e está certa em insistir sobre esse tema na sociedade em geral. O
 Concílio Ecumênico Vaticano II referiu-se ao divórcio como uma praga em
 nossa sociedade, e de fato é. A Igreja tem que ser cada vez mais forte 
na luta contra a prática disseminada do divórcio.
LSN: O senhor acha que os 
estudos sobre a situação e resultados melhores das crianças que vivem em
 famílias monogâmicas estáveis devem desempenhar um papel maior na 
preparação para o casamento?
CB: Penso que sim. É preciso enfatizar a 
beleza do matrimônio, como ele é vivido por muitos casais hoje em dia, 
de maneira fiel e generosa, assim como a experiência da vida familiar 
pelas crianças que vivem em uma família amorosa… o que não significa que
 não existam desafios. Isso não significa que não existem momentos 
difíceis na família e no casamento, porém, com a ajuda da graça de Deus,
 no final das contas, a resposta é sempre de amor, de sacrifício e de 
aceitação de qualquer sofrimento necessário para ser fiel ao amor.
LSN: Mas a sociedade moderna não aceita o sofrimento, seja no final da vida, durante a gravidez ou no matrimônio…
CB: É claro, ela não compreende porque 
não entende o sentido do amor. Cristo disse: “Se alguém quiser me 
seguir, tome a sua cruz e siga-me”. Portanto, a essência da nossa vida é
 sofrer por amor: o amor de Deus e do nosso próximo.
LSN: O senhor concorda, como 
várias pessoas estão afirmando, que muitos matrimônios católicos hoje em
 dia frequentemente são inválidos devido à falta de preparação ou à 
ignorância acerca do sentido das promessas matrimoniais? Qual foi a sua 
experiência específica sobre esse tema como Prefeito do Supremo Tribunal
 da Assinatura Apostólica?
CB: Acho que não tem muito sentido fazer 
declarações gerais sobre o número de casamentos válidos ou inválidos. 
Cada matrimônio precisa ser analisado, e o fato de que talvez as pessoas
 não tenham sido bem catequizadas, entre outras coisas, certamente 
poderá enfraquecê-las para a vida matrimonial, mas isso não 
necessariamente constituiria uma indicação de que elas dariam um 
consentimento matrimonial inválido, porque a própria natureza nos ensina
 acerca do matrimônio. Constatamos isso na Assinatura Apostólica: sim, 
havia mais declarações de nulidade matrimonial, mas ao examinarmos esses
 casos, havia muitos em que a nulidade matrimonial não estava 
estabelecida, não se comprovando verdadeira.
LSN: O senhor demonstrou no 
livro “Remaining in the Truth of Christ” [“Permanecendo na Verdade de 
Cristo”] que a simplificação do processo não é a resposta.
CB: De maneira alguma, porque há 
situações muito complexas, e elas exigem um processo cuidadosamente 
articulado, a fim de chegarmos à verdade. Se não nos importarmos mais 
sobre a verdade, então, qualquer processo será aceitável, mas, se nos 
preocupamos com a verdade, então, o processo de nulidade matrimonial 
terá que ser um processo como o que a Igreja atualmente utiliza.
LSN: E a Igreja tem feito muita coisa pelos processos judiciais no mundo civilizado …
CB: A Igreja tem sido admirada ao longo 
dos anos como um espelho de justiça; sua própria maneira de administrar a
 justiça serviu de modelo para outras jurisdições. Já houve uma 
experiência na Igreja com um processo de nulidade matrimonial modificado
 que ocorreu nos Estados Unidos de 1971 a 1983. Esse processo teve 
efeitos desastrosos, e não sem razão as pessoas começaram a falar sobre 
“divórcio católico”. Isso é um escândalo para aqueles que trabalham com a
 justiça ou administram a justiça na ordem secular, porque quando eles 
veem que a Igreja não pratica a justiça, passam a não se importar mais 
com a verdade. Então, o que a lei e a justiça possivelmente significam?
LSN: Recentemente, um 
exorcista italiano, o padre Sante Babolin, disse que durante um 
exorcismo, o espírito mau que atormentava a esposa de um de seus amigos 
disse-lhe: “Não posso suportar que eles se amem.” Será que isso não é 
uma mensagem em que os casais devem meditar?
CB: Sim, sem dúvida. Não há força maior 
contra o mal no mundo do que o amor de um homem e de uma mulher no 
matrimônio. Depois da Sagrada Eucaristia, ele tem um poder além de 
qualquer coisa que se possa imaginar. Eu não conhecia essa história, mas
 não me surpreende e, certamente, é verdade que quando um casal celebra o
 matrimônio com toda a sua mente e coração, o demônio entrará em ação 
para tentar estragar o lar, porque o lar é um berço de graça, onde a 
graça é recebida não somente para o casal, mas para os filhos e para 
aqueles que conhecem a família.
LSN: Como os casais podem valorizar e proteger mais seu amor conjugal?
CB: Primeiramente, através de uma vida de
 oração fiel e diária, bem como através da confissão regular, pois todos
 nós precisamos de ajuda para vencer o pecado em nossas vidas, até mesmo
 pequenos pecados, pecados veniais, mas também para nos defendermos 
contra mais pecados graves. E, em seguida, é claro, a Eucaristia é o 
centro de toda a vida cristã de um modo muito especial. Ela é o centro 
da vida matrimonial porque é comunhão com Nosso Senhor Jesus Cristo, 
para a vida desse amor que Ele tem pela Igreja, da qual o matrimônio é 
sacramento: o matrimônio é o sinal de seu amor no mundo e, portanto, na 
Eucaristia, o casal recebe a graça, a maioria de todos, sobretudo, para 
viver a aliança de amor.
LSN: O senhor acha que existe
 uma ligação entre a “morte do culto” – uma liturgia não adoradora e 
antropocêntrica – e a cultura da morte?
CB: Estou muito convencido de que quando 
os abusos entraram nas práticas litúrgicas da Igreja, abusos que 
refletem uma direção muito antropocêntrica, em outras palavras, quando o
 culto sagrado começou a ser apresentado como a atividade humana, em vez
 da ação de Deus em nosso meio, as pessoas foram levadas claramente a 
uma direção errada, e esses abusos têm exercido um impacto muito 
negativo sobre a vida de cada um e, particularmente, sobre a vida 
matrimonial. A beleza da vida  é percebida de uma maneira muito 
particular e confirmada no Sacrifício Eucarístico.
LSN: Como católicos, somos 
obrigados a agir em sociedade e também a agir politicamente, a termos um
 engajamento político. Porém, na França não existe um único partido que 
esteja defendendo o matrimônio completamente e que esteja defendendo a 
vida completamente. O que os católicos devem fazer: engajar-se em um 
movimento, mesmo quando sabem que esse movimento é contra os princípios 
inegociáveis ou será que devem tentar criar algo mais?
CB: Idealmente, os católicos devem tentar
 construir uma força política na sociedade que apoie totalmente a 
verdade e os bens inegociáveis no que diz respeito à vida humana e à 
família. E eles devem deixar sua própria posição muito clara, insistindo
 nela, com os partidos políticos existentes, para que constituam uma 
força para a reforma dos partidos políticos. É óbvio que não podemos 
participar de qualquer tipo de movimento que seja contrário à lei moral.
 Por outro lado, se nesse partido político ou movimento houver sinais de
 uma reforma, de uma adesão à lei moral, devemos apoiá-lo e 
incentivá-lo.
LSN: Que santos deveríamos invocar para a família hoje?
CB: Primeiramente, a Sagrada Família de 
Nazaré: a Virgem Maria, São José e Nosso Senhor Jesus. E, em seguida, há
 grandes santos casados. Podemos pensar, por exemplo, nos pais de Santa 
Teresinha, os Beatos Louis e Zélie Martin. Podemos pensar também em uma 
grande santa, como Santa Gianna Molla, aqui na Itália, em um grande 
santo que morreu mártir para a família, São Thomas More, que foi casado e
 compreendeu plenamente a vocação matrimonial. Há também o casal Luigi e
 Maria Beltrame Quattrocchi, que foram beatificados aqui na Itália. 
Pensemos também em alguém como Santa Rita de Cássia, que foi uma mãe 
muito dedicada: ela rezou bastante pela conversão de seu marido e também
 pela conversão de seus dois filhos. Esses seriam apenas alguns 
exemplos… existem muitos outros.
LSN: Qual é a melhor maneira de permanecermos fiéis à Igreja e ao Papa nesses tempos tão conturbados?
CB: Aderindo muito claramente a tudo que a
 Igreja sempre ensinou e praticou; esta é a nossa âncora. Nossa fé não 
reside em pessoas individuais, nossa fé está em Jesus Cristo. Só Ele é a
 nossa salvação; Ele está vivo para nós na Igreja através de sua 
doutrina, através de seus sacramentos e através da sua disciplina. Digo 
às pessoas – porque muitas pessoas hoje em dia se comunicam comigo e 
estão bastante confusas, elas estão preocupadas e aborrecidas – não, o 
que temos que fazer é mantermos a calma, e precisamos nos manter 
repletos de esperança, através de um apreço cada vez mais profundo pela 
verdade da nossa fé, aderindo a ela. Ela é imutável e, por fim, ela será
 vitoriosa. Cristo disse a São Pedro quando ele fez sua profissão de fé:
 “As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja”. Sabemos que 
isso é verdade e, nesse ínterim, temos que sofrer pela verdade, mas 
temos que ter a certeza de que Nosso Senhor vai conquistar a vitória ao 
final.