“CUNCTAS HAERESES SOLA INTEREMISTI”
“Vós
sozinha, extinguistes todas as Heresias”
1.
Exposição Doutrinal.
1)
Tendo-nos a Mãe de Deus gerado com dores, ao pé da Cruz, como
seus filhos, porventura, poderia Ela esquecer-se de nós, depois de
sua gloriosa Assunção ao Céu? Por certo que não! Por isso,
continua a exercer o seu Apostolado, de um modo incomparavelmente
mais fecundo e poderoso do que qualquer outro Santo.
O Papa Leão XIII declara na sua Encíclica “Adjutricem”: “Depois
da sua Assunção ao Céu, começou Maria, conforme os desígnios
divinos, a velar sobre a Igreja e a prestar-nos seu auxílio materno
de sorte que, dotada de um poder quase ilimitado, se tornasse a
Dispensadora das Graças perenemente fluentes do Mistério de nossa
Redenção, assim como Ela, outrora, também foi a Coadjutora na
execução da Obra Redentora”.
Sendo
a Santíssima Virgem a Esposa do Divino Espírito Santo e a “Sede
da Sabedoria”, se interessa, antes de tudo, pela conservação da
integridade e genuinidade da Doutrina Cristã, opondo-se a todos os
erros e heresias que dilacerar pudessem a Instituição de seu Filho
divino.
De
fato, a Santa Igreja, reconhecendo a poderosa proteção da Mãe de
Deus, canta na Festa da Anunciação: “Gaude Maria Virgo, cunctas
haereses sola interemisti in universo mundo” – “Regozijai-vos,
ó Virgem Maria, pois, Vós só, extinguistes todas as heresias em
todo o mundo”!
À
primeira vista parece estranha tal asserção. Porém, a Santa Igreja
logo acrescenta a razão: “Porque acreditastes na palavra do
Arcanjo Gabriel e, por isso, gerastes, qual Virgem, o Homem-Deus e,
depois do parto, permanecestes Virgem ilibada”.
O
sentido é este: A Encarnação do Verbo divino é o fundamento da
Doutrina Cristã e da nossa fé. Foi a Virgem Maria que, antes de
todos os demais, acreditou neste inefável Mistério, que o Filho de
Deus se revestisse da natureza humana no seu seio materno, sem
violação de sua virgindade.
Maria,
acreditando nas palavras do Anjo e consentindo na Encarnação do
Verbo divino, tornou-se, como Mãe do Redentor, a co-causa de nossa
Salvação, pondo-se em
evidente contraste com Eva, a qual, acreditando nas palavras do
espírito infernal, se tornara a causa da nossa ruína e maldição.
O
sobredito verseto litúrgico não é, portanto, senão a paráfrase e
o cumprimento do verseto bíblico,
no qual se prediz a luta entre a Serpente e a Mulher e o triunfo
desta sobre aquela.
Com
efeito, de todos os homens, Maria só, pela sua Imaculada Conceição,
esmagou a cabeça do 1º Heresiarca, Pai da mentira e de todas as
heresias, o qual tinha sugerido à Eva a 1ª heresia: “Sereis
iguais a Deus”. Esmagou-lhe, em seguida, a cabeça pela palavra
“fiat” – “faça-se”, dando o seu consentimento à
Encarnação do Filho de Deus, no seu seio puríssimo.
2)
Na Dogmática de um ilustre Teólogo encontramos a seguinte exposição
magistral de nossa tese:
A
extinção das heresias pode-se, de dúplice modo, atribuir à
Bem-aventurada Virgem Maria: objetiva e subjetivamente.
Objetivamente:
por ter dado à luz Jesus Cristo, o lume da verdade e logo pelos
Mistérios que em Maria se verificaram. E são estes:
a)
Pelo privilégio da “Imaculada Conceição” é demonstrado o fato
do Pecado Original e a necessidade da Redenção;
b)
pela “maternidade” de Maria é provado o dogma da União
Hipostática das naturezas, a divina e a humana, na única Pessoa
divina de Cristo;
c)
pela “virgindade” de Maria revela-se um novo e até então
desconhecido modo de servir mais perfeitamente a Deus;
d)
pela “Assunção” de Nossa Senhora é confirmada a Ressurreição
de Cristo, como também a fé em nossa própria ressurreição.
Subjetiva
e pessoalmente a Mãe de Deus é
exterminadora das heresias:
a)
Por ter sido a “Mestra dos Apóstolos”, pela doutrina dos quais
se extirpam as falsas doutrinas;
b)
porque a Santíssima Virgem assiste, de um modo particular, os que
lutam pela pureza da fé católica, como consta da vida de São
Domingos e de muitos outros fatos da Igreja Católica.
3)
Um dos mais importantes desses fatos na história eclesiástica é o
Concílio de Éfeso, em 431, no qual Nestório, Bispo de
Constantinopla, foi condenado pela Igreja, por negar a “Maternidade
divina de Maria”, verdade essa que é o centro e o fundamento de
todas as glórias e privilégios que admiramos em Maria e, ao mesmo
tempo, o testemunho das misericórdias divinas que se manifestaram na
nossa Redenção.
O
mais eminente defensor desse dogma católico foi São Cirilo, Bispo
de Alexandria, que denominou a Virgem Maria “Sceptrum orthodoxae
fidei” – “o cetro da verdadeira fé católica”.
É
notável que a condenação da heresia de Nestório se deu justamente
na cidade de Éfeso, outrora domicílio da Mãe de Deus e do Apóstolo
São João, depois da Ascensão do Senhor.
Conta-se
que o povo Efesino, em peso, depois de conhecer a decisão do
Concílio, aclamando jubiloso os Bispos e os Delegados do Papa, os
acompanhava em solene procissão, com archotes acesos, até as suas
residências, louvando, ao mesmo tempo, a Mãe de Deus e entoando a
Antífona: “Salve, ó Virgem perpétua, Vós só extinguistes todas
as heresias do mundo!”
Outro
fato, não menos significativo da poderosa proteção que a Rainha
celeste dispensa à Igreja, é a extinção da seita dos “Albigenses”
no século treze. Estes hereges negavam e adulteravam não só uma
mas muitas das verdades de nossa fé católica, espalhando as suas
crendices a ferro e fogo, subvertendo assim, em diversas partes da
França, da Espanha e da Itália, a ordem religiosa, política e
social.
Um
dos mais ardentes defensores da fé contra os Albigenses foi São
Domingos. Reparando, porém, na ineficácia dos seus esforços,
recorreu à Mãe de Deus. Mudando, após, de tática, começou a
rezar com o povo o santo “Rosário” e explicar-lhe os Mistérios
da fé que nele se contemplam. Os seus companheiros adotaram igual
método. Foi só então que se conseguiu opor dique às ondas
perversas e restabelecer a fé, a paz e a ordem.
Quanto
ao “Luteranismo” e “Protestantismo” que, no século dezesseis
surgiu, ameaçando a Igreja Católica, é sabido que essa Seita não
podia ganhar terreno nos países ou lugares que continuavam ou
recomeçavam o Culto de veneração e amor à excelsa Mãe de Deus.
Data desta época a fundação das “Congregações Marianas”
pelos Padres Jesuítas. A primeira foi a de Colônia na Alemanha, em
1567.
O
século passado distinguiu-se pelo “Racionalismo” e
“Liberalismo”, como consequências do “Humanismo” e da grande
“Revolução francesa”, a qual adorou como deusa de toda a
sabedoria, a pura razão humana.
A
Santa Igreja, defendendo a sobrenaturalidade, lhe contrapôs a Virgem
Maria, a verdadeira “Sede da Sabedoria” e a “Imaculada
Conceição”, cujo dogma foi ratificado pela aparição de Nossa
Senhora, em Lourdes, na França.
A
época que atravessamos é marcada pela impureza do “Sensualismo e
Materialismo”, cujos adeptos propugnam a pureza da matéria ou da
raça e a impureza de um neo-paganismo.
Nesta
hedionda e tenebrosa aberração da mentalidade humana, eis que
aparece, novamente, como estrela fulgente e celeste, a “Mãe
Imaculada de Fátima” para advertir a humanidade do caminho errado
que a conduz para o abismo e reconduzi-la, como
outrora a estrela do Oriente os três Reis Magos, aos pés do
Salvador do mundo, o “Príncipe da Paz” – a única fonte de
felicidade.
Passando
em revista a história do mundo e da Igreja, notamos, por
conseguinte, que todas as vezes que a Serpente infernal ousava
acometer contra a fé e os bons costumes da Igreja de Cristo, a
Rainha celeste lá estava para lhe pisar a cabeça.
4)
Além de sua intervenção direta e pessoal, Maria convocou e formou,
outrossim, segundo as circunstância o exigiram, varões de ciência
e santidade para a defesa da verdadeira fé e doutrina cristã.
Além
dos já mencionados São Cirilo de Alexandria e São Domingos,
recordemos ainda outros três vultos, eminentes servos de Maria: São
João Damasceno, do século VIII; Santo Alberto Magno, da idade média
e Santo Afonso de Ligório, dos tempos modernos.
São
João Damasceno defendia a doutrina católica da veneração dos
Santos contra os “Iconoclastas”, isto é, contra os destruidores
das imagens dos Santos. Sendo-lhe, por mandado do ímpio Imperador de
Constantinopla, Leão Isáurio, cortada a mão direita, a Mãe de
Deus lha restituiu milagrosamente em atenção às ardentes preces
que o Santo lhe dirigira. Daí em diante, ele serviu-se de sua mão
para, com redobrado fervor, por seus escritos, defender as verdades
da nossa fé, de modo tão erudito que, mais tarde, Santo Tomás de
Aquino construiu sua admirável composição da “Summa Theológica”
sobre os fundamentos da exposição doutrinária desse Santo.
Santo
Alberto Magno, na idade média, sendo uma estrela de primeira ordem
em todas as ciências, mereceu o título de “Doutor Universal” e
foi o mestre e guia de um dos maiores Teólogos de nossa Santa
Igreja: Santo Tomás de Aquino, chamado o “Doutor Angélico”.
Em
nossos tempos, Santo Afonso de Ligório, foi um dos mais eminentes
Teólogos Moralistas. Era devotíssimo da Mãe de Deus, cujas
“Glórias” ele descreveu num livro que é conhecidíssimo e foi
traduzido em todas as línguas principais do mundo.
Pelos
exemplos da história eclesiástica, que acabamos de citar, vemos,
portanto, confirmada a exclamação do povo Efesino e a aclamação,
com a qual a Santa Igreja honra a Virgem Imaculada: “Cunctas
haereses sola interemisti in universo mundo” – “Todas as
heresias extinguistes, Vós só, em todo o mundo”.
Os
títulos que, a esse respeito, os Santos Padres conferem à Mãe de
Deus, corroboram nossa convicção e confiança em Maria.
Por
São Cirilo Alexandrino a Santíssima Virgem é intitulada: “Sceptrum
orthodoxae fidei” – “O
cetro da verdadeira fé”.
Por
Santo Ambrósio: “Vexillum fidei”
– “O estandarte da fé”.
Por
André Cretense: “Propugnaculum fidei christianae”
– “O baluarte da fé cristã”.
Por
São Gregório Nazianzeno: “Praeses fidei”
– “A Presidente da fé”.
Por
São Sofrônio: “Contritio pravitatis haereticae”
– “A esmagadora da perversidade herética”.
Arrebatados
pela solicitude maternal de Maria para com com seus filhos e do seu
poder sobre o Inferno, entoamos jubilosos com a Santa Igreja a
Antífona: “Regozijai-Vos, ó Virgem Maria, pois Vós só,
extinguistes todas as heresias em todo o mundo, porque acreditastes
nas palavras do Arcanjo e, por isso, geraste qual Virgem, o
Homem-Deus e, depois do parto, permanecestes Virgem ilibada. Santa
Mãe de Deus, intercedei por nós!”
1.
Consideração Prática.
1)
Os anais da “Missão Japonesa” relatam o fato emocionante da
conservação da fé cristã entre milhares de famílias daquele
país, devido à veneração que prestavam, por dois séculos, à
excelsa Mãe de Deus.
A
15 de Agosto de 1549, dia da Assunção de Nossa Senhora, o
incansável Apóstolo das Índias, São Francisco Xavier, entrou no
Japão para pregar o Evangelho e estabelecer, sob os auspícios da
Santíssima Virgem, o Reino de Deus. Em poucos anos ganhou à Igreja
uma multidão imensa de fervorosos cristãos. Mais tarde, os
Religiosos de Santo Agostinho, de São Domingos e de São Francisco
uniram o seu Apostolado ao dos Padres Jesuítas. De 1617 a 1652
desencadeou-se contra os cristãos do Japão uma perseguição
espantosa. Perto de mil Religiosos e 200.000 cristãos foram sujeitos
a horríveis torturas.
Data
desta época uma “Profecia de uma Religiosa Japonesa” da Ordem de
Santa Clara, conforme a qual nunca a fé católica pereceria no Japão
e os Missionários que, após as grandes perseguições tornariam a
evangelizá-lo, encontrá-la-iam ainda viva. Conserva-se a relação
manuscrita desta profecia ainda no Convento dos Franciscanos, nas
ilhas Filipinas. É muito para se notar que aquela profecia marca a
segunda fase da evangelização do Japão para depois da “Proclamação
do Dogma da Imaculada Conceição de Maria”, que se realizou em
1854.
De
fato, reatadas, no ano de 1853, as relações diplomáticas do Japão
com as potências da Europa, os Missionários católicos podiam em
1861, novamente, desembarcar no “País do Sol”.
Quando
foi aberta a pobre e pequena capela da Missão em Nagasaki, de vários
pontos acudiram curiosos que, com admiração, assistiram à Santa
Missa. Ao decorrer das sagradas cerimônias, mais de uma vez,
ouviu-se-lhes repetir: “Fazem como nossos Padres!” A imagem da
Imaculada, que se destacou sobre o altar pareceu chamar toda sua
atenção.
Depois
do Sacrifício da Missa, dirigiram várias perguntas aos
Missionários. “Sois vós enviados do Bispo de Roma? Sois casados
ou solteiros? Amais a Mãe de Deus?”
Satisfeitos
com as respostas dos Sacerdotes, declararam, então, serem também
eles, filhos da Igreja Católica e saudaram, com júbilo, os
Ministros do único e verdadeiro Deus. Estes, de sua parte,
interrogando essa boa gente acerca das suas crenças religiosas,
puderam facilmente convencer-se de que as promessas do Divino Mestre
à Clarissa Japonesa tinham-se plenamente realizado. Encontravam
cerca de 40.000 católicos descendentes dos antigos cristãos da
região Urakami.
Eis,
como se deu a descoberta dos cristãos do Japão, coisa tão singular
e comovedora na história da Igreja Católica.
Como
num braseiro, sob as cinzas, as brasas se mantêm candentes, assim
também conservava-se, sob as cinzas do paganismo, viva e ardente a
fé cristã naquelas almas devotas da Virgem Imaculada.
O
fato citado é mais uma prova de como Maria Santíssima vela com
solicitude maternal sobre os seus filhos devotados, conservando-lhes
a fé e protegendo-os contra as ciladas do Pai da mentira.
2)
Compreende-se daí a profunda convicção do Beato Vicente Pallotti
sobre a necessidade da fundação de uma “Pia União de fiéis
cristãos” para promover e restaurar entre os heréticos o culto à
Mãe de Deus. O Beato deduz as suas razões de um fato bíblico,
sobre o qual discorre do
modo seguinte: “Assim como o General Assírio Holofernes, que
assediava a cidade de Betúlia, mandou cortar o aqueduto da cidade, a
fim de que esta se rendesse, assim também os autores de perversas
heresias se esforçam por cortar o aqueduto das graças divinas, isto
é, o Culto à Imaculada Mãe de Deus, a fim de propagarem os erros e
toda a impiedade contra a fé e os bons costumes entre os Católicos
e destarte fazê-los apostatar.
É,
portanto, necessário restaurar entre os povos dissidentes da
verdadeira Igreja de Cristo o aqueduto de todas as graças, quer
dizer, o Culto à Bem-aventurada Virgem Maria, a fim de que, pela
graça de Nosso Senhor, voltem ao eleito rebanho de Cristo”.
“Per
Mariam ad Jesum” – este
axioma da Santa Igreja seja para nós a norma nas nossas ações
apostólicas e tentativas de reconduzir os hereges e filhos pródigos
à Casa paterna.
“Pelo
triunfo da Religião cristã, Vos imolamos, Senhor, as hóstias de
pacificação, as quais nos sejam proveitosas pela mediação da
Virgem Auxiliadora,
que conduz para a perfeita vitória. Por Cristo Nosso Senhor”.
Amém.
_____________________
Fonte:
Rev. Pe. Dr. Erasmo Raabe, S.A.C., “Regina Mundi – Considerações
doutrinal-práticas em trinta e três capítulos para os meses e
Festas de Maria”, II Parte, Cap. XXV, pp. 135-144; 2ª Edição,
Edições Paulinas, São
Paulo, 1954.
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