1º
Ponto
Aos
sofrimentos inúmeros, vários e requintados com que os judeus
martirizam na alma e no corpo o Filho de Deus, se deve acrescentar o
que porventura é o mais penoso e sensível dentre eles todos, a
vista de sua Mãe Santíssima
que, de pé e em frente, O contempla a poucos passos de distância.
Para
termos a exata compreensão da dor de Jesus em ver Maria aos pés da
Cruz é necessário que formemos uma ideia o menos imperfeita
possível das angústias e mágoas que alanceiam o Coração de Maria
à vista do Crucificado.
A
Santíssima Virgem que ama a Jesus com um amor maternal
que os Santos consideram superior, e síntese do amor de todas as
mães, sofre na Alma e no Coração
o que o Filho padece na Alma e no Corpo.
Por sua vez Jesus, pela lei da repercussão, ao contemplar os
espasmos que constringem aquela melíflua e dulcíssima alma, sente o
eco doloroso em seu Coração de Filho afetuoso, dedicado e
amantíssimo.
Os
olhos do Filho e da Mãe querida encontram-se e como através de dois
espelhos, lê um o que se passa nos íntimos refolhos da outra; vê
esta o que se aninha nos recônditos d’Aquele.
Intraduzível
é a dor de Maria em contemplar o quadro desolador da Paixão do
queridíssimo fruto de suas entranhas.
Indizível é a dor de Jesus, ao ver a cândida e imaculada Alma da
criatura mais Santa do universo, d’Aquela que lhe é Mãe
terníssima, nadar num mar de angústias e beber a largos sorvos a
linfa amargosa do sofrimento!
Jesus é a Cruz e o martírio de Maria!
Maria é a Cruz e a dor de Jesus!
Quanto
a nós que meditamos cenas tão pungentes, melhor será para o nosso
proveito espiritual e de maior consolação aos Corações de Jesus e
Maria que, em lugar de suscitar doces e suaves afetos sondemos qual a
verdadeira causa dos sofrimentos d’Eles e de onde a origem de tais
martírios?
Ainda
que nos custe confessá-lo, é preciso chegar aí, ó Virgem da
Dores, a causa da vossa dor foi o pecado. Logo, eu sou realmente um
dos que concorreram para crucificar-Vos a Alma após haver
crucificado o Corpo do vosso querido Jesus.
Quisera
não fosse isto verdade, como infelizmente é. Todas as Chagas que
cobrem vossas carnes deificadas, ó Jesus, assim como todas as Chagas
morais que alanham vosso Espírito, ó Virgem bendita, tem-me a mim
como cúmplice e co-autor e co-responsável.
Ninguém pois mais do que eu deve sentir pena, compaixão e desgosto
em vos ver em transes tão aflitivos.
No
entanto, como infeliz miserável e desgraçado! Parece que tenho uma
alma de mármore; fria e gélida, tão grande é a aridez e a
insensibilidade que experimento ao contemplar-vos desfeita sob o peso
da dor aos pés da Cruz do vosso Filho.
De
quem me hei de valer senão de Vós que sois a Mãe das misericórdias
e pedir-Vos que me tomeis sob o vosso poderoso patrocínio e me
oculteis nas dobras do vosso manto das iras de Deus?
Ah!
Senhora, pedi ao Vosso Filho que me perdoe e deixai-me aqui ficar
junto de Vós aos pés da Cruz. Justa crucem tecum stare et me
tibi sociare in planctu desidero.
Propósito.
Hoje pedirei a Santíssima Virgem, que não esqueça o pobre filho
pródigo, que vive exposto a mil perigos de perder-se. Suplica-la-ei
que não consinta, que fique inutilizado o Sangue de suas veias.
2º
Ponto
Se
por uma parte o amor filial que Jesus consagra à sua querida Mãe,
mostra que Ele é homem, por outra parte a calma e a suave
tranquilidade com que suporta tamanhas dores, nos diz haver n’Ele
alguma coisa de sobre-humano.
Observe-se
com que serenidade de espírito vai ditando do alto da Cruz o seu
testamento.
Após
haver legado aos seus inimigos o perdão; deixado ao bom ladrão o
Paraíso,
confia ainda o discípulo dileto São João como filho da Santíssima
Virgem, e a São João, como
a mais preciosa herança entrega e recomenda a Nossa Senhora como Mãe
carinhosíssima.
Observe-se
como Maria Santíssima enquanto se dá a conhecer mulher pelo afeto
maternal que demonstra para o Filho, oferece
a prova de haver n’Ela uma virtude superior, pela fortaleza,
constância e intrepidez com que sofre tantas adversidades.
A dor é suma
e transcende toda concepção humana, não obstante isto, resiste-lhe
com coragem, aceita com dignidade, sofre sem dar o menor sinal de
perturbação, ou covardia ou revolta.
Isto
significa estar conformado com a vontade Santíssima de Deus.
Jesus
e Maria nada querem senão o que o Eterno Pai quer; nada pensam,
desejam e pedem senão que se realize o eterno decreto, a Redenção
do mundo;
vindo-lhe desta disposição
do espírito uma inalterável calma, ainda que a natureza sensível
gema e sinta o aguilhão da dor. Não há de negá-lo, nesta
resignação é que tem sua origem, a paz e a felicidade neste vale
de pranto.
Aparecem
de vez em quando, nuvens tempestuosas no Céu da minha alma
enfarrusco-me e fico de semblante carregado: saem-me da alma gemidos,
suspiros, frases, e de dentes cerrados eu me pareço tanto com um dia
de inverno quando o zimbo açoita as árvores esqueléticas da
serrania. O sol sumiu-se, caem as gotas finas e frias e vou
repetindo: oh! Como sou infeliz! Porque vim eu a este mundo? A
perturbação me empolga. Qual a origem de tudo isto? É que eu quero
o que Deus não quer.
Ó
Jesus, ó Maria, vos comova o meu estado lastimável, a minha
miséria, emprestando-me forças para tomar o remédio que tenho à
mão, tão fácil, tão suave, como é o de abandonar-me
confiadamente aos braços da divina e paternal providência.
É
certo que se em tudo me deixasse guiar pela Divina vontade, e me
conservasse sempre mudo e resignado ao divino beneplácito, grande
paz interior havia de fruir;
acariciados de meigos abismos haviam de me correr os dias, intensa
felicidade havia de encher-me a alma; prenúncio daquela felicidade
sem fim que Deus prepara aos que O servem e n’Ele confiam.
É
o que proponho fazer de futuro: submissamente adoro nas adversidades
a divina vontade. Ainda que a natureza se revolte, embora a carne
proteste, acalmar-me-ei, quer humilhando-me em seguida e
consolando-me em fazer a adorável, santa e amável vontade do Pai
que está no Céu.
Tal
é a resolução que tomo. Conhecendo todavia, ó Pai Celeste, quão
fácil seja minha vontade em deixar-se arrastar, dominar pelo meu
amor-próprio cego, rebelde e insolente, rogo-Vos insistentemente
pelos méritos de Jesus e Maria, me conserveis tão estreitamente
ligado à vossa vontade, que criatura alguma me possa dela separar.
Propósito.
Todas as vezes que me aparecerem perturbações de espírito,
acusarei como causador o meu amor-próprio, acalmando-me logo ao
reflexo que Deus é
Pai, que estremece infinitamente aos seus filhos.
3º
Ponto
Insistamos
em ilustrar ainda mais este piedoso episódio do Calvário, frisando
o cuidado que tem o divino Mestre, quer do futuro de sua Mãe
querida, quer dos interesses do discípulo amado, o Apóstolo São
João.
Pede a Maria que tenha e considere a João como filho; pede a João
que tenha a Maria em conta de Mãe.
– Com
a minha morte, quer Jesus dizer – perdeis, ó Mãe terníssima o
vosso Filho; mas eis que em meu lugar deixo-Vos um substituto.
– Tu
perdes, ó João, em minha Pessoa a teu Pai; deixo-te, porém, em meu
lugar minha querida Mãe.
Consola a Maria Santíssima o
cuidado que o Filho crucificado tem d’Ela; mas não deixa de ser
grande sua dor ao ver trocado o Deus verdadeiro por um homem, Santo,
embora, e puro.
Extraordinariamente honroso é para São João haver sido eleito
guarda e protetor da Santíssima Virgem,
mas isto não lhe diminui a mágoa de se ver privado da Presença de
um tal Pai.
É
esta uma das páginas mais belas da história do Cristianismo. Jesus
no fato acima narrado estabeleceu o fundamento da maternidade
espiritual da Santíssima Virgem em nosso favor.
Maria
não é somente a mãe adotiva de São João, também o é de todos
que pertencem à Família de Jesus pelo Santo Batismo. O Apóstolo
dileto não é exclusivamente o filho adotivo da Rainha dos Anjos,
mas este título de ufania, este brasão de nobreza espiritual cabe
também a cada um de nós, se o quisermos.
Maria
é espiritualmente nossa legítima Mãe, havendo-nos gerado e dado à
luz entre espasmos atrozes ao pé da Cruz, no cume do Calvário.
Foi
aí que a Santíssima Virgem provou aqueles apertos que não
experimentara lá na choupana de Belém, quando do Nascimento de
Jesus.
Imensa,
pois, é nossa honra, sumo o nosso jubilo, incomensurável a nossa
felicidade em conhecer como Mãe, a criatura mais Santa, a mais
amorosa do Universo.
Que
ações de graças, Vos darei eu, ó Jesus afetuosíssimo, por
haver-me dado Vossa Mãe, como se fosse minha?
É este um benefício que tanto mais avulta aos meus olhos, quanto
mais o considero; porquanto haverá graça que não possa esperar;
benefício que me seja por Vós renegado, estando junto de Vós a
defender-me e a interceder por mim a Autora dos Vossos dias?
Sei
que não tenho posses para liquidar esta grande dívida para
convosco; acho, porém, que se Vós me comunicardes um pouco daquele
espírito dedicado e afetuoso que tinheis para com Ela, de maneira
que eu venha a cultuá-lA e a amá-lA como Mãe, com isto chegaria a
salvar o meu débito de gratidão que contraí para com Vossa
bondade.
Ó
Maria, tão cheia de caridade para comigo, como retribuirei o afeto
de me haverdes aceito como filho, eu que me reconheço tão carente
de virtudes, tão defeituoso, tão indigno pelo meu passado. Ah! Para
Vós não houve nenhuma vantagem em acolher-me como filho; ao passo
que para mim há todos os interesses.
Escolho-Vos,
pois, e Vos aceito como minha terna e dulcíssima Mãe. Sede-me mãe
a alcançar-me as graças de que tanto necessito, máxime a da
perseverança;
sede-me mãe na vida, mãe na hora da minha morte.
Propósito.
Não há de passar dia da minha vida, que não me lembre do pacto
solene que hoje celebrei com a Santíssima Virgem. Ela é minha mãe;
eu sou seu filho.
__________________________
Fonte:
Pe. Caetano Maria de Bergamo, O.F.M.Cap., “Pensamentos e Afetos
sobre a Paixão de Jesus Cristo para cada dia do ano – Extraídos
da Sagrada Escritura e dos Santos Padres”, Vol. 2,
Caps.
CCCXXXIX-CCCXLI,
pp. 948-956;
Tradução de Frei Marcellino de Milão, O.F.M.Cap.; Escola
Typographica Salesiana, Bahia, 1933.
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