Quando Deus houve de libertar os filhos de Israel do cativeiro do Faraó, mandou-lhes sacrificar um cordeiro,2 e do seu sangue pôr sobre as suas portas um sinal, que visto pelo Anjo, que ia matando todos os primogênitos do Egito, deixava ilesas as suas casas; e por esta razão se chamava o tal cordeiro Pascal; porque Páscoa na língua Hebraica, quer dizer transição, ou também transmigração; e o tal Anjo devastador, transcendia, ou passava salvando só as casas dos Israelitas,3 que haviam de transmigrar do Egito para a terra da promissão. É pois Cristo, nossa Páscoa, porque é o Cordeiro figurado, que se ofereceu em sacrifício na Cruz, e em virtude de seu Sangue, somos os que dela participamos libertados da escravidão do Demônio, e chamados do Egito deste mundo, para a terra da promissão da Bem-aventurança.
Pondera, quanto amor devemos a este Cordeiro inocentíssimo, que com seu Sangue voluntariamente derramado nos sinalou, para nos perdoar a ira de Deus, e conseguirmos a salvação eterna! E que força poderia quebrantar as correntes do nosso cativeiro, em poder do Faraó infernal, senão a das correntes deste Sangue? Desta maravilhosa eficácia obrou Deus um sinal mais palpável aos nossos sentidos, por um servo seu chamado Evermoldo, Bispo de Racoburgo.4 Havia este intercedido com certo Príncipe secular, para que soltasse uns prisioneiros que (ele) tiranicamente vexava; porém, não valendo seus rogos, foi uma manhã de Páscoa visitar a masmorra onde estavam aprisionados, dizendo aquelas palavras do Salmo: Dominus solvit compeditos:5 O Senhor desata os presos. De repente, soltou a grossa cadeia feita em pedaços, e saíram os pobrezinhos a gozar alegres sua desejada liberdade. Vê, alma minha, quanta diferença vai desta cadeia à dos nossos pecados, e deste tirano ao Diabo; e por aí conhecerás quão grande benefício foi livrar-nos o Cordeiro Pascal com a aspersão de seu precioso Sangue.
Bendito sejais, ó Cordeiro de Deus; louvado e amado de todos os vossos remidos por toda a eternidade; Vós sois a nossa Páscoa e alegria; Vós sois a nossa liberdade; Vós sois a nossa transmigração deste miserável século, para as moradas do Reino da Glória. Oh não permitais, Senhor, que eu por minha miséria, volte outra vez para o Egito, e torne a meter-me na mesma escravidão, frustrando tão valioso preço de meu resgate. Não permitais, que minha ingratidão destrua vossa beneficência, esquecendo-me do que Vos devo. Assim seja.
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Fonte: Ven. Pe. Manoel Bernardez, “Luz e Calor” - Obra Espiritual para os que Tratam do Exercício de Virtudes e Caminho de Perfeição, 2ª Parte, Opúsculo III, Meditação XXVIII, Ponto III, p. 391-392. Nova Edição, Lisboa, 1871.
1. I Cor. 5, 7.
2. Êx. 12.
3. Symmachus Josephus. D. Hieronym.
4. Arbert. Kranz. Lib. 5. Vandaliae c. 43.
5. Psalm. 145, 8.
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