O Triunfo da Ressurreição
No próprio momento em que Jesus exalou o último suspiro, uma revolução súbita transtornou toda a natureza. O último brado do Deus moribundo ecoou até aos abismos. A terra pôs-se a tremer, como se a Mão do Criador cessasse de a manter em equilíbrio; e as rochas partiram-se em consequência daquelas espantosas comoções. Até a rocha do Calvário, sobre a qual se levantava a Cruz do Salvador, se fendeu violentamente até ao profundo.1 No vale de Josafá abriram-se os sepulcros e muitos mortos ressuscitaram e apareceram, envoltos em seus longos sudários, pelas ruas de Jerusalém, espalhando por toda a parte o espanto e a consternação. Era Deus que forçava a todos, vivos e mortos, a proclamarem a Divindade do seu Filho.
No templo, era o terror ainda maior. Os sacerdotes que estavam a acabar de imolar as vítimas, pararam perturbados até ao íntimo da alma, enquanto o povo, mudo de assombro estava esperando pelo final do estranho cataclismo. De repente, ouve-se um ruído sinistro do lado do Santo dos Santos; voltam-se todos os olhos para o véu de jacinto, de púrpura e de escarlate que fecha a entrada do santuário impenetrável, onde Javé se manifestava uma vez por ano ao sumo sacerdote; e eis que o véu misteriosamente se rasga de alto a baixo, rompendo assim a Antiga Aliança para ceder o lugar à Nova. Sacerdotes, cessai de imolar vítimas figurativas: a única Vítima agradável ao Senhor, vós a imolastes no Calvário! Povo de Israel, escuta a profecia de Daniel: “Depois de setenta semanas de anos, será morto o Messias; o povo que O há de renegar, já não será para o futuro o seu povo; a oblação e o sacrifício hão de cessar; e a abominação da desolação morará no templo e a desolação perdurará até ao fim”.2 Sacerdotes e doutores, as setenta semanas passaram; junto ao véu roto do santuário, confessai que crucificastes o Messias, o Filho de Deus!
Em meio destas cenas de desolação, um silêncio lúgubre reinava no Calvário; silêncio entrecortado de tempos pelos gritos lancinantes que davam os dois ladrões. Depois da morte de Jesus, tinham-se afastado um pouco as santas mulheres com Maria e o Apóstolo João. Só o centurião, imóvel no meio dos seus soldados, não podia despregar do divino Crucificado os olhos. Ainda lhe ecoava aos ouvidos o último brado que Jesus dera; e à vista dos prodígios operados na Sua morte acabou de lhe abalar o coração. Dirigindo-se a todos os que se encontravam no Calvário, exclamou: “Era um justo, era em verdade o Filho de Deus”. E todas as testemunhas daquele drama sublime, impressionadas até ao íntimo da alma, voltaram para suas casas, batendo no peito e dizendo como aquele Romano: “Sim, era verdadeiramente o Filho de Deus”.
O mesmo brado se ouviu lá nas profundezas do Inferno. Quando Jesus deu o último suspiro, compreendeu Satanás o seu erro. Tinha amotinado a Sinagoga contra o Justo, e aquele Justo era o Filho de Deus. Quisera o Demônio, com raiva insensata, aquela morte que dava a vida ao Gênero Humano e trabalhara sem o saber para remir aqueles filhos de Adão que considerava como seus perpétuos escravos. “Era o Filho de Deus, gritava ele desesperado, e eu servi-O nos seus desígnios!” E naquele próprio momento, pôde Satanás ver a Alma de Jesus separada do seu Corpo, quando descia ao misterioso Limbo, onde desde longos séculos a estavam esperando os filhos de Deus. Ali se encontravam os Patriarcas e Profetas: Adão, Noé, Abraão, Moisés, Davi e todos os justos que tinham desejado a vinda do Salvador e Nele tinham posto a sua esperança. Ao entrar naquele templo dos Santos, foi Jesus acolhido com um brado tal que ecoou naquele momento ao pé da Cruz e nos Infernos: “É Ele, é o Filho de Deus, é o Redentor que vem nos anunciar a nossa próxima libertação!”
Neste meio tempo, alguns soldados, enviados por Pilatos, subiam silenciosos pelo monte Calvário. Os Romanos desamparavam às aves de rapina os cadáveres dos supliciados, mas a lei dos Judeus proibia que se deixassem suspensos no patíbulo depois do sol posto. Como ia começar o Sábado, mais urgente ainda se tornava o guardar as prescrições legais. Os príncipes dos sacerdotes pediram pois a Pilatos, que mandasse acabar com os três supliciados e depor-lhes, a seguir, os corpos. Para esta última execução é que os soldados armados de enormes maças, subiam ao Gólgota.
Aproximaram-se de um dos ladrões e partiram-lhe as pernas e o peito. A mesma sorte coube ao segundo ladrão. Chegado, porém, a Jesus, para logo notaram, na palidez do rosto, inclinação da cabeça e rigidez dos membros, que há algumas horas deixara de viver. Julgaram pois inútil quebrar-lhe as pernas. Contudo, para maior segurança, um soldado passou-lhe o lado com uma lançada. O ferro atingiu o Coração e da ferida saiu água e sangue. E deste modo se cumpriu aquela palavra da Escritura: “Fixarão os seus olhos naquele a quem crucificaram”;3 e aquela outra, concernente ao Cordeiro pascal: “Não lhe partireis nenhum osso”.4
O Apóstolo João, que estava com as santas mulheres, viu com os seus olhos todos os particulares desta cena misteriosa. Viu entrar o ferro da lança no Coração de Jesus, viu correr o sangue e a água – aquelas duas fontes de vida saídas do divino Coração: a Água batismal que regenera as almas, e o Sangue eucarístico que as vivifica. E João deu testemunho do que tinha visto, a fim de a todos inspirar fé e amor.
Para concluir o seu ofício, dispunham-se os soldados a desprender os supliciados e a enterrá-los, como de costume, com os instrumentos do seu suplício, quando se apresentaram dois homens, a reclamar o Corpo de Jesus. Um deles, José de Arimateia, pertencia à nobreza e tinha voz no supremo Conselho. Amigo como era da justiça e afável, e bom por natureza, recusara associar-se à negra conspiração tramada contra Jesus. No íntimo, era discípulo Salvador e esperava o Reino de Deus; mas o terror que inspiravam os Judeus tinha-o impedido de manifestar a sua fé. As grandes emoções do Calvário, tal ousadia lhe meteram na alma que, ao morrer o Salvador, concebeu o desígnio de lhe dar honrosa sepultura. Animado pois subitamente de uma coragem heroica, não receou ir ter com Pilatos e pedir-lhe o Corpo de Jesus. Muito tinha o governador romano por que penitenciar-se a respeito do Crucificado e dos seus amigos; viu de bom grado no que se lhe pedia, mas quis primeiro certificar-se da morte, pois lhe parecia demasiado prematura. Chamou pois o centurião encarregado de guardar os supliciados e, ouvindo dele que Jesus já não vivia, ordenou-lhe que entregasse o Corpo a José.
Com José ia Nicodemos, aquele doutor da lei que, desde a sua conversa noturna com Jesus, não tinha deixado nunca de O defender das injustas acusações dos chefes do povo. José levava um sudário para amortalhar o Corpo, e Nicodemos, uma confecção de mirra e aloés, para O embalsamar. Com o auxílio de João e de mais alguns discípulos despregaram da Cruz o Corpo do Salvador; e depois carregando com o precioso depósito foram colocá-lo sobre uma fraga a alguns passos da Cruz. E ali afinal, foi que as santas puderam contemplar o rosto inanimado do Mestre a quem tinham seguido com tanta dedicação; ali pôde a Mãe de Jesus banhar-lhe com Suas lágrimas as Sagradas Chagas e cobri-las de beijos. Mas foi preciso bem depressa concluir com aquelas demonstrações de dor e ternura, pois o sol estava no ocaso e ia começar o Sábado.
José estendeu sobre a pedra o sudário que devia servir de mortalha. Colocaram o Corpo sobre aquele lençol, cobriram-no de perfumes, conforme ao costume dos Judeus, e por fim, cobriram com as extremidades do lençol fúnebre os Membros e a Cabeça do seu muito amado Mestre.
Perto do lugar onde Jesus foi crucificado, num jardim pertencente a José de Arimateia, havia um sepulcro aberto na rocha, o qual ainda não servira. Deu-se José por feliz com poder consagrá-lo à sepultura do Salvador.5 Aquele jazigo funerário compunham-no duas celazinhas abertas na rocha e que comunicavam entre si. Num nicho, feito na segunda destas celazinhas, é que foi posto o Corpo do Salvador; coisa que muito bem notaram Maria Madalena e as santas mulheres, porque tinham formado o desígnio de voltar ao sepulcro, passado que fosse o Sábado, para proceder, com menos precipitação, ao embalsamento de Jesus.
Tendo assim prestado os últimos serviços ao seu bom Mestre, saíram os discípulos do monumento e rolaram-lhe para a entrada uma pedra enorme com o fim de lhe impedir o acesso; depois, com o coração triste, com os olhos arrasados de lágrimas e oprimidos com o peso da dor, entraram na cidade. Maria e as santas mulheres houveram também de resignar-se a deixar o Calvário. Foram encerrar-se no Cenáculo para lá passar o dia do Sábado.
Tudo parecia concluído. O profeta de Nazaré morrera na Cruz, como um vil escravo. Os Apóstolos, aterrorizados, tinham desaparecido; umas quantas mulheres, depois de O terem seguido até ao sepulcro, voltavam para suas pousadas, derramando lágrimas. Dir-se-ia que os príncipes dos sacerdotes e os fariseus triunfavam incontestavelmente; e contudo, coisa estranha! Pareciam temer ainda Aquele personagem prodigioso, que tantas vezes os tinha espantado com o seu poder. Aquelas trevas que envolveram a cidade durante a sua agonia, aquele tremor de terra no momento da Sua morte, aquele véu do Santo dos Santos rasgado miraculosamente, afiguravam-se a todos, como presságios sinistros. E o que mais que tudo os inquietava, é que o Crucificado tinha anunciado que ressuscitaria três dias depois da Sua morte.
Em tal assombro os lançaram estes temores, que sem se importar com o descanso sabático, foram para logo ter com Pilatos. “Senhor, disseram-lhe eles, lembramo-nos que aquele impostor, quando ainda vivia, anunciou que ressuscitaria ao terceiro dia depois da Sua morte. Fazei-nos pois o favor, de mandar guardar o seu sepulcro até ao fim do terceiro dia, para que não venham os seus discípulos tirar o cadáver e digam depois ao povo que ressuscitou dentre os mortos. Pois este segundo erro ainda seria mais perigoso que o primeiro”.
Pilatos execrava aqueles homens, sobretudo depois que eles lhe extorquiram uma sentença que a sua consciência lhe exprobrava como um crime. Por isso, respondeu-lhes com desprezo: “Tendes a vossa guarda: ide lá, e mandai guardar esse sepulcro, como bem vos parecer”. Os príncipes dos sacerdotes e os chefes do povo foram ao jazigo onde repousava o Corpo do Crucificado. Selaram a pedra que defendia a entrada, e colocaram soldados à volta do monumento a fim de impedir que alguém se aproximasse. E. feito isto, retiraram-se plenamente seguros: parecia-lhes impossível que um morto tão bem preso e tão bem guardado lhes pudesse escapar. Já se tinham esquecido de que, tendo-lhes Jesus prostrado com somente pronunciar o próprio Nome, os soldados no Horto de Getsêmani, bem podia, se quisesse, prostrá-los de novo junto do sepulcro. Dispunha, porém, Deus que eles tomassem aquelas ridículas precauções, a fim de que os próprios Judeus fossem obrigados a verificar oficialmente o triunfo do Crucificado!
Ao predizer a Sua morte, e a Sua morte na Cruz, Jesus ajuntava que ressuscitaria ao terceiro dia. “Destruí este templo, dizia Ele aos Judeus, falando do templo do Seu Corpo, e Eu o reconstruirei em três dias”. E até aos fariseus que lhe pediam um prodígio no Céu para provar a Sua Divindade, anunciou-lhes que o grande sinal da Sua missão divina seria a Sua Ressurreição. “Assim como Jonas ficou três dias e três noites no ventre da baleia, assim ficará o Filho do homem três dias no seio da terra”. E este é o milagre por excelência, o milagre que há de lançar o mundo aos pés do Filho de Deus. Jesus Anunciou; é preciso que a Sua palavra se cumpra.
Mas o posto romano, composto de dezesseis soldados vigiava cuidadosamente o Crucificado do Gólgota. E de três em três horas, novas sentinelas iam render as que tinham acabado o seu quarto de guarda. O Filho de Deus esperava, na paz e silêncio do sepulcro, o momento fixado pelos decretos eternos. Ao romper da aurora do terceiro dia, a Sua Alma, voltando do Limbo, reunia-se ao Corpo e, sem nenhum movimento na colina, o Cristo glorificado saiu do sepulcro. E os guardas nem sequer perceberam que estavam vigiando um sepulcro vazio. Mas eis que, momentos depois, começa a terra a tremer violentamente, e um Anjo desce do Céu, diante dos soldados aturdidos, rola a pedra que fechava a entrada da gruta e senta-se sobre aquela pedra como um triunfador no seu trono. O seu rosto brilha como o relâmpago, o seu vestido alveja como a neve, os olhos lampejam chamas e fixam os guardas que para ali caem com o rosto no pó, quase mortos de pasmo. Era o Anjo da Ressurreição que descia do Céu para anunciar a todos que Jesus, o grande Rei, o Vencedor da morte e do Inferno, acabava de sair do sepulcro.
Passado aquele primeiro momento de assombro, os guardas, fora de si, fugiram para a cidade e foram contar aos príncipes dos sacerdotes os fatos prodigiosos de que tinham sido testemunhas. Eles, os sacerdotes, espavoridos e desconcertados, conferenciaram para logo entre si, acerca do modo que poderiam ter de ocultar a verdade ao povo, e pô-lo, de antemão, de pé atrás contra as manifestações que, por sem dúvida, se iam dar. E mandando imediatamente convocar os anciãos não deram com melhor ardil, para sair decentes do caso, do que subornar os soldados a peso de dinheiro. Prometeram-lhes pois a cada qual uma soma avultada, se estivessem dispostos a explicar ao povo que, enquanto eles dormiam, tinham vindo os discípulos de Jesus e levado o Corpo do seu Mestre. E como objetassem os soldados que, se Pilatos ouvisse falar do furto do cadáver, teriam eles de lhe dar contas de como procederam, respondeu-lhes o Conselho, que ele se encarregava de os desculpar perante o governador. Deste modo, livres de perigo, deitaram-se os soldados ao dinheiro que lhes metiam nas mãos e propagaram entre os Judeus a fábula ridícula do suposto roubo. Mas com isto nada mais conseguiam que desonrar-se a si, mais aos cumplices, pois era bem fácil dar-lhes esta resposta: “Se estáveis a dormir, como dizeis, não vistes nem ouvistes nada durante o sono: como então vos atreveis de afirmar que os discípulos levaram o cadáver que estáveis guardando?”6 Melhor do que com estas mentiras ineptas não podiam os Judeus provar a verdade da Ressurreição, isto é, o brilhante triunfo do Rei a quem tinham negado e crucificado.
Mas pouco aproveita ao Sinédrio: o triunfo que Jesus alcança hoje sobre um inimigo que ninguém jamais venceu nem vencerá, deixa na sombra todos os triunfos. Por este sinal, há de reconhecer o universo ao seu Deus e Salvador. Este dia da Ressurreição há de ter um nome particular; chamar-se-á o Domingo, o Dia do Senhor, o dia do eterno Aleluia, porque “nesse dia a Vida e a Morte combateram num assombroso duelo, e o Senhor da Vida prostrou a Morte. O Senhor ressuscitou verdadeiramente! Aleluia!” Assim hão de cantar os filhos do Reino que Jesus, saído do sepulcro, vai agora estabelecer no mundo inteiro e perpetuar até ao fim dos séculos.
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Fonte: Rev. Pe. Berthe, C.Ss.R., “Jesus Cristo – Sua Vida, Sua Paixão, Seu Triunfo”, Livro 8º, Cap. I, pp. 403-411. Tradução do Francês. Estabelecimentos Benzinger & Co. S.A., Einsiedeln/Suíça, 1925.
1. Ao contrário dos efeitos naturais dos terremotos, a rocha está fendida transversalmente, e a ruptura cruza-lhe os veios de um modo estranho e sobrenatural. “Está demonstrado por mim, diz Addison (De la Religion chrétienne, t. II), que isto é efeito de um milagre, que nem a arte nem a natureza podem produzir. Dou graças a Deus, por me ter trazido aqui, para contemplar este monumento do seu admirável poder, este testemunho lapidar da Divindade de Jesus Cristo”.
2. Dan. 9, 24-27. (Vulgata)
3. Zac. 12, 10.
4. Êx. 12, 46; Núm. 9, 12; Sl. 33, 21.
5. As cinco últimas estações da Via Sacra: o despojamento dos vestidos, a crucifixão, o levantamento da Cruz, a pedra da unção ou preparação do Corpo para a sepultura e o sepulcro acham-se encerradas dentro da Basílica do Santo Sepulcro.
6. Todos conhecem o dilema que Santo Agostinho põe àqueles infelizes guardas: “Se dormíeis, como sabeis que furtaram o Corpo? Se não dormíeis, porque O deixastes furtar?”
Desejo a todos,
Uma Santa e Feliz Páscoa.
Jesus ressuscitou,
verdadeiramente,
ALELUIA!
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