Antes dos castigos de além-túmulo, neste mundo mesmo, os maus, que vivem na prevaricação, recebem o seu castigo. Não me faleis irrefletidamente deste homem que desfruta de uma mesa suntuosa, que se veste de roupas de seda e que passa acompanhado de bandos de escravos, acotovelando as pessoas na praça pública. Examinai-lhe a consciência e vereis nela um grande tumulto causado pelos atos indignos, um terror perpétuo, a borrasca, a perturbação; vereis a razão subindo, como num tribunal, ao trono real da consciência, tomando lugar à semelhança de carrascos, suspendendo no patíbulo a vontade culpada, flagelando-a por causa das faltas cometidas, censurando-a com veemência, se bem que ninguém tenha conhecimento destas faltas, a não ser Deus, que é o único capaz de vê-las. O adúltero, mesmo quando é imensamente rico e ninguém o acusa, não cessa de acusar-se a si próprio; momentâneo é o seu prazer, seu sofrimento duradouro; por toda a parte ele leva consigo um acusador implacável: a sua consciência. Ele se condena a si mesmo, sem um instante sequer para respirar; na cama, à mesa, na praça pública, em casa, de dia, de noite, muitas vezes até nos sonhos, ele vê os fantasmas de suas faltas; vive a vida de Caim, gemendo e chorando sobre a terra, e, sem que ninguém o saiba, leva dentro de si um braseiro. Semelhante é a sorte dos que praticam a rapina e a fraude; semelhante é a sorte dos intemperantes, e, numa palavra, de todos os que vivem na prática do mal. Impossível é corromper o tribunal interior; ainda que não sigamos os caminhos da virtude, menor não é o nosso sofrimento por não os seguir; e seguindo os caminhos do mal, percebemos da mesma forma a dor resultante após ter cessado o prazer criminoso.
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Fonte: São João Crisóstomo, I Homilia sobre Lázaro, 11.
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