2ª
Parte
Segundo
a sentença de Deuteronômio 22, 5: “A
mulher não se vestirá de homem nem o homem se vestirá de mulher;
porque aquele que tal faz é abominável diante de Deus”.
O
Doutor Angélico o confirma: “... em si mesmo, é pecaminoso
uma mulher trazer trajes viris, ou inversamente…”.
Mas,
“o Mestre do bem pensar”
em seguida, também
ensinou: “Pode-se, porém, proceder desse modo e sem pecado,
se o exigir a necessidade: quer para ocultar-se dos inimigos, quer
por falta de outras roupagens, quer por outro motivo semelhante”.
Seguindo
os ensinamentos do “Doctor communis Ecclesiae”,
houveram variados exemplos na História da Igreja, dos
quais, publico os seguintes:
2º
Exemplo
Santa
Joana D'Arc não usava traje masculino,
ordenado
pelo
próprio Deus?
Resposta:
É verdade, porque, excepcionalmente, por vontade de Deus, ela teve
que exercer uma função que era própria do homem. Deus pode
suspender certas leis morais de ordem secundária. Além disso, para
impedir que sua função e sua veste fossem causa de qualquer risco
de sensualidade entre os homens, Deus a dotou de uma pureza e
modéstia tais que superava qualquer inconveniente de ordem natural:
Os comandantes do exército francês, companheiros de armas da Santa
guerreira, depunham no Processo de revisão de sua condenação:
diante de Santa
Joana d’Arc jamais eles sentiam qualquer tentação carnal,
mesmo nas condições precárias de um acampamento militar, tal era a
irradiação milagrosa de pureza que dela se desprendia.
O
Exemplo de Santa Joana d’Arc,
a
Mártir da Castidade.
“O
bruxo e visionário Merlin teria profetizado que a França seria
salva por uma virgem com trajes de homem. E mais, acreditava-se que
esta jovem viria da Lorena. Uma das testemunhas no Processo (contra
Joana d’Arc) afirmou ter lido num livro velho que esta virgem
sairia de um mato de carvalho na Lorena. − Não importa que Merlin
falasse de um país diferente. O que aqui interessa é o fato de tais
boatos existirem antes da aparição de Joana d’Arc.
Diante
do ‘Dauphin’ apareceu uma piedosa mulher, Marie d’Avignon,
contando suas visões relacionadas com os sofrimentos inauditos da
França. Uma voz lhe comunicara que a calamidade havia de crescer
ainda. Apareceu-lhe uma armadura. Assustada pensou ter de usá-la.
Mas a voz esclareceu: ‘Viria uma virgem que devia vesti-la, vencer
os inimigos e salvar o reino da França’.
A
comissão que antes da libertação de Orleans examinou Joana d’Arc,
conhecia também estes boatos e vaticínios, constatando que então
estavam realizados.
Quando
em 1412 nasceu Joana, a quarta filha de Jacques d’Arc e Isabelle
Romée, ninguém pensou nas profecias, que se contavam em todas as
casas. O futuro da menina parecia o comum de todas as crianças,
nascidas em condições humildes: seria o que eram seus pais, como as
demais meninas da mesma aldeia, uma camponesa laboriosa, uma boa mãe
de família.
Em
Domrémy, aldeia Lorena, onde se achava a casa paterna, não havia
escola. A menina não aprendeu a ler nem escrever. A única coisa que
Joana sabia eram as Verdades da Fé, ensinadas por uma inteligente e
enérgica mãe. Foi dela que aprendeu a fazer o Sinal da Cruz e a
rezar o Creio em Deus Pai, o Pai Nosso e a Ave Maria.
Quando
Joana saía de casa, via na próxima vizinhança a igreja paroquial,
que cada vez mais a atraía. Ao badalar dos sinos, soando o Angelus,
ela fazia o Sinal da Cruz e ajoelhava-se. Fora da aldeia, numa
elevação, havia uma capelinha, consagrada a Nossa Senhora de
Bermont. Muitas vezes, de preferência nos sábados, Joana visitava
aquela imagem e, quando possível, acendia uma vela em honra da Mãe
de Deus”.
As
Vozes do Céu
“Joana
tinha 13 anos quando, num dia que a história nunca fixou, ouviu uma
voz ‘divina, boa e
nobre’, que não saía de boca humana. Eram 12 horas. Dia de verão.
A menina achava-se sozinha no jardim da casa paterna. A voz vinha da
direita, do lado da igreja e estava acompanhada de viva luz. A voz
lhe recomendou de atender bem a si mesma e de frequentar
diligentemente a igreja.
Nos dias seguintes a voz
voltou. Na terceira vez Joana soube que era o Arcanjo São Miguel que
lhe falava, o Príncipe dos exércitos celestes, o Padroeiro da casa
Valois, reinante, e da própria França.
Pouco
depois o Arcanjo se fez acompanhar e finalmente substituir por Santa
Catarina e Santa Margarida. Eram aparições majestosas, com ricas
coroas na cabeça. Joana via-as, tocava e sentia a fragrância que
espalhavam, mas em geral referia-se a elas só como a ‘vozes’ que
ouvia, ‘suas vozes’. Sabia
que eram Virgens e Mártires, mas o que não podia imaginar era a
razão por que Deus as escolhera para esta missão: seriam guias e
protetoras da virgem e mártir Joana, futura salvadora e santa ideal
da França Católica”.
A Vocação
“Certo dia as vozes, tão
familiares, mudaram de tom. Atônita, ela ouviu as palavras: ‘Filha
de Deus, deves sair da tua aldeia e ir para a França’.
Passaram momentos de estupor.
Tendo finalmente compreendido o sentido das palavras ela respondeu:
‘Mas eu sou uma pobre menina que não sabe andar a cavalo, nem
travar batalhas!’ Mas as vozes insistiam. A partir daquele dia elas
repetiam sempre a ordem, variando os termos. As intimações
tornavam-se mais peremptórias: ‘Toma tua bandeira que o Rei dos
Céus te dá, toma-a corajosamente, e Deus te ajudará!’ Em outra
ocasião ouviu dizer: ‘Filha de Deus, vai, vai, vai! Eu serei teu
auxílio. Vai!’
Finalmente ela ouviu a
explicação clara da sua missão! ‘Filha de Deus, deves conduzir o
‘Dauphin’ a Reims, para que seja coroado segundo o Rito
Tradicional!’ − ‘Deves ir para a França e não podes ficar
onde estás! Deves levantar o cerco de Orleans’.
Decisivas foram as palavras
seguintes: ‘Filha de Deus, deves ir ao capitão Robert de
Baudricourt na cidade de Vaucouleurs; ele te dará homens que te
levarão ao Dauphin’. Joana d’Arc tinha (então) 17 anos.
“A
13 de Fevereiro de 1429, quando contava 17 anos de idade, saiu Joana
de Vancouleurs, a caminho da corte do Delfim, então em Chinon, como
vimos. Escoltavam-na dois cavaleiros, João de Metz e Beltrão de
Poulangy, quatro homens de armas e escudeiros. Pela primeira vez,
agora, enverga o traje de campanha, que nunca mais há de abandonar;
quotizou-se o povo de Vancouleurs para lhe oferecer as peças do seu
vestuário novo, a saber: um gibão muito justo, de pano escuro, uma
saia curta, que lhe descia até aos joelhos, polainas altas, botas e
esporas. Leva o cabelo cortado pela altura das orelhas, como era de
uso entre os cavaleiros da época; cobre-lhe a cabeça um gorro de lã
preta. Laxart e um certo Tiago d’Alain deram-lhe um cavalo, cujo
preço foi 16 francos; e recebeu de Roberto de Baudricourt uma espada
que depois havia de trocar pela milagrosa lâmina encontrada em
Fierbois”.
Aos
13 de Fevereiro de 1429 a camponesa de Domrémy montou a cavalo
trajada de homem,
com armadura, espada e lança. Seis homens tinham ordem de
acompanhá-la. Baudricourt os fez jurar de protegê-la do melhor modo
possível. E Robert disse a Joana quando encetou caminho: ‘Anda! Vá
agora tudo como quiseres!’.
A confiança do comandante era
pouca, mas em algumas semanas esta moça desconhecida espantará o
mundo inteiro.
Veremos mais tarde que os
juízes fizeram acusação dos trajes masculinos que Joana revestia
desde a partida. Ela afirmava ter obedecido às ordens de Deus!
“Das
setenta acusações que pesaram sobre Joana, quer o leitor saber qual
foi tida por mais importante? O
uso de trajes masculinos!
Custa a crer que assim fosse; mas o caso não admite dúvidas, nem
interpretações divergentes; ressalta com evidência das Atas do
Processo: ‘─ Podeis acaso afirmar que não pecais mortalmente por
vestirdes fato de homem?’.”
‘Se Deus me disse que
pusesse trajes de homem e os trouxesse constantemente, sua ordem tem
relação com a necessidade de manejar as mesmas armas como homens’.
E ainda mais claro: ‘Quando estou trajada como homem entre homens,
eles não terão desejos de mim, e creio que poderei em pensamentos e
ações guardar melhor a minha virgindade’.
Vemos
que a moça conhecia os perigos, mas mostrava uma resolução tão
decidida de ser inviolável que os rudes homens de guerra eram como
instintivamente afastados deste ser extraordinário... o nobre
Dunois... o atribuía a uma intervenção Divina.
Talvez o mesmo Dunois tivesse ouvido o que acontecera a Joana logo no
princípio da carreira militar. Um soldado saudou-a com as seguintes
palavras: ‘Não é esta a pretensa virgem? Se eu a tivesse uma só
noite, com Deus, ela não seria mais virgem, é o que posso
prometer’.
Joana ouviu esta saudação.
Fixou o homem: ‘Blasfemas contra Deus, morrerás em breve’. Em
menos de uma hora o homem caiu na água e se afogou”.
Por que os Trajes
Masculinos?
“O célebre Jean Gerson vivia
no exílio em Lyon, onde dera um parecer favorável a Joana; em
particular não vetara os trajes masculinos”.
“Confiando nas promessas
recebidas em Saint-Ouen, Joana aceitou trajes femininos e esperou ser
levada a uma prisão eclesiástica, ser vigiada por uma mulher e
poder assistir à Santa Missa. Mas foi outra vez confiada aos mesmos
guardas ingleses. Estes, participando da decepção e ódio de todos
seus conterrâneos, a maltrataram mais desumanamente do que nunca.
Com todas as forças ela se defendeu contra agressões desonestas.
As
circunstâncias fazem crer que era jogo premeditado induzir a
prisioneira a reassumir os trajes masculinos e fornecer assim ensejo
para nova ação judiciária. Um ou dois dias depois da volta à
prisão, os guardas esconderam os trajes femininos deixando só os
proibidos. Mas tarde restituíram o vestido de mulher, para acusar
Joana de má vontade, caso ela o repudiasse. Mas Joana não o aceitou
por motivos que logo ouviremos.
Em breve a vítima de uma trama
diabólica convenceu-se de que fora enganada. A prisão era a mesma
e, segundo a sentença, devia ser eterna. As Santas que lhe falavam
repreendiam sua infidelidade. De repente espalhou-se a notícia de
que Joana, na sua impiedade, vestia de novo trajes masculinos.
Imediatamente Mons. Pierre
Cauchon, Bispo de Beauvais, foi à prisão, onde a encontrou
desfigurada, ensanguentada pelos maus tratos, chorosa, cabelo
raspado, trajada de homem. Era aos 28 de Maio, dois dias antes da
morte (contava apenas 19 anos).
Ouçamos o último diálogo da
prisioneira que, arrependida de sua fraqueza passageira, sobe ao cume
do heroísmo.
─ Cauchon: ‘O que significa
isso?’
─ Joana: ‘Sim, tornei a pôr
os trajes masculinos, tirei os femininos’.
─ Cauchon: ‘Prometeste e
juraste não mais vesti-los’.
─ Joana: ‘Era mais
conveniente, porque estou em meio de homens. Tornei a vesti-los
porque não guardastes a vossa palavra. Prometestes que eu poderia
assistir à Santa Missa, receber o Corpo de Nosso Senhor, ficar fora
destas cadeias de ferro’.
─ Cauchon: ‘Não abjuraste
e prometeste não mais vestir esta roupa?’
─ Joana: ‘Prefiro morrer a
estar em cadeias. Mas se me deixam ir à Missa, me tiram as cadeias,
levam a uma prisão decente em presença de uma mulher, então
sujeitar-me-ei e farei o que a Igreja me mandar’. ‘Prefiro fazer
penitência de uma vez e morrer do que suportar mais tempo os
sofrimentos da prisão. Nunca agi contra Deus nem contra a Fé,
embora vós me obrigásseis a revogar. Do que estava escrito no
documento da abjuração não compreendi nada. Não tinha na mente
revogar qualquer coisa, fora se fosse do agrado Divino. Se quiserdes
tornarei a revestir os trajes femininos, quanto ao resto, não
mudarei nada’.
Cedo no dia 30 de Maio do ano
1431, Joana é avisada que neste dia será queimada viva. Começa a
chorar: ‘Oh! Que me tratam tão terrível, tão cruelmente! Oh! Que
hoje meu corpo, que nunca degradei, deve ser consumido e reduzido a
cinzas... Diante de Deus acuso estes guardas e os homens que lhes
deram entrada aqui, por causa dos assaltos e atos de violência a que
me sujeitaram... Apelo para Deus, dos males e das injustiças que me
fazem!’ ‘Hoje de noite espero estar no Paraíso’. Joana é
condenada como herege impenitente, mas ilogicamente Cauchon lhe
permite confessar-se e receber a Sagrada Comunhão... Reza sem
interrupção: ‘Santíssima Trindade, tende piedade de mim! Santa
Maria, rezai por mim! Santa Catarina, Santa Margarida, ajudai-me!’...
Quando o fogo a atinge, ela não grita nem se lamenta. Várias vezes
exclama: ‘Jesus! Jesus!’
Mártir
da Virgindade
Acima
ouvimos que depois da sua abjuração, Joana voltou aos trajes
masculinos, o que lhe foi imputado como recaída e causou sua
execução. Mas como em tantas outras circunstâncias, as Atas do
Primeiro Processo velam a verdade que apreendemos de várias
testemunhas do Segundo Processo. Vejamos os textos: ─ A
Pucelle me confiou que depois da abjuração foi atormentada e
espancada horrivelmente na prisão; um inglês, até de nobre
linhagem, tentou violá-la. Foi por esta razão que vestiu de novo
trajes masculinos. Também o declarou publicamente.
Quando se aproximou o fim, disse ao Bispo de Beauvais: ‘Ai! Morro
por vós, porque se me tivésseis internado numa prisão eclesiástica
− não estaria aqui’.
─ Quando Joana tinha prestado a abjuração, ela perguntou ao
presidente em que lugar devia permanecer. O presidente respondeu: No
castelo de Rouen (a antiga prisão). Foi reconduzida para lá. Vestia
de novo trajes femininos. Tornada relapsa teve que justificar-se
perante os juízes. Nisto o próprio (juiz) Mestre André Marguerie
correu grande perigo, por dizer que convinha perguntar a Joana por
que motivo voltara aos trajes masculinos. Um inglês arrojou a lança
e queria transpassar o Mestre. Muito assustados, Marguerie e os
outros fugiram.
Pelos depoimentos
citados do Segundo Processo e outros que omitimos, apreendemos,
portanto, a verdade. Joana não reassumiu os trajes proibidos como
símbolo da sua retratação, nem propriamente por causa da prisão
secular, como insinuam as Atas do Primeiro Processo, mas por causa do
perigo que nesta prisão corria sua virtude e integridade. Aqui a
heroína da Igreja e da França se elevou ao fastígio (cume) da
heroicidade. Sabia que enfrentava a morte e na realidade ela foi
decretada em consequência desta mudança de trajes. Se conservasse a
roupa feminina, já não a teriam inquietado qualquer que fosse sua
disposição interna. Mas, antes a morte, do que a violação! Joana
d’Arc, já reconhecida durante a vida como a Pucelle, a Virgem, é
a vitoriosa Mártir da Virgindade”.
____________________________