A Comunhão consuma a união,
do fiel com Jesus Cristo.
Vivamos para Aquele que morreu
e ressuscitou por nós.
Que pureza de espírito e de corpo,
requer um tal Mistério!
“Isto é meu corpo”: é, pois, aqui a consumação da nossa união com o Salvador; Seu Corpo não é d'Ele, porém nosso; nosso corpo não é nosso, porém de Jesus Cristo. É o mistério do gozo, o mistério do Esposo e da Esposa. Está escrito: “O corpo do Esposo não está em seu poder, porém no da Esposa”. Santa Igreja, casta Esposa do Salvador; alma cristã, que O haveis escolhido para vosso Esposo no Batismo, em fé, e com promessas mútuas, vedes esse Corpo Sagrado de vosso Esposo, na Santa Mesa onde acabam de consagrá-Lo? Ele não está mais na Sua Pessoa, porém na vossa. Tomai-O, diz Ele, é vosso; “é meu corpo, entregue por vós”, tendes sobre Ele um direito real. Mas também o vosso não é vosso; Jesus quer possuí-lo. Assim sereis unidos Corpo a corpo; e sereis dois numa só carne, que é o direito da Esposa, e o cumprimento perfeito desse casto, desse divino conúbio.
O uso passa, mas o direito fica. Nem sempre se está nesse casto amplexo; mas fica-se nele de direito. Assim, diz nosso Salvador, quem Me come fica em Mim, e Eu nele; não fica por um momento; esse gozo mútuo tem um efeito permanente. Quem Me come, quem goza de mim, fica em Mim; porém a união é recíproca; fica em Mim, e Eu nele. Como essa união é real, como o efeito dela é permanente! O Corpo de Jesus Cristo está em meu poder; recebi este direito sagrado pelo Batismo; exerço-o na Eucaristia: meu corpo é, pois, do Salvador, como o Corpo do Salvador é meu. Há que juntar a isso um casto e perfeito amor. “Assim como meu Pai está vivo, e eu vivo por meu Pai, assim aquele que me come viverá por mim”1; só respirará o Meu amor; só terá de vida a que receber de Mim.
É também o que nos conduz à lembrança da morte do nosso Salvador. Nessa terna, nessa bem-aventurada, nessa cara lembrança, “o amor de Jesus Cristo faz-nos pressão, enquanto pensamos que, se Um só morreu por todos, todos também morreram; e Um só morreu e ressuscitou por todos, a fim de que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para Àquele que morreu e ressuscitou por eles”.2
Tomemos, pois, esse Corpo Sagrado com transporte, com aquele bem-aventurado excesso de que fala São Paulo no mesmo lugar, dizendo: “Se somos transportados em nosso espírito e fora de nós mesmos, é para Deus”. Sim, com a presença desse Corpo, fico fora de mim; esqueço-me de mim mesmo: quero fruir do Esposo e d’Ele só. “Como! Eu tomaria aquilo que está unido com Jesus Cristo, até fazer um só Corpo com Ele, para uni-Lo a uma impudica, e tornar-me com ela um mesmo corpo! Deus não permita!”.3 Mas tudo aquilo que compartilha o meu coração, tudo o que tira a Jesus Cristo a menor parcela dele é para mim essa impudica que quer roubar-me Jesus Cristo. Retirem-se todos os maus desejos: “Meu corpo unido ao Corpo de Jesus não é para a impureza, mas para Jesus Cristo, e Jesus Cristo também é para meu corpo”. Eis aí o perfeito cumprimento desta palavra: a Eucaristia explica-nos todas as palavras de amor, de correspondência, de união, que há entre Jesus Cristo e sua Igreja, entre o Esposo e a Esposa, entre Ele e nós.
No transporte do amor humano, quem não sabe que a gente se come, se devora que quereria incorporar a si de todos os modos, e, como dizia aquele poeta, arrebatar até com os dentes aquilo que a gente ama, para possuí-lo, para se alimentar dele, para se unir a ele, para viver dele? O que é furor, o que é impotência no amor corporal, é verdade, é sabedoria no amor de Jesus. Tomai, comei, isto é meu Corpo, devorai, engoli não uma parte, não um pedaço, mas a todo.
Cumpre, porém, que o espirito se junte a isso; porquanto, que é unir-se ao corpo se não nos unimos ao espírito? “Aquele que é unido ao Senhor, que lhe permanece ligado, é um mesmo espirito com Ele”. Não tem senão uma mesma vontade, um mesmo desejo, uma mesma felicidade, um mesmo objeto, uma mesma vida.
Unamo-nos, pois, a Jesus, Corpo a corpo, Espírito a espírito. Não digamos: O espírito basta; o corpo é o meio para nos unirmos ao espírito; foi fazendo-se Carne que o Filho de Deus desceu até nós; é pela Sua Carne que devemos retomá-Lo para nos unirmos ao Seu Espírito, à Sua Divindade. “Somos feitos participantes, diz São Pedro, da natureza divina”;4 porque Jesus Cristo também participou da nossa natureza. Devemo-nos, pois, unir à Carne que o Verbo tomou, a fim de que por essa Carne gozemos da Divindade desse Verbo, e nos tornemos deuses, tomando sentimentos divinos.
Purifiquemos, pois, o corpo e o espírito, visto que devemos estar unidos a Jesus Cristo, segundo um e segundo outro. Tornemo-nos dignos de receber esse Corpo virginal, esse Corpo concebido duma Virgem, nascido duma Virgem.
Purificai-vos, sagrados Ministros, que no-Lo dais. Que a vossa mão, que no-Lo dá, seja mais pura que a luz; que a vossa boca, que O consagra, seja mais casta que a das virgens mais inocentes. Ó que Mistério, com que pureza deve ele ser celebrado! “O Matrimônio é santo e honroso entre todos; e o tálamo nupcial é sem mancha”5: mas ainda não é bastante santo para os que devem consagrar a Carne do Cordeiro. Por essa santa instituição da Continência, que a Igreja sempre teve em vista, — sabem-no os doutos — desde o tempo dos Apóstolos, que Ela afinal estabeleceu, quando pode, desde os primeiros séculos, em toda parte onde o pode, e de maneira mais particular na Igreja do Ocidente, e na de Roma, especialmente consagrada e fundada pelos dois Príncipes dos Apóstolos, São Pedro e São Paulo, a Igreja quer preparar a esse Corpo virgem, Ministros dignos d’Ele, e dar-nos uma viva ideia da pureza desse Mistério. “Tomai, comei, isto é meu corpo”; purificai o vosso corpo, que deve recebê-Lo, a vossa boca, onde Ele deve entrar. A pureza da boca, é que dela só saiam palavras de bênção; a pureza da boca, é moderar a língua, mantê-la o mais que se puder no silêncio; a pureza da boca é desejar o casto ósculo do Esposo, e renunciar a qualquer outra alegria que não a de possuí-Lo. Amém, amém!
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Fonte: Jacques-Bénigne Bossuet, Bispo de Meaux, “Meditações sobre o Evangelho” – Opúsculo “A Eucaristia”, Cap. XXII, pp. 99-104. Coleção Boa Imprensa, Livraria Boa Imprensa, Rio de Janeiro/RJ, 1942.
1. Jo. V, 58.
2. II Cor. V, 14-15.
3. I Cor. VI, 15.
4. II Ped. I, 4.
5. Hebr. XIII, 3.
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