(De divino petendo auxilio, et confidentia recuperandae gratiae)1
1. JESUS CRISTO. Filho, Eu sou o Senhor que conforta no dia da tribulação.2 Vem a Mim quando não te sentires bem.
O que mais impede a consolação celeste é recorreres tarde à oração.
Antes de me suplicares com todo o coração, buscas primeiro muitas consolações e alívios externos.
Daqui vem que de tudo tiras pouco proveito até que reconheças que só Eu salvo os que em Mim esperam e que fora de Mim não há auxílio eficaz, nem conselho proveitoso, nem remédio durável.
Uma vez, porém, que já recobraste alento depois da tormenta reanima-te à luz de minhas misericórdias; porque estou ao teu lado, diz o Senhor, não só para restituir-te tudo o que perdeste, mas ainda muito mais.
2. Há, porventura, coisa difícil para Mim? Ou sou Eu acaso semelhante ao que promete e não cumpre?
Onde está a tua fé? Conserva-te firme e constante; sê generoso e forte; a seu tempo virá a consolação.
Espera=me, espera que Eu virei e te curarei.3 O que te acabrunha, é uma tentação; e vão temor o que te amedronta.
De que serve a preocupação de futuros incertos, senão para acumular tristezas sobre tristezas.4 A cada dia basta o seu mal.5
É vão e inútil inquietar-se ou, alegrar-se, com coisas futuras, que talvez nunca se realizem.
3. É humano, porém, deixar-se iludir por semelhantes imaginações e indício de alma ainda fraca, ceder tão facilmente às sugestões do Inimigo.
Ao Demônio, pouco se lhe dá se nos ilude e engana com objetos reais ou imagens falsas e se nos domina com o amor das coisas presentes ou o temor das futuras.
Não se perturbe, pois, nem tema o teu coração.6
Crê em Mim e põe tua confiança na minha misericórdia.
Quando cuidas que estás longe de Mim, é quando muitas vezes estou mais perto de ti!
Quando pensas que tudo está quase perdido, estás então frequentemente em ocasião de maior merecimento.
Nem tudo está perdido, quando te acontece o contrário do que desejas.
Não julgues pela impressão do momento, nem te entregues à aflição, venha donde vier, como se não houvesse esperança de remédio.
4. Não te imagines desamparado de todo, ainda que Eu te envie alguma tribulação passageira, ou, te prive da consolação pela qual suspirais: é este o caminho que leva ao Reino dos Céus.
E é, sem dúvida, melhor para ti e para todos os meus servos, ser exercitados pelas adversidades, do que tudo ter à medida dos vossos desejos.
Conheço os pensamentos mais ocultos; para tua salvação muito convém que, de quando em quando, te deixe sem consolação espiritual, a fim de que, não te desvaneças com o bom êxito e não te comprazas em ti mesmo, julgando ser o que não és.
O que dei, posso tirar e dar de novo quando me aprouver.
5. Quando dou, dou o que é meu; quando tiro, não levo o que é teu; porque de Mim procede toda dádiva boa e todo dom perfeito.7
Quando te envio alguma aflição ou qualquer contrariedade, não murmures nem desfaleça o teu coração: posso aliviar-te num instante e mudar em alegria todo o peso que te oprime.
Reconhece, porém, que sou justo e mui digno de ser louvado, quando assim procedo contigo.
6. Se julgas com sabedoria e verdade, nunca deves te afligir e abater na adversidade, mas, alegrar-te e agradecer-me.
E até deves ter por única alegria, que te aflija com dores e não te poupe.
Como o Pai Me amou, Eu vos amei,8 disse Eu, aos meus amados discípulos e, entretanto, não os enviei a gozos mundanos, mas a grandes pelejas; não às honras, mas às ignomínias; não à ociosidade, mas ao trabalho; não à descansar, mas a produzir abundantes frutos na paciência.
Lembra-te bem, filho meu, destas palavras.
1ª Reflexão9
Apresentaram um dia a Jesus Cristo um paralítico, deitado no seu leito; e Jesus, vendo a muita fé dos que lho traziam, voltou-se para o paralítico e disse-lhe: Confia, filho, os teus pecados estão perdoados.10
Uma fé viva opera prodígios. Quem não crê em Deus, não se mostra filho de Deus. A fé é o fundamento das coisas que se esperam, e a convicção das que não se vêm11 (nem pelos sentidos, nem pela razão).
A fé é um dom de Deus, uma luz sobrenatural, que nos leva a crer firmemente tudo o que Deus revelou e a Igreja nos manda crer. Quantas vezes a meditação de uma só verdade da fé tem sido bastante, com a graça divina, para fazer de um grande pecador um grande Santo? Que consolação para uma alma, que sempre gemera no erro e na indiferença, ver-se num instante iluminada pela graça e exclamar como Saulo: Senhor, que quereis que eu faça?12 É sempre feito o que Deus faz; não nos pertence, pois, julgar as obras de Deus, mas sim, ordenar as nossas ações, conforme a regra suprema da vontade divina. Filho, não recuses o castigo do Senhor, nem te desanimes, quando por Ele fores castigado; porque Deus corrige aquele a quem Ele ama e põe nele as suas complacências, como um pai em seu filho.13 Sei que Deus me ama com amor infinito desde toda a eternidade, que pensa em mim dia e noite, que toma pela minha salvação o maior interesse; esta convicção deve tranquilizar-me.
Desde que eu saiba o que Deus exige de mim, nada mais me importa inquirir. A minha vida neste mundo é meio e não fim: não vivo para viver a meu capricho, vivo para merecer a vida eterna. Que se cumpra, pois em mim, agora e sempre, a vontade de Deus. Nem sempre há de rugir a tempestade da tribulação; se hoje sofro, amanhã gozarei: depois da tempestade vem a bonança.
2ª Reflexão14
Com quanto saibam os homens, que é passageira a vida presente, há contudo neles, uma tendência extraordinária a concentrar-se nesta vida tão curta, e a não julgar das coisas senão pela relação que tem com ela. Querem invencivelmente ser felizes; mas, querem sê-lo desde este mundo, buscam na terra uma felicidade que nela não existe, nem pode existir, e nisto se enganam lastimosamente. Uns buscam-na nos prazeres e bens do mundo, e depois de se terem cansado a correr após ela, “veem que tudo é vaidade e aflição de ânimo, e que o homem nada mais tem de todos os trabalhos com que se aborrece neste mundo”.15
Outros convencidos do nada destes bens, voltam-se para Deus, mas querem também que o desejo de felicidade que os atormenta seja satisfeito desde o presente, sempre inquietos e queixosos, quando lhes retira as graças sensíveis, ou os prova com trabalhos e tentações. Não compreendem que a natureza humana é fraca, e incapaz neste estado de toda felicidade real; que as provações de que se queixam são os remédios necessários que emprega em sua bondade, o Médico celestial das almas, para as curar, e que toda nossa esperança na terra, toda nossa paz consiste em nos entregarmos inteiramente a Ele com amorosa confiança. Eis aqui porque o real Profeta repetia constantemente esta oração: “Tende dó de mim, Senhor, porque estou enfermo; curai-me, porque o mal penetrou-me até os ossos; curai minha alma, Vós que curais todas as nossas enfermidades”.16
Portanto, durante esta vida, resignação, paciência, sossegada submissão da vontade, no meio das trevas do espírito e da amargura do coração; e depois, e daqui a pouco, na verdadeira vida descanso inalterável, alegria imortal, e a fidelidade do mesmo Deus, que então “veremos tal qual é, face a face”.17
Sede Vós, meu Salvador, o único amor meu, e o fim de toda minha vida, desejos e obras. A Vós busque, a Vós ache, a Vós vá, a Vós chegue, a Vós só deseje, e a Vós só possua sempre, e tudo o que Vós não sois, desta hora para sempre me enfastie. Vinde, Senhor, e com vossa presença iluminai as trevas desta alma, e fazei que ela não viva senão para Vós, por Vós sofra, e por vossos sofrimentos mereça participar um dia da glória dos Bem-aventurados.
3ª Reflexão18
Humilhai-vos grandemente perante Deus, no conhecimento de vosso nada e de vossa miséria. Ai! Que sou eu, Senhor, quando sou de mim mesmo? Nenhuma outra coisa sou, ó Senhor, senão uma terra seca, a qual, rachada de todas as partes, testifica a sede que tem da chuva do Céu, e entretanto, o vento a dissipa e reduz a pó.
Invocai a Deus e rogai-Lhe que vos dê Sua alegria: Tornai a dar-me a alegria de vossa salvação.19 Meu Pai, se é possível, afastai de mim este cálice.20 Afasta-te de mim, ó brisa infrutuosa, que dessecas minha alma, e vinde, ó gracioso vento das consolações, e soprai em meu jardim, e suas boas afeições exalarão o cheiro de suavidade.21
Entre todas as nossas securas e esterilidades, não esmoreçamos, mas esperando com paciência a volta das consolações, sigamos sempre nosso rumo, não deixemos por isso, nenhum exercício de devoção, antes, se é possível, multipliquemos nossas boas obras; e não podendo apresentar a nosso caro Esposo confeitos líquidos, apresentemos-Lhe secos; pois para Ele tudo é um, contanto que, o coração que Lhe os oferece esteja perfeitamente resoluto a querer amá-Lo.
Acontece muitas vezes, minha Filotéa, que a alma, vendo-se na bela primavera das consolações espirituais, tanto se diverte em apanhá-las e fruí-las, que na abundância dessas doces delícias, faz muito menos de boas obras: e ao contrário, entre as asperezas e esterilidades espirituais, quanto mais se vê privada dos sentimentos agradáveis da devoção, tanto mais multiplica as obras sólidas, abundando na produção interior das verdadeiras virtudes de paciência, humildade, desprezo de si mesma, resignação e abnegação de seu amor-próprio.22
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1. IMITAÇÃO DE CRISTO, Nova tradução portuguesa pelo Pe. Leonel Franca, S.J., Livro III, Cap. XXX, pp. 143-145. 4ª Edição, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro/São Paulo. 1948.
2. Naum I, 7.
3. Mat. VII, 7.
4. II Cor. II, 3.
5. Mat. VI, 34.
6. Jo. XIV, 27.
7. Tg. I, 17.
8. Jo. XV, 9.
9. Imitação de Cristo, novíssima edição, confrontada com o texto latino e anotada por Monsenhor Manuel Marinho, Livro III, Cap. XXX, pp. 211-215. Editora Viúva de José Frutuoso da Fonseca, Porto, 1925.
10. Mat. IX, 1-8.
11. Heb. XI, 1.
12. At. IX, 6.
13. Prov. III, 11-12.
14. Imitação de Cristo, Presbítero J.I. Roquette, Livro III, Cap. XXX, pp. 264-270. Editora Aillaud & Cia., Paris/Lisboa.
15. Eccl. I, 3.14.
16. Salm. VI, 3; ib, XL, 5; ib, CII, 3.
17. I Cor. XIII, 12.
18. Imitação de Cristo, versão portuguesa por um Padre da Missão, Livro III, Cap. XXX, pp. 221-225. Imprenta Desclée Lefebyre y Cia., Tornai/Bélgica, 1904.
19. Salm. L, 14.
20. Luc. XXII, 42.
21. Cânt. IV, 15.
22. Introdução à Vida Devota, IV Parte, Cap. XIV.
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