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Dom Athanasius Schneider |
Segue
abaixo a tradução do blog Pela
Fé Católica da resposta escrita por Sua Excelência
Athanasius Schneider, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria
em Astana, Cazaquistão. Essa é a resposta oficial à Exortação
Apostólica Amoris Lætitia [vinda] do bom Bispo. Ele deseja que
ela seja lida por todos, então, por favor, reposte e passe para a
frente.
* * *
A necessidade de esclarecimento para evitar
uma confusão generalizada.
O
paradoxo de interpretações contraditórias de “Amoris
lætitia”.
A
recentemente publicada Exortação Apostólica Amoris lætitia
(AL), que contém a pletora de riquezas espirituais e pastorais que
dizem respeito à vida no Matrimônio e na família Cristã em nossos
tempos, infelizmente, em um curto período de tempo, levou a
interpretações muito contraditórias mesmo entre o episcopado.
Há
bispos e sacerdotes que, pública e abertamente, declararam que a AL
representa uma abertura muito clara à comunhão para divorciados e
recasados, sem a necessidade de eles praticarem continência. Em suas
opiniões, é este aspecto da prática sacramental que, de acordo com
eles, irá agora passar por uma mudança significativa, que dá à AL
seu verdadeiro caráter revolucionário. Interpretando a AL quanto
aos casais irregulares, um presidente de uma Conferência episcopal
atestou, em um texto publicado no site dessa mesma Conferência:
“Essa é uma disposição da misericórdia, uma abertura de coração
e de espírito que não precisa de lei, não espera orientação, nem
aguarda para seguir em frente. Ela pode e deve acontecer
imediatamente”.
Essa opinião foi confirmada por declarações recentes do padre
Antônio Spadar S.J., depois do Sínodo dos Bispos em 2015, que
estabeleceu os “fundamentos” para o acesso de casais divorciados
e recasados à comunhão ao “abrir uma porta” que se mantinha
fechada durante o último Sínodo, em 2014. Agora, como alega o Padre
Spadaro em seu comentário sobre a AL, essa previsão se confirmou.
Há rumores que o Padre Spadaro era um membro do grupo editoral por
trás da AL.
O
caminho para as interpretações abusivas parece ter sido pavimentado
pelo próprio Cardeal Cristoph Schönborn que disse, durante uma
apresentação oficial da AL em Roma, em relação às uniões
irregulares, que: “Meu grande júbilo, como resultado desse
documento, reside no fato de que ele coerentemente vence a evidente,
superficial e artificial divisão entre ‘regular’ e ‘irregular’”.
Tal declaração sugere que não há diferença clara entre um
casamento válido, sacramental, e uma união irregular, entre pecado
venial e mortal.
Por
outro lado, há Bispos que alegam que a AL deve ser lida à luz do
Magistério perene da Igreja, e que ela não garante acesso à
comunhão por casais divorciados ou recasados, nem mesmo em casos
excepcionais. Essa declaração é fundamentalmente correta e
desejável. De fato, o conteúdo de todo texto magisterial deve, como
regra, ser em seu conteúdo consistente com ensinamentos anteriores
do Magistério da Igreja, sem qualquer quebra.
Não
é segredo, entretanto, que casais divorciados e recasados são
admitidos à Sagrada Comunhão em um sem número de igrejas, sem
serem obrigados a praticarem a continência. Deve-se admitir que
certas declarações na AL poderiam ser usadas para justificar uma
prática abusiva que já vem ocorrendo há algum tempo em vários
lugares e circunstâncias na vida da Igreja.
Certas declarações da AL são objetivamente vulneráveis a más
interpretações
Nosso
Santo Padre, o Papa Francisco, convidou-nos todos a fazer uma
contribuição à reflexão e ao diálogo nos assuntos sensíveis
acerca do Matrimônio e da família. “A reflexão dos pastores e
teólogos, se for fiel à Igreja, honesta, realista e criativa,
ajudar-nos-á a alcançar uma maior clareza” (AL, 2).
Se
analisarmos certas declarações da AL com honestidade intelectual
dentro do seu contexto adequado, nos pegamos face a dificuldades
quando tentamos interpretá-las de acordo com a doutrina tradicional
da Igreja. Isso se deve à ausência de afirmações concretas e
explícitas da doutrina e práticas constantes da Igreja, fundadas na
Palavra de Deus e reiteradas pelo Papa João Paulo II, que disse, “A
Igreja, contudo, reafirma a sua práxis, fundada na Sagrada
Escritura, de não admitir à comunhão eucarística os divorciados
que contraíram nova união. Não podem ser admitidos, do momento em
que o seu estado e condições de vida contradizem objetivamente
aquela união de amor entre Cristo e a Igreja, significada e atuada
na Eucaristia. Há, além disso, um outro peculiar motivo pastoral:
se se admitissem estas pessoas à Eucaristia, os fiéis seriam
induzidos em erro e confusão acerca da doutrina da Igreja sobre a
indissolubilidade do Matrimônio. A reconciliação pelo Sacramento
da Penitência – que abriria o caminho ao Sacramento eucarístico –
pode ser concedida só àqueles que… estão sinceramente dispostos
a uma forma de vida não mais em contradição com a
indissolubilidade do Matrimônio. Isto tem como consequência,
concretamente, que… «assumem a obrigação de viver em plena
continência, isto é, de abster-se dos atos próprios dos cônjuges»”
(Familiaris Consortio, 84).
O
Papa Francisco não estabeleceu “uma nova normativa geral de tipo
canônico, aplicável a todos os casos” (AL n. 300). Ele diz, no
entanto, na nota 336: “E também não devem ser sempre os mesmos na
aplicação da disciplina sacramental, dado que o discernimento pode
reconhecer que, numa situação particular, não há culpa grave”.
Obviamente referindo-se aos divorciados e aos recasados, o Papa diz
na AL, n. 305 que, “por causa dos condicionalismos ou dos fatores
atenuantes, é possível que uma pessoa, no meio duma situação
objetiva de pecado – mas subjetivamente não seja culpável ou não
o seja plenamente –, possa viver em graça de Deus, possa amar e
possa também crescer na vida da graça e de caridade, recebendo para
isso a ajuda da Igreja”. Na nota 351, o Papa esclarece essa
declaração dizendo que “em certos casos, poderia haver também a
ajuda dos Sacramentos”.
No
mesmo capítulo VIII da AL, n. 298, o Papa fala dos divorciados
envolvidos em “uma nova união, por exemplo, podem encontrar-se em
situações muito diferentes, que não devem ser catalogadas ou
encerradas em afirmações, demasiado rígidas, sem deixar espaço
para um adequado discernimento pessoal e pastoral. Uma coisa é uma
segunda união consolidada no tempo, com novos filhos, com fidelidade
comprovada, dedicação generosa, compromisso cristão, consciência
da irregularidade da sua situação e grande dificuldade para voltar
atrás sem sentir, em consciência, que se cairia em novas culpas. A
Igreja reconhece a existência de situações em que «o homem e a
mulher, por motivos sérios – como, por exemplo, a educação dos
filhos – não se podem separar»”. Na nota 329, o Papa cita o
documento Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II;
infelizmente, ele faz isso de uma maneira incorreta, porque na
passagem em questão, o Concílio refere-se apenas ao válido
Matrimônio cristão. A aplicação dessa declaração às pessoas
divorciadas pode causar a impressão de que um casamento válido deva
ser igualado à união de pessoas divorciadas, se não na teoria, ao
menos na prática.
A admissão de pessoas divorciadas
e recasadas à Santa Comunhão
e
suas consequências
Infelizmente,
a AL não contém citações verbais dos princípios subjacentes ao
ensinamento moral da Igreja, no formato no qual são formulados no n.
84 da Exortação Apostólica Familiares Consortio e na
encíclica Veritatis Splendor do Papa João Paulo II,
particularmente nos seguintes tópicos de suma importância: “opção
fundamental” (Veritatis splendor, nos. 67-68), “pecado
mortal e venial” (ibid., n. 69-70), “proporcionalismo,
consequencialismo” (ibid., n. 91 et seq.). Entretanto, uma
citação verbal da Familiaris Consortio, n. 84, e algumas
das afirmações mais significativas naVeritatis splendor
tornaria a AL incontestável por interpretações heterodoxas.
Alusões gerais a princípios morais e à doutrina da Igreja são
certamente insuficientes em uma questão controversa que é tanto
delicada quanto de fundamental importância.
Representantes
do clero, e mesmo os do episcopado, já estão afirmando que, de
acordo com o espírito do Capítulo VIII do AL, a possibilidade de
que em casos excepcionais os divorciados e recasados possam ser
admitidos à Santa Comunhão sem que seja necessário viverem em
perfeita continência.
Se
aceitarmos tal interpretação do teor e do espírito da AL, nós
devemos, se quisermos ser intelectualmente honestos e respeitar a lei
da não-contradição, também aceitar as seguintes conclusões
lógicas:
-
O sexto Mandamento, que proíbe qualquer ato sexual que não seja
dentro de um Matrimônio, não mais seria universalmente válido,
mas admitiria exceções. No presente caso, isso significa que os
divorciados poderiam praticar o ato conjugal, sendo mesmo,
encorajados a fazê-lo, para manterem uma “fidelidade mútua”,
cf. AL, 298. Poderia haver, portanto, “fidelidade” em um estilo
de vida que contradiz diretamente a vontade manifesta de Deus.
Entretanto, encorajar e legitimar atos que são e sempre serão,
como tais, contrários à vontade de Deus, significaria contradizer
a Revelação Divina.
-
As palavras do próprio Cristo: “Assim, já não são dois, mas
uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus
uniu” (Mt 19,6) não mais se aplicaria a todos os esposos,
sem exceção.
-
Seria possível, em um caso especial, receber o Sacramento da
Penitência e Sagrada Comunhão enquanto pretende continuar uma
violação direta aos Mandamentos de Deus: “Não cometerás
adultério” (Ex 20,14) e “Portanto, não separe o homem
o que Deus uniu” (Mt 19,6; Gn 2,24).
-
A observância desses Mandamentos e da Palavra de Deus seria, em tal
caso, uma questão de teoria ao invés de prática e conduziria,
portanto, os divorciados e recasados a “enganarem-se” (Tg 1,22).
Seria, portanto, possível crer perfeitamente na natureza divina do
sexto Mandamento e na indissolubilidade do Matrimônio sem, no
entanto, agir de acordo.
-
A palavra divina de Cristo: “Quem repudia sua mulher e se casa com
outra, comete adultério contra a primeira. E se a mulher repudia o
marido e se casa com outro, comete adultério” (Mc 10,11s) não
mais seria universalmente válida, mas seria sujeita a exceções.
-
Uma permanente, deliberada e gratuita violação do sexto Mandamento
de Deus e da sacralidade e indissolubilidade do verdadeiro e válido
Matrimônio (no caso de casais divorciados e recasados) não mais
seria um pecado grave, isto é, uma oposição à vontade de Deus.
-
Poderia haver casos de séria, permanentemente deliberada e livre
violação de um ou de mais Mandamentos de Deus (e.g. no
caso de um estilo de vida corrupto) no qual poderia ser dado acesso
aos Sacramentos para o interessado mitigando-se as circunstâncias,
sem que tal acesso seja feito condicionado a uma sincera resolução,
desde então, a abster-se de tais atos de pecado e escândalo.
-
O ensinamento permanente e infalível da Igreja não mais seria
universalmente válido, particularmente, o ensinamento confirmado
pelo Papa João Paulo II naFamiliaris Consortio, n. 84, e
pelo Papa Bento XVI em Sacramentum Caritatis, 29, de acordo
com o qual a condição prévia para admissão aos Sacramentos do
divorciado e recasado é a perfeita continência.
-
A observância do sexto Mandamento de Deus e da indissolubilidade do
Matrimônio iria tornar-se um ideal inalcançável para todos, mas
apenas para uma espécie de elite.
-
As firmes palavras de Cristo ordenando os homens a observarem os
Mandamentos de Deus, sempre e em todas as circunstâncias, e mesmo
para tomarem para si sofrimento considerável de forma a fazê-los,
em outras palavras, aceitar a Cruz, não mais seria válido como uma
verdade absoluta: “E se a tua mão direita te faz pecar,
corta-a e lança-a fora de ti; porque
melhor te é que se perca um dos teus membros,
do que todo o teu corpo vá para o inferno” (Mt 5, 30).
Admitir
casais vivendo em “uniões irregulares” à Sagrada Comunhão e
permiti-los praticar atos que são reservados para esposos em um
casamento válido, seria equivalente à usurpação de um poder que
não pertence a nenhuma autoridade humana, porque fazê-lo seria uma
pretensão de corrigir a Palavra do próprio Deus.
O perigo da colaboração da Igreja na disseminação da “praga do
divórcio”
Professando
a doutrina eterna de Nosso Senhor Jesus Cristo, a Igreja ensina:
“Fiel ao Senhor, a Igreja não pode reconhecer como Matrimônio a
união dos divorciados recasados civilmente. «Quem repudia a própria
mulher e casa com outra comete adultério contra ela; se a mulher
repudia o marido e casa com outro, comete adultério» (Mc 10,
11-12). Para com eles, a Igreja desenvolve uma atenta solicitude,
convidando-os a uma vida de fé, à oração, às obras de caridade e
à educação cristã dos filhos. Mas eles não podem receber a
absolvição sacramental nem se abeirar da comunhão eucarística,
nem exercer certas responsabilidades eclesiais enquanto perdurar esta
situação, que objetivamente contrasta com a lei de Deus”
(Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, 349).
Viver
em uma união marital inválida e ir de encontro constantemente à
ordem de Deus e a sacralidade e indissolubilidade do Matrimônio
significa não viver na verdade. Declarar que a prática deliberada,
livre e habitual de atos sexuais em uma união conjugal inválida
poderia, em casos específicos, não constituir um pecado grave não
é a verdade, mas uma grave mentira, e nunca trará, portanto, a
alegria genuína no amor. Consequentemente, garantir a permissão a
essas pessoas de receber a Sagrada Comunhão seria um blefe, uma
hipocrisia e uma mentira. A Palavra de Deus na Escritura ainda é
válida: “Aquele que diz ‘Eu O conheço’, mas não guarda os
Seus mandamentos é mentiroso e a verdade não está nele” (I Jo
2,4).
O
Magistério da Igreja ensina-nos sobre a universal validade dos
Mandamentos do Decálogo: “Uma vez que exprimem os deveres
fundamentais do homem para com Deus e para com o próximo, os Dez
Mandamentos revelam, no seu conteúdo primordial, obrigações
graves. São basicamente imutáveis e a sua obrigação impõe-se
sempre e em toda a parte. Ninguém pode dispensar-se dela”
(Catecismo da Igreja Católica, 2072). Aqueles que afirmaram que os
Mandamentos de Deus, inclusive o Mandamento “Não cometerás
adultério”, admitem exceções e que, em alguns casos, as pessoas
não devem ser responsabilizadas pelo divórcio foram os fariseus e,
posteriormente, os gnósticos cristãos dos séculos II e III.
As
seguintes declarações do Magistério ainda são válidas porque são
parte do Magistério infalível, pois são expressas pelo Magistério
universal e ordinário: “Os preceitos negativos da lei
natural são universalmente válidos: obrigam a todos e cada um,
sempre e em qualquer circunstância. Trata-se, com efeito, de
proibições que vetam uma determinada ação semper et pro
semper, sem exceções. … há comportamentos que em nenhuma
situação e jamais podem ser uma resposta adequada. … A Igreja
sempre ensinou que nunca se devem escolher comportamentos proibidos
pelos mandamentos morais, expressos de forma negativa no Antigo e no
Novo Testamento. Como vimos, Jesus mesmo reitera a irrevogabilidade
destas proibições: «Se queres entrar na vida, cumpre os
mandamentos (…): não matarás; não cometerás adultério; não
roubarás, não levantarás falso testemunho» (Mt 19,17-18)” (João
Paulo II, Carta EncíclicaVeritatis Splendor, 52).
O
Magistério da Igreja ensina ainda mais claramente: “A consciência
boa e pura é iluminada pela fé verdadeira. Porque a caridade
procede, ao mesmo tempo, «dum coração puro, de uma boa consciência
e de uma fé sincera» (I Tm 1,5. cf. 3,9; II Tm 1,3; I Pe 3,21; At
24,16)” (Catecismo da Igreja Católica, 1794).
No
caso de, objetivamente, uma pessoa cometer atos moralmente
pecaminosos, com plena advertência da pecaminosidade de tais atos,
livre e deliberadamente, e com a intenção de repeti-los no futuro,
é impossível aplicar o princípio da inimputabilidade de uma falta
por causa de circunstâncias atenuantes. A aplicação do princípio
da inimputabilidade a casais divorciados e recasados constituiria
hipocrisia e sofisma gnóstico. Se a Igreja admitisse essas pessoas à
Sagrada Comunhão, mesmo em um único caso, estaria em contradição
com sua própria doutrina, dando testemunho público contra a
indissolubilidade do Matrimônio e, assim, contribuindo para a
disseminação da “praga do divórcio” (Concílio Vaticano II,
Gaudium et spes, 47).
A
fim de evitar uma intolerável e escandalosa contradição, a Igreja,
na sua interpretação infalível da verdade divina da lei moral e da
indissolubilidade do Matrimônio, tem, por dois mil anos, firmemente
observado a prática de apenas admitir à Sagrada Comunhão aqueles
divorciados que vivem em perfeita continência e “remoto
scandalo”, sem qualquer exceção ou privilégio excepcional.
A
primeira tarefa pastoral que o Senhor confiou à Sua Igreja foi
ensinar a doutrina (cf. Mt 28,20). A observância dos Mandamentos de
Deus está intrinsecamente ligada à doutrina. Por este motivo, a
Igreja sempre rejeitou qualquer contradição entre doutrina e vida
prática, referindo-se a tais contradições como “gnósticas” ou
como a teoria herética luterana do simul iustus e peccator.
Não deve haver contradições entre a fé e a vida diária dos
filhos da Igreja.
Ao
lidar com a observância do que é expressamente mandado por Deus e a
indissolubilidade do Matrimônio, não podemos falar de
interpretações teológicas opostas. Se Deus diz “tu não
cometerás adultério”, nenhuma autoridade humana poderia dizer “em
alguns casos excepcionais ou por um bom motivo você pode cometer
adultério”.
As
seguintes assertivas do Papa Francisco são muito importantes; o Papa
fala sobre a integração dos divorciados e recasados na vida da
Igreja: “Este discernimento não poderá jamais prescindir das
exigências evangélicas de verdade e caridade propostas pela Igreja.
Para que isto aconteça, devem garantir-se as necessárias condições
de humildade, privacidade, amor à Igreja e à sua doutrina …
Evita-se o risco de que um certo discernimento leve a pensar que a
Igreja sustente uma moral dupla” (AL, 300). Estas louváveis
declarações na AL, no entanto, permanecem sem especificações
concretas sobre a questão da obrigação de divorciados recasados se
separarem ou, ao menos, viver em continência perfeita.
Quando
é uma questão de vida ou morte do corpo, nenhum médico expressaria
suas opiniões de forma ambígua. O médico não pode dizer ao
paciente: “Você tem que decidir se quer ou não tomar o
medicamento de acordo com a sua consciência, ao mesmo tempo que
respeita a ética médica”. Tal comportamento por parte de um
médico, muito provavelmente, é considerado irresponsável. E, no
entanto, a vida de nossa alma imortal é mais importante, uma vez que
é da saúde da alma que depende o seu destino eterno.
A verdade libertadora da penitência
e o mistério da Cruz
Dizer
que divorciados recasados não são pecadores públicos na Igreja é
uma ocultação com fatos errados. A verdadeira condição de todos
os membros da Igreja militante, aliás, é a de pecadores. Se os
divorciados e recasados dizem que seus voluntários e deliberados
atos contra o sexto Mandamento de Deus não são sempre pecaminosos,
ou, pelo menos, não se constituem em pecados graves, eles enganam a
si mesmos e a verdade não estará neles, como diz São João: “Se
dissermos que estamos sem pecado, nós mesmos nos enganamos, e não
há verdade em nós. Porém se nós confessarmos os nossos pecados,
Ele é fiel e justo para nos perdoar esses nossos pecados, e para nos
purificar de toda a iniquidade. Se dissermos que não pecamos,
fazemo-lo a Ele mentiroso, e a Sua palavra não está em nós”
(I Jo 1,8-10).
A
aceitação por parte dos divorciados e recasados da verdade de que
são pecadores e mesmo pecadores públicos não os priva de sua
Esperança cristã. Apenas a aceitação da realidade e verdade
permitirá a eles seguir um caminho de frutuosa penitência de acordo
com as palavras de Jesus Cristo.
Seria
muito benéfico restaurar o espírito dos primeiros Cristãos e do
tempo dos Padres da Igreja, quando havia uma solidariedade viva com
os pecadores públicos por parte dos fieis; entretanto, essa
solidariedade era baseada na verdade. Não havia nada de
discriminatório em tal solidariedade; ao contrário, toda a Igreja
participava no progresso penitencial dos pecadores públicos com
orações de intercessão, lágrimas, atos de expiação e atos de
caridade em seu benefício.
A
Exortação Apostólica Familiaris Consortio ensina que
“mesmo aqueles que se afastaram do Mandamento do Senhor e vivem
agora nesse estado (divorciados e recasados), poderão obter de Deus
a graça da conversão e da salvação, se perseverarem na oração,
na penitência e na caridade” (n. 84).
Durante
os primeiros séculos, pecadores públicos eram integrados na
comunidade de oração dos fiéis e eram instruídos a ajoelhar-se,
com braços levantados, para implorar a intercessão dos seus irmãos.
Tertuliano nos dá este comovente testemunho: “O corpo não pode
regozijar-se quando um dos seus membros sofre. Ele deve sofrer e
lutar para recuperar-se por inteiro. Quando você estende suas mãos
em direção aos joelhos de seus irmãos, é Cristo que você toca, é
Cristo que você implora. Do mesmo modo, quando choram por você, é
Cristo quem se compadece” (De pænitentia, 10, 5-6). Santo
Ambrósio de Milão encontrou palavras semelhantes: “Toda a Igreja
toma para si o fardo do pecador público, sofrendo com ele através
de lágrimas, orações e dor” (De pænitentia1, 81).
É
verdade, claro, que as formas de disciplina penitencial da Igreja
mudaram. Entretanto, o espírito dessa disciplina deve permanecer
vivo na Igreja em todos os tempos. Hoje, padres e Bispos,
confiando-se de certas declarações da AL, estão começando a
sugerir aos divorciados e recasados que sua condição não os torna
pecadores públicos de um ponto de vista objetivo. Eles os
tranquilizam declarando que suas relações sexuais não são pecados
graves. Tal atitude não corresponde à verdade. Eles estão privando
os divorciados e recasados da possibilidade de uma conversão radical
à obediência de Deus, permitindo que essas almas vivam em uma
ilusão. Tal aproximação pastoral é fácil, barata e nada custa.
Não há lágrimas, orações ou obras de intercessão inspiradas por
amor fraternal a serem oferecidas em benefício dos divorciados e
recasados.
Ao
admitir os divorciados e recasados à Santa Comunhão, mesmo em casos
excepcionais, sem exigir que eles parem de realizar atos contrários
ao sexto Mandamento de Deus e também, presunçosamente, declarando
que seu modo de vida não é um pecado mortal, tomamos o caminho
fácil, afastando o escândalo da Cruz. Tal cuidado pastoral dos
divorciados e recasados é efêmero e enganador. A todos aqueles que
advogam caminho ordinário e fácil para divorciados e recasados,
Jesus ainda dirige as palavras “Tira-te diante de Mim, Satanás,
que Me serves de escândalo; porque não tens gosto das coisas que
são de Deus, mas das que são dos homens” (Mt 16,23). O que Jesus
disse aos seus discípulos foi que “Se alguém quer vir após Mim,
negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16,24).
Quanto
ao cuidado pastoral dos casais divorciados e recasados, devemos
reacender em nosso tempo o espírito de seguir Cristo através da
verdade da cruz e da penitência, o qual, sozinho, pode trazer
alegria duradoura, evitando prazeres efêmeros que são, em última
instância, enganosos. As seguintes palavras do Papa São Gregório
Magno não são apenas verdadeiramente aplicáveis a nossa atual
situação, mas também a ilumina: “Não devemos nos tornar
demasiado apegados ao nosso exílio terreno, as conveniências da
vida não devem nos fazer esquecer nossa verdadeira pátria, para que
nossos espíritos não fiquem sonolentos no meio dessas amenidades.
Por esta razão, Deus alia Seus dons a visitações ou punições,
para assegurar que tudo quanto nos deleita neste mundo torne-se
amargo para nós e que nossa alma seja repleta com a chama que sempre
reacende em nós o desejo das coisas celestes e permite-nos
progredir. Esse fogo faz-nos sofrer com prazer, crucifica-nos
gentilmente e enche-nos com uma jubilosa alegria” (In Hez.,
2, 4, 3).
O
espírito da genuína disciplina penitencial da Igreja primitiva
sempre se manteve vivo na Igreja de todos os tempos, até hoje. Tem
um notável exemplo disso em Laura Vicuna del Carmen, nascida em 1891
no Chile. A irmã Azocar, que tomava conta de Laura, recorda: “Eu
lembro a primeira vez que expliquei o Sacramento do Matrimônio,
Laura desfaleceu, provavelmente porque entendeu das minhas palavras
que sua mãe estava vivendo em pecado mortal enquanto permanecesse
com aquele cavalheiro. Durante aquele tempo em Junín, apenas uma
família vivia de acordo com a vontade de Deus”. Assim, Laura
intensificou suas orações e penitências por sua mãe. Ela recebeu
sua primeira comunhão em 2 de junho de 1901 com grande fervor; ela
escreveu as seguintes resoluções: “1. Quero amá-lO e
servi-lO toda minha vida, oh meu Jesus; para isso, ofereço-Te minha
alma, meu coração e todo meu ser. – 2. Eu prefiro morrer a
ofendê-lO em pecado; então quero distanciar-me de tudo quando me
separa de Ti. – 3. Prometo fazer o melhor de mim, mesmo que eu
tenha de fazer grandes sacrifícios, para seres mais conhecido e
amado, e para reparar as ofensas infligidas a Ti diariamente pelos
homens que não Te amam, especialmente aquelas que recebes dos
que são próximos a mim – Oh, meu Deus, conceda-me uma vida de
amor, mortificação e sacrifício!”. Mas sua maior alegria foi
perturbada por ver sua mãe, presente na cerimônia, não receber a
comunhão. Em 1902, Laura ofereceu sua vida por sua mãe, que estava
vivendo com um homem em uma união irregular na Argentina. Laura
multiplicou suas orações e sacrifícios pela verdadeira conversão
de sua mãe. Algumas horas antes de morrer, ela chamou sua mãe para
seu leito e disse: “Mãe, eu vou morrer. Pedi a Jesus por isso e
minhas orações foram atendidas. Quase dois anos atrás, ofereci
minha vida pela graça de sua conversão. Mãe, não terei a
felicidade de vê-la arrepender-se antes de morrer?”. Sua mãe,
chocada e arrasada, fez a promessa: “Amanhã de manhã irei à
igreja e vou me confessar”. Laura chamou a atenção do padre que a
estava atendendo e disse: “Padre, minha mãe acabou de prometer
abandonar esse homem; seja testemunha de sua promessa!”. Então
acrescentou, feliz: “Agora posso morrer alegre!”. Com essas
palavras, ela expirou no dia 22 de janeiro de 1904, em Junín de Los
Andes (Argentina), aos 13 anos, nos braços de sua mãe, que
redescobriu a Fé e pôs fim a sua união irregular na qual estava
vivendo.
O
admirável exemplo de vida de uma jovem garota, agora conhecida com
“bem-aventurada” Laura, é uma demonstração da seriedade com a
qual um verdadeiro católico trata o sexto Mandamento de Deus e a
sacralidade e indissolubilidade do Matrimônio. Nosso Senhor Jesus
Cristo nos exige evitar mesmo a aparência de aprovar uma união
irregular ou adúltera. A Igreja sempre preservou fielmente e
transmitiu esse Mandamento divino na sua doutrina e na sua prática,
sem nenhuma ambiguidade. Oferecendo sua juventude, Laura certamente
não pretendia representar uma das muitas possibilidades diferentes
de interpretação doutrinal ou pastoral. Não se oferece a vida por
uma possível interpretação pastoral ou doutrinal, mas por uma
imutável e universalmente válida verdade Divina. Essa verdade foi
demonstrada por um grande número de Santos que ofereceram suas
vidas, começando com São João Batista até o simples fiel dos
nossos dias cujo nome só Deus sabe.
A necessidade da “Veritatis lætitia”
Felizmente,
não há dúvidas de que a AL contém afirmações teológicas, bem
como orientações espirituais e pastorais, de grande valor. No
entanto, falando pragmaticamente, não é suficiente dizer que a AL
deve ser interpretada de acordo com a doutrina tradicional e a
prática da Igreja. Se num documento eclesiástico – que, no nosso
caso, não é nem definitivo nem infalível – são encontrados
elementos que por ventura possam dar origem a interpretações e
aplicações que levariam a consequências espirituais perigosas,
todos os membros da Igreja, especialmente os Bispos, como
colaboradores fraternos do Sumo Pontífice na colegialidade efetiva,
têm o dever de denunciá-las e respeitosamente solicitar uma
interpretação autêntica.
Em
questões relativas à Fé Divina, aos Mandamentos divinos e
à sacralidade e indissolubilidade do Matrimônio, todos os
membros da Igreja, desde os simples fiéis ao mais alto representante
do Magistério, devem se unir no esforço para manter intacto o
tesouro da Fé e da moral. Na verdade, foi o Concílio Vaticano II
que ensinou: “A totalidade dos fiéis que receberam a unção do
Santo (cfr. Jo 2,20 e 27), não pode enganar-se na Fé; e esta sua
propriedade peculiar manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da
Fé do povo todo, quando este, «desde os Bispos até ao último dos
leigos fiéis» (S. Agostinho, De Praed. Sanct. 14, 27: PL
44, 980.), manifesta consenso universal em matéria de Fé e
costumes. Com este sentido da Fé, que se desperta e sustenta pela
ação do Espírito de verdade, o Povo de Deus, sob a direção do
sagrado Magistério que fielmente acata, já não recebe simples
palavra de homens mas a verdadeira Palavra de Deus (cfr. I Ts
2,13), adere indefectivelmente à Fé uma vez confiada aos Santos
(cfr. Jd 3), penetra-a mais profundamente com juízo acertado e
aplica-a mais totalmente na vida” (Lumen gentium, 12). O
Magistério, por sua vez, “não está acima da Palavra de Deus, mas
sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido”
(Concílio Vaticano II, Dei Verbum, 10).
Foi
o Concílio Vaticano II que encorajou todos os fiéis e,
especialmente, os Bispos a expressar suas preocupações e
observações sem medo, para o bem da Igreja como um todo. Servilismo
e politicagem introduziram um mal pernicioso para a vida da
Igreja. O famoso Bispo e teólogo do Concílio de Trento, Melchior
Cano OP, disse estas memoráveis palavras: “Pedro não precisa de
nossas mentiras ou bajulações. Aqueles que fecham os olhos para os
fatos e indiscriminadamente defendem cada decisão do Sumo Pontífice
são os mesmo que mais contribuem para minar a autoridade da Santa
Sé. Eles destroem seus alicerces, em vez de fortalecê-los”.
Nosso
Senhor nos ensinou claramente o que constitui o verdadeiro amor e a
verdadeira alegria do amor: “Aquele que tem os Meus mandamentos
e os guarda, esse é que Me ama” (Jo 14,21). Quando Ele deu ao
homem o sexto Mandamento e ordenou-lhe observar a indissolubilidade
do Matrimônio, Deus o deu a todos os homens, sem exceção, e não
apenas a uma elite. Já no Antigo Testamento, Deus disse: “O
Mandamento que hoje te dou não está acima de tuas forças, nem fora
de teu alcance” (Dt 30,11) e “Se quiseres, guardarás os
Mandamentos para permaneceres fiel à Sua vontade” (Eclo 15, 16). E
Jesus disse a todos: “Se queres entrar na vida, observa os
Mandamentos”. Que mandamentos? E Ele mesmo respondeu: “Não
matarás; não cometerás adultério” (Mt 19,17s). Do ensinamento
dos Apóstolos, recebemos a mesma doutrina: “Eis o amor de Deus:
que guardemos Seus Mandamentos. E Seus Mandamentos não são penosos”
(I Jo 5,4).
Não
há vida verdadeira, sobrenatural e eterna, sem guardar os
Mandamentos de Deus: “Eu ordeno que guardem os Seus mandamentos.
Ponho diante de ti a vida e a morte. Escolhe, pois, a vida!” (Dt
30,16.19). Não há, pois, vida real e nenhuma verdadeira e
genuína alegria de amor sem a verdade. “O amor consiste
em viver de acordo com os Seus mandamentos” (II Jo 6). A alegria do
amor é a alegria da verdade. A autêntica vida cristã consiste na
vida e na alegria da verdade: “Não tenho maior alegria do que
ouvir dizer que os meus filhos caminham na verdade” (III Jo 4).
Santo
Agostinho explica a íntima conexão entre alegria e verdade:
“Pergunto a todos se preferem encontrar a alegria na verdade ou no
erro; ninguém hesita em declarar que prefere a verdade, como em
dizer que querem ser felizes. É que a felicidade da vida é a
alegria que provém da verdade, todos nós queremos a alegria da
verdade” (Confissões, X, 23).
O perigo de confusão geral quanto à indissolubilidade do
Matrimônio
Já
há algum tempo, vimos, em alguns lugares e ambientes da vida da
Igreja, o abuso tácito da admissão de casais divorciados e
recasados à Sagrada Comunhão sem exigir que eles vivam em perfeita
continência. As declarações pouco claras no Capítulo VIII da AL
deram um novo argumento aos defensores declarados da admissão de
casais divorciados e recasados à Santa Comunhão em casos especiais.
Observamos,
atualmente, o fenômeno do abuso começando a se espalhar ainda mais
na prática, uma vez que aqueles favoráveis a isto estão se
sentindo agora justificados de certa maneira. Há obviamente também
alguma confusão no que diz respeito à interpretação das
afirmações relevantes no Capítulo VIII da AL. Essa confusão é
aumentada pelo fato de que todos, tanto os defensores da admissão
dos divorciados recasados à Sagrada Comunhão como os seus
oponentes, dizem que “A doutrina da Igreja concernente a esse ponto
não mudou”.
Tendo
em devida conta as diferenças históricas e doutrinais, a nossa
situação mostra alguns paralelos e analogias com a confusão geral
causada pela crise causada pelo arianismo no século IV. Naquela
época, a Fé apostólica e tradicional na verdadeira divindade do
Filho de Deus foi garantida por meio do termo “consubstancial”
(homoousios), dogmaticamente proclamada pelo Magistério
universal do Concílio de Niceia. A profunda crise da Fé,
acompanhada por uma confusão quase universal, foi causada
principalmente pelas estratégias de recusa ou de evasão em usar e
professar palavra “consubstancial” (homoousios). Em vez
disso, o clero e sobretudo o episcopado começaram a propor
expressões alternativas que eram ambíguas e imprecisas, como, para
exemplificar, “semelhante em substância” (homoiousios)
ou simplesmente “semelhante” (homoios). A fórmula
“homoousios”, aprovada pelo Magistério universal da
época, expressava a plena e verdadeira divindade do VERBO com tanta
precisão que não deixou nenhum espaço para interpretação
equívoca.
Nos
anos 357-360, quase todo o episcopado se tornara ariano ou
semiariano, como resultado dos seguintes eventos: em 357, o Papa
Libério assinou uma das formulações ambíguas de Sirmium, em que o
termo “homoousios” foi eliminado. Além disso, o Papa,
em um movimento escandaloso, excomungou Santo Atanásio. Santo
Hilário de Poitiers foi o único Bispo que se atreveu a censurar o
Papa Libério severamente por esses atos ambíguos. Em 359, os
sínodos paralelos do episcopado ocidental, em Rimini, e do
episcopado oriental, em Selêucia, tinham aceitado as fórmulas
exclusivamente arianas, que eram ainda piores do que a fórmula
ambígua assinada pelo Papa Libério. Descrevendo a confusão
daqueles tempos, São Jerônimo disse: “Todo o mundo ficou surpreso
ao perceber que eles haviam se tornado arianos” (“Ingemuit
totus orbis, et arianum se esse miratus est“: Adv Lucif,
19).
Indiscutivelmente,
no nosso tempo, a confusão já está se espalhando no que concerne à
disciplina sacramental para casais divorciados e recasados. Há,
portanto, embasamento muito real para supor que essa confusão pode
chegar realmente a vastas proporções, se alguém deixar de propor e
proclamar a seguinte fórmula do Magistério universal e infalível:
“A reconciliação pelo Sacramento da Penitência, o qual abriria o
caminho para a Eucaristia, só pode ser concedido àqueles que
assumem a obrigação de viver em plena continência, isto é, de
abster-se dos atos próprios dos cônjuges” (João Paulo
II,Familiaris Consortio, 84). Esta fórmula é, infelizmente
e incompreensivelmente, ausente na AL. No entanto, a exortação
apostólica inexplicavelmente contém a seguinte declaração:
“Nestas situações, muitos, conhecendo e aceitando a possibilidade
de conviver «como irmão e irmã» que a Igreja lhes oferece,
assinalam que, se faltam algumas expressões de intimidade, «não
raro se põe em risco a fidelidade e se compromete o bem da prole»”
(AL, 298, n. 329). Esta declaração deixa a impressão de uma
contradição com o ensino perene do Magistério universal, como
formulada na passagem citada da Familiaris Consortio 84.
Há
uma urgente necessidade de que a Santa Sé confirme e reproclame a
fórmula citada na Familiaris Consortio 84, talvez sob a
forma de uma interpretação autêntica da AL. Esta fórmula pode ser
vista, em certa medida, como o “homoousios” dos nossos
dias. A falta de uma confirmação formal e explícita da fórmula da
Familiaris Consortio 84 por parte da Sé Apostólica poderia
contribuir para maior confusão no que diz respeito à disciplina
sacramental, com as subsequentes repercussões graduais e inevitáveis
em matéria doutrinal. Isto conduziria a uma situação em que seria
possível, no futuro, aplicar a seguinte asseveração: “Todo mundo
ficou surpreso ao descobrir que o divórcio tinha sido, na prática,
aceito” (“Ingemuit totus orbis, et divortium in praxi se
accepisse miratus est“).
A
confusão na disciplina sacramental em relação ao divorciados e
recasados, com suas implicações doutrinárias inevitáveis, estaria
em contradição com a natureza da Igreja Católica, tal como foi
descrito por Santo Irineu no século II: “A Igreja, tendo recebido
este ensinamento e esta Fé, embora espalhados por todo o mundo,
mantém-los com cuidado, como que habitasse numa única casa, e
[neles] crê igualmente, como se tivesse uma só alma e um só
coração, e anuncia-os, ensina-os e transmite-os, com voz unânime,
como se tivesse apenas uma boca” (Adversus hæreses, I,
10, 2).
A Sé
de Pedro, isto é, o Soberano Pontífice, é a sustentadora da
unidade da Fé e da disciplina sacramental apostólica. Avaliando a
confusão acerca da prática sacramental em relação aos divorciados
e recasados e as variadas e divergentes interpretações da AL entre
padres e Bispos, pode-se considerar justificado o pedido de
explicação ao nosso amado Papa Francisco, o Vigário de Cristo, o
“doce Cristo na terra” (Santa Catarina de Sena), para ordenar a
publicação de uma interpretação autêntica da AL, que deve
conter, necessariamente, a declaração explícita do princípio
disciplinar do Magistério universal e infalível relativo à
admissão de casais divorciados e recasados aos Sacramentos, de
acordo com a formulação na Familiaris Consortio 84.
Na
grande confusão ariana do século IV, São Basílio Magno fez um
apelo urgente para o Papa de Roma, pedindo-lhe para dar de sua
própria boca uma direção clara, de modo a, finalmente, garantir a
unidade no pensamento da Fé e da Caridade (cf. Ep. 70).
Uma
interpretação autêntica da AL pela Sé Apostólica traria para
toda a Igreja (“claritatis lætitia”) a alegria da
clareza. Tal clareza garantirá a alegria no amor (“lætitia
amoris”), um amor e uma alegria que não seria “de acordo
com as mentes dos homens, mas com a de Deus” (Mt 16,23). E isso é
o que garante a alegria, a vida e a salvação eterna dos divorciados
e recasados, e de todos os homens.
†
Athanasius Schneider,
Bispo auxiliar da Arquidiocese de Santa Maria
em Astana, Cazaquistão.
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