Viagem
à Cidade de Fogo
Observação:
No meio dos horrores desta visão, abre uma fresta de luz a afirmação
de Dom Bosco: os jovens que ele vê precipitarem-se em direção à
Cidade do Fogo, não haviam ainda ouvido a sentença do Divino Juiz:
“Ide,
malditos, para o fogo eterno” (Mat.
25, 41); mas haveriam de se condenar para sempre se tivessem morrido
no estado de consciência em que se encontravam presentemente. A
visão é muito comprida; nós dela apresentaremos um resumo fiel.
Na
noite de 3 de maio de 1868, Dom Bosco retomou a narrativa de tudo o
que havia nos sonhos daqueles dias.
Começou
assim: “Tenho
de contar para vocês um outro sonho, o qual se pode considerar como
consequência dos precedentes. Esses sonhos me deixaram extenuado, a
ponto de eu quase não me aguentar em pé. Eu lhes falei a respeito
de um sapo horroroso que na noite de 17 de abril ameaçava me engolir
e disse que quando ele desapareceu ouvi esta voz: ‘por que você
não fala?’ Eu me virei para o lado de onde havia saído aquela voz
e vi, ao lado da minha cama, um personagem de nobre aspecto
(o Guia).
– E
o que é que devo falar? – Perguntei-lhe.
–
Aquilo
que você viu e lhe foi dito nos últimos
sonhos e aquilo que, além disso, lhe vai ser revelado na próxima
noite”.
Dom
Bosco continua dizendo que o enchia de terror a ideia de ter de ver
mais outros espetáculos de horror e que se decidiu a ir para a cama,
para se deitar, só mesmo depois da meia-noite. E
eis que, apenas pegou no sono, o Guia de sempre se aproxima de sua
cama e o intima:
–
Levante-se
e venha comigo.
Conduzi-o
a uma planície vastíssima e árida, um verdadeiro deserto sem um
fio de água. Foi uma viagem longa e triste, mesmo que a estrada pela
qual se encaminham fosse bela, larga, espaçosa e bem calçada. Era
ladeada por magníficas cercas vivas e verdes, recobertas por
belíssimas flores. À primeira vista, parecia uma estrada plana,
mas, na realidade, era inclinada, em declive; Dom Bosco e o Guia
caminhavam com uma rapidez tão grande que lhes pareciam estarem
voando.
“Atrás
de nós
– conta Dom Bosco – vi
todos os jovens do Oratório com muitíssimos companheiros, que
jamais eu tinha visto. Enquanto iam para a frente, vi que, um ou
outro, de repente, caía e era imediatamente arrastado por uma força
invisível em direção a uma descida horrenda, que se podia entrever
ao longe. Perguntei ao meu Guia:
–
O
que é que faz aqueles jovens caírem?
– Aproximem-se
um pouco mais.
Vi,
então,
que
os jovens passavam por entre muitos laços, alguns estendidos
rasteiramente junto ao chão, outros suspensos no ar à altura da
cabeça. Eram quase invisíveis, por isso, muitos jovens ficavam
presos àqueles laços: uns pela cabeça, outros pelo pescoço, esse
por um braço, aquele por uma perna, aquele outro pelos flancos. Tão
logo o laço se apertava, eles eram imediatamente arrastados para
baixo.
Quis
examinar a um em particular e o puxei para junto de mim; mas não
podendo eu arrastá-lo, decidi acompanhar o fio até o seu extremo,
preso a alguma coisa ou segurado por alguém. Cheguei, assim, à boca
de uma horrível caverna e, tendo dado ainda mais um puxão ao fio,
vi sair um horrível e grande monstro que causava horror. Com suas
enormes garras
segurava a ponta de uma corda, à qual estavam amarrados todos
aqueles laços. Impressionado por essa visão, voltei logo em seguida
para perto de meu Guia, que me disse:
– Agora
você sabe quem é que arrasta seus jovens para o abismo.
– Oh!
Sim, que sei! É o Demônio que prepara esses laços para fazer cair
no Inferno os meus jovens.
Percebi,
então, que cada laço tinha algo escrito: soberba, desobediência,
inveja, impureza, furto, gula, preguiça, ira, etc. Notei também que
os laços que faziam o maior número de vítimas eram os da impureza,
da desobediência e da soberba. A
este último estavam acoplados os outros dois.
Muitos
jovens, porém, sabiam felizmente evitar a queda no laço; outros,
ademais, se livravam deles passando pertinho de facões enterrados no
chão, que cortavam ou destroçavam os laços. Eram o símbolo da
Confissão, da oração e de outras virtudes ou devoções. Duas
grandes espadas representavam a devoção a Jesus Sacramentado e a
Maria Santíssima”.
Neste
ponto Dom Bosco conta que continuou a caminhada, cada vez mais
acidentada, por uma estrada que ia descendo sempre mais íngreme e
escarpada, cheia de buracos, de cascalhos e grandes pedras. E eis
que, lá no fundo, aparece um imenso e tenebroso edifício.
Por
cima de uma porta altíssima havia um letreiro espantoso: “Aqui
não há Redenção”.
Haviam chegado às portas do Inferno.
–
Olhe!
– Gritou-lhe
de repente o Guia, agarrando-o por um braço.
“Trêmulo
– afirma
o Santo – dirigi
os olhares para cima e vi, a uma grande distância, um tal que descia
a toda velocidade. À medida que ia descendo, eu ia conseguindo
distinguir a fisionomia dele; era um dos meus jovens. Os cabelos
desalinhados, em parte eriçados sobre a cabeça, em parte esticados
para trás, esvoaçando; os braços estendidos para diante de si,
como para se proteger contra uma queda. Queria parar e não podia. Eu
queria correr para ajudá-lo, para lhe estender uma mão salvadora,
mas o Guia não me o permitiu:
–
Você
crê –
disse-me ele – que
pode fazer parar um que está fugindo da ira de Deus?
Entretanto,
aquele jovem olhando para trás, com os olhos enlouquecidos pelo
terror, foi se chocar de encontro à porta de bronze, que se
escancarou. Após essa, abriram-se contemporaneamente, com um
prolongado troar ensurdecedor, duas, dez, cem, mil outras, forçadas
pelo impacto do jovem, transportado como que por um turbilhão
invisível, irresistível, velocíssimo. Todas essas portas de bronze
ficaram escancaradas por uns instantes e eu vi, lá no fundo, muito
ao longe, como se fosse a abertura de uma fornalha, e daquele abismo,
no momento em que o jovem aí mergulhava, elevavam-se globos de fogo.
As portas novamente se fecharam com a mesma rapidez com que se haviam
aberto. Eis que despencam outros três jovens de nossas Casas, que
rolavam com muita rapidez, como enormes pedras, um depois do outro.
Tinham os braços abertos e urravam por causa do terror. Chegaram ao
fundo e foram se chocar de encontro à primeira porta, que se
escancarou, e, com ela, as outras mil.
Caíram
muitos outros. Um desventurado veio rolando tocado pelos empurrões
de um pérfido companheiro. Eu os chamava com afã, mas eles não
ouviam.
–
Eis
uma causa de tantas condenações!
– exclamou meu Guia. Os
maus companheiros, os maus livros, os maus hábitos.
Vendo
que caíam tantos, exclamei com acento de desespero:
–
Mas,
então, é inútil que nós trabalhemos nos nossos colégios, se
tantos jovens vão acabar desse jeito!
O
Guia respondeu:
–
Esse
é seu estado atual e se morressem assim viriam, sem mais, parar
aqui”.
Naquele
momento Dom Bosco viu precipitar-se um outro grupo de jovens e
aquelas portas permaneceram abertas por uns instantes.
–
Venha
cá para dentro você também –
disse o Guia; você
vai aprender muitas coisas.
Entraram
naquele estreito e horrível corredor e chegaram a um tétrico e
horrível portãozinho acima do qual estava escrito: “Ibunt
impii in ignem aeternum”
(Os ímpios irão para o fogo eterno).
O
Guia pegou Dom Bosco pela mão, abriu a portinhola e o fez entrar. “O
espetáculo que se me apresentou
– conta Dom Bosco – me
fez mergulhar em um terror indescritível. Uma espécie de caverna
imensa ia serpeando pelas anfractuosidades escavadas nas vísceras de
uma montanha, repletas de fogo, não assim como nós o vemos aqui na
terra, com as chamas em forma de chispas, mas sim um fogo que fazia
com que tudo lá dentro se tornasse incandescente e branco pelo
enorme calor. Paredes, arcadas, pavimentos, ferro, pedras, madeira,
carvão, tudo estava branco e mui resplandecente. Certamente, aquele
fogo tinha mais de mil e mil graus de calor, e esse fogo não
calcinava, não consumia nada. Faltam-me as palavras para descrever
para vocês aquela caverna em toda a sua espantosa realidade.
Enquanto
estava olhando aterrorizado, eis que, saindo de uma abertura, aparece
um jovem que, soltando um urro agudíssimo, se precipita para dentro
da caverna, torna-se branco como toda a caverna e para
imóvel, enquanto que, ainda por um instante, ressoa o eco de seu
grito de moribundo. Cheio de horror olhei para aquele jovem e me
pareceu ser um do Oratório, um dos meus filhos.
–
Mas
esse aí não é um dos meus jovens, não é o Fulano de Tal? –
perguntei ao Guia.
–
Infelizmente
sim – respondeu-me.
Depois
desse chegaram outros e seu número aumentava sempre mais e todos
soltavam o mesmo grito e ficavam imóveis, incandescentes, como
aqueles que os haviam precedido.
Crescia
em mim o espanto e perguntei ao meu Guia:
–
Mas,
esses aí, não estão sabendo que estão vindo para cá?
–
Oh!
Sim, que sabem que estão se dirigindo para o fogo eterno; mil vezes
já foram avisados, mas caem aqui, e voluntariamente, por causa do
pecado que não quiseram abandonar. Eles desprezaram e repeliram a
misericórdia de Deus, que os chamava incessantemente ao
arrependimento.
–
Qual
não deve ser o desespero desses desventurados que não tem mais
esperança de sair daí! – Exclamei.
Então
o Guia me ordenou:
–
Agora
é necessário que você também penetre em meio àquela região de
fogo que você viu!
–
Não!
Não! – respondi estarrecido.
Para ir ao Inferno é necessário, antes de tudo, passar pelo Juízo
de Deus; e eu não fui ainda julgado. Portanto, não quero ir até o
Inferno!
–
Diga-me,
observou o Guia: que lhe parece melhor: ir até o Inferno e de lá
libertar os seus jovens, ou ficar fora dele e abandoná-los em meio a
tantos sofrimentos?
Estupefato
perante essa proposta, respondi:
–
Oh!
Aos meus jovens eu os amo por demais e os quero a todos salvos. Mas
não poderíamos dar um jeito, para que, nem eu nem os outros
caíssemos lá dentro?
–
Eh…
–
respondeu-me o Guia –, você ainda está em tempo, como eles
também, contanto que você faça tudo o que puder.
Senti
um alívio no coração e disse em seguida:
–
Pouco
me importa o ter de trabalhar, contanto,
que eu possa libertar daqueles tormentos estes meus caros filhos.
–
Portanto,
venha para dentro daqui – prosseguiu o Guia.
Tomou-me
pela mão para me introduzir na caverna. Encontrei-me imediatamente
em uma grande sala com portas de cristal. Ao longo delas pendiam
largos véus, os quais cobriam outros tantos vãos, que se
comunicavam com a caverna. O Guia me indicou um daqueles véus sobre
o qual estava escrito: ‘Sexto
Mandamento’,
e exclamou:
–
A
transgressão desse Mandamento: eis a causa da ruína eterna de
tantos jovens.
–
Mas,
não se confessaram?
–
Confessaram-se,
sim, mas os pecados contra a pureza os confessaram mal ou os calaram
por completo. Há alguns rapazes que cometeram um desses pecados na
meninice e sempre tiveram vergonha de confessá-lo; outros não
tiveram o arrependimento e o propósito. Até mesmo, pelo contrário,
alguns, em vez de fazer o exame, procuravam o modo de enganar o
Confessor. E agora, você quer ver porque a misericórdia de Deus te
conduziu até aqui?
Levantou
o véu e eu vi um grupo de jovens do Oratório, que eu bem conhecia,
condenados por causa dessa culpa. Entre eles havia alguns que
atualmente tem bom comportamento.
–
Que
devo dizer-lhes para ajudá-los a salvar-se?
–
Por
toda a parte prega contra a impureza.
Vimos,
dessa forma, outros jovens condenados por causa de outros pecados. Em
seguida, o Guia me fez sair daquela sala. Percorrido em um átimo
aquele longo corredor de entrada, antes de deixar o limiar da última
porta de bronze, voltou-se de novo para mim e exclamou:
–
Agora
que você já viu o tormento dos outros, é necessário que você
também experimente um pouco do Inferno. Experimente tocar nesta
muralha.
Eu
não sentia coragem e queria afastar-me dali, mas ele me segurou,
dizendo:
–
Entretanto,
é necessário que você experimente!
Agarrou-me
resolutamente o braço e me arrastou até perto da muralha,
continuando a dizer:
–
Toque
nessa muralha uma vez tão somente, apenas para poder entender como
será a última muralha, já que esta primeira aqui é tão terrível.
É a milésima antes de chegar lá onde está o verdadeiro fogo do
Inferno. São mil os muros que O circundam. Cada muro tem mil medidas
de espessura e cada muro dista do outro mil milhas; este muro,
portanto, dista um milhão de milhas do verdadeiro fogo do Inferno e,
por isso, é um mínimo início do próprio Inferno.
Dito
isso, agarrou minha mão, abriu-a com força e me a fez bater espalmada
contra a pedra deste último milésimo muro. Naquele instante senti
um ardor tão intenso e doloroso que, pulando para trás, e soltando
um grito fortíssimo, acordei.
Encontrei-me
sentado na cama e, parecendo-me que minha mão estava queimando
esfregava-a contra a outra para fazer passar aquela sensação.
Quando amanheceu, observei que a mão estava realmente inchada e mais
tarde a pele da palma da mão se despregou e apareceu uma pele nova”.
Dom
Bosco concluiu: “Vejam
bem que eu não lhes disse essas coisas com todo o seu horror, do
jeito que as vi e com a impressão que me causaram, para não
espantar a vocês por demais. Por várias noites em seguida não pude
pegar no sono por causa do espanto que experimentei”
(MB IX, 166).
***
Existe
alguns que, para não
ferir a sensibilidade moderna, fazem do Evangelho uma antologia
adocicada, escolhendo as passagens das quais se deduz a bondade
infinita de Deus e eliminando as que falam de sua justiça, ela
também infinita. Mas, “Cristo ontem, hoje e pelos séculos”. E
Jesus não fez assim; Nossa Senhora em Fátima não fez assim; Dom
Bosco não fez assim. O Espírito Santo apresenta os “Novíssimos”
como eficaz antídoto contra o pecado: “Recorda tuas últimas
realidades (Morte, Juízo, Inferno, Paraíso) e não pecarás
eternamente” (Sirácides
7, 36).
_______________________
Fonte:
“Os
Sonhos de Dom Bosco”; Coletânea organizada por Pietro Zerbine,
Traduzido por P. Júlio Bersano, pp. 124-132; Editora Salesiana Dom
Bosco, São Paulo, 1988.
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