“Senhor,
dai-nos sempre esse pão” (Jo. 6, 34), esse pão do qual haveis
dito que dá a vida eterna. É o que dizem os Judeus; e exprimem
destarte o desejo de toda a natureza humana, ou, antes, de toda a
natureza inteligente. Ela quer viver eternamente; quer não sentir
falta de nada; numa palavra, quer ser feliz.
É
ainda o que exprimia a Samaritana, quando, havendo-lhe Jesus dito: “Ó
mulher! Aquele que bebe da água que Eu dou nunca tem sede”,
responde ela logo: Senhor, dai-me essa água, para que eu
nunca tenha sede e não seja obrigada a vir aqui tirar água, num
poço tão profundo, com tanto custo.
Repito, a natureza humana quer ser feliz; não quer ter nem fome nem
sede; não quer ter necessidade alguma, desejo algum a satisfazer,
trabalho algum, fadiga alguma; e isto, que outra coisa é senão ser
feliz?
Eis
o que quer a natureza humana, eis o seu fundo. Ela se engana nos
meios; tem sede dos prazeres dos sentidos; quer exceder; tem sede das
honras do mundo. Para conseguir uns e outros, tem sede das riquezas;
a sua sede é insaciável; ela pede sempre, e nunca diz basta; sempre
mais e sempre mais. É curiosa; tem sede da verdade, mas não sabe
onde achá-la, nem qual verdade pode satisfazê-la; apanha dela o que
pode por aqui, por acolá, por bons, por maus meios; e, como toda
alma curiosa é leviana, deixa-se enganar por todos aqueles que lhe
prometem essa verdade que ela busca.
Quereis
nunca ter fome, nunca ter sede? Vinde ao Pão que não perece, e ao
Filho do Homem que vô-lo administra; à sua Carne, ao seu Sangue,
onde está conjuntamente a verdade e a vida, porque é a Carne e o
Sangue, não do filho de José, como diziam os Judeus, mas do Filho
de Deus. “Ó Senhor, dai-me sempre esse pão!”
Quem é que não tem fome dele? Quem é que não quer se sentar à
vossa mesa? Quem poderia jamais deixá-la?
Mas,
para nos aguilhoar mais do desejo de nos aproximarmos dela, Jesus
Cristo diz-nos, que não é coisa fácil ou comum. Há que ser amado
por Deus, tocado, puxado, prevenido, escolhido. Vede quantos dos seus
ouvintes se afastam d'Ele, quantos murmuram, quantos se escandalizam!
Os seus próprios discípulos retiram-se-lhe da companhia; há mesmo
entre seus apóstolos, uns que não creem. Quanto mais esses infiéis
se desviam, tanto mais os verdadeiros discípulos devem aproximar-se.
Vinde,
escutai, segui o Pai que vos puxa, que vos ensina interiormente, que
vos faz sentir vossas necessidades, e em Jesus Cristo o verdadeiro
meio de saciá-las. Comei, bebei, vivei, alimentai-vos,
contentai-vos, saciai-vos. Se fordes insaciáveis, seja d'Ele, da sua
verdade, do seu amor; porquanto a Sabedoria eterna diz, falando de Si
própria: Os que Me comem ainda terão fome, e os que Me
bebem ainda terão sede. Oh!
Acabamos de ouvir da boca d'Ele: Aquele que bebe da água
que Eu der, nunca terá sede; e
ainda: Aquele que vem a Mim, nunca terá fome, e aquele que
crê em Mim, nunca terá sede. Jamais terá fome nem sede de
outra coisa senão de Mim; mas terá uma fome e uma sede insaciável
de Mim, e nunca cessará de desejar-Me.
Ao mesmo tempo que será insaciável, será todavia, saciado, porque
terá a boca na Fonte: “Os rios de água viva sair-lhe-ão
das entranhas. A água que Eu lhe der tornar-se-á nele uma fonte de
água que jorrará para a vida eterna”.
Ele
terá, pois, sempre sede da Minha verdade; mas também poderá sempre
beber, e Eu o conduzirei à vida em que ele nem sequer terá mais que
desejar, porque Eu o rejubilarei pela beleza da Minha Face, e lhe
satisfarei todos os desejos.
“Vinde,
pois, Senhor Jesus, vinde; o Espírito diz sempre: Vinde; a Esposa
diz sempre: Vinde. Vós todos
que escutais, dizei: Vinde, e aquele que tem sede venha; venha quem
quiser receber gratuitamente a água viva. Vinde, não se exclui
ninguém. Vinde, não custa nada, só custa querer. Tempo virá em
que já não se dirá: Vinde. Quando esse Esposo tão desejado vier,
então, não precisaremos mais dizer: Vinde. Diremos eternamente:
Amém, assim é, está tudo cumprido; Aleluia, louvemos a Deus; Ele
fez bem todas as coisas; fez tudo o que prometera, não há mais,
senão, que louvá-Lo.
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Fonte:
Bossuet, “A Eucaristia”, da
Coleção
Boa Imprensa, Cap. V, pp. 31-34; Livraria Boa Imprensa, Rio de
Janeiro, 1942.
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