Pequena
Explanação
São
Francisco de Sales estabeleceu a seguinte e importante máxima: “A
predestinação dos
religiosos está ligada à observância de suas regras”.
Santa Maria Madalena de Pazzi costumava dizer que, a obediência às
regras é o caminho mais direito para a salvação e a santidade.
Realmente, a observância das regras é o único meio de santificação
dos religiosos; nenhum outro caminho os conduz a seu termo. Um
Religioso, pois, que transgredir habitualmente qualquer prescrição
da Regra, por menor que seja, não adiantará nem um passo no amor de
Deus, ainda que pratique as maiores penitências e se dedique
constantemente à oração e a outros exercícios de piedade. Todo o
esforço de tais religiosos é vão e cumprem-se neles as palavras do
Espírito Santo: “Infeliz
é aquele que rejeita a disciplina; vã é a esperança dele, sem
fruto os seus trabalhos e inúteis as suas obras”.
As
regras não deixam de ser uma carga, mas uma carga como a das asas,
pois, por meio delas podemos voar até Deus. “O
jugo de Jesus Cristo tem asas que nos elevam acima da terra,
diz Santo Agostinho.
As
regras são prisões, mas prisões de amor, que nos ligam ao Sumo
Bem. Não são elas prisões vergonhosas, mas nobres e desejáveis,
que nos preservam das cadeias do Inferno.
Se
achas, pois, difícil privar-te daquilo que a Regra te veda e que teu
amor-próprio deseja, dize alegremente, com o Apóstolo: “Estou
prisioneiro, mas alegro-me de minhas prisões, porque ligam-me
estreitamente a Deus e asseguram-me a coroa eterna”.
A isso se refere também São Agostinho, quando diz: O
Senhor não te daria o colar áureo da
eterna glória, se não te prendesse antes com as cadeias da santa
Regra”.
Se
não puderes praticar grandes coisas por Deus, fazer rigorosas
penitências, empregar muitas horas na oração, observa ao menos
pontualmente as Regras e podes estar certo que isso só basta para
fazeres, em pouco tempo, grandes progressos no caminho da perfeição.
São Boaventura diz: O
melhor modo de tender à perfeição é observar tudo o que é
prescrito”.
À medida da fidelidade do religioso neste ponto, se mostrará Deus
liberal para com ele. Santa Teresa diz que os religiosos que observam
a Regra até nas menores coisas, voam e não andam para o cume da
perfeição.
Com
razão chama Santo Agostinho a Regra o espelho dos religiosos,
porque, do zelo com que observam a Regra, podem deduzir qual o seu
estado de alma. Um religioso, ao examinar como ele observa a Regra,
pode conhecer se ama a perfeição ou não, se faz progresso ou
regresso, se agrada ou desagrada a seu divino Esposo. Por isso,
convence-te profundamente que para te
fazeres santo não precisas praticar muitas coisas, mas unicamente
observar fielmente a tua Regra. Quando a Regra prescreve, por
exemplo, o trabalho ou o recreio o religioso procederia mal se fosse
então ao coro a rezar ou quisesse então praticar penitências.
Dedicar-se a tais exercícios intempestivos de piedade é, segundo o
Pe. Álvarez, oferecer a Deus coisas furtadas, isto é, um sacrifício
que Deus não aceita. “É
melhor ser um dedo e estar ligado com o corpo (da
Comunidade),
diz
um sábio escritor, do
que ser um olho, mas estar separado do corpo”.
O olho separado do corpo nada mais é, senão uma presa da corrupção.
Assim
pode bem ser que uma boa obra em si, mas contrária às prescrições
da Regra, desagrade muito a Deus e que, longe de ser para o religioso
um meio para a perfeição, seja até um impedimento, porque todos os
exercícios de piedade e boas obras contrárias à Regra são passos
fora do caminho e impedimentos na vida espiritual, diz Santo
Agostinho.
Aos
olhos do mundo, muitas Regras parecerão insignificâncias;
consideradas, porém, à luz da fé, tornam-se muito outra coisa. Nós
devemos considerar todas as Regras como muito importantes, parte
porque todas elas foram dadas por Deus e aprovadas pela Igreja, como
meios para a perfeição cristã; parte porque a transgressão delas,
mesmo das mais pequenas, faz perigar a disciplina da Ordem e traz
consigo a confusão à Comunidade toda. Como narra a Pe. St. Jure, o
Pe. Oviedo, sendo Reitor do colégio dos Jesuítas, em Nápoles,
insistia muito para que todas
as Regras, mesmo as menores, fossem observadas pontualmente. O Pe.
Bobadilla, porém, era de opinião de que não convinha incomodar os
religiosos com tantas insignificâncias, e tanto fez que desistiram
do antigo rigor. As consequências mostraram que ele não tinha
razão, porque, pouco a pouco, desapareceu o zelo e muitos não se
importavam mais com as Regras pequenas nem com as grandes e
abandonaram, finalmente, a Ordem. Sendo disso inteirado, S. Inácio
ordenou que todas as Regras deviam ser rigorosamente observadas e,
assim, se restabeleceu novamente a disciplina.
Os
que transgridem as Regras, sem necessidade, não encontram senão
aridez e desgosto na oração, na
santa Comunhão e em todos os exercícios de piedade. Por causa de um
só olhar curioso que Santa Gertrudes lançou sobre uma irmã,
contrário a uma inspiração interna, foi ela castigada por onze
dias com aridez espiritual. É justo que se colha pouco, quando se
semeia pouco. Como poderia ser o Senhor liberal para com um
religioso, concedendo-lhe graças e consolações celestes, se ele O
serve tão mesquinha e negligentemente? Talvez lhe concederia uma
graça preciosíssima, se observasse este ou aquele ponto da Regra;
mas, por causa de sua negligência, fica mui merecidamente privado
dela. “Por
uma pequena negligência, diz
o Beato Egídio, pode-se
perder uma grande graça”.
Mas
dirá alguém: Ora, as Regras não obrigam sob pecado. A isso deve-se
responder: Se bem que as Regras em si não obriguem debaixo de
pecado, contudo, ensinam os teólogos, que a violação de uma Regra,
por menor que seja, é ao menos um pecado venial, sempre que falte um
motivo suficiente para a sua transgressão, por que é
necessariamente por paixão ou por preguiça que se transgride
voluntariamente e sem motivo uma
Regra qualquer, e, por isso, essa transgressão nunca pode ficar
isenta de um pecado ao menos venial. São Francisco de Sales diz,
por isso, em seus entretenimentos espirituais, que, apesar de as
Regras da Ordem da Visitação não obrigarem debaixo de pecado, ele
não saberia como isentar de um pecado venial a violação delas,
pois, quando um religioso transgride a Regra, diz ele, desonra a
Deus, renuncia a seu estado, traz a confusão à Comunidade e frustra
o bom exemplo que devia dar aos outros. Segundo esse Santo, pois,
comete-se ainda o pecado de escândalo, quando se transgride a Regra
na presença dos outros.
Eu
disse que essa violação da Regra é, pelo menos, um pecado venial;
pois,
quando ela traz consigo um grande dano ou causa um grande escândalo
à Comunidade, por exemplo: se se violasse habitualmente o silêncio
prescrito, se se entrasse nos quartos dos outros, etc., não deixaria
de ser pecado grave.
Santo
Tomás ensina, que depois da emissão dos votos, a violação das
Regras e
Constituições, mesmo aquelas que não se referem aos votos, não
poderá estar isenta de um pecado venial. Será, porém, um pecado
mortal se a transgressão for feita por desprezo formal da Regra.
Ora, é impossível que alguém transgrida voluntariamente e
constantemente uma Regra, sem desprezá-la, porque é justamente o
desprezo a causa das transgressões voluntárias, nota São Bernardo.
Pode-se objetar, que esse desprezo não é patente e formal; porém,
mesmo assim, não se pode negar, como nota o mesmo Santo, que há um
desprezo oculto e tácito, que, sem dúvida alguma, basta para que se
cometa um pecado venial. Por isso, não é necessário, de forma
alguma, segundo Suárez, examinar mais de perto se a Regra obriga
debaixo de um pecado ou não, desde que é quase impossível
transgredi-la voluntariamente sem pecar.
Que
as violações voluntárias da Regra em si incluem pelo menos um
pecado venial, está fora de dúvida: primeiro, porque
o religioso que infringe a Regra, despreza a tendência à perfeição,
à qual ele está obrigado; segundo, porque ele não cumpre a
promessa feita na emissão de seus votos de observar a Regra;
terceiro, porque perturba a boa ordem da Comunidade por seu mau
exemplo; quarto, finalmente, e este é o motivo mais poderoso,
porque, transgredindo a Regra, faz a sua própria vontade e se afasta
da vontade de Deus.
A
violação da Regra certamente não é uma ação virtuosa; e também
não é uma ação indiferente, pois como poderia sê-lo, se ela
procede do amor-próprio, é um mau exemplo para os outros e perturba
a ordem do claustro? Ora, quando uma ação não é nem boa nem
indiferente, é má. Isso vale não só para os jovens religiosos,
mas também para os mais idosos. Estes até estão mais obrigados à
observância perfeita do que aqueles, e por duas razões.
Primeiramente, porque passaram mais tempo na Ordem; quem mais
estudou, deve ser mais sábio; assim também o religioso que esteve
mais tempo no convento, na escola do Crucificado, deve estar mais
adiantado na ciência dos Santos, isto é, na perfeição cristã. Em
segundo lugar, porque o exemplo dos mais velhos arrasta os mais novos
a observar ou a violar a Regra. Os religiosos mais velhos são os
fachos que iluminam a Comunidade; são as colunas que sustentam a
observância; se eles observam a Regra, observam-na
também os mais moços; se estes, porém, veem que os mais velhos
pouco se importam com a Regra, também eles pouco se incomodarão com
ela. Que aproveita os velhos exortarem com palavras os moços à
observância da Regra, se os demovem disso com o seu exemplo? “Mais
podem os exemplos que vemos com os nossos olhos,
diz Santo Ambrósio, que
as exortações que ouvimos com os nossos ouvidos”.
Para
observar rigorosamente a Regra, deves lê-la muitas vezes e examinar
em que faltaste e em que deves te emendar; é essa uma das melhores
leituras espirituais que podes fazer. Também é bom fazer
cotidianamente
um especial exame de consciência sobre aqueles pontos contra os
quais mais vezes faltas. Não deixes de te acusar diante do Superior
todas as vezes que cometeres uma falta e de lhe pedir por isso uma
penitência.
Se
quiseres observar perfeitamente a Regra, deves ter como motivo de
tuas ações o amor e não o temor, diz Santo Inácio de Loiola, isto
é, deves observar a Regra, não para te livrares das repreensões de
teus Superiores ou seres louvado pelos outros, mas unicamente para
agradares a Jesus Cristo. Pondera que só viveste aquele dia em que
renunciaste à tua vontade próprio e não transgrediste nenhum ponto
da Regra, diz Santo Euquério de Lião, isto é, considera só um tal
dia como verdadeiramente proveitoso.
Santa
Maria Madalena de Pazzi nos dá os seguintes conselhos quanto à
observância das Regras: 1.
Estima tua Regra tanto quanto estimas o próprio Deus. 2.
Representa-te que a observância da Regra inteira foi confiada a ti,
unicamente a ti. 3.
Quando os outros faltarem contra as prescrições da mesma, procura
reparar essas faltas com tua fidelidade.
Brevíssimo
Exemplo
Santa
Margarida Maria Alacoque
Se
a obediência não lhe tivesse moderado o fervor, o extremo desejo
que tinha de sofrer pelo amor de Jesus Cristo tê-la-ia levado a
praticar excessos. Tendo considerado um dia que a última queixa que
o Filho de Deus fez na Cruz foi da sede que sofria: sempre engenhosa
em achar novos meios para imitar seu divino Mestre, tomando parte em
seus tormentos, ela resolveu padecê-los cada semana, desde a
quinta-feira à noite até ao sábado seguinte, sem beber. Por mais
difícil que fosse esta abstinência praticou-a muito tempo, até que
a Superiora, tendo sido disto informada, lhe proibisse continuá-la;
e para pôr melhor à prova sua virtude, ordenou-lhe beber nestes
dias duas ou três vezes fora do tempo das refeições. Ela obedeceu;
mas, achou em breve novo modo de mortificar-se ao obedecer. Imaginou
que beber então da água mais suja que pudesse achar, não seria
agir contrariamente à obediência, e isto seria para ela o maior de
todos os tormentos. Só este pensamento a fez estremecer; nada mais
porém foi preciso para censurar a sua demasiada delicadeza, e para
se resolver a punir por ali sua liberdade. Assim fez vários meses,
com penas incríveis. A Superiora tendo sido informada da indústria
de que ela se servia para fazer-se sofrer, dissimulou a admiração
que lhe causavam um fervor e uma generosidade tão pouco comum;
chama-a, e repreende-a com tanta aspereza, e de maneira tão dura,
que esta santa moça considerou esta ação, digna na verdade da
admiração de todos aqueles que sabem julgar retamente da verdadeira
piedade, considerou-a, digo, pelo resto de seus dias, como uma das
maiores faltas de sua vida.
Um
dos mais seguros sinais com que se conhece infalivelmente se uma alma
é dirigida pelo Espírito de Jesus Cristo, é a estima e o amor que
tem da obediência, desconfiando continuamente de suas próprias
luzes, e sujeitando-se em todas as coisas aos sentimentos de seus
Superiores; é também por este sinal que sempre se pôde reconhecer
o Espírito de Jesus Cristo na conduta desta virtuosa moça.
Diz
ela nuns papéis que foram achados depois de sua morte, escritos de
seus próprios punhos: Conquanto meu divino Salvador, se tenha
tornado meu Mestre e meu Diretor, Ele não quer entretanto que nada
faça de tudo quanto me ordena, sem o consentimento de minha
Superiora, à qual quer que eu obedeça, por assim dizer, mais
exatamente que a Ele próprio; o que Ele me ensina particularmente é
desconfiar de mim mesma como do mais cruel e do mais poderoso inimigo
que eu possa ter; mas que se puser toda a minha confiança nele, e
tiver uma perfeita obediência, dependendo em todas as coisas da
vontade dos meus Superiores, dele me defenderá. Além disto,
proíbe-me que jamais me perturbe, seja do que for que possa
acontecer, considerando todos os acontecimentos da vida sejam
eles quais forem dentro da ordem da santa Providência e de sua
vontade, a qual pode quando lhe apraz voltar todas as coisas para a
sua glória. Uma vez achando-me num emprego que me tolhia
frequentemente o lazer de rezar a Oração com a Comunidade, isto
excitou em meu espírito, um dia de Páscoa, um pequeno impulso de
mágoa, do qual fui logo repreendida pelo meu Soberano Mestre,
dizendo-me: – Saiba que a oração de submissão e de
sacrifício me agrada mais que a contemplação, e que qualquer outra
especulação por mais santa que pareça. – Isto
imprimiu em mim tão grande paz, que desde esse tempo não senti mais
pena em tudo aquilo que minhas Superioras queriam de mim.
E
num outro trecho: “desde aquele tempo, diz ela, meu
divino Mestre não cessou de me repreender Ele mesmo de minhas faltas
e de me fazer conhecer a fealdade delas; mas o que lhe desagrada
extraordinariamente, e do que sempre me repreende de modo mais
severo, é a falta de respeito, e de atenção diante do Santíssimo
Sacramento, sobretudo durante o tempo do Ofício e da Oração. Ai de
mim! De quantas grandes graças me tenho privado então por uma
distração, por um olhar dado por curiosidade, por uma postura,
algumas vezes um pouco mais cômoda, e menos respeitosa; a dor que
sentia logo que percebia tê-lo desgostado em alguma coisa,
obrigava-me a ir prontamente pedir alguma penitência, pois este
divino Salvador me fez conhecer diversas vezes que a menor penitência
feita por obediência, lhe era mais agradável de que todas as
maiores austeridades de minha escolha; posso por isso assegurar, e
meu divino Salvador mo redisse cem vezes, que nada há que prejudique
mais a uma pessoa Religiosa de que a falta de obediência por pequena
que pareça, seja às Superioras, seja às Regras, e a menor réplica
neste ponto com algum sinal de repugnância, é um defeito
insuportável aos olhos de Deus.
– Enganas-te,
minha filha, dizia-me este divino Salvador, enganas-te pensando poder
agradar-Me com estes gêneros de ações, ou de mortificações, cuja
escolha foi feita pela vontade própria: sabe pois, que rejeito tudo
isso como frutos corrompidos pela vontade própria, que tenho em
horror, sobretudo numa alma Religiosa; e agradar-Me-ia mais que
tomasse todas as suas pequenas comodidades por obediência, de que se
agravar de austeridades e de jejuns por sua própria vontade.
Experimentei
que quando me ocorre fazer destes gêneros de mortificações sem a
ordem expressa de minha Superiora, este divino Salvador não me
permite sequer lhas oferecer, e delas me castiga na mesma hora. Um
dia querendo continuar uma penitência que a obediência me
impusera, ouvi a voz deste amável Salvador que me disse: O
que fizeste até aqui foi para Mim, mas o que vais
fazer agora é para o Demônio; o que me fez cessar
imediatamente e desde então resolvi antes morrer que me afastar o
mínimo que seja das ordens da obediência, à qual estou resolvida a
tudo sacrificar: inspirações, desejos, visões, graças
extraordinárias, etc.
Deus
mostrou por milagrosos efeitos quanto lhe era agradável esta
perfeita obediência.
“Fazei,
Senhor, que nos deixemos guiar
pela
nossa Regra e pelos nossos Estatutos,
a
fim de vivermos uma vida autenticamente Carmelita
e
proclamarmos o vosso amor diante dos homens…
Concedei-nos
fidelidade à vossa Lei,
para
que, guardando-a no coração,
(Manual
do Terceiro Carmelita,
Laudes
de Terça-feira – Preces, p. 147.
Sodalício
de Campos dos Goytacazes/RJ)
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