1.
Jesus Cristo. Filho, deixa-te a
ti e achar-me-ás a Mim. Nada possuas nem mesmo a tua vontade e
aproveitarás sempre. Quando te renunciares a ti sem reserva,
receberás graça mais abundante.
2.
Alma Fiel. Em
que, Senhor, hei de renunciar-me e quantas vezes?
3.
Jesus Cristo. Sempre e a toda
hora; nas coisas pequenas como nas grandes; nada excetuo, quero
achar-te despido de tudo. Do contrário, como poderás ser Meu e como
poderei ser teu, se interior e exteriormente não te despojares de
toda a vontade própria?
Quanto
mais prontamente fizeres esta renúncia, tanto melhor te sentirás, e
quanto mais perfeita e sinceramente a fizeres, mais Me agradarás e
maior será o teu proveito.
4.
Alguns há que se entregam a Mim mas com alguma reserva; porque não
confiam inteiramente em Deus, cuidam de prover a si.
Outros
a princípio oferecem tudo, mas, sobrevindo a tentação, retomam o
que haviam dado e por isso não progridem na virtude.
Uns
e outros não alcançarão a verdadeira liberdade do coração puro
nem a graça de Minha doce familiaridade, senão depois de uma
entrega total e da imolação contínua de si mesmos; sem o que não
há nem pode haver união fruitiva comigo.
5.
Já te disse muitas vezes e agora repito: renuncia-te, entrega-te e
gozarás de grande paz interior.
Dá
tudo para ganhares tudo; nada busques, nada reclames: firma-te,
resolutamente, só em Mim e ter-Me-ás. Teu coração será livre e
sem trevas que o obscureçam.
Teus
esforços, orações e desejos tendam a despojar-te de toda a
propriedade, para seguir só a Jesus, morrer a ti a fim de viver para
Mim eternamente.
Então
serás livre das imaginações vãs, das inquietações penosas e dos
cuidados supérfluos; então te libertarás também do temor
excessivo e do amor desordenado.
1ª
Reflexão
Muitas
vezes, em horas de bom humor tens feito belos propósitos, que afinal
nunca passaram de propósitos. És fácil em prometer e ainda mais
fácil em faltar ao que
prometes.
Donde
nascerá esta contradição entre as tuas palavras e as tuas obras?
Da
demasiada confiança que tens em ti mesmo e da pouca que pões em
Deus: na prosperidade presumes demasiado, na adversidade desces a um
desalento extremo. Um dia disse São Pedro a Jesus Cristo: eis
que nós deixamos todas as coisas e Te seguimos; qual há de ser o
nosso prêmio?
Comentando estas palavras exclamou São Jerônimo: grande
confiança: Pedro era pescador, não tinha sido rico, vivia do seu
trabalho e indústria e apesar disso diz com desassombro: deixamos
tudo. E, como não basta simplesmente deixar, acrescenta o que é
perfeito: e seguimos-Te.
Parece
que esta abnegação, em deixar tudo, era completa e que Pedro
seguiria a Jesus Cristo com fidelidade, tanto nos triunfos como nas
amarguras. Não aconteceu porém assim. Depois de ter comungado das
mãos de Jesus Cristo na noite da Ceia, e de ter comungado
santamente, Pedro caiu como um miserável. Tinha feito um propósito
formal de não negar a Cristo: ainda
que seja necessário morrer contigo não Te hei de negar;
e
pouco depois O negou, não uma vez só, mas três vezes, jurando que
nem sequer conhecia tal homem! É que Pedro, animado de boas
disposições e confortado com a Sagrada Comunhão, abandonara a
oração, e, de mais a mais, havia-se lançado temerariamente em
ocasião de delinquir. Terrível exemplo este! Oxalá, que o medites
bem, para não vires a negar o teu Mestre, como Pedro. Serás forte
se conheceres a fundo a tua fraqueza e fores diligente em recorrer a
Deus. O que presume de suas próprias forças já está vencido antes
de entrar em combate com seus inimigos.
2ª
Reflexão
Vós
o dissestes, ó meu Jesus: “Se
alguém quiser ser Meu discípulo renuncie a si mesmo, tome a sua
cruz e siga-Me”;
e ainda: “Aquele
que não renuncia a tudo que possui, não pode ser Meu discípulo”.
Não há que hesitar; é necessário escolher entre o mundo e Vós:
“ninguém
pode servir a dois senhores”,
e Vós não admitis partilha.
Quem
se busca a si mesmo, afasta-se de Vós. Vós não reinais plenamente,
Senhor, aonde existe ainda algum apego às coisas terrenas, alguma
vontade própria, alguma secreta complacência nos dons já da
natureza, já da graça, e vosso amor ali
está penando. Ah! Quem poderá, depois de ter gozado da alegria de
vossa união, recusar unir-se mais intimamente a Vós? Ó fraqueza e
loucura incompreensível do coração humano! Tão dificultoso é
pois, ó Deus meu, reconhecer o nada de tudo que não sois Vós, a
inconstância da nossa vontade, de nossos projetos, a vaidade de
nossos desejos? Quem não sabe que esses bens estéreis e miseráveis,
porque tanto nos cansamos, os havemos de deixar ainda antes de
morrer, que não levaremos para a sepultura senão um lençol, e que
nós com ele seremos em breve tempo reduzidos a pó?! Quais serão
nossos pensamentos nessa hora de supremo desengano em que todas as
ilusões se desvanecem?! De que nos servirão então as coisas do
tempo, quando não haverá mais tempo para nós?!
Feito
é, Senhor, estou resoluto a consumar o sacrifício que exigis dos
que Vos
querem seguir. Ninguém me fale mais do mundo nem de mim: quebrei os
últimos laços que a ele me prendiam. Morri a tudo que é temporal,
só viverei de agora em diante da vida de Jesus Cristo, que vive em
mim; este corpo é como o Sudário que me envolve; eis-me estendido
na sepultura, amortalhado com Jesus Cristo em Deus. Amém, assim
seja!
3ª
Reflexão
Bem
se deixa a terra e outras tais bagatelas; mas isso não basta para
ser perfeito, deve-se passar mais além. Muitos, é certo, deixam as
coisas exteriores, mas pouquíssimos há que deixem as suas
pretensões: têm-se ainda tantas belas esperanças disto e daquilo,
não se esvazia inteiramente o próprio interesse. Mas quanto aos
laços da vaidade, oh! Certamente é muito mais difícil desfazer-se
deles, e não sei se há alguém que não se prenda por esse laço;
pois o mal é tão comum e universal entre os homens que quase não
se acham os desvencilhados desse defeito.
Sabeis
um belo pensamento? Nosso Senhor diz ao seu querido São Pedro:
Quando
tu eras jovem, punhas teu cinto e andavas para onde querias; mas
quando fores velho, estenderás tuas mãos, e outro te cingirá e te
levará para onde não queres.
Os
jovens aprendizes no amor de Deus, cingem-se a si mesmos, e tomam as
mortificações que bem lhes parece: escolhem sua penitência,
resignação e devoção, e fazem sua própria vontade com a de Deus:
mas os velhos mestres no ofício deixam-se amarrar e cingir por
outro, submetendo-se ao jugo que se lhes impõe, e andam por caminhos
que eles não quereriam segundo sua inclinação. Verdade é que
estendem a mão; pois apesar da resistência de suas inclinações,
deixam-se voluntariamente governar contra sua vontade e dizem que
mais
vale obedecer que fazer oferendas,
e eis aí como eles glorificam a Deus, crucificando não só a sua
carne, mas o seu espírito.
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