25
DE DEZEMBRO
Em
749, ano da fundação de Roma, gozando todo o universo de uma
profunda paz, Jesus Cristo, Deus Eterno, e Filho do Eterno Pai,
querendo santificar o mundo com seu Santo Advento, tendo sido
concebido por obra do Espírito Santo, e tendo-se passado nove meses
depois de sua Conceição, nasceu em Belém, cidade de Judá, da
gloriosa Virgem Maria. Hoje é este dia tão solene no mundo, no qual
se celebra a Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo a carne.
Deste
modo anuncia a Igreja hoje a todos os fiéis o dia célebre do
Nascimento do Salvador do mundo, dia tão desejado, por tanto tempo
esperado, pedido com tantas instâncias pelos Patriarcas e Profetas,
e por quantos esperavam a Redenção de Israel; e este é o
Nascimento ditoso, cuja história vamos dar.
Nunca
tinha havido no mundo uma paz mais universal, do que a que então
reinava. Aproveitando-se o imperador Augusto desta tranquilidade
geral, teve a curiosidade de fazer o recenseamento das forças do
império, fazendo-se para isso uma descrição exata de todos os seus
súditos. Cirino teve a comissão de fazer o da Síria, da Palestina
e da Judeia; para melhor execução, ordenou que cada um fosse
inscrever-se na cidade, donde era originária sua família.
Logo
que se publicou o edito do imperador, São José partiu de Nazaré,
pequena cidade da Galileia, onde tinha seu domicílio, e dirigiu-se à
Judeia, à cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e da
família de Davi, para se fazer inscrever com Maria, sua esposa, que
estava nas proximidades do parto. Belém não passava então de um
lugar ou aldeia da tribo de Judá a duas léguas de Jerusalém. Não
foi pequeno trabalho para a Santíssima Virgem e para São José
terem de fazer quatro dias de marcha para irem da baixa Galileia até
Belém, primeira residência da tribo de Davi, da qual derivavam a
sua origem um e outro. Mas como ambos estavam perfeitamente ao fato
do Mistério, e sabiam que o Messias, segundo a profecia de Miqueias,
devia nascer em Belém, sofreram com gosto os incômodos da viagem.
Tendo
chegado a Belém, foram mal recebidos; não houve a menor
consideração nem por sua qualidade, nem pelo estado, em que ia a
Santíssima Virgem. A pobreza atraiu-lhes o desprezo e o abandono;
estando além do mais, as estalagens todas repletas de hóspedes, que
tinham concorrido de todas as partes, e entrando já de noite na
povoação, Maria e José, as duas pessoas mais santas e respeitáveis
do universo, a quem todos os homens deveriam render homenagem,
viram-se obrigados a retirar-se para uma espécie de curral ou
estábulo fora do povoado, onde então estavam um boi e um jumento,
tendo-o assim disposto a Providência divina em cumprimento das
profecias de Habacuc e de Isaías.
Uma
pousada tão abjeta não deixou de contristar a Mãe de Deus e São
José; mas era conveniente para Aquele que vinha ensinar a humildade
aos homens, e cuja grandeza e majestade são independentes de todos
os artifícios exteriores. Não ignorando a Santíssima Virgem a
hora, em que o Salvador devia nascer, passou com São José todo o
tempo que precedeu este nascimento em uma suave e amorosa
contemplação do Mistério que ia ter lugar. À meia-noite, sentindo
que o termo era chegado, deu à luz sem dor e sem lesão alguma de
sua pureza virginal a seu Filho Primogênito, e também Único Filho,
ao qual adorou prostrada por terra com aqueles transportes de amor,
de admiração e de respeito, de que só Deus pode conhecer o ardor o
preço e a medida. Tomando-O depois em seus braços, envolveu-O nos
panos que tinha trazido, e reclinou-O no presépio, onde se dava de
comer aos animais. Tal foi o berço que escolheu Jesus Cristo para
começar a confundir o nosso orgulho, e ensinar-nos a desprezar as
grandezas, as comodidades e todos os falsos bens do mundo. Fácil
será compreender que impressão produzira em São José à vista
deste divino Salvador, que por uma predileção particular havia
escolhido, para que fizesse para com Ele as vezes de Pai; quais
seriam os seus atos de adoração, amor e humildade aos pés de um
Deus feito Menino! Aos pés do Verbo Encarnado, Filho Único de Deus
Vivo, igual em tudo ao Pai! Aquele vil lugar, aquela abjeta gruta foi
então o lugar mais respeitável do universo. Nenhum Anjo deixou de
vir adorá-lO a este lugar; não houve um só que no primeiro
momento, em que este divino Infante veio à luz, não se desse pressa
de vir render-lhe suas homenagens.
Que
fundo de reflexões, meu Deus, não nos oferecem todas as
circunstâncias deste maravilhoso Nascimento! A Santíssima Virgem
busca uma pousada na aldeia de Belém; mas o grande concurso de gente
que chega a toda hora faz que não a encontre; reservam-se os
alojamentos para hóspedes mais ricos. A Santíssima Virgem e São
José talvez que houvessem tido um pobre canto, quando o procuravam;
mas, sem dúvida, que não havia em Belém lugar bastante pobre para
Jesus Cristo. Era necessário uma caverna, um curral, um estábulo
para acolher e albergar as duas pessoas mais dignas, mais amadas de
Deus, mas repelidas por todos e desprezadas em toda a parte. Ó
Salvador meu, como começais cedo a reprovar e a confundir a soberba
do mundo! Quem imaginaria que o Supremo Autor do universo havia de
nascer em lugar tão vil e desprezível? Que espetáculo tão
assombroso! Um Deus Menino, e este Menino-Deus para quem o Céu não
tem coisa bastante magnífica, e que firma um trono entre as
estrelas, está reclinado em um presépio, é aquecido e confortado
pelo hálito de dois animais, está exposto a todas as inclemências
da estação, enquanto que tantos reis, que são seus súditos,
nascem em palácios magníficos e na abundância de todas as coisas.
Ibi aula regia, exclama São
Bernardo, ubi curiae regalis frequentia?
Onde está o palácio deste Rei recém-nascido? Onde está o seu
trono, onde os oficiais de sua numerosa
corte? Nunquid aula est estabulum, thronus praesepium;
et totius aulae frequentia Joseph et Maria?
Seu palácio é o estábulo, seu trono é o presépio; Maria e José
compõem toda a sua corte. Queres saber, diz Santo Agostinho, quem é
o que nasceu desta sorte? Eu o direi a ti: É o Verbo do Pai Eterno,
o Criador do mundo, a Luz do Céu, a Fonte da paz e da
Bem-aventurança eterna, a Salvação da linhagem humana, O que traz
ao caminho os que se extraviam; enfim, Aquele que é toda a alegria e
esperança dos justos.
Não
obstante ter querido o Filho de Deus nascer em um estábulo, não
deixou de manifestar o seu Nascimento aos Judeus e aos Gentios. Os
Anjos anunciam-nO aos pastores, e uma estrela milagrosa aos reis
magos. Vigiavam uns pastores nos campos dos arredores, guardando seus
gados, porque sendo o inverno temperado e tardio na Judeia, podia
muito bem apascentar-se o gado por este tempo de noite. Apareceu-lhes
um Anjo mais resplandecente do que o sol; ao princípio ficaram
deslumbrados e cheios de temor; mas o mesmo Anjo que ocasionara esse
sobressalto tranquilizou-os, dizendo-lhes: Não temais,
porque sou portador da Nova mais alegre que podeis esperar, a qual
deve ser para vós e para todo o povo motivo de grande gozo:
Evangelizo vobis gaudium magnum, quod erit omni populo. Acaba de
nascer o Salvador em Belém, que vós chamais de Davi, o qual é o
Messias, o Salvador das almas, vosso Senhor e vosso Deus;
adorá-lo-eis envolvido em panos e reclinado muito pobremente no
presépio de um estábulo; estes são os sinais, por onde O haveis de
conhecer, e convencer-vos da verdade do que vos digo. Mal acabara o
Anjo de falar, eis que ressoou a música dos concertos angélicos,
que entoavam louvores a seu Senhor e seu Deus: Gloria in excelsis
Deo, et in terra pax hominibus bonae voluntatis,
glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de coração
reto. O Salvador que acaba de nascer traz e procura infundir uma e
outra.
Notai,
dizem os Santos Padres, que Deus não manda anunciar o Nascimento de
seu Filho aos sábios, nem aos ricos de Belém, porque a soberba, a
avareza, o prazer, são grandes embaraços para ir adorar um Deus
pobre e humilde. Os primeiros, a quem se anuncia Jesus Cristo são os
pastores, homens pobres, humildes, trabalhadores, porque são os mais
capazes de entrar por meio da sinceridade nos Mistérios da Religião.
Mas que sinais descrevem a esta pobre gente da Divindade deste Menino
e da verdade do Messias? Os panos em que está envolto, o presépio,
onde está reclinado e o estábulo. São estes os sinais, por onde se
há de chegar ao conhecimento da Suprema Majestade de Deus? Não por
certo; mas por estes sinais de pobreza e aniquilamento se chega ao
conhecimento de um Deus Salvador, que vem livrar os homens da
escravidão do pecado e da tirania das paixões. Mas que glória, a
que advém a Deus deste Nascimento! A Encarnação é a obra por
excelência de Deus; todas as divinas perfeições, o poder, a
sabedoria, a bondade, a justiça, a misericórdia, resplandecem aqui
do modo mais excelente. Jesus Cristo vem reconciliar o mundo com seu
Pai, destruir o pecado, domar o Demônio, sujeitar a carne ao
espírito, unir as vontades dos homens entre si e com a de Deus.
Com
razão pois se anuncia hoje paz àqueles que foram dóceis à
doutrina e às graças do Salvador.
Os
pastores não desprezam o aviso que o Céu lhes enviou, ao contrário
disso, exortando-se uns aos outros a irem ver estas maravilhas,
partem sem perda de tempo, chegam a Belém depois da meia-noite, e
tendo achado o estábulo, entram nele penetrados de uma unção
admirável da graça, que em suas almas derramava interiormente
aquele divino Menino; prostram-se a seus pés, adoram-nO como a seu
Deus e Salvador, e tendo feito seus cumprimentos à Santíssima
Virgem e a São José, voltam a seus rebanhos cheios de um gozo
inefável; não cessam de glorificar ao Senhor por todas as coisas
que viram e ouviram, e contam-nas com sua natural sinceridade a
quantos encontram. Todos os que os ouviram, diz o Evangelho, ficaram
atônitos das coisas que souberam e aprenderam da boca dos pastores.
“Ó
amor inefável! Exclama aqui
Santo Agostinho; ó caridade incompreensível, cujo preço
somos incapazes de conhecer! Quem teria jamais podido imaginar que
Aquele que está no seio do Pai desde a eternidade, havia de nascer
de uma mulher no tempo por nosso amor? Que honra e que glória a tua,
ó homem, acrescenta o mesmo
Padre, que um Deus se haja dignado fazer-se teu irmão!”
“Quis nascer assim, diz São Pedro Crisólogo, porque assim quis ser amado”.
“No Nascimento de Jesus Cristo,
diz São Bernardo, o presépio grita-nos altamente que
devemos fazer penitência; o estábulo, as lágrimas, os pobres panos
pregam a mesma virtude. Tudo prega no Nascimento do Salvador, tudo é
instrutivo, tudo é lição, e tudo nos diz que em qualquer condição,
em que tenhamos nascido, em qualquer estado, em que vivamos, seja vil
ou eminente o posto, que ocupamos no mundo, é necessário que o
nosso coração esteja desprendido dos bens e prazeres desta vida; é
necessário que sejamos humildes, penitentes, mortificados, se
queremos que o Nascimento do Salvador nos seja útil, se queremos ter
parte na Redenção".
A
festa da Natividade do Salvador, que sempre tem sido das mais solenes
da Igreja, o Advento que a precede, e que por muitos séculos foi um
tempo de jejum, como o é ainda hoje para muitas comunidades
religiosas; as orações e a solenidade dos oito últimos dias do
Advento, as três Missas que cada Sacerdote diz neste dia; tudo isto
está denotando a celebridade da festa. Em todos os tempos se tem
celebrado o dia aniversário dos príncipes em todas as cortes e em
todos os povos.
E
poderia ser menos célebre para os fiéis o dia de Natal do seu
Salvador? Esta consideração pesou no juízo da Igreja, quando,
vendo-se forçada a abolir todas as vigílias que estavam em uso,
deixou a da Natividade por causa da solenidade do dia. A Tradição
desde os Apóstolos até nós fixou sempre a célebre época deste
Nascimento no dia 25 de Dezembro, e a Igreja conta os anos da
Redenção pelos da Natividade, e neste cálculo tem disposto todos
os Ofícios, como se conclui da ordem de sua liturgia e dos antigos
martirológios, fixando o começo do ano eclesiástico no dia do
Nascimento do Salvador do mundo.
Pelo
que respeita às três Missas que diz o Sacerdote neste dia, este uso
estava já estabelecido na Igreja no tempo do Papa São Gregório, aí
pelo ano de 600; pois este doutor adverte que o tempo, que se emprega
em dizê-las, devia ser motivo para neste dia se abreviar o tempo
destinado à pregação. O sentido místico das três Missas neste
dia, tem dado lugar ao estudo dos fundamentos deste rito
extraordinário. Uns julgam que era para honrar particularmente cada
uma das Pessoas da Santíssima Trindade, que tão notável parte
tinham neste Mistério. Outros creem, como o Salvador nasceu à
meia-noite, que a Igreja tem o intento de santificar esta primeira
manifestação do Salvador com outra Missa, e a terceira é a que se
diz solenemente, quando congrega o povo para celebrar as grandes
solenidades. Outros dizem que a Missa da meia-noite era para honrar o
Nascimento temporal do Salvador; a que se diz ao amanhecer para
honrar o tempo da Ressurreição, e a terceira que se diz solenemente
perto do meio-dia, era em honra do Nascimento eterno no seio do Pai.
Pelo
que diz respeito à gruta sagrada, onde quis nascer o Salvador,
sempre foi objeto da maior veneração. É verdade que o imperador
Adriano em ódio aos cristãos mandou levantar em cima um templo
consagrado a Adônis, esperando apagar com esta sacrílega profanação
a memória de um lugar tão respeitável; mas não obstou tudo isto a
que os próprios pagãos olhassem este santo lugar com respeito, e
dissessem sempre: “este é o lugar onde o Deus dos
cristãos quis nascer”.
Cessando as perseguições, demoliram o templo dos pagãos e
edificou-se em seu lugar uma igreja magnífica, forrada de folha de
prata, as paredes embutidas de mármore. Edificaram-se muitos
mosteiros ao redor; e o que o tornou mais célebre foi a predileção
que São Jerônimo teve por este sítio, que escolheu para morada. O
presépio santificado com o contato do Salvador, foi levado depois
para Roma, onde se conserva com muita veneração na célebre igreja
de Santa Maria Maior, que por isto se chama de Santa Maria ad
praesepe.
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Desejo a Todos
um Santo e Feliz Natal
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